O NAPOLEÃO DE NOTTING HILL - CHESTERTON

   Escrito no começo do século XX, este romance de Chesterton é passado em 1984. Mas, ao contrário de Verne, Orwell, Wells e Huxley, o interesse de Chesterton não é mostrar a ciência do futuro. O que ele exibe é seu palpite sobre como estaria a alma do mundo em 84. Para tanto, a Londres do futuro ainda tem carruagens, calçadas de madeira e fraques com cartolas. Esse lado exterior pouco importa; o autor acerta na antevisão do espírito de 1984. ( Não exatamente 84...digamos 2017 ).
  O mundo se globalizou. Em 1984 não existem mais nações. O planeta é uma coisa homogênea. Com isso, as pessoas também se homogeneizaram, e assim, vivem em absoluta indiferença. Viver é tão seguro que nada mais pode surpreender. O rei é escolhido por sorteio. Tanto faz quem seja rei. Mas então acontece algo de novo...
  O novo rei tem senso de humor. E o humor, que havia sido esquecido, passa a reger os atos do rei. Ele obriga as pessoas a usarem roupas engraçadas, a repetirem cerimônias engraçadas. A rirem. ( Ninguém ri. O rei palhaço se torna um tipo de bobo de sua corte ).
  Depois surge o fanático e é então que as coisas mudam.
  Adam Wayne é um prefeito. E ele leva aquilo que o rei diz como piada a sério. Para Wayne, cada roupa, cada bandeira, cada gesto tem um significado. A vida para Wayne é símbolo e ele consegue ler e levar em conta todo símbolo.
  Isso faz com que ele declare guerra aos outros bairros. E essa guerra muda o mundo.
  Chesterton defende a guerra. Não, não é questão de defender ou não a guerra. Sejamos adultos. Chesterton apenas nos lembra que a guerra fez o mundo e que ela é uma parte de nossa alma. Se não a aceitamos, passamos a viver a guerra ruim, falsa, desleal, a guerra da  mentira. Se aceitamos toda a história e toda a verdade da guerra, passamos a nos ver como guerreiros, e como tal, a vida se torna heráldica. Cores passam a ser palavras, desenhos e bandeiras falam à alma, gestos são carregados de vida e de morte, a fala se torna poesia. Os atos da vida deixam de ser apenas atos e passam a ser eventos. A vida deixa de ser rotina e passa a ser luta.
  Chesterton sabia que um mundo sem inimigos, sem rivalidades, sem dor, sem risco, é um mundo onde a vida não vale a pena. O momento em que vivemos joga essa verdade em nossa cara. Jovens se tornam terroristas por não perceberem onde ser jovens. Acompanhamos notícias de cometas, discos voadores, vida fora da Terra, na esperança de que algo de significativo aconteça. Até uma guerra tola nuclear nos dá uma certa esperança de que um evento enfim mude a vida. Estamos presos na segurança da vida prevista, lógica, banal. Esses fatos tentam jogar sujeira na limpeza ocidental.
  Chesterton previu que ser patriota, ser guerreiro, seria uma vergonha e não orgulho. Isso em 1904. A moderna guerra de 1914 e depois o horror de 1939 não o fariam mudar de ideia. Porque ele veria na guerra moderna a guerra sem confronto, a guerra covarde, guerra da máquina e não do homem. Pois não se esqueça que para ele, guerra é defender sua casa, seu vizinho, preservar sua praça, sua escola e levar no corpo as cores e os símbolos de seu bairro. Morrer por essas coisas. Fazer com que seu passado, o passado de sua gente sobreviva. A guerra como luta por preservar. E não como fim de tudo.
  É isso. A guerra que eu lutaria. A guerra que lutarei. Aquela que sempre lutei.