PODRES DE MIMADOS - THEODORE DALRYMPLE.

   Coloque um broche com o símbolo do combate ao câncer de mama e se sinta então parte de elite "que se importa". O livro bate forte e convence nessa característica única de nossa época: o respeito ao "fraco" e ao "oprimido", e a consequente vaidade que nasce de ser alguém que se importa com o fraco e com o oprimido.
   Dalrymple mostra de forma clara e lógica, que ao se importar com africanos famintos, chineses oprimidos e negros explorados, acabamos por não nos importar concretamente com nada. Defendemos um prisioneiro na Guatemala, mas não conseguimos ajudar nossa mãe, que sofre com a solidão no quarto ao lado. Nos indignamos com a repressão policial na favela, mas não nos indignamos com o modo como nosso pai é tratado no ônibus lotado. Nos tornamos então uma pessoa tão justa, tão correta, tão indignada, tão "boa", que não temos mais espaço interno para ser "apenas" uma pessoa real e presente. Mas nossa vaidade, essa está a salvo, pois estamos todo o tempo "do lado do mais fraco".
  Dalrymple conta alguns casos famosos deste século. Escritores que se fingiram de oprimidos e assim alcançaram o sucesso, pessoas que foram consideradas do mal por não exporem suas dores pessoais ao público. Hoje é muito mais fácil publicar e vender se voce tiver o único mérito de ser parte de uma "minoria perseguida", ou por dizerem a "sua verdade de violência e de miséria". Um escritor "apenas" branco, homem e europeu, se não for viciado, ou meio doido ou gay-sofrido, terá uma imensa dificuldade em ser publicado e comentado. O público leitor foi convencido que "vida real" significa dor e violência, sofrimento e horror, alguém que venha de um meio apenas normal será considerado um "alienado". E ao ler as experiências terríveis de pessoas oprimidas, o leitor, elite envergonhada, se sente "conhecedor da vida real e apoiador das nobres causas". O apelo do livro não mais é a beleza ou a arte da escrita, é a pura vaidade de ler e se pensar do bem.
  Somos parte de um tempo em que a vida privada está submetida ao público. Assim, uma pessoa sensível tem de chorar em público, sofrer às claras e se indignar com exagero. A discrição, que antes indicava elegância e cultura, hoje é tida como "coisa de gente fria, sem coração". É preciso nunca perder a chance de se emocionar, de exibir o coração, de se fazer de criança desprotegida, de perder a pose. Uma celebridade pode ser um crápula, mas se apoiar a causa certa e mostrar algum sofrimento em rede de TV, pronto: ele será mais um cara do bem.
  Dalrymple mostra o começo de tudo isso com o romantismo em fins do século XVIII, o momento em que perder a sofrer passou a ser "viver". Só vive quem sofre e quem sofre é uma vítima da sociedade repressora e má. Pois no âmago de todo romântico vive a certeza de que "todo homem é bom, a sociedade é que o faz mal". Portanto, nada mais heroico que ser uma vítima, ou seja, um sofredor oprimido. Desse modo, de forma lógica, todo homem ou mulher feliz e bem adaptado seria o opressor, uma pessoa que está de acordo com a sociedade que faz dos homens seres maus.
  Estamos no reino em que o mérito é não possuir mérito. " Vejam! Sou pobre e tive câncer, sou um campeão!" Dalrymple pergunta: Campeão do que? Os politicamente corretos não percebem que ao dar tanta atenção a pessoas com vitórias normais, eles próprios admitem que nada esperavam dessa pessoa.
  Nossos artistas são aqueles que trazem o estigma de serem vítimas e não gênios talentosos. Sylvia Plath, Frida Kahlo, Modigliani, Mahler, são ícones acima de tudo por terem sofrido perseguição, doenças ou se matado. Foram vítimas antes de serem artistas.
   O mundo nunca foi tão "bom". E ao mesmo tempo nunca houve tanta violência injustificada. Ele liga os dois pontos. A liberação das mulheres, justa, abriu as comportas para a loucura do ciúmes, genético e biológico, dos homens. A glorificação do gueto, compreensível, levou ao estilo gangster como algo de desejável e sexualmente atraente. Tratar viciados como vítimas indefesas, o que nunca foram, leva a passividade do próprio junkie. Despejar dinheiro em países pobres, o que seria bom, leva a criação de uma elite corrupta e violenta. E o pior de tudo: tratar as crianças como anjos que sabem por instinto o que é melhor para elas mesmas levou à falência da educação mundial. Educar se tornou vergonha igual a oprimir e julgar é hoje um pecado sem perdão.
  Em apenas 200 páginas, Dalrymple dá uma clara mensagem sobre o prazer em ser uma vítima que tomou conta do mundo. Amamos lamber feridas em público, adoramos nos importar com os cachorrinhos sem lar e os índios sem terra. Somos todos bons, e cada vez mais, que pena, crianças e iguais.
PS: É falado sobre a mentira de que a segunda guerra foi a pior guerra da história...a maior chacina da história foi nossa....a guerra do Paraguai matou 95% da população masculina de uma país inteiro.
Mas, adoramos pensar que somos herdeiros da pior guerra da história. Toda guerra é ruim, e a segunda foi mais um crime numa história que não tem fim.