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MANDRAKE...A DIVERSÃO POPULAR EM TEMPOS DE CRISE.

   Federico Fellini era fã de Mandrake desde criança. E dizia, quando adulto, que desejava filmar o herói com Mastroianni como Mandrake. Não conseguiu. Nos tempos de Fellini filmar uma HQ não era coisa séria.
   Mandrake foi o herói mais popular do mundo. Ainda peguei o fim de seu reinado. Até o fim dos anos 70 ele era tão famoso quanto Superman e Batman, e muito mais conhecido que qualquer herói da Marvel. O gibi vendia como pão, e as crianças brincavam de Mandrake na rua. Um herói de fraque, cartola e bigode. Outro tempo.
  A Pixel lança uma edição de Mandrake com duas histórias, uma de 1936 e outra de 1942. Lee Falk criou o personagem nos anos 30 e criou também o único herói que podia rivalizar com ele em popularidade, O Fantasma. Nos tempos da depressão americana, as aventuras se passavam em lugares míticos, Arábia, África... Narda, a namorada de Mandrake, ainda era a típica moça americana dos anos 30: espevitada e levada da breca. O feminismo deve muito mais a esse tipo de moça que às Simones e Fridas do mundo. A segunda história da revista é de 1942, e é incrível como o mundo mudou em 6 anos! O realismo é maior e os traços do desenho de Phil Davies mais duros, menos sensuais.
  Li em algum lugar que quando o homem perde o amor pela vida ele começa a imaginar sagas em outros planetas. Aqui temos a aventura possível neste planeta. E mais que isso, a arte popular ainda se permite ser absolutamente ingênua. Mandrake é um herói infantil. Como todo herói é. De Ulysses até Wolverine, não existe herói adulto. O herói adulto seria um medico ou um pai de família. Eu falo aqui do herói mítico, do herói sobre-humano.
  Pena a edição ser em cores. A cor estraga as sombras e as linhas mais finas dos originais. Uma concessão a modernidade que mostra o gosto deturpado dos anos 2000.

FEDERICO FELLINI - FAZER UM FILME

   O melhor do livro é a homenagem que Fellini faz a Totó, o genial cômico italiano. Por mais que se elogie Totó, ela é ainda maior.
 Não é um bom livro. A longa introdução de Italo Calvino é muito melhor. Calvino fala de suas memórias com o cinema dos anos 30 e consegue explicar porque o cinema americano desse tempo é tão mítico. O modo como ele descreve as estrelas e seu poder sobre nós é sublime.
 Mas Fellini tem outro tipo de abordagem. Ele escreve sobre seu ego, seus sentimentos e nunca sobre seus filmes ou sua vida. E assim, acaba por nos cansar. Uma pena. E felizmente ele reconhece que não consegue falar sobre os filmes porque ele só se recorda do que sentia enquanto os fazia, e não da história das filmagens em si.
 Já esquecia que além de Totó, Fellini conta sua experiência com LSD, frustrante, e seu respeito por Jung, um psicólogo que libera a união e não prega a divisão entre alma e corpo, sonho e realidade, desejo e medo.
 Lemos todo o filme e nada ficamos sabendo sobre o homem Fellini.
 O cara que fez 4 dos melhores filmes da história se esconde.

EU ME LEMBRO, SIM, EU ME LEMBRO- MARCELLO MASTROIANNI, VIVO, BELO E PROFUNDO

   Quando em 1996 Marcello Mastroianni foi a Portugal fazer aquele que seria seu último filme ( foram 170 ), uma pequena equipe foi com ele, para fazer o belissimo documentário que tem o nome igual ao deste livro. Os nomes só poderiam ser iguais, pois o livro é a transcrição do texto que é dito na película.
  Marcello solta a memória e viaja por lembranças. Não há nenhuma ordem cronológica e não se faz nenhuma pergunta. Ele fala aquilo que sua lembrança diz e coisas como casamentos ou amores ficam de fora. Cinema, infância, sonhos, medos, viagens, frustrações e amigos. Esses são os temas aos quais Marcello viaja. Fala sem pretensão, nunca procura ser sábio ou original; e acaba por ser cativante. O livro, que pode ser lido em duas horas, é tudo aquilo que o livro sobre Clint Eastwood não é.
   Talvez os dois livros demonstrem a diferença entre Clint e Marcello. Mais que isso, a diferença entre uma visão de vida á americana e à italiana. A história de Clint é objetiva, cronológica, sensacional e cheia de fatos. Marcello é subjetivo, foge da cronologia, conta coisas inuteis e viaja em ideias e sonhos.
   Ele recorda a mãe, o avô carpinteiro, o cheiro da madeira. As ruas de terra, as meninas. Fala de Tchekov, de Kafka, de Stendhal. Recorda Visconti, De Sica, Monicelli e Fellini. O modo maravilhoso de filmar de Federico Fellini. Uma festa nos sets, tudo em improviso, sem roteiro e sem falas, apenas breves instruções, o amor de Federico pelas pessoas, pelos rostos, pelos tipos ricos e diferentes. A imaginação que crescia sem parar, que aumentava tudo, que engolia o mundo.
   Mas o livro é de Marcello, um ator que ama Gary Cooper, Astaire e Clark Gable, mas que diz ser o cinema de seu país o melhor já feito. O cinema italiano tem mais vida porque tem espaço para o improviso, para o acidente, para a criação em grupo, sua pobreza faz dele mais colorido e muito mais real. E nesse mundo criativo nasce o cinema como caldeirão de misturas, uma sopa de ideias.
   Mastroianni foi central nesses 30 grandes anos do cinema da Itália. Seu rosto nos filmes de Germi ou de Scola o colocam como ícone. Cinéfilos tendem a adorar certos rostos. Bogart, Brando, Buster Keaton, Jean Gabin, Toshiro Mifune, Max Von Sydow e uns poucos mais. E no centro o rosto de Marcello, face vista em dezenas de filmes eternos.
   Para quem desejar entender a arte de Marcello aconselho que comece com DIVÓRCIO À ITALIANA de Germi.  Depois adentre aos Fellinis, Viscontis e De Sica.
  Memórias são nossas. Nada é mais nosso, nos pertence de forma mais completa que a memória. Ele cita uma canção dos navajos que fala disso. Deixo-a como um canto a esse ator perfeito e homem admirável:
  "Guarde na memória tudo aquilo que voce viu/ Porque tudo aquilo que voce esquece/ Torna a voar com o vento"
   As memórias de Marcello agora são um pouco minhas também. Salvas do vento, aqui comigo.
   Bela leitura.