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O FURGÃO - RODDY DOYLE. MAIS UM TIRO NO ALVO.

   Há a porra de um c  aralho de poesia de merda no uso de palavrões. Porque se poesia é atingir a expressão no alvo, porra, o palavrão atinge o cú do sentido.
   Este é o terceiro livro de Roddy Doyle que leio. E, se não é tão maravilhoso como Paddy Clarke Ha Ha Ha, é este um fodido de um livro do caralho sobre uma amizade entre homens. Se Roddy fosse um diretor de cinema, ele seria um Ken Loach de bom humor. Este livro virou filme em 1993. Stephen Frears, um Ken Loach com bom gosto, o dirigiu.
   Jimmy e Bimbo e Bertie são amigos. Têm 40 e tantos anos, um monte de filhos e estão desempregados. Espero que pelos nomes voce já saiba que estamos na Irlanda do Sul. Em 1989. Desempregados, vivem do seguro desemprego e passam o dia bebendo umas e jogando golfe. Bimbo compra um furgão velho e abre um carro que vende fritas e burgers. Só isso. Nada acontece mais, mas acontece tudo. Roddy constrói seu romance em diálogos, mais de 75% do livro são conversas. E ele consegue escrever com perfeição, e sem afetação, a linguagem das ruas da Irlanda. Piadas e palavrões, o bom humor do país mais feliz do mundo. ( As estatísticas dizem isso e não me pergunte como um país tão frio e tão pequeno pode ser tão alegre ). Mais o que tudo, Doyle faz um retrato quase comovente da amizade entre homens.
  Jimmy e Bimbo nunca falam de sentimentos, são pouco letrados, simples, mas sofrem e têm medo como qualquer bundão de merda. O afeto entre os dois é real, sólido, simples, instintivo. E nisso, assim como nas relações deles com esposas, filhos e vizinhos, o romance chega a ser sublime. Há dor, frustração e raiva neles. Mas a esperança e o amor nunca morrem.
  Os ingleses tentam desde sempre escrever assim. Como um irlandês fodido. Não conseguem. Lhes falta o lastro da miséria absoluta ( que mora nos genes irlandeses ) e a fé católica ( que é parte vital da paisagem da ilha ). Não que os ingleses sejam piores, eles apenas nunca convencem quando tentam ser "povão". Sempre há uma consciência "fora" do povo a observar tudo.
  Roddy Doyle é bom pra caralho. Tem cheiro de cerveja e cor de manhã com sol. E isso é uma puta coisa do caralho.
 

UMA ESTRELA CHAMADA HENRY- RODDY DOYLE

   Um casal, Melody e Henry têm um filho na Irlanda do começo do século XX. Melody aos 20 anos já parece velha. Miséria, filhos mortos, doenças, ignorãncia. Henry, o pai, é leão de chácara de um bordel. Ocasionalmente ele mata alguém. A arma que ele usa é sua perna mecânica. O Henry filho vai crescer em meio a guerra contra a Inglaterra. Essa é a trama geral deste livro, o mais ambicioso de Doyle, mas não o melhor. Paddy Clarke Ha Ha Ha é bem melhor.
   Mesmo assim este livro, apesa de seus erros, é obviamente obra de um grande escritor. O modo como ele descreve os ambientes tem a marca de bela observação, de humor hiper negro, de argúcia. Por outro lado não convence o modo como os persoangens pensam. Em meio a tanta sujeira e miséria eles pensam às vezes "bem" demais. Pode ser preconceito meu, de repente estou subestimando aquele povo, mas Henry raciocina demais para quem cresceu em tais condições.
   Muita gente se pergunta o porque de a literatura conseguir ser tão forte. Mesmo quando artes como a pintura ou o cinema se mostram em baixa, a literatura continua produzindo bons escritores e bons livros. Me parece que a explicação é a de que o homem tem uma necessidade vital de contar sua experiência, de criar personagens, de narrar. É ao lado da música a mais básica das artes. Mas ao mesmo tempo me incomoda essa falta de sutileza de Doyle, o modo como ele carrega na dor, as descrições de violência, de sujeira, de fedor. Pra que? Pra que repetir mil vezes a desgraça que já conheci, já entendi como foi, já me foi oferecida. Cansa a quantidade de camisas sujas, de mangas imundas e de narizes escorrendo. Isso não é um excesso de sensibilidade minha, é um excesso de bater na mesma tecla dele.
   Entre 1850 e 1900 a Irlanda perdeu um terço de sua população. Desse um terço, metade imigrou para a América, metade morreu de fome. Os irlandeses, vivendo num país sem solo e sem clima ameno, morriam tentando comer casca de árvore e capim. Os ingleses, patrões orgulhosos, estavam ocupados com a India para perder tempo com os "ignorantes e sujos" irlandeses. Este livro revisita esse universo. Mais um a fazer isso. São livros, filmes, músicas, poemas...creio que é chegada a hora não de esquecer, jamais, mas de diminuir a exploração dessa dor. Há o risco de se transformar a luta pela independência numa mera aventura ousada de um bando de "irlandeses doidos".
   Irlandeses não são doidos, não são sujos, não são geniais. São tão somente um povo que nada tinha de seu, que foi subjugado, pisoteado e tentou reagir como podia. Se pareceu doido, era de ira; se pareceu sujo era de fome e se pareceu genial, era uma forma de tentar sublimar a dor de nada ter. Existiram milhares de Henrys e eu acho, em que pese Doyle ser um belo escritor, repito; que eles mereciam um livro melhor.

PADDY CLARKE HA HA HA - livro de RODDY DOYLE

Meninos precisam de espaço. Meninas não ligam pra isso, mas eles sim. Precisam de muita terra, de sujeira, de pixe mole, de canos de esgoto, de mato, de fogueiras, de campo de futebol e de riachos. Meninos não precisam de quartos e de banheiros. Mas o mundo está encolhendo, o espaço dos meninos encolhe e o das meninas só cresce.
Eu detesto Roddy Doyle! Porque numa dessas coincidencias malditas ele escreveu em 1993 este livro. Que é exatamente igual ao livro que estou escrevendo nos últimos 3 meses! O estilo é o mesmo: lembranças de um garoto de 8, 9 anos. Escritas como se tivessem sido redigidas pelo garoto. Aquela linguagem de garoto que lê livros, entende? Lembranças simples, soltas, curtas, sem ordem de cronologia ou de impotância. Caramba, o livro ganhou o Booker Prize! É bom pra cacete!
Paddy mora num subúrbio de Dublin. A família dele é mais ou menos feliz e ele é um aluno mais ou menos bom. Então a gente lê sobre as brincadeiras, as brigas e tudo. E principlamente as mudanças. Porque que a gente deixa de brincar? Paddy está o tempo todo criando brincadeiras. Ele brinca com a comida, com as cobertas, ele lê brincando, chora brincando, ele até sonha brincando! Tudo é motivo para se imaginar um indio, um africano, um cowboy, um herói, um monstro. Porque que a gente joga isso fora com 12 anos de idade?
George Best. Paddy e seu pai adoram George Best. Eu adoro George Best. Ele é o cara. O ponta esquerda glamuroso do United. Paddy corre pela casa inteira quando Best faz um gol. Todo menino irlandês da época ( estamos em 68 ) queria ser George Best. Todo menino deveria ter sido menino no tempo de George Best ( e de Pelé ).
Eu queria que o livro fosse maior. Queria que nunca acabasse. Que o território de Paddy ( e de Liam, Ian, Simbad, Patrick, Pat, Kevin ) não fosse transformado num bairro residencial. Que não tivessem espantado as abelhas, os ratos, os pássaros e drenado e cercado tudo. Queria que eles ainda estivessem se sujando de pixe e acendendo fogueiras por lá. E querendo ser George Best e não Christiano Ronaldo.
Mas a gente fica adulto, apesar de não saber disso. A gente fica e pronto, acabou o brinquedo. A cama passa a ser apenas isso, uma cama, e as ruas apenas ruas. Mas este livro lembra de tudo. O mundo dos meninos. E meninos só são meninos se tiverem espaço.
Eu acho que Roddy Doyle deve ser um cara muito legal. Ele é só um pouco mais velho que eu e viu tudo o que eu vi. Roddy não tem culpa de ter me imitado antes. Eu até o perdôo por preferir o United em vez dos Gunners. Eu também queria ser um cara de Dublin. Mas sou do Caxingui. É quase igual, né?

Já falei que o livro é um bilhão de vezes bom? Acho que é o Tom Sawyer de hoje. Gostei pra caramba! Fim.