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HOMENAGEM À ITÁLIA- PARTE DOIS

   Ingleses são comerciantes. Seu modo correto, sua voz parcimoniosa é aquela do vendedor de tecidos. Nunca pense que aquele modo reservado é timidez ou fineza. Eles são empregados de armarinhos: marinheiros mercantes, publicitários, astros pop: comerciantes. Já os franceses medem tudo. Esquadrinham o pensamento, dividem as ações. esperam colher novidades em data certa. São agricultores. A alma da França está sempre pensando nos melões, nos cogumelos e nas vagens. Alemães caçam. Farejam e armam o laço. Miram e atiram. Ficam quietos, aguardam. Pegam o javali e o transformam em linguiças. Portugueses são marinheiros-pescadores. Partem ao mar e desejam não ter ido. Sentem saudades. E nós, brasileiros, somos bandeirantes. Nosso sonho é topar com a mina de prata, nossa fortuna será a da sorte e não a do engenho. Exploramos. 
   E a Itália? 
   A Itália não é. Ela se afirma pela negação. E nesse "não sou e não quero" ela está sempre certa. Deixem a Itália ser a Itália! Ela não vende tecidos, os veste. Não planta, come. Jamais caça, pinta o bosque em telas coloridas. Não navega, canta ao mar. Não descobre minas, as inventa. Italianos....
   Doce Vida de Fellini.... cafés nas calçadas e máquinas estacionadas. Gente que flana, gente que vê. A fantasia como a maior e melhor das realidades. Vale a pena viver sem ser felliniano? Claro que não! A procura do amor e tudo terminando em ópera. 
   Não façam de Roma uma Berlin ! 
   Italianos pensam com a barriga: estômago, fígado e rins. Quem pode dizer que a vesícula é menos que a cabeça? Italianos são sempre grandes e trazem o rei na barriga.
   Uma questão: Existe a palavra simpatia na Inglaterra? Existe um alemão simpático? Para entender a Itália ou a latinidade é preciso saber o que seja "simpatia". Isso explica tudo, de Sophia Loren a Da Vinci, de Berlusconi a Monicelli e Totó. 
   Se o mundo fosse italiano e não americano teríamos a simpatia como conceito central e não a eficiência. Iríamos valorizar o prazer e não a vitória. Dolce far niente e jamais time is money.
   Há algo mais italiano que Mastroianni em Divórcio a Italiana? O homem latino apaixonado pela prima e tramando a morte da esposa. A vaidade do galo, sua comicidade hedonista. E o que falar de Gassman em Brancaleone? Os discursos pomposos que nada significam, a poesia de se crer em algo que se faz verdade. Os amigos de Eternos Desconhecidos, homens que perdem tudo por um prato de spaguetti.  ( Uma certeza: quem não ama o cinema italiano nada sabe de cinema. Pior, está morto para a vida: A Doce Vida ).
   Uvas na feira. E o pão estalando. O bambolear da morena farta que anda com seu vestido leve. Um elegante ajeita seu bigode. Roupas ao varal. Tomates e cheiro de limão. 
   Dante, Petrarca, Cavalcanti....O amor nasceu na Itália. O amor de Clara e Francisco, de Beatriz e Dante. Não qualquer amor. Não falo do amor grego que é amizade ou do amor celta que é familia. Falo de Amore. Que canta, espera, promete...
   A Itália nunca será Europa. Como a Grécia e a Irlanda, ela é uma ilha. E será sempre Roma: imperial, católica, auto-centrada, hedonista, vaidosa, contraditória, mafiosa. Lá a Mamma nunca ficará só.
   E quem pode dizer que eles não estão certos?
   Se voce sente que esquece o que seja Viver...Viva a Itália!

O FALECIDO MATTIA PASCAL- LUIGI PIRANDELLO, A LIBERDADE EXISTE?

   Mattia Pascal, morador de uma pequena cidade italiana, é dado como morto. Aproveitando-se dessa nova vida, cria uma identidade e viaja pela Europa com dinheiro ganho em jogo. Parando em Roma, acaba por se envolver em estranhas aventuras, que vão de espiritismo à romance, um duelo à um quase suicídio.
   Esse seria o enredo, bastanto reduzido, de Mattia Pascal. Uma comédia, muito engraçada, bastante absurda, que levei anos para resolver ler. Pena ter demorado tanto, que bom tê-lo lido afinal. Pirandello, ganhador do Nobel de 1934, é autor central do século. O absurdo que ele exibia antecipa o absurdo em que vivemos agora.
   O livro pode ser chamado de existencialista. Mattia procura e pensa todo o tempo na liberdade. E descobre que nada pode ser pior. O homem completamente livre se vê totalmente só. Livre das obrigações e das amarras afetivas, livre de rotinas e trabalho, livre de seu nome e de sua história, Mattia tem o que de seu? Quando está livre ele se sente o último dos homens, e quando percebe que sempre será si-mesmo e que portanto a liberdade é uma ilusão, ele se vê como é: um covarde.
   Mattia Pascal foge de tudo. Desde a infãncia, rico e protegio, passando pelo casamento, pobre e infeliz, tudo nele é irresponsabilidade. A única atitude que ele toma é a de fugir. Ele foge de sua vida, foge de um duelo, foge do amor e ganha dinheiro por acaso, em jogo na cidade de Monte Carlo.
   É um livro atual? Muito. Mattia Pascal é um tipico homem moderno, preso e ao mesmo tempo solto, sem compromissos e sem porque. O absurdo da história se perdeu, após décadas de cinema-fantasia, ela irá parecer bastante plausível. Talvez hoje sejamos todos absurdos.
   Pirandello se fez mais famoso no teatro. Suas peças alacançaram imenso sucesso e fizeram escãndalo. Numa estréia ele quase foi surrado pela audiência. Mas este seu romance consegue uma coisa rara. Ser muito sério, muito profundo e ao mesmo tempo ser divertido, cômico, elétrico.
   E o melhor, tem um gostoso sabor italiano, às vezes me lembrou alguma coisa de Monicelli, de Germi e de Totó até. Leia.

FLORENÇA, UM CASO DELICADO- DAVID LEAVITT ( A CIDADE E SUA SÍNDROME )

   Florença é uma cidade pequena. Ela pode ser toda percorrida a pé. E nesse espaço pequeno ela comporta um quinto de toda a arte do mundo. Um quinto! Isso provoca uma síndrome conhecida como "Síndrome de Stendhal", o autor francês teria sido o primeiro a descrevê-la. Ela ocorre quando após horas vendo tantas maravilhas, achatado e asfixiado pelo tamanho do que há de genial naquilo tudo, o pobre visitante perde a noção de onde está, quem é e o que faz ali. Uma sensação de que não se é nada, de que a própria vida nada é, de que as obras são maiores que tudo, faz com que a consciência se esfarele. Vem a palpitação, as vertigens e o desmaio.  Eis a tal síndrome. E creia, ela não ocorreu só com um romancista francês de mente criativa, ela aconteceu inúmeras vezes. Inclusive neste ano. Vivi uma coisa parecida em Chartres. Um maravilhamento tão intenso que é como se não pudéssemos mais existir. A completa perda do senso do eu-presente.
   David Leavitt é um atual bom autor americano. E ele sabe que essa sensação era cotidiana na Renascença. O mundo moderno, não tendo a coragem de vivenciá-la, a nega. De que modo? Vulgarizando a arte. Michelangelo em canecas, bonés e chaveiros. Michelangelo como um artista pop.
   O livro não é uma descrição da cidade. Volume da Cia das Letras, da mesma coleção do Flanêur, Florença não é cidade de flanêur. Nela os passeios têm objetivo, é uma cidade pequena, e onde cada rua é uma história. David Leavitt se prende então a história recente da cidade, de 1850 para cá, e eu não sabia: ela é uma cidade "inglesa" e é um tipo de consulado gay.
   Inglesa porque desde 1850 todo inglês perseguido por ser excêntrico acabou indo viver em Florença. Em 1920 eram 50.000 numa cidade de 450.000 habitantes. Eram escritores, pintores, poetas e simples vagabundos. A tragédia deles, é que quase todos perderam o que tinham de talento na cidade. Vivendo em lugar onde tudo podia ser feito ( e esse tudo ia desde se casar com sua tia a ter amantes de 12 anos ), eles perdiam a garra e acabavam se tornando um tipo de playboys ultra-esnobes, fofocando uns dos outros todo dia, e escrevendo livros enfadonhos sobre seus casos. E.M. Forster foi o único que não perdeu seu dom, simplesmente por não ter se misturado a colônia inglesa. Os ingleses eram capazes de ficar trinta anos na cidade e continuar tomando chá e comendo sanduíches de pepino. Vinho, café e feijão, jamais! Foster se misturou, provou a cidade, conheceu a vida. David Leavitt dá breves relatos de vários desses autores. Muitos foram amigos de Oscar Wilde, e nem todos eram gays. Huxley esteve por lá, assim como Berenson, que viveu meia vida na cidade.
   Florença é considerada a mais esnobe cidade da Itália. A lingua italiana nasceu na cidade e o visitante fica impressionado com a quantidade de nomes famosos que são relembrados em cada esquina. O rio Arno, que corta a cidade em duas, é hoje um pardacento rio imundo, mas mesmo assim as pessoas se encantam com sua cor de café com leite. Se o visitante não se cercar das amarras de sua fraqueza, a cidade o deixará enfeitiçado. Ela coloca todos de joelhos.
   Em 1966 uma terrível inundação pegou a cidade inteira. Na TV da Itália, tudo o que se falava era do número de carros levados pelas águas do Arno. Mas, sem internet e sem ninguém planejar, uma quantidade enorme de jovens estudantes da Inglaterra, da Alemanha e até dos EUA se dirigiu para a cidade. O que eles foram fazer? Salvar o tesouro artístico da cidade. Eram filas de jovens, água suja até a barriga, passando de mão em mão, livros, quadros, estatuetas para lugar seguro. Há uma outra história tão bela quanto essa que se passou em 1945. Uma tropa de americanos veio libertar a cidade. Tudo pacificado, eles entram numa granja na periferia de Florença. Três oficiais entram num quarto e acendem a luz. Um deles diz: - Major! Giotto!, o outro fala: - Aqui!!! Botticelli!!! , ao que o major diz: -"E aqui um....Leonardo!!!!...
   As obras eram escondidas em casas humildes durante a guerra para não serem levadas pelos alemães. Naquele quarto simples, 45 milhões de dólares, em valores de 1945, estavam nas paredes.
   Florença é isso. Uma cidade agarrada a seu passado. Consciente do que foi e que estranhamente sabe que desde 1850 tem como moradores famosos, estrangeiros. A cidade parou de produzir nativos de brilho. Mas, orgulhosa, assoberbada, ela exibe a maior abundância de arte por metro quadrado em todo o globo.
   É um belo livrinho!