Mostrando postagens com marcador paul auster. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador paul auster. Mostrar todas as postagens

A RAIZ DA INFELICIDADE- PAUL AUSTER

Lendo "O inventor da solidão" de Auster. É mais uma tentativa de gostar desse autor. Lendo-o percebo o porque de me irritar sua escrita: ele é um típico escritor do estilo blog: escreve tudo o que faz e pensa, imaginando que isso possa interessar a alguém ( e pelo jeito interessa à muitos ). Quem inventou essa praga de que se voce escrever com sinceridade e com algumas citações bacanas, seu livro se fará por sí mesmo ? Fazem décadas que uma tonelada de gente que escreve fica detalhando seus pensamentos e seu cotidiano nada interessante e chama isso de literatura. Onde está o estilo? Onde a criação? A fecundidade?
Auster é estéril. O livro é uma confissão masturbatória. O estilo é o de todo narcisista-eu eu eu eu. Eu sou só. Eu moro em tal lugar. Eu penso. Eu escrevo. Para esse tipo de escritor, eu oponho Italo Calvino, Borges, Machado de Assis : o reino da criação. O autor cria um mundo, jamais copia sua realidade. Ele fecunda.
Há um belo pensamento no livro : " Toda tragédia do homem vem de um único fato- sua incapacidade de ficar quieto em seu quarto". Isso é Pascal. Isso é fecundo. Porque me faz pensar. Onde existe hoje a liberdade de se ficar quieto em seu quarto? A liberdade de se ser só. O mundo invade meu quarto : estou conectado à tudo. Pior que isso: se ficar duas horas sózinho, me sentirei, condicionado que estou, a me sentir infeliz. Será?
Minha nostalgia ( nossa? ) da infância é a nostalgia de se ficar em paz no quarto. Um lugar onde tudo parecia estar à mão: cama, brinquedos, comida, água, calor, proteção. Um ninho. Será que as crianças classe média de hoje têm essa experiência? Um espaço protegido, a prova de invasão, para elaborar sonhos e desejos? Um mundo de eterno presente e portanto, de eterna e deliciosa nostalgia?
Todos nós construimos quartos- hoje mais que nunca a vida não é comunitária. Ninguém entra na casa do amigo sem avisar ( e quando fui adolescente ainda se fazia isso. Meus amigos surgiam em meu quintal sem avisar ). Portanto, em um quarto onde há tv-computador-banheiro-geladeira-telefone, voce pode passar meses sem qualquer privação. Nunca foi tão fácil viver nesse tal quarto. Mas observe melhor a frase de Pascal : ficar quieto em seu quarto. Preciso explicar?
As mais deliciosas lembranças de minha infância são as tardes em que ficava quieto. Me deitava de barriga pra cima, sem absolutamente nada para fazer e sem pensamento algum. Logo me vinha um calor delicioso na região da barriga, um bem estar que subia pelas pernas, uma doce preguiça que me envolvia os braços. Não dormia. Ficava escutando a tarde. Os pássaros, o vento nas folhas, vozes distantes vindas de casas vizinhas. Nada mais. Quieto em meu quarto. Nada para fazer, nada desejando, nada incomodando.
Hoje, às vezes, sinto tudo isso de novo. A delicia desse calor. Mas é uma saudade: ele vem, delicioso sim, mas vem como coisa invocada, pedida, desejada. Não é natural, é um trabalho. Trabalho para atingir o vazio. Isto é uma incongruência.
Eu me propus a falar do livro de Paul Auster. Falei de Pascal. Creio que explica o que é seu livro.

paul auster e 4 filmes

Em seu novo livro ( Paul Auster é um autor que eu simpatizo, quero gostar mas não consigo. Eu o acho brigado com a vida, pouco criativo, quase enfadonho ); mas como eu ia dizendo, no seu livro ele tem uma bela sacada: Grandes filmes dão vida a objetos. E para provar isso ele cita 4 filmes ( que são seus favoritos e dos quais um está entre meus favoritos ).
Ladrões de Bicicleta, A Regra do Jogo, Apu e Contos de Tokyo.
No filme de De Sica, ele descreve magnificamente o início da fita. A esposa carregando dois estafantes baldes de água. O marido pega apenas um. Depois a esposa leva os lençóis da família para o prego. A câmera se afasta e vemos centenas de lençóis no prego. A relação do casal e a situação de Roma no pós-guerra mostradas por objetos mudos.
Na obra de Renoir, os pratos sujos abandonados sobre a mesa, evocando a solidão da amante abandonada.
Em Satijad Ray, a troca de cortinas no quarto do casal e o grampo de cabelo acariciado pelo noivo, como provas de um casal que se ama.
E no poema fílmico de Ozu, todo o filme é uma ode aos objetos, ao silêncio e ao fato de que numa família não existem culpados, sómente vítimas.
Quatro grandes filmes, que como Auster diz, aproximam o cinema da literatura, dos contos de Tolstoi ou da grandeza de Stendhal.