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GNOSSIENE 3 - ERIK SATIE

Um eco permanece. A última imagem da terra pode ser a primeira, o derradeiro pode ser sua criação.
O espaço daquele lugar lhe parecia vazio inundado pela luz de um sol que doía.
Não era na verdade vazio pois tinha uma árvore e um ninho de ratos. O garoto matava o tempo lendo um jornal velho com notícias interessantes. Os ratos brincavam ( ratos adoram brincar ). A luz batia e se esparramava pelo capim e pelas folhas da árvore esquecida. O tempo insistia em não passar. Deitado no capim ele contava gotas de suor em sua testa.
Na casa ao lado, música de piano dedilhado com preguiça veio lhe distrair do jornal velho. Se ergueu para escutar melhor. O dedilhar preguiçoso começou a divagar e logo encontrou notas que dormiam com a luz da tarde.
A brisa que dançava com a cortina do quarto brincava com as mãos que tocavam as teclas. Ele parou junto ao portão da casa e a tarde parou de fazer hora.
No momento em que as nuvens fecharam os raios do sol a melodia começou a derreter, mas nunca a se encerrar. Os ecos de seu hesitante inicio imortalizavam o garoto e a pianista. Fragilidade sólida.
Era Gnossiene trois.
A árvore de seu amor futuro estava então plantada. Gnossiene trois. O garoto queria ver o rosto daquela que tocava. Não viu. Ouviu.
A brisa, agora vento, levou o jornal e fez com que os ratos se erguessem em suas pernas traseiras.
O simbolismo da vida, o pássaro pousado em fio contra nuvens de chumbo. Beleza impossível.
Pacto feito : a fidelidade do jovem homem. Jamais esquecer aquela tarde e jamais ser esquecido pelos símbolos da vida. Sua alma - imortal - transfigurada. Seu mapa está nas notas de Gnossiene trois. Quando a morte chegar o pássaro irá voar de seu fio e adentrar o chumbo.
A música não existe.
Cinzas flutuarão entre as asas do pássaro.

SATIE AO SOL

Sem qualquer chance. Sem possibilidade de retorno. Eu havia fugido e era tudo um eterno já/agora/bem na hora/fim.
A volta era impossível, mas doía. Eu estava mudo. Não podia falar, não queria falar. Não havia motivo para falar. Pensava.
Nos ratos que brincavam no capim. Sim, ratos estão sempre brincando. Eles pulam, dão piruetas. Será que o homem não evoluiu do rato ?
Pensava nas formigas, que construíam belas estradas aos meus pés. E pensava que eu poderia estar me tornando um peso para meu amigo Fred, que era quem me arrumava comida.
Nunca me desesperei. Melancolia. Sim, melancolia amorosa. Eu estava cheio de amor. Eu amava Anita. Mas ela não.
Então fazia sol, era verão e meu cabelo pingava suor. O suor escorria.
Do sobrado, próximo, veio o som de um piano. Alguém tentava tocar. Hesitava, tentava, ia.
Foi nesse dia que conhecí Eric Satie. Acho que eram as Gymnopédies. A mais bela/melancólica/fria/amorosa/solitária/mortal/viva/infantil/eterna música já feita.
Naquela tarde eu me apaixonei por quem tocava aquele piano ( jamais me ocorreu que podia ser um velho gordo. Se era um velho gordo, fui um gay que amou um velho gordo).
Na época eu lia Voltaire e nasceu minha fixação amorosa/sensual pela bela França ( país que foi morto e enterrado na segunda guerra, mas eu não sabia...).
Satie compôs essa trilha. A trilha dos momentos mais verdadeiros que viví. Um brinde de Pernod e uma noite de fumaça de Gitanes.