SE PUDER DIRIJA/ PAOLO SORRENTINO/ RUBEN ALVES/ JOSÉ WILKER/ FRED ASTAIRE/ KISS ME KATE!

   NAS ÁGUAS DA ESQUADRA de Mark Sandrich com Fred Astaire, Ginger Rogers e Randolph Scott.
Não é dos meus Astaire/Rogers favoritos. Ele é um marujo que em férias se envolve, na verdade reencontra, sua ex-partner de show. O filme foi feito para provar que Astaire era macho. Desse modo o vemos mascando chicletes, praguejando, apostando, sendo do povo. Prefiro seus filmes ultra-refinados. Claro, ele dança. E Ginger é maravilhosa! A trilha, fantástica é de Irving Berlin. Nota 7.
   TOP HAT de Mark Sandrich com Fred Astaire, Ginger Rogers, Edward Everett Horton
Para a maioria é o filme número um da dupla. Eu adoro este filme, mas prefiro Shall We Dance e Gay Divorcée. Uma trilha sonora fabulosa de Irving Berlin. Fred é um dançarino em hotel que perturba com seu sapateado a vizinha Ginger. Acabam por se apaixonar. E brigam, e voltam...Se o enredo é convencional os diálogos não são. Eles brilham em humor e esperteza. Cenários brancos e brilhantes, figurinos inesquecíveis e as danças enevoantes da dupla. Ruy Castro diz que a Veneza de papelão deste filme é como Veneza deveria ser. Um sonho em P/B. Nota Dez.
   KISS ME KATE! de George Sidney com Howard Keel, Kathryn Grayson, Ann Miller, Bob Fosse
Escrevi sobre esse filme abaixo. É um dos meus dez musicais favoritos. A trilha de Cole Porter é perfeita. Tem humor, romance, chic e criação. Keel nunca esteve melhor, um Petruchio perfeito. É um filme que dá uma forte sensação de sonho. Equivale a dormir acordado. Muita cor, muita beleza, muita diversão. Um testemunho da decadência de nossa civilização é o fato de não mais se fazerem filmes como este, tão urbanos, elegantes e educados. Um arraso! Nota DEZ!
   A GRANDE BELEZA de Paolo Sorrentino com Toni Servillo
Escrevi sobre ele abaixo. Um grande filme. Tem o melhor do velho cinema italiano, invenção e aquela mistura de humor e melancolia que só os italianos sabem fazer. O estilo é Felliniano. Tipos e rostos INTERESSANTES, mistura de tempos, sonho que se confunde com o dia a dia...Ainda haverá gente nos cinemas que entende um filme tão sofisticado? Cenas de imensa beleza. Inesquecível. Nota DEZ.
   A GAIOLA DOURADA de Ruben Alves com Rita Blanco, Joaquim de Almeida
Uma co-produção luso-francesa que foi um grande sucesso nos dois países. Ainda não passou por aqui. Fala de imigrantes portugueses que vivem em Paris. Um deles recebe uma herança e resolve voltar a sua terra. Mas os patrões, franceses, fazem de tudo para que ele fique. O tema fala direto a minha vida. 90% de meu sangue está em Paris, nas veias de imigrantes que lá vivem a mais de 40 anos. E mesmo assim eu achei o filme chato. Falta fogo, algum tipo de animação, de trama, Ele é solto demais, colorido demais, óbvio demais. Porque tanto sucesso? ( Foi o maior hit de 2013 na França ). Nota 3.
   CASA DA MÃE JOANA 2 de Hugo Carvana com José Wilker, Paulo Betti, Antonio Pedro
Quer saber como era o Brasil em 1973? Veja este filme. Apesar de ser de 2013 e se passar em 2013, seu humor é aquele de 1973. Não sou moralista, mas esse tipo de malandro carioca de 1973 hoje parece muuuuito imoral. Seus golpes, antes inocentes e hilários, agora nos irritam por recordar Brasília. A gente não aguenta mais malandros simpáticos dando golpes bem-humorados! O filme então desaba. ZERO!
   SE PUDER DIRIJA de Paulo Fontenelle com Luiz Fernando Guimarães, Leandro Hassun e Gianechinni.
É útil ver este filme. Ele nos ensina como NÃO se deve dirigir uma comédia. Chega a ser um mistério saber o que o diretor Fontenelle queria. Destruir o roteiro? Humilhar o elenco? A trama é aquela que os americanos fazem de olhos fechados, um pai e sua relação dificil com ex-mulher e filho. Uma trapalhada no trabalho e no fim a reconciliação com o filho. Chevy Chase e Billy Crystal fizeram toneladas de filmes assim. E todos são pelo menos simpáticos. Porque sabem ter ritmo, algo que Fontenelle desconhece. Suas cenas são longas, paradas, silenciosas, frias, esticadas, sem time nenhum. Será que ele queria dar uma de Jacques Tati e fazer humor delicado?? Putz, como ele se acha! E como errou feio!!! O filme é amador. ZERão!!!!

The Faces - Documentary interview from 1970



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MEU AMIGO RODERICK STEWART ( uma bio duca! )

De todos os astros do rock cujas bios eu li, Rod Stewart é aquele de quem eu gostaria muito de ser amigo. O cara é legal, simples, gente boa. E a forma que ele escolheu de contar sua vida demonstra isso. Nada da confusa história cheia de lacunas de Keith Richards, nada da detalhada e melô bio de Paul MacCartney. O drama sem humor de Clapton também não está aqui e nem a coisa arty de Patti Smith. Rod é engraçado. Tudo o que ele conta é auto-irônico, lê-lo é um prazer e uma alegria. Ele foi e é feliz, não tem vergonha disso, nunca tenta ser herói. Ele é o Rod do Faces, aquela que foi a mais feliz das bandas.
Cada capítulo usa o tipo de título que era usado por Swift, Fielding e Sterne..."Como nosso herói perdeu a virgindade e ao mesmo tempo foi descoberto por um olheiro de futebol". Roderick Stewart foi o caçula de uma familia grande. Era fruto de um acidente, sua mãe engravidou sem querer, seu irmão mais próximo era 9 anos mais velho. Rod nasceu, e como último bebê, foi mimado. Seu pai era um encanador, e longe de serem ricos, nunca passaram privações. Sempre vaidoso ( Rod sempre dá um jeito de falar de seu cabelo, e tira uma de si-mesmo sobre essa mania de arrumar os fios ), ele amava futebol. Desmistifica certas lendas tipo, não, ele nunca foi jogador profissional ( fez uma peneira, não passou ), nunca foi coveiro ( mediu túmulos por uma semana, aí foi demitido ), não era mal aluno...e nem bom...era quieto. E jamais pensou em ser cantor. O que ele gostava e gosta mesmo é de futebol e de carros esporte. O ato de cantar vem em quarto lugar, pois ainda existem as mulheres. Muito da má vontade de certos críticos com ele vem daí, na época dos heróis do rock, dos drogadões, dos "tudo pelo rock", Rod Stewart sempre disse que estava nessa para poder ter um carro novo.
A gente lê página e mais página adorando estar na companhia de Rod. Nesse sentido, sua escrita é como suas melhores músicas, amigas para toda a vida. Ele ganha um violão do pai, toca mal, e como é fã de Bob Dylan, canta suas músicas na praia, na escola. E todo mundo começa a dizer, "canta Rod!". Ele canta. Vai a shows em porões sujos, vira fã dos Stones, ( onde eles estarão? ), e meio por acaso canta em bandas de blues. Todas são absolutos fracassos. Os produtores acham sua voz ruim e sua figura pouco rebelde. Como aconteceu na mesma época com Bowie e Elton, Rod passa a década de 60 no segundo e terceiro times. Porque mesmo quando ele entra para o Jeff Beck Group, que em 68 estourou, toda a atenção era de Jeff, já então um mito da guitarra...e um cara sempre de mal humor.
É nesse grupo que ele faz amizade com um cara tão descabelado, desencanado, mod e engraçado quanto ele, um tal de Ron Wood. Quando Jeff despede Ronnie, Rod sai junto. E isso bem na véspera de tocarem em Woodstock. ( Rod sente alivio por ter perdido essa chance. Todos que tocaram lá foram congelados como "o cara que tocou em Woodstock").  É então que a gravadora Mercury lhe oferece um contrato para um disco solo. Disco que será gravado em 15 dias. E que eu considero maravilhoso! É o soberbo LP que tem Handbags and Gladrags...um disco profundamente emocionante.  Esse album faz sucesso de critica...e nada de público. Mas com o segundo, Gasoline Alley, vem o sucesso na América e com Maggie May nasce o fenômeno.
As pessoas não lembram, mas o single Maggie May foi o primeiro a ser número um nos EUA e Inglaterra na mesma semana. Nem os Beatles conseguiram isso. E o lp Every Picture Tells a Story também seria número um nos dois países ao mesmo tempo! Só Michael Jackson com Thriller faria isso de novo. Era, em 1971, uma luta nas paradas, Rod brigando com Imagine de Lennon que brigava com Simon e Garfunkel que brigava com My Sweet Lord que brigava com Led Zeppelin.
Volto no tempo e digo que aos 9 anos Rod foi levado pelo pai ao cinema. Ele viu AS FÉRIAS DE MONSIEUR HULOT, de Jacques Tati. Até hoje seu filme favorito. Ao mesmo tempo, Ronnie Wood, quilômetros longe, via o mesmo filme. E depois do Jeff Beck Group, os dois formam os Faces, o mais tatiano dos grupos!
O Faces era o anti-rock progressivo. Anti-art rock. Era uma banda de palhaços, de grandes amigos, de preguiçosos. Entravam no palco sem um set list. Conversavam com a platéia decidindo na hora o que tocar. Jogavam futebol, montavam um bar, traziam dançarinas de can can, tudo no palco. Riam. SE DIVERTIAM. E traziam todo esse bom humor aos fãs. E aproveitavam para também levar tietes, dúzias pro hotel. Rod sempre foi isso, sem disfarçar, um cara da classe trabalhista que se divertia com a fama e o dinheiro. "Missão social?", "Mártir da fama?"....não me faça rir!Mas escrevendo com essa falta de pretensão ( e ele confessa ter uma imensa dificuldade para compor ), Rod Stewart conseguiu nos dar algumas das mais lindas, poéticas, inesquecíveis, fantásticas músicas de toda a história. Com sua voz privilegiada, ele nos faz ver, sentir e estar nos lugares que ele descreve. Em seus primeiros seis anos de carreira, tudo o que Rod canta vira vida de verdade.
Nascido dos escombros do Small Faces ( Steve Marriott saiu deixando Ian, Laine e Kenney a ver navios ), o Faces é uma banda duca!!!!!
Mas como Rod conseguiria administrar a carreira solo e a banda? Sendo que como solo ele vendia 10 vezes mais que nos Faces?
Continuo em outro post!

TODOS OS DIAS NA TOSCANA

     Eu adoro esses livros sobre o bem-viver. Peter Mayle é o melhor, mas Frances Mayes não fica muito a dever. A maior diferença entre eles é que Peter tem muito humor, Mayes é mais poética. 
    Pra quem não sabe, Frances se mudou para a Toscana e reformou um velho casarão. Lá, ela descobre os mistérios do que seja "ser um italiano". Ela idealiza? Claro! Mas para um americano, a vida da Itália interiorana é mesmo uma revelação. Neste volume, Frances tem um tipo de crise com o país, percorre a trilha das obras de seu pintor favorito ( Signorelli ), e reconquista/ reafirma sua paixão pelo lugar.
   Tudo é uma questão de tempo. A relação dos italianos com o tempo é inversa a dos americanos. Eles só fazem aquilo que os diverte e se não for divertido faz-se ser. O tempo não manda, eles domaram o tempo há muito, o esticam, domesticam, subvertem. Muita comida. Italianos, como todo europeu, passam o dia planejando e pensando no próximo jantar ou almoço. ( Deve ser por isso que a Inglaterra não parece Europa ). Frances fala de comida e nos dá fome. Ela sabe descrever pratos, sabores, cheiros. Uma delicia!
   Perto do Natal, nestes dias de compras de vinhos, doces, peixes e legumes, frutos e prosecco, onde até grappa consegui encontrar, é inspirador ler os relatos de seus banquetes e das longas conversas a mesa.
   Boa leitura e bom apetite!

A GRANDE BELEZA, UM FILME DE PAOLO SORRENTINO

   Jeanne, era esse seu nome, juro que era, saía da escola e andava poucos passos. Entrava no carro e ia embora. Eu, dentro do Caravan de meu pai, olhava. Ela passava olhando para o chão. O vidro do carro embaçava, frio. Beleza. A vida, cedo, me exibiu a beleza. Se desnudou para mim. Eu vi, antes de saber dominar palavras, teorias, formulações, ou seja, antes de aprender a morrer, que a vida era beleza. Quando muda.
   Nua quando vi os pombos, nua quando percebi a teia da aranha, nua na manhã em que me perdia entre eucaliptos. Eu olhava, olhava, olhava e via, via, via. A menina loura espetando o pé numa tachinha no chão. Arrancando a tacha da sola do pé e continuando a passar o rodo no cimento. Fazia sol e ela vestia um leve vestido branco. Eu olhava e sem palavras a via. A nudez da vida e a nua beleza.
   Então, ao aprender a escutar as conversas, os discursos e ao ler as máscaras, notei que a vida não era aquilo que a gente vive. A vida era além. Que falamos para matar o tempo, trabalhamos para matar o tempo, amamos um amor de discurso e amor não se fala. E veio o meu outro eu, longe e sempre aqui. Incomunicado, em comunhão. Daí o para que...
   A verdade está fora do Homem. Nos bichos, na luz, no mar e na Serra. No silêncio dos sentimentos. Essa a verdade e a beleza. Um pássaro, o escuto agora, é um Bem-Te-Vi, fala direto ao dizer nada. Livre das amarras dos nomes ele fala. O Homem é livre quando se cala e percebe. A beleza.
   Roma é uma velha freira-santa. Explorada por gente que fala demais. Roma é vaidade. Paolo dialoga com Fellini. A Doce Vida fala do momento em que um jovem percebe o vazio absoluto. Paolo continua e conta de um velho cansado do vazio.A Roma de Fellini é uma puta explorada. Paolo mostra a velha matrona vivendo a base de drogas. Toda civilização desaba ao viver apenas em função do prazer. Quantas vezes Roma caiu?
   Ninguém nunca filma rostos como Fellini filmou. E milhões tentaram. Paolo não consegue. Ninguém cria beleza como Fellini. E finais fortes. Paolo pelo menos tenta, ambicioso. O personagem central, sempre dandy, vaidoso, exibido, viu a beleza cedo demais. Passou a vida sabendo que nunca mais iria a reencontrar. Ceticismo, disfarce dos desencantados. Italiano, tem humor, ama as mulheres, mas sabe, a fala esconde a vida.
  O filme, cenas belas sobre cenas belas, Roma, a mais bela das cidades, chafarizes insuspeitos, cor do sol sem outra igual. As pessoas fazem coisas, pulam, viajam, correm, flertam, e falam, falam, falam. Doce Vida que azedou faz tempo. Mastroianni tinha desespero, aqui tudo aborrece.
   Paolo conseguiu. Estou comparando o filme a Fellini, Truffaut ( linda cena com Ardant ), Antonioni. Ele perde, mas fica muito acima de tudo que se tenta hoje. Beleza triste, saudade vazia de motivo.
   Disseram ( quem? Eco? Paz? ), que a beleza, a estetica poderia salvar o mundo. Filmes como este podem salvar o cinema.

From This Moment On - Kiss Me Kate



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KISS ME KATE!, COLE PORTER

   Natal é tempo de agradecer. E de presentes também, como não? E todo ano aproveito esse tempo para agradecer a existência de gente como Cole Porter e dou presentes a mim mesmo vendo musicais.
   Essa tradição começou em 1991, quando, meio high, assisti na TV, de madrugada, dia 25, a Alta Sociedade. O filme, very classy, tem trilha de Cole ( além das presenças luminosas de Frank, Bing, Grace e Louis ). Natal feliz casa desde então com musical chique. But...agora lembro que já no muito alegre natal de 1980 eu assistia West Side Story na TV! Well...Eu não creio em Papai Noel, eu acredito em Fred Astaire.
   Kiss Me Kate foi o show da Broadway que tirou Cole de 10 anos de azar. Num resumo, Cole nasceu milionário, começou a fazer música em Yale, ficou famoso jovem, e passou a viver a fama e o glamour da Riviera. Passava férias com Picasso etc. Tudo muda quando ele sofre um acidente de equitação e tem as duas pernas esmagadas. Daí pra frente são dúzias de cirurgias e dor constante. Ainda vive mais vinte anos assim. Seus shows começam a fazer água, mas em 1953, Kiss Me Kate, baseado em A Megera Domada, de Shakespeare, estoura. Cole renasce. Irá morrer em 1964. Morrer em carne, suas canções, sofisticadíssimas, são pra sempre. Mesmo o mais besta dos ouvintes as conhece. ( Um adendo, em 66 muita gente dizia que Paul MacCartney era  um novo Cole...não foi. Paul é um gênio, mas não cresceu para o lado urbano chique de Cole, ficou sempre sendo um filho de Liverpool ).
   Então ontem começo a me dar presentes revendo este filme, de George Sidney, que leva fielmente o show para as telas. Em 3 D! Todas as músicas da Broadway foram mantidas, e Howard Keel faz Petruchio com maestria. Uma presença viril, irônica, magnética. Kathryn Grayson, linda, faz Catherine, uma fonte de ira. Adorável. Mas há mais! Números de dança estupendos, em vários estilos, com coreografia de Hermes Pan. Tommy Rall dá um show em ballet moderno e vemos a milagrosa e muito moderna estréia de Bob Fosse, ele faz um dos pretendentes de Bianca. Na tela vemos, já perto do fim do filme, o nascimento do estilo Fosse, o estilo que dá prioridade as mãos e ao chão. Corpo jogado no solo, dedos estalando, Bob Fosse, dançando com Carol Haney, estraçalha! 
   O filme não é só ele. É uma diversão deslumbrante. Tudo funciona e quando ele termina voce se pega cantando as canções, geniais, de Cole. O modo como ele faz rimas ainda não foi igualado. Kiss Me Kate é um grande e inesquecível presente.









SAGA DOS VOLSUNGOS- SAGAS ISLANDESAS.

   Feira de Livros da USP. Não ia desde 1999. Melhorou muito e valeu muito a pena! Rocco e Companhia das Letras não foram. Mas eu comprei 12 livros! Nos meus cálculos, em preços da Cultura, teria gasto mais de mil e quinhentos reais. Na Feira gastei 400. Comprei livros de luxo. Um com fotos de SP no século XIX. A bio de Matisse. Um livro com fotos de Doisneau. O livro escrito por Capa, com imagens raras. O recém lançado livro sobre o glitter rock. A bio de Bergman com intro de Woody Allen. A bio de Pete Townshend. E mais Chaucer, Marlowe, um livro catalão Tirant Lo Blanc, um álbum de Snoopy, Guerra e Paz em capa dura, um sobre decoração, e ainda este livro, sobre sagas medievais da Islândia.
   Porque Islândia? Na introdução de Théo de Borba Moosburger, fico sabendo que a Islândia ocupa um lugar privilegiado na história do romance europeu. Primeiro, foi o país que antes de qualquer outro escreveu em língua própria e não em latim; e segundo, escreveu em prosa e não em verso. Tolkien adorava essas sagas e muito de sua obra vem daqui. Do que trata? Da fundação da ilha islandesa, de seus primeiros reis e heróis. Um mundo que nos é quase incompreensível.
   A primeira coisa que salta aos olhos: A ausência de clemência ou de piedade. Matar é coisa absolutamente corriqueira. Mata-se por que se gosta de matar, pois para se poder ir para o céu dos vikings era preciso morrer em luta. Morrer de doença ou velhice era ir para o reino de Hel, o inferno, morrer lutando era ir para Asgard, onde se podia lutar mais. Pois a vida era isso, uma briga sem fim. Sangue e vísceras. Um homem vivia pela espada, por sua familia e por seu rei.
   Não posso nem discutir sobre sua coragem. Em barcos pequenos eles chegaram a Groenlandia e até a América!!! Eles eram mais que corajosos, não tinham noção alguma de preservação da vida. Tinham muitos medos, mas ao contrário de nós, seus medos não se ligavam a morte ou a dor. O maior medo era a desonra, ter o nome sujo, ser um fraco. Dor fisica e morte eram nada.
   Algumas cenas espantam. Além de assassinatos sem culpa ( e não falo de guerra, as mortes eram em simples passeios na floresta ), o reino começa com um filho que é fruto de um casamento entre irmão e irmã. Sem qualquer culpa, a irmã seduz o irmão e têm um filho que será um rei e um herói.
   Dragões, bruxas, adivinhações, tudo entra nessa saga como fato normal, conhecido, cotidiano. É um mundo pré-cristão e não-greco-judaico, é o mundo da mais pura raiz européia ( nos esquecemos sempre que Atenas e Judéia, Pérsia e Egito são reinos orientais. A Europa pura é a celta, ou seja, a dos vikings, suevos, francos, saxões, íberos ). Uma sociedade familiar, voltada para a guerra e para a magia.
   O estilo da escrita, sem qualquer adaptação, traduzida a crú, é rústica. As coisas são narradas de modo direto. Nada de descrições, nada de ambiente, nada de clima. É ação e mais ação. Briga e mais briga, viagem e mais viagem, mortandade sobre mortandade.
   Anti-europeus gostam de falar que a Europa e sua cultura são violentas, a mais violenta do mundo. Não sei. A China nunca foi um mar de rosas e Maias ou Incas estraçalhavam os inimigos sem dó. Talvez a velha cultura judaica, os cartagineses e os hindús tenham sido menos cruéis. Talvez. Mas nos choca muito ver um massacre inutil de crianças e mulheres ser louvado como ato heróico, o que ocorre todo o tempo aqui. Para passar o tempo, o herói vai a uma cidade para "saquear e matar um pouco".
   Jung estudava muito essas histórias medievais e via nelas a raiz de sonhos e de sintomas. Se ele estiver certo, chega a ser aterrador a imensa carga de violência que temos em nosso sangue. Porque neste mundo, o grande, o supremo prazer é o de matar. Se assim for, nosso mundo cristão e pós-cristão cometeu uma obra ainda maior do que eu pensava. A substituição da guerra pela convivência e do sangue pela fé. Mas o guerreiro, o doido e sem freio assassino, o irrefletido e puro impulso, o vaidoso e inconsequente está lá, está cá e está em todo canto. Desse duro ponto de vista, um moleque briguento e ladrão está muito mais perto da verdade humana que um dinamarquês hiper-civilizado e do bem. Não a toa o alto indice de suicidio na Suécia, o reino dos vikings tendo se transformado no país da paz e da sociedade justa.
   É um livro dificil.

Patrick Hernandez - Born to Be Alive - Official Video (Clip Officiel)



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O AMOR EM TEMPOS DE LENTIDÃO

   Que engraçado! Ontem numa festa, conversando com uma mulher da minha geração, lembrei de uma coisa que parece medieval...ou da renascença. Nas baladas de 1980, o objetivo era pegar o máximo de telefones possíveis! Ninguém beijava na balada, a não ser gente que voce já conhecia de outro dia. O que se fazia era chegar numa estranha, conversar e a muito custo pegar o telefone ( que muitas vezes era fake ). Daí voce voltava pra casa e no dia seguinte, após ensaiar um discurso que se perdia ao primeiro alô, telefonava para a menina. E então, se a conversa engrenasse, talvez se marcasse um cinema, uma lanchonete, ou um reencontro no mesmo lugar. Era a idade dos talvez. Andávamos no escuro, nunca sabíamos o que ia rolar.
  Então, depois de 3 telefonemas, voce a levava ao cinema. De rua. Pagava um drops e entrava. E sentia o medo. Que fazer? Conversar? Ver o filme? Assistia o filme e na saída tentava umas piadas. E andava com ela, a mão, de vez em quando, roçando de leve na mão dela. A acompanhava até em casa e dizia que queria repetir a saída, claro, se ela quisesse...
  E ela falava "claro, adorei conhecer voce!"" E então a volta pra casa, a pé, para durar mais, era a coisa mais feliz, mágica, exultante e louca do mundo! É aí que o abismo entre gerações se faz, porque a gente voltava cantando e dançando na rua, e é por isso que caras de menos de 40 nada entendem do que seja um musical, o mais real dos tipos de filme.
  O primeiro beijo ainda está na cabeça e no peito. A ansiedade é imensa. Quando vou beijar essa menina? Entenda, um beijo equivalia a um pedido de namoro. Beijar era compromisso. Podia durar uma semana, mas era um tipo de pacto, um estamos juntos, ISTO É UMA HISTÓRIA, que será recordada e contada mais tarde. Éramos loucos por histórias, sem saber, a gente compunha sagas todo o tempo. Éramos anti-práticos.
  Voce pode estar nos achando puritanos. Não era isso. Podia-se beijar duzias de meninas em um mês, mas uma história tinha de ser composta. Sair com prostitutas era a saída sem história, sair com meninas era contar um conto.
  Cartinhas com desenhos, o papel lindo que as meninas usavam! Com perfume, cheiro de quarto de menina! E afinal o beijo! No meio de uma frase, de sopetão, de loucura, um tipo de "não aguento mais segurar"...Beijo que vinha sempre com um "Voce é linda"e um Ëu te Amo!"...e saiba, todos foram sinceros.
   A gente era apaixonado por amor. Falava-se muito nele. Amor, amar, amava, o verbo era o mais usado. Nenhuma vergonha em amar. Um amor novo por mês, trabalhoso, dificil, contido, e sempre era pra sempre.
   Sei lá, me parece que a molecada hoje tem paixão por "catar"e um imenso medo de amar. Será?
   O tempo traz coisas boas e leva coisas boas. São trocas. E eu realmente não me lembrava de nada disso até ter ontem essa conversa. Em 1980 se faziam rituais para sair e para conhecer alguém. Talvez por nossa vida ser muito mais lenta, com menos coisas sendo oferecidas, menos apelos aos desejos, todo contato e toda aventura"tinha um valor de coisa única. A gente tinha a consciência ( ou seria a ilusão? ) de que tudo era só uma vez e nunca mais.
   Ontem de noite tocou a minha música, Born to be Alive, e foi ela que nos fez voltar no tempo.
   Eu tinha um diário. E todas elas também.
   Isso fazia muita diferença! As coisas eram para sempre. Sempre.

What's New Pussycat? (1965) Trailer



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PETER O`TOOLE/ ALFONSO CUARÓN/ SINATRA/ ROBERT RODRIGUEZ/ FELICITY JONES/ OS DOUGLAS

   GRAVIDADE de Alfonso Cuarón com Sandra Bullock e George Clooney
Ao contrário do que fez Isabela Boscov, não vou comparar este filme de aventuras com a peça de arte conceitual chamada 2001. O filme de Kubrick está no mesmo saco dos filmes de Malick, são refelxões sobre a vida. No caso, 2001 talvez seja o mais profundo dos filmes. Este belo filme do muito bom Cuarón, está na senda de Star Wars ou de Alien, apuros espaciais. E eu adorei isto aqui. Há alguns anos escrevi que o cinema moderno nada mais era que um retorno ao cinema mudo. Primeiro tivemos a era de imagem e ação, filmes de Keaton, Chaplin, Murnau e Lang. A pureza do visual, as elaborações de cenários, atores que eram acrobatas e mestres em maquiagem. Depois veio a época do falado, a arte dos grandes diálogos, das belas vozes, de Mankiewicz, de Wilder, Bergman e Woody Allen. Gênios continuaram a misturar os dois, o visual e a voz, Fellini, Welles, Kurosawa etc. E hoje o que temos, já desde algum tempo, é a primazia da imagem sobre a voz. Os filmes que não revisitam o passado, que não tentam reviver Altman, Scorsese, Godard ou Peckimpah são visual e movimento a serviço do deslumbramento. Quem quiser entender o cinema de hoje deve procurar, e levar a sério, esse tipo de filme. São eles que contam nosso testemunho sobre este mundo. A verborragia dos anos 50 e 60 está viva apenas nos pseudo-novos cineastas cultores de um passado muito distante. Cuarón sabe disso. Seu filme, de uma simplicidade de A General, mostra uma habilidade com a câmera ( Emmanuel Luzbecki, Oscar certo ), raras vezes igualada. Os rodopios no espaço são um ballet dos mais apurados, belíssimos. A Terra é linda! A luz angelical do Sol banhando todo nosso organismo, tudo o que existe na nossa morada. E há o final, claro. Sandra Bullock na cápsula como um bebê com seu cordão umbilical, o parto, dificil, que é a queda na Terra e a saída da água, um nascer, um estar vivo. Ela anda hesitante, e o que sentimos é a alegria pelo nosso mundo existir. O filme atinge seu alvo, ao final estamos gratos pela vida. Confesso que chorei, um lago e uma árvore nunca me pareceram tão lindas. Esse final, uma simplificação do bebê de 2001, é perfeito. O filme, símbolo nobre daquilo que só o cinema ainda pode ser, é um filme anti-tv, deve e precisa ser visto. Nota DEZ.
   MACHETE MATA! de Robert Rodriguez com Danny Trejo, Michelle Rodriguez, Charlie Sheen, Sofia Vergara, Antonio Banderas e Mel Gibson
Uma decepção. O primeiro é uma divertida festa de violência camp e nudez alegre. Este é mais sério e bem menos inspirado. De bom só o presidente feito por Sheen e o vilão, ótimo, de Gibson. Chega a ser bem chato e parece looooongo....Nota 3.
   UM NOVO FÔLEGO de Drake Doremus com Guy Pearce e Felicity Jones
Um músico, cello, recebe em intercâmbio uma aluna inglesa ( ele dá aulas ). Óbvio que os dois vão se apaixonar. Óbvio que a familia vai vencer e os separar. E um diretor que se chama Drake Doremus!!! se acha um artista e vai filmar como tal. Ou seja, é um filme lento, triste, frio, mal filmado e silencioso. Há um desejo imenso de ser Bergman, mas o roteiro nada tem a dizer, então fica sendo um Bergman burro. Os atores estão muito bem, Felicity tem uma beleza de gente de verdade.Não passou aqui, mas deve passar lá por março ou abril. Nota 3.
   OS 4 HERÓIS DO TEXAS de Robert Aldrich com Sinatra, Dean Martin, Ursula Andress
Aldrich foi um grande diretor de filmes de ação. Mas aqui, a serviço da turma de Sinatra, ele nada pode fazer. Sinatra filmava só para se divertir, e ás vezes ele se esquecia do público. Acontece isso aqui, ficamos vendo Frank e Dean, como dois cowboys, se divertirem com tiros, piadas, muitas mulheres e cavalgadas. Mas nós não nos ligamos em nada! Parece com assistir uma festa pela janela. Nota 1.
   AVATAR de James Cameron
Reassisti Avatar. Belo visual, história sem emoção. O filme é gelado como um picolé...de xuxú. Não há nada com que se apegar e a história é a mesma de milhares de westerns pró-indio dos anos 50. Belas imagens a serviço do tédio. Nota 4.
   DESBRAVANDO O OESTE de Andrew V. McLaglen com Kirk Douglas, Robert Mitchum, Richard Widmark e Sally Fields
Uma Sally Fields adolescente faz aqui sua estreia em tela grande. Bonita e com rosto de caipira do sul, ela enfrenta um trio de atores muito fortes. Kirk faz um deputado rico, que leva bando de colonos para o Oregon. No caminho, indios, desertos, montanhas e neve. Mitchum faz o guia, um mestiço cool que está ficando cego. Widmark é o explosivo rival de Kirk, um cara do povão. Os cenários são maravilhosos, faz com que a gente pensa nos estragos que tais lugares devem ter causados em europeus de 1800 acostumados aos cenários civilizados de sua terra. Tudo aqui é vasto, sem fim, extremo. O roteiro não dá conta de tanto assunto. Coisas se perdem sem serem desenvolvidas. Dá pro gasto e esses atores são como parentes queridos, é bom os ver na sala de casa. Nota 6.
   A ESTALAGEM VERMELHA de Claude Autant-Lara com Fernandel
Fuja. Nota 1.
   A JÓIA DO NILO de Lewis Teague com Michael Douglas, Kathleen Turner e Danny de Vito.
Continuação do ótimo Tudo Por Uma Esmeralda, um dos grandes sucessos dos anos 80. Este é bem pior. Turner é raptada por um árabe e Douglas vai atrás. A dupla é ótima, Douglas nasceu para ser um herói safado e Turner foi a maior estrela do inicio dos anos 80. Mas o roteiro tem aquele que é o pior defeito dos anos 80, é metido a ser mais chique e engraçado do que é na verdade. Nota 4.
   WHATS NEW PUSSYCAT?de Clive Donner com Peter O`Toole, Romy Schneider, Peter Sellers
Revi como homenagem ao grande Peter O`Toole. Roteiro de Woody Allen e uma trilha sonora espetacular de Burt Bacharach. Um retrato do que era o tal espirito groovy da época. Peter estava no auge da fama, e o cinema inglês nunca mais teve tantas estrelas ( e bons atores ). Alan Bates, Michael Caine, Sean Connery, Richard Burton, Richard Harris, Oliver Reed, Terence Stamp, Peter Sellers, Tom Courtenay, James Mason, Laurence Olivier, Michael Redgrave, John Hurt, Albert Finney, todos em forma e trabalahndo muito.  O Oscar esnobou todos eles. Boa diversão ingênua. Nota 6.