Talking Heads 04 Found A Job Live



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THIS YEARS MODEL- ELVIS COSTELLO AND THE ATTRACTIONS

   O segundo disco do Elvis Costello saiu aqui no Brasil mas ninguém comprou. Em 1978 quem gostava de rock estava ocupado ouvindo Aerosmith e Kiss e tendo a certeza que o Rush era o futuro do rock. Well....de certo modo Aerosmith, Kiss e Rush foram o futuro do rock. BUT! Se a gente ouvir uma bandinha nova inglesa e ouvir Elvis Costello de 1978 em seguida vai perceber que o som é o mesmo. Talvez a única diferença é que a bandinha nova parece limpinha e os Attractions eram very dirty. Hoje o rock é feito por gente que nasceu mimada e cresceu entediada. Elvis cresceu na insegurança e nasceu com genes de raiva. Com a idade ele virou um tipo de Paul MacCartney azedo, mas nos seus primeiros anos ele era um principe. A idade nos rouba anger, raiva, indignação e acrescenta o medo e a preguiça. Fazer o que? Iggy ou Lou não são a regra.
  Em meio ao rock pretensioso e muito produzido dos anos 70, Elvis e sua turma criaram um tipo de rock meio retrô. Limaram os solos, as orquestras, os super shows, os meses de estúdio, e passaram a gravar rápido, cantar direto e tocar simples. Com urgência e com raiva. A fórmula em 2014 me irrita de tão manjada, mas é predominante no dito indie-rock. O interessante agora seria fazer discos com gigantismo. 
  Pump It Up é uma obra-prima, mas não é a única. As 12 faixas variam do bom ao genial e a banda é sempre perfeita. O teclado é tosco e ritmico, o baixo dá um show de swing e o batera, como disse Ezequiel Neves na época, era um maluquete. 
  Reouvi Elvis após uma entrevista de Bruce Springsteen, de 2013, em que ele conta que em 1978 escutava muito Elvis Costello. E que Darkness in The Edge of Town, o disco mais descaralhado de Bruce foi feito sob esse clima. Bem, em 1978 eu ouvia de novidade apenas Cars e Blondie. Ah, e Kraftwerk. Nada chegava aqui e o que chegava era atrasado. Não é desculpa, claro, nas importadoras havia Specials, Clash e até o Talking Heads.  A novidade parecia ser Queen.
  Ouvir este disco hoje nada te trará de novo. Parecerá apenas um bom disco de rock inglês tipico. O que voce deve ter em mente é que Elvis é o cara que ajudou a criar esse tipo de sonoridade. E entender que num meio saturado de Supertramp e de Pink Floyd, esse som era uma ofensa. 

Elvis Costello & The Attractions (Rockpalast 15/6/78) - Pump It Up



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CHARLIE E XIITAS

   Eu lia Wolinski na revista Status. Isso lá por 1978. No mundo feito pelo cristianismo ele despertava ira. Poderia até ser processado, mas nunca morto. Claro, um louco podia matar. Mas não por uma fé maluca numa religião desvirtuada. Mas o que Tony? Mundo feito pelo cristianismo? Sim. Na base da religião cristã se planta a dúvida. Jesus nunca se impõe, se deve duvidar e o aceitar. E assim é. Um Deus que se deixa matar é um Deus que exige a dúvida. Por isso nossa filosofia é toda baseada na pergunta, na dúvida, no erro possível. 
  Isso inexiste para esses xiitas. E por isso eles são incompreensíveis para nós. Neles inexiste a dúvida. Eles querem, podem e nunca questionam. Nós, seres questionadores, que duvidamos todo o tempo ( de nossa fé, de nossa razão, de nossa inteligência ), nada podemos contra eles. Pois a dúvida leva à paralisia, a certeza leva à ação. 
  O fanatismo cristão pode chegar à censura e a perseguição. Nunca ao assassinato glorioso. Pois mesmo na inquisição havia um processo ( falso, mas havia ), um perdão e um sofrimento. Júbilo jamais. E aberto, exposto como sempre esteve às heresias, dúvidas, críticas, o cristianismo foi se adaptando, se isolando, tentando seguir o homem em sua busca pela verdade.
  Nada disso existe no mundo xiita. Para eles a verdade foi alcançada. Para eles nada é duvidoso. O movimento inexiste pois tudo é como deve ser. E nesse mundo correto, NÓS somos o mal. Infiéis. Perversos. Sujos. Imorais. 
  Claro que não estou falando do islamismo. Estou falando dos xiitas. Mas no ventre do islamismo existe a ideia de guerra santa e de inimigo infiel. O espaço foi dado.
  Ando lendo Peanuts. O mundo judeu de Charles Schulz. Mundo repleto de anseios, medos, hesitações, e de auto-ironia. E vi hoje, na rede, um desenho de Charlie Brown, chorando, e com uma legenda: Je suis Charlie. Eu sou Charlie.
  O ocidente precisa ser salvo.

CARTAS EXTRAORDINÁRIAS, ORGANIZAÇÃO DE SHAUN USHER. UM MONUMENTO À HUMANIDADE

   É inestimável o valor deste livro. Parabéns à Companhia das Letra por mais este lançamento. Livro grande, poderia ter uma capa dura, mas isso o deixaria ainda mais caro. Tudo bem.
   Falei deste livro hoje, na USP, numa aula excelente sobre Bergson, Proust e Benjamin. Citei a forte impressão de tempo que ele me causa. Vou repetir o que disse à classe: - Lí duas biografias de Heminguay. Adorei. Mas nenhuma delas me deu uma sensação tão forte de PRESENÇA, de realidade viva, quanto uma carta contida neste livro, carta que Ernest mandou à Scott Fitzgerald comentando SUAVE É A NOITE, novo livro de Scott. A gente sente o bafo de Heminguay!
  E o livro todo é assim. Como se vozes brotassem das folhas. Cartas, cópias das cartas, as caligrafias, os erros, os riscos, os carimbos. Aqui há uma intimidade sublime, o particular, a pessoa em alma, nua. E o melhor, as cartas que mais me tocaram não são aquelas de famosas. São as cartas de anônimos, cartas que, devo dizer, eu que nunca choro com texto escrito, sou um chorão, melhor, fui um chorão, com música e filmes, mas jamais chorei lendo um livro. Pois aqui eu chorei quatro vezes, as quatro por ser tomado por beleza, por tomar contato com a maravilhosa beleza do ser humano, mais e além, com sua gigantesca dignidade. Nobreza.
  As quatro, que jamais ousaria transcrever são:
  Francis Carr-Gonn, um perfeito anônimo, escreve para o jornal The Times, na Londres de 1850, para pedir ajuda, caridade da população em pró do Homem Elefante. Francis trabalha no hospital onde ele vive, isolado, e roga por dinheiro para que o pobre homem possa ser tratado. A população prontamente enviará dinheiro ao jornal e temos uma segunda carta de agradecimento.
  Jourdon Anderson para seu antigo dono. Um ex-escravo, agora livre e trabalhando, recebe uma carta de seu antigo dono. Este pede que ele venha trabalhar com ele, como empregado pago e livre, para o ajudar a reconstruir a fazenda destruída pela guerra de secessão. Jourdon dá a resposta. De uma elegância e de uma inteligência desmoralizante para qualquer racista. É uma das mais belas coisas que já li.
  Dama Shigenari para Kimura Shigenari. Ela escreve ao marido que morreu. Confessa que irá cometer harakiri para poder o encontrar. A dor que ela descreve, em poucas palavras, é absoluta.
  Tio Lynn para Chuck e irmãos. Essa foi a que mais me fez chorar. E não porque fala de um cão, mas sim por exibir o tio que todos nós precisamos ter. Com extrema poesia e tato, o tio Lynn consola seus sobrinhos que tiveram o cachorro Ted tirado deles. Ted morreu. Tio Lynn inventa uma história e consegue transformar a dor em esperança. Detalhe: o menino Chuck, na época com oito anos, dono do Ted, seria no futuro Chuck Jones, criador do Road-Runner, diretor dos melhores cartuns do século.
  Mas há muito mais. A carta de Dostoievski, escrita para o irmão, a de Beethoven, onde ele confessa sua surdez. A nota de despedida de Virginia Woolf. A despedida de um kamikaze. Da Vinci pedindo um emprego. Uma hilária carta de Steve Martin para um fã. Uma genial de Groucho Marx para Woody Allen. Cartas de mães obrigadas a largar os filhos, uma carta aterrorizante de Jack o Estripador. Einstein, Reagan, a Rainha Elizabeth...Não uma só carta não interessante, e quase todas emocionam.
  É um livro muito obrigatório, quase sagrado, humano ao extremo. Uma viagem por entre espiritos, testemunhos, verdades. Palavras, palavras como coisas sagradas. Um privilégio poder ler.

Miles Davis Quintet 1954 ~ Oleo



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A LIÇÃO DE MILES DAVIS

   ...MAS EXISTE MILES. E ele nos diz, jamais olhe para trás. 
Engraçado o fato, JAZZ nunca me recorda nada. É o anti-saudosismo. Jazz corre adiante? Ou seria a celebração do momento? Acho que não. JAZZ é só música. Pura, sem querer dizer nada mais que som. Música abstrata. Mesmo JAZZ carregado de emoção, o que NÃO é o caso de Miles, é abstrato. Nada de história, ritmo. A pulsação da vida. Agora.
  Miles saiu da heroína sózinho. Se trancou num quarto numa cidade onde não conhecia ninguém. E ficou lá. Morrendo. Suando. Gemendo. E voltou. Voltou com históricas gravações de 1954. Voltou com outro som. Nú. 
  29 de junho de 1954. Miles entra no estúdio e sai com oito gravações. ( Para comparar, hoje Beyoncé entra com quatro produtores e cinco arranjadores e sai com uma canção após um mês ). Com Miles estão: 
  Sonny Rollins. Horace Silver. Percy Heath e Kenny Clark.
  Sonny mandou brasa com seu saxofone redondo. Horace detonou com o dedilhado cool e discreto. Percy era o cara! O ritmo das cordas de seu baixo de vento. E Kenny, o batera dos anos 40 que inventou o jeito novo de swingar: a batida extra, fora do tom, na caixa, marca registrada, desde Kenny, de TODO baterista de JAZZ.
  Os caras entraram no estúdio e tiraram seus paletós. Cigarros empestearam todo o lugar. Camels fedidos. Miles não fala nada e quando fala ele fala baixo. Os caras sabem, o cara é um duende. Ele está aqui mas nunca está aqui. Ele só fala na hora de contar: 1,2,3...e a voz é assustadora. Cavernosa.
  Oleo é um estouro. Airegin é uma revelação. Doxy é uma mina. Tudo cheira a calcinhas. E a Camels fedorentos. Cada faixa é gravada em três takes. 
  Os caras colocam os paletós e saem. Miles entra em seu carro, um Packard preto. Sonny vai a pé. Silver anda com ele. Kenny fica no estúdio e Percy foi tomar um café na esquina.
  Amanhece. 
  Os caras nunca morrem. Como falei, JAZZ é only music. E música baby, música não morre.












Summer of '42 (1971) - Ending Scene



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HOUVE UMA VEZ UM VERÃO ( SUMMER OF `42 )- ROBERT MULLIGAN, HERMAN RAUCHER E MICHEL LEGRAND

   ...naquele verão eu perdi aquele menino para sempre.""
   Essa é a frase que fecha o filme Houve Uma Vez Um Verão, imenso sucesso de bilheteria e de crítica em 1972. É incrível como certos filmes nos marcam para sempre. Este, que em minha mente tem um aspecto de sonho, é o segundo filme que mais me marcou. ( O primeiro é O Sonho de Uma Noite de Verão, de Max Rheinhardt, me marcou tanto que até o advento da versão em dvd achava que fora um sonho que eu sonhara na infância ).
  Assisti este Summer of `42 em 1976, numa TV em p/b na Globo, sábado de noite, 11 horas. Continuo achando que todo menino romântico, e qual não é? , deveria o assistir. Ele caiu sobre mim como uma antecipação daquilo que seria minha vida. As pegadas de meu futuro. Um milagre que só a arte pode fazer, traçar o que virá usando o passado de alguém como tema.
  Estamos em 1942, numa cidadezinha de veraneio, beira do mar. Jovens amigos passam lá o verão, sem nada para fazer. Aprontam, riem, brigam, correm e pensam todo o tempo em sexo. Uma mulher jovem e bonita chega para morar sozinha. Eles começam a fantasiar sobre ela. A observam. Um deles, o narrador, o mais quieto, se aproxima dela, desajeitado. E nesse processo se desinteressa por seus amigos bobos. Ela receberá uma carta dizendo que seu marido morreu na guerra. O menino dançará com ela, e o narrador, em 1972, adulto, nos diz que nesse momento ele o perdeu para sempre.
  O filme é apenas isso. De uma simplicidade franciscana. Porém, de uma beleza luxuosa. A fotografia, e este filme me ensinou a reparar na fotografia, cheia de filtros e de suavidade, é de Robert Surtees. A trilha sonora, uma das mais famosas da história, é de Michel Legrand. Durante anos eu chorava quando a escutava. Isso porque naquela noite, sem esperar por isso, eu chorei pela primeira vez com um filme, música ou qualquer outra coisa. Entenda, não chorava desde os 9 anos. E esses meus choros sempre foram por surras ou castigos. Com este filme pela primeira vez chorei por beleza. Não por alguma coisa que ocorrera comigo, mas por ver algo de profundamente belo. Lembro que de manhã tive de compartilhar isso e falei do filme para meu pai. Ele nada entendeu e disse que se chorei era melhor não ter visto. Talvez meu pai estivesse certo.
  Revisto hoje, Summer of `42 não tem nem metade da emoção que eu recordava. Mas eu também não sou mais nem metade do poeta que fui. O garoto que viu o filme em 1976 foi perdido para sempre por mim. Mas não importa. Se nesses anos todos ele perdeu sua aura, e tudo a perde, como adivinhou Benjamim, em minha memória ele será sempre uma carta cheia de perfume e de linhas bem escritas. Um lembrete, vivo, muito vivo, do lugar de onde vim e do lugar para onde estou indo.
  Lindo.

VIVER É COMER, UM DIÁRIO DE AMANTES DA GASTRONOMIA- JAMES E KAY SALTER

   Saiu agora este livro que tem cara de férias. Na capa, cor de pêssego, uma linda gravura. Uma taça de tinto, um prato com Roquefort, pão, uma faquinha com cabo de osso. Um livro antigo, sopa de cebola, pão tostado, queijo ralado e flores. Fabrice Moireau ilustrou o livro. Os desenhos são perfeitos. Realistas e etéreos. Pequenos.
   O livro é organizado como um diário. Cada página é um dia e em cada dia há um texto sobre alguma coisa relacionada a comida ou bebida. De Balzac à Nero, de Raleigh à Don Johnson. Por exemplo, pego ao acaso o dia 29 de maio. Nesse dia eles falam de Bulwer-Lytton, que cunhou uma bela frase sobre o paladar. Ou então, no dia 6 de junho, se fala sobre o linguado. O motivo de se falar do linguado em 6 de junho é explicado no próprio texto.
   Confesso que esperava muito mais do livro. Ele é bem feito, bonito, mas lhe falta o principal, leveza. O texto é pobre em espírito. Poesia ausente, humor nenhum. Voce lê com prazer por causa, e só por causa, do tema. O estilo, inexistente, quase destrói a delicia do tema.
   De qualquer modo foi um belo presente. Presente que objetivou o prazer. O verão. O tempo livre. Valeu.

MARIO PEIXOTO, O ÚLTIMO DOS ESTETAS

   Na madrugada de 2015, com calor, sem querer me deparo com a imagem de nuvens que se dispersam no céu. E uma voz que fala. Que a realidade não o interessa. Que ele nem mesmo acredita na realidade. Sim, ele pode ver essa tal realidade. Mas ela não o atinge. Não lhe importa.
  O documentário sobre Mario Peixoto é lindo de doer. Poesia em forma de video. Tem até mesmo Satie na trilha sonora. Ao som de Satie até ler um jornal se torna poesia. Porém a poesia maior está em Mario. Nas cenas em que ele fala. Em sua vida. Em seu filme. E percebo, vendo-o falar, que Mario Peixoto, que morreu nos anos 90, foi das últimas provas. Ele provava que era verdade, as pessoas foram um dia mais poéticas, mais calmas e delicadas, as pessoas foram um dia, maiores.
  E mesmo assim Mario nasceu na hora errada. E, claro, no lugar errado. Mario poderia ter sido um austríaco de 1800.
  Tudo nele tem modos de aristocrata decaído. Ou melhor, anjo. E poderia ser personagem de Nabokov. Afinal, ele foi um desconsolado estudante inglês, odiando o clima e fazendo amizade com dois japoneses. Em Londres ele assiste Metrópolis, e isso muda sua vida. Apesar do fato de que ele é muito mais Murnau que Lang. Volta ao Rio e vira cineasta. Seu filme, Limite, é considerado o maior dos filmes feitos aqui. 
  O documentário de Sergio tem cenas de Limite. E sabemos que 1929 foi o apogeu da linguagem do filme silencioso. E que o cinema sonoro veio atrasar a arte dos filmes. Toda a linguagem moderna do silencioso foi abandonada. Para se criar um novo modo, com som. A imagem se desvalorizou. Limite é imagem. Ensina a ver.
  Depois vem o resto. Mario fracassa em seu segundo filme. Pode-se dizer que ele errou por delicadeza. E foi viver num sitio a beira mar. E fez nesse sitio sua maior obra, viveu. Os empregados dizem que ele levava um mês para plantar um pé de qualquer coisa. Why? 
  Mario explica: Porque o tempo, ele não existe. Passado e futuro, eles são invenções. E sem tempo, além do tempo, Mario criou seu mundo.
  Sensibilidade refinada, ver Mario falar é ter contato com a sensibilidade que não mais existe. Ele é um Tilacino, um Dodo, um babilônio. 
  Ver este documentário é um privilégio.
  Usei a palavra fracasso? O que significa fracasso para quem viveu o que quis?

Onde a Terra Acaba (Sérgio Machado, 2001)



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