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SINDBAD, O TERRESTRE

    Sinbad O marujo; desse todos já ouviram falar. Mas Sinbad, o Terrestre foi esquecido. Pois acabo de o ler. Escrito na mesma época, por volta de 780/800 de nossa era, e talvez composto pelo mesmo autor, temos aqui, como no outro Sinbad, o dominio do maravilhoso. Tudo pode acontecer. Mulheres viram pássaros, cavalos voam, o tempo corre, reinos malditos e reinos do bem, magos e demonios. A diferença do outro Sinbad é a de que este é muito mais sofrido, muito mais poeta e se trata de um adolescente dominado pela paixão.
    Ele é enganado por um velho alquimista e se vê deixado em montanha, para ser devorado por pássaros. Escapa e começa aí sua saga. Ele cruzará a China e atingirá o Japão, reino que na época era considerado o mais misterioso do mundo. A paixão o move. Se apaixona por princesa ao vê-la de banhar. Interessante ver que o amor dos dois é flagrantemente sexual. Nada disfarça o caráter carnal do amor de Sinbad, ele quer o corpo da princesa e a rapta para poder a seduzir. Quando eles se separam o que ele sente é a nostalgia das pernas e do sexo dela.
   O livro se passa na rota da seda, estrada que ligava a China ao mundo árabe. O comércio mandava na região, a salada de linguas e de religião. O islã, movimento ainda recente, é reafirmado em cada aventura, e costumes arcaicos são revividos. O mais encantador sendo o da vizinhança. Se voce encontra alguém na estrada deve servir essa pessoa, pois foi Deus quem a colocou em seu caminho e portanto voce tem uma divida com ela. Várias peripécias do livro se pautam por esse costume.
   É interessante também tomar contato com um mundo onde os sentimentos explodem livremente. As pessoas sofrem até desmaiar, choram por semanas e se jogam á vida sem exitação. Há uma absoluta crença na vida, as coisas não são postas em dúvida, tudo é aceito e vivenciado. Sinbad viaja, e como viajante se joga à vida que se oferece.
   Ele amadurece nesse caminho, os anos passam, tem filhos e acaba por voltar a seu país ( o Iraque ), onde a mãe o reencontra. Viajamos com ele, em meio a poesia amorosa e de saudade, vemos o que ele vê.
   Belo livro de uma coleção de textos antigos da Martins Fontes. Vale muito procurar.

SINDBAD, O MARUJO ( UMA TERRA JOVEM, JOVEM DEMAIS )

Não existe um autor de Sindbad. Como acontece com a Biblia ou com A Ilíada, o texto parece ter se auto-fecundado. É coisa da natureza. E como todo texto fundador, trata-se de uma viagem ( que na verdade são sete ). Tudo é maravilhoso aqui e tudo é estranhamente crível. As aventuras se sucedem e tudo o que voce deseja é ler mais e mais. Prazer de verdade, claro e límpido.
O texto que me chega é o mais fiel possível. Coisa de 770 D/C. Arábia...Bagdá...é surpreendente como eles nessa época estavam muito a frente da Europa. Possuem uma delicadeza, um amor a etiqueta, a limpeza e a educação que deixa a Europa como um tipo de curral de cavaleiros toscos.
O livro me faz pensar, e o pensamento que ele me traz é este:
Em 770.... Quantas tribos existiam no Brasil? Línguas que não mais se falarão e bichos que há muito sumiram de nossa vista. Imagino a floresta sem fim e um indio nadando no Pinheiros. Tribos em Marajó e no sul. E tribos na Argentina e no Perú ( Incas? ). Onças e Botos aos milhões e povos se espalhando pelo México e pelo Canadá. Cada um com sua língua, seu Deus e seu corpo. Contando uma saga e criando mitologias.
Penso que em 770, enquanto em Bagdá se redigia o Sinbad, na Irlanda os monges católicos andavam em pregação. Matilhas de lobos vagavam pela Alemanha e druidas viviam na França. Vikings na Noruega, Saxões na Inglaterra e Íberos na Espanha. Quantos ursos ainda viviam no continente e crenças desapareciam para sempre. Tribos sem fim pela Russia.
Penso na India e na China de 770. Na imensa diversidade de vidas e de vozes. Nas ilhas do Pacifico, nos reinos da Àfrica e na Austrália onde os aborigenes percorriam as estrelas. Maoris na Zelandia, eskimós no norte e os comanches, sioux, arapahos.
Em 770 uma enorme variedade de vozes, de visões sobre a vida, de peles e de rostos. Miscelânea de costumes, modos de ver, jeitos de pensar. Vida sem fim.
Penso que agora todos nós somos poucos. Todos estamos nos tornando coisas uniformes. Como gado de raça: mesmos desejos, mesmos valores, mesmos medos. E sinto que sendo assim somos mais fracos como homens, mais vulneráveis como espécie e muito mais pobres como alma. Mesma música, mesma roupa, mesma comida.
Para onde ir quando a vida entrar em crise?
Porque Sindbad me faz ver que toda crise é solucionada com a redescoberta do reprimido. A era medieval sendo superada pela lembrança da Grécia, a decadencia de Roma revitalizada pela fé católica, o novo sempre vem de uma civilização que se pôs a margem do poder. Mas se tudo for uma só coisa, de onde virá a novidade?
O oriente é o inconsciente do mundo e sempre foi de lá que veio o sopro de vida nova. A Grécia brota da Pérsia, e as religiões ( judaísmo/catolicismo/islamismo ) nasceram por lá. Aliás, religião sempre foi uma coisa muito fraca na Europa. Religião puramente européia é coisa que nunca existiu. Mas, se o mundo perder toda sua diversidade ( e desde 1350 estamos nesse caminho ), se o oriente, a Ásia toda, se tornar uma coisa só, de onde fazer brotar a nova fase, a nova crença, o novo mundo?
Cada ilha do mar da India era uma civilização. Cada canto da Indochina era uma fonte de fé e de filosofia. Pra onde foram esses modos de pensar? Uniformização. Odeio essa palavra.
Sindbad é a celebração desse mundo rico, desse mundo onde cada esquina é outro universo, em que tudo é diferente em cada reino, em cada ser. Sindbad é então a pura celebração de um planeta jovem, exuberante, enérgico, e que ainda se surpreende todo dia.
Sindbad é o homem plenamente saudável.
PS: Começo a pagar uma dívida que tinha comigo-mesmo. Começo a estudar Jung. Uma frase dele me pega ( e é exatamente o que eu já pensava ): O inconsciente é sempre religião. Todo inconsciente é religioso e temer ou não saber ler a simbologia religiosa significa temer ou reprimir a riquesa da vida do inconsciente. Porém, o homem existe para se individualizar, para se tornar um ser-sí-mesmo. Ora, isso só ocorre com o mergulho no inconsciente, com a alfabetização da simbologia religiosa. Mitos, religiões, poemas, essa é a linguagem de todo saber profundo, saber que é a vida da terra. A Europa é o árido mundo sólido do ser, o principio masculino; o oriente é o principio religioso, inconsciente, passivo e simbólico. É de lá que flui a fonte da vida, a fecundação, as novas etapas, a vida. Útero. Sindbad me cai nas mãos na hora exata.