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ADMIRÁVEL MUNDO NOVO- ALDOUS HUXLEY

Nesse mundo a velhice não existe. Fisicamente e mentalmente, voce é o mesmo dos 19 aos 60 anos. Pensar e agir aos 60 como aos 19, eis uma conquista de feliz realidade. Mais, nesse mundo voce deve se portar como adulto no trabalho, e ser uma criança no resto do tempo. Ser uma criança por toda a vida, uma conquista a ser conseguida.
Ser promíscuo é a regra. Quem não possuir cinco ou seis pessoas diferentes por semana será considerado estranho. Pior, uma ameaça ao bem comum. Transar muito e não se apegar, jamais. Saber então que voce e eu somos cambiáveis. Mais que isso: entre o desejo e a satisfação não pode haver um buraco. Ao querer, ser imediatamente satisfeito. Desejo que se demora faz pensar, faz sofrer, faz questionar. Faz com que voce seja diferente.
O passado não existe. O que é velho deve ser esquecido por ser velho. Pois conhecer o passado faz com que tenhamos como comparar e avaliar o presente. Poesia e religião são abolidos então. A realidade é o visível, o não-perceptível não existe. O real pode ser vendido e controlado, o subjetivo não.
A solidão é odiada. Tudo é feito em grupo. Introspecção e silêncio são temidos. Existir é estar em grupo. Quem ama a solidão é defeituoso. Música incessante, ruídos, gente, espaço preenchido.
Todo contato social tem apenas um objetivo: transar. Sai-se para fazer sexo. Qualquer outra coisa seria surpreendente. Conversar, flanar ou fazer nada seria excêntricidade.
As mulheres são todas magras e os homens altos.
A liberdade é plena. Voce é livre para se divertir todo o tempo. O prazer é ilimitado. Para que mais serviria a liberdade?
Nada pode ser arrumado, remendado, construído em casa. Tudo deve ser jogado fora e comprado de novo. Coisas, seres e vidas são trocadas com alegria. A alegria é o único objetivo da vida.
Joga-se, vai-se ao cinema e ingere-se Soma. A vida é isso.
Aldous Huxley não escreveu em 1932 uma obra-prima. O livro não é perfeito. Não é sequer bem escrito ( e ele sabe disso. A leitura da introdução escrita em 1946 é muito reveladora ). Mas é um livro forte, objetivo e de leitura obsessiva. Li-o em poucas horas, com prazer e ao mesmo tempo impressionado pelos acertos de Huxley.
Ele erra ao prever um sistema de castas. O mundo tem uma tendencia contrária: a abolição de diferenças e a absorção de todos os grupos diferentes. Desde que se tornem uma coisa só. O que vemos é a destruição de diferenças, aristocratas, proletários, tendem a sumir. Uma imensa classe média e meia dúzia de donos-do-mundo. E só. Fora disso, vácuo.
Mas não há como não se impressionar com seus acertos. A eterna juventude mental negando o amadurecimento da idade. O passado jogado ao esquecimento ( e tudo isso já é fato. Conheço quem leia apenas a literatura de Salinger pra cá e assista só o cinema de Spielberg em diante. Há quem pense que a música começou com os Beatles. Arte sem passado é arte sem comparação, arte fácil de enganar e de vender, ignorância bem-vinda, onde toda a cópia-pobre parecerá sempre rica-original ).
A poesia, assim como a religião ( verdadeira ), faz das pessoas seres pensativos/distanciados, que não dão coragem-alegria aos outros, e pior, deixam de desejar- consumir. Descobrem que há outra coisa além da matéria. E é o sexo desenfreado que ocupa o vazio deixado pela arte e pela religião. Tudo é o corpo. E o corpo deseja, deseja coisas que podem ser avaliadas, vendidas, estragadas.
No livro surge um selvagem: John. Uma de suas melhores tiradas é essa: tudo o que existe nesse "admirável mundo novo" é destrutível. Muda, se esvai, acaba. Nada é feito para durar, e ao homem nada pode restar a não ser um gozo efêmero. Ele também percebe que a vida pode não ser "busca de felicidade", mas talvez "busca de algo mais".
John conhece textos de Shakespeare. As pessoas riem com Shakespeare. Não conseguem entender mais seu mundo e riem do que não entendem. Têm horror a palavra família e acham a palavra "mãe" pornográfica. Pois em mundo de bebês de laboratório, sexo com procriação é pornografia, coisa de bestas.
Huxley vai fundo em sua raiva. E um dos momentos mais interessantes é quando uma mulher "civilizada" se apaixona pelo selvagem. Como os poetas e a Bíblia, a paixão também foi banida. Mas essa moça sente essa coisa esquisita pelo fato de que o selvagem é "estranho". Ele não a pega e satisfaz logo seus desejos. Ele demora, fala coisas complicadas, sente veneração, culpa. Essa demora, essa não-praticidade desperta nela a paixão. Que logo morre pela incapacidade de ser vivida. O selvagem, cheio de culpa, se refugia em martírio e ritos mal compreendidos.
Na introdução Huxley diz que se reescrevesse o livro faria diferente. Como está, ou o selvagem aceita a loucura da Utopia, ou volta ao barbarismo de onde veio. Huxley crê ser possível uma terceira via, a sanidade, onde a ciência se adapta ao homem e a religião existe para levar a consciência ao limite do conhecimento. Se o reescrevesse faria do livro algo mais filosófico...
Mas do jeito que está, da maneira seca, breve, compacta que está, ele obriga a que nós façamos mentalmente sua parte filosófica, ele nos instiga a pensar e pensar melhor.
Esse futuro de drogas para ser feliz, de imagens para sentir "uma nova sensação", de viagens para transar e de alegria "infinita" é nosso conhecido. A liberdade para ser consumido, as novidades que são vazias, os entorpecentes.... A estranheza que já nos causa quem fala em amor familiar, fidelidade absoluta, tradição artística, deveres e pecados... Ler o livro dá uma perturbadora sensação de que o mundo-pesadelo de Huxley está próximo demais.
Afinal, se meu avô estivesse aqui ele acharia loucura um mundo onde pessoas ficam trancadas em frente a tv vendo pessoas em casa trancada, onde se paga para ver gente em tela grande ser destruída, violada e torturada, mundo em que amigos se encontram para jogar jogos em tela e ficam calados em sua amizade fria, mundo em que lunáticos abrem um lap-top e se absorvem numa virtualidade passiva, e em que espertamente tudo é logo permitido e assimilado, desde que não ponha em risco o consumo e o movimento incessante da roda do futuro.
Admirável mundo novo!!!!

CONTRAPONTO- ALDOUS HUXLEY

Reli este livro estes dias... Huxley tem as raízes de seu espirito no movimento romântico alemão de 1790. A insatisfação com o mundo em que se vive e a tentativa de mudar as coisas. Esse espirito rebelde está presente no simbolismo francês e no começo do século XX é preponderante em gente como Hesse, Mann, Jung, Joyce e Pound. O que os une é um desejo de suplantar a tradição de pensamento greco/cristão, uma busca por alternativas de arte/vida que em seu extremo leva a pregação de uma espécie de negação dos conceitos de tempo/filosofia do ocidente. Os celtas, os vikings, os trolls, e também os hindus e aztecas são visitados por todos esses artistas/escritores/pensadores. Conceitos de verdade, de objetivo e a própria forma de viver no mundo são repensadas. É tentada a liberação de conteúdos negados por mais de 3000 anos. Toda a contracultura, todo o cinema de autor, beberá nas fontes dessas primeiras décadas do século de 1900. O livro de Huxley nos entontece. Não há centro em sua narrativa. Não há linearidade. Todas as histórias, de todos os personagens, acontecem paralelamente. É o conceito sincrônico, conceito que nega causa e origem, conceito anti-grego, aplicado ao romance. Nada parece lógico, nada é consequencia de nada, a vida de cada ser é definida apenas pelo momento presente. Huxley consegue jogar com tudo isso sem jamais parecer estar jogando. As peças desse xadrez emocional se movem em regras atemporais, mas com uma lógica que é construída em cada frase. Tudo é vivo. Ao terminar essa releitura, sinto que o mundo de hoje está muito mais próximo de um novo paganismo que daquilo que meia dúzia de gregos nos legou. A imensa força intelectual que esses poucos áticos nos deram ( um feitiço? ) está desde os tempos de Contraponto em processo de putrefação. Coisas como história, politica, filosofia, causa e efeito, catarse e lógica linear têm desaparecido. Não era esse o objetivo de Huxley. Sua utopia feliz seria a de um mundo que unisse o bom dos dois mundos, mas o que temos vivido é o retorno de um tipo de relativismo pagão e de uma atitude anti-racional nada grega. Temos o isolamento oriental sem sua sabedoria, e a hiperatividade do ocidente sem seu sentido de história. Um tipo de hiperatividade "cada um no seu mundo particular", o nome disso é alienação, outro nome é psicose branda. Eu me movo sem motivo particular, voce se move sem motivo particular e ambos vivemos em mundinhos que remetem a mundinho próprio e sem fim. Huxley percebeu tudo isso oitenta anos atrás. Sua esperança era a de que cada um mergulhasse em suas trevas pagãs e descobrisse o gênio dentro de si-mesmo. Nada feito, a covardia venceu. Contraponto nos mostra, nos condena e nos remete ao começo. É livro terrível, soberbo e alucinógeno. Leia.

ALDOUS HUXLEY NA TV CULTURA

Tenho percebido que a Cultura tem dado uma ressuscitada. Talvez seja a crise que está fazendo com que ela retorne a algum tipo de espírito "Tv Cultura anos 80".
Ontem ví Barbara Heliodora no Roda Viva. Ela é alta-classe. Formação inglesa, ela não admite teatro que não respeite a intenção do autor. Voce pode criar sobre o texto, desde que esse texto seja contado. Mais interessante é como ela explica o modo como se deve abordar uma obra : o crítico deve descobrir qual era a intenção do autor, e a partir daí, observar se o objetivo foi atingido. Exatamente o que dizia Pauline Kael e exatamente o que tento fazer.
Ela diz que Gielgud, Olivier e Redgrave foram os maiores.
Em seguida vem um documentário sobre Laura Huxley, a viúva de Aldous. Maravilhoso! Várias cenas de Huxley ( inclusive de sua vinda ao Brasil ). Laura tem uma presença estranha. Ele a considerava um tipo de anjo. Aos 95 anos, magérrima, ela é de fulgurante alegria, uma eterna criança, no sentido belo de ser criança : brincalhona, curiosa, cheia de vitalidade.
Conta das experiencias com LSD dos dois. Que o ácido não dá alucinações, ele faz com que portas se abram dentro de nós, coisas que jaziam dentro saiam para fora. Ela descreve a viagem dela e dele. O peyote inclusive.
Naquele tempo o LSD era legal, e toda faculdade americana tinha seu grupo de estudo sobre o ácido. Logo Timothy Leary veio com seu lema : Ligue-se, caia fora, saia de casa. Huxley foi contra esse desbunde. Ele pensava que o LSD deveria ser usado com muito cuidado. Bem... de qualquer modo, existem cenas históricas de Huxley com Leary e entrevistas na tv sobre LSD.
Há uma fala de Aldous profética. Ele diz que a publicidade está penetrando no inconsciente das pessoas. E que isso será devastador para aquilo que consideramos humano. Tudo o que se torna inconsciente se transforma em parte de nosso ser. E se uma mensagem publicitária se aloja em nosso inconsciente, deixamos de ser 100% humanos e nos fazemos mecanismo de consumo.
Diz ele que toda tecnologia é boa, desde que respeite a biologia do homem. O equilibrio biológico e quimico do ser deve sempre manter-se intocado. Nada que não seja humano deve penetrar dentro do homem. Ou haverá o desequilibrio.
Mostra-se a bela casa onde eles moravam ( em Hollywood ), as crianças, os livros, os quadros. Laura descreve a morte do marido, uma "passagem" tranquila sob efeito de LSD. Christopher Isherwood é várias vezes citado, cenas com o amigo Igor Stravinski, com Orson Welles e com George Cukor ( a nata do cinema frequentava a casa ). Mas o que mais brilha é a presença de Laura, com olhos de bruxa e voz de italiana da renascença.
Uma história do Brasil: em 1960, convidados por Kubistcheck, os dois vieram fazer conferências. Viajaram então ao interior do Mato Grosso, para conhecer os indios. No meio do nada, em meio a tribo que os recebeu bem, eis que um dos moradores, de olhos arregalados e mãos trêmulas, se adianta e maravilhado pergunta: "O senhor é Huxley? Contraponto? Huxley? Contraponto?" Aldous sorri emocionado. Laura diz ter sido essa uma das lembranças mais caras a Huxley.
Conclusão: em noites entediantes, com 102 canais a disposição, é na velha tv Cultura que ainda encontro alguma inteligência. Valeu!