Mostrando postagens com marcador peter brook. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador peter brook. Mostrar todas as postagens

GLENDA JACKSON VERSUS MAGGIE THATCHER

   Ontem a Tv exibiu bastante os elogios de Cameron à Thatcher. E também os ataques de uma trabalhista a Maggie. Essa lider esbraveja com fúria dizendo que Maggie implantou na Inglaterra o cinismo e o consumismo em sua forma mais cruel. O que a Tv não diz é quem é a feroz oradora. É Glenda Jackson, atriz ganhadora de dois Oscars de melhor atriz, em 1970 e 1973, e que largou cinema e teatro para se dedicar a sua cruzada anti-Thatcher. Seria fantástico vê-la como primeira ministra. Se estivéssemos em 1970 talvez isso acontecesse.
   Glenda surgiu no teatro inglês por volta de 1965. Como um furacão em Marat/Sade dirigida por Peter Brook. A peça, um libelo anarquista contra a moralidade e a normalidade, causou espanto. Pouco depois ela começava sua carreira nas telas. Mulheres Apaixonadas de Ken Russell, baseado no livro de Lawrence lhe deu o primeiro Oscar. Daí em diante, durante sete anos, ela ousou sempre. Em 1973 ganhou o segundo Oscar com a comédia amarga Toque de Classe. Mas já aí ela começava a se queixar. Dizia que os bons papéis estavam sumindo, perdia a vontade de atuar. Falou em largar tudo e virar politica. Ninguém levou a sério, afinal, em 1977 ela era um tipo de Kate Winslet mais séria das telas. Ela cumpriu o dito, largou e nunca mais voltou. Ontem vejo-a na Tv, a esbravejar.
   Nunca foi bonita. E sua nudez nos filmes sempre foi constante e natural. Ela não era bonita mas tinha algo de bicho, de indomável e de hermafrodita que fazia dela uma mulher fascinante. Em Delirio de Amor, aquele filme sobre Tchaikovski que é o mais exagerado carnaval do cinema, ela tem uma presença hiper-sexy como a esposa de Pietr Ilitch. Ela nunca teve medo, sempre foi intensa. Quando o palco e a tela começou a ser mais comedido e bem intencionado ela saltou fora. Sem nunca olhar para trás.
   A geração britãnica da qual ela faz parte foi pródiga em insatisfeitos. As escolas dos anos 40/50 formaram alunos muito inquietos e havia um programa educacional de artes que conscientizou toda uma geração. Terence Stamp, Julie Christie, Alan Bates, Vanessa Redgrave, Tom Courtney, Albert Finney, Edward Fox, são todos atores que esnobaram o estrelismo e tiveram uma postura critica em relação a sua profissão e ao mundo. Muitos deles largaram tudo por anos. Glenda foi a mais radical.
    Uma das mais trágicas consequências do governo Maggie foi a transformação das escolas humanistas inglesas em centros formadores de trabalhadores financeiros. Aprender a lidar com dinheiro passou a ser a maior ambição dessas escolas. Uma mudança pela qual Glenda sempre lutou contra. Não esqueçamos que até 1977 havia desenho, teatro, latim e história grega como parte do ensino normal. Coisas inuteis que serviam apenas para instigar a critica e despertar o senso estético. Isso morreu.
   Mas não Glenda Jackson, que vejo na tribuna chamando Cameron às falas, vociferando contra a memória de Maggie. Glenda hoje velha, sem vaidade, feia, uma bruxa de Sussex, temível e maravilhosamente viva.
   O ensino humanista morreu lá como morreu aqui. 
   Glenda e eu não.