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O DOM DE DIZER NADA. FELLINI E OITO E MEIO

1962, ano que nasci, foi um ano muito importante para o cinema. O grande hit foi Lawrence da Arábia, e o fato de um filme tão sofisticado ser o top em bilheteria diz muito sobre o público. Foi ano também de Hatari, Lolita, Dr No, Charada, Os Pássaros. E de dois filmes que foram, sem querer, uma maldição sobre o futuro do meio. O ANO PASSADO EM MARIENBAD foi o filme que deu aos diretores que nada tinham a dizer, a liberdade de filmar o vazio. Inaugurou o filme que pode querer dizer o que voce quiser, pois o vácuo é tão grande que tudo pode entrar nele. Resnais tem o mérito de ter tido a coragem de levar o nada às telas, mas tudo que veio depois, até hoje se usa Marienbad como álibi, é indesculpável. Fellini fez no mesmo ano seu Oito e Meio, filme que nem título tem e que é imensamente maior que Marienbad. --------------------------- Após fazer uma série de filmes memoráveis, todos plenos de narração, Fellini se vê sem inspiração. Nada havia para ser dito. Então ele faz um filme sobre um diretor que nada tem a dizer. E o filme que vemos é um exemplo de anti narração. Na verdade nada acontece no filme. Guido, o diretor, não consegue filmar, e o filme não anda. São duas horas e pouco de um momento congelado no tempo. O cinema, arte do tempo, nega sua identidade. Fellini passaria dez anos sem nada para dizer. Só em 1973 ele sairia dessa impotência narrando suas memórias em Amarcord. ------------------------ Livros sobre a crise de um autor que nada tem a dizer, músicas sobre a falta de sentido da música, filmes sobre o vazio, tudo isso se tornou nos anos 60 um tipo de artifício fácil. Mas todos nunca atingiram a altura de Oito e Meio. O momento vazio, o instante que não passa, em Fellini, em 1962, é cheio de rostos interessantes, de luzes instigantes, de sons inesquecíveis. É o tédio que importa, que vale a pena. Que é eterno. -------------------------- Scorsese escreveu sobre este filme. Ele recorda quando o viu pela primeira vez. Eu o vi em 1980. A Globo ia exibir as 5 da manhã. Fiquei acordado para poder ver. Comecei a assistir no escuro e quando ele terminou fazia calor. O sol e os sons do verão acompanhavam o final do filme. Nunca esqueci esse momento. Era dificil ver um clássico no tempo pré VHS. Tínhamos de contar com a boa vontade da TV. A dificuldade dava aos filmes uma aura de valor. De raridade. Isso aumentava a expectativa. Que podia ser cruel. Cidadão Kane e Dr Fantástico, cercados de ansiedade, foram decepções. Mas Oito e Meio foi tudo que eu esperava. O sacrifício valera a pena.

tom stoppard e marienbad

O ANO PASSADO EM MARIENBAD não tem atores. Alain Resnais ordenou que eles não atuassem. Posassem.
Não há movimento. Os atores não se movem. A câmera não pára de andar.
O filme não possui história e não é improvisado. Ele é rigorosamente racional, como Racine ou Diderot.
A música é apenas música, ela não comenta nem enfatisa nada.
Não há TEMPO. Os personagens não vêm de lugar algum, não irão há lugar nenhum. Só existem enquanto o filme existe.
O TEMPO não passa. O filme dura hora e meia, mas a história conta 3 segundos ou menos, que se repetem em várias situações.
O personagem central não é humano. É o palácio, que se torna o ser mais vivo, mais dramático do filme.
Ele nos hipnotiza. Nos irrita e assusta muito.
Alguns irão rir nervosos e atacar. Outros dormirão. Eu penso sem parar.
Há alguma magia aqui. QUAL ?
TOM STOPPARD disse em Paraty que prefere um bom western que um filme de arte mal feito. Esse é meu modo de pensar. O filme tem um propósito. Qual ? Se é fazer rir, é isso que cobro. Se é fazer pensar, que o faça!
Marienbad faz pensar. Não diverte e não emociona. Atingiu o alvo.