PROCURANDO GOBI - DION LEONARD

   Dion Leonard nasceu na Austrália e é corredor de maratonas extremas. Mora na Escócia e suas provas favoritas são aquelas que cruzam desertos. Já correu no Kahalari e no Saara. Em 2016 foi correr em Gobi, no nordeste da China. 240 km a pé. Montanhas, areias sem fim, dunas, e até um pântano.
  Ele fala, brevemente, de sua infância dura e solitária. E de seu casamento com uma corredora. Parte Gobi adentro. No caminho, vinda do nada, uma cachorrinha vira lata começa a seguir Dion. Entre os dois nasce uma cumplicidade. Ela corre e corre e corre com ele. Debaixo de 48 graus. Na tempestade. No mato. Toda esta primeira parte do livro é muito boa. Sem enrolações e jamais humanizando o bicho, Dion escreve uma bela aventura. A camaradagem entre os competidores, o sofrimento físico, a beleza de correr, está tudo lá. Ele batiza a cachorrinha de Gobi.
  E ela desaparece numa grande cidade da China. E aqui o livro cai. Vira paranoia. Vira burocracia. Vira medo. Não estraga nada eu dizer que Gobi é reencontrada. Ferida. E tudo termina com ela vivendo em Edimburgo, com o casal. Feliz. O livro está pronto para virar filme. E o filme pode ser bem bom, como o livro é, até a página 120.
  De qualquer modo é bacana ler sobre a sociedade australiana e a comunidade de super maratonistas. E sobre Gobi, uma vira lata que veio do nada.

AQUELE ASSUNTO CHATO QUE NINGUÉM FALAVA E AGORA VIROU BANALIDADE.

   Leio que o suicídio já á a terceira causa de mortes nos EUA. Banalizou-se. Aqui, no país da banana, onde trabalho entre crianças e jovens pobres, faz muito tempo que me acostumei com meninos e meninas "treinando" suicídio. Eles cortam os braços quando estão muito tristes ou muito nervosos. Sentem alívio ao fazer isso. Já não me choca mais. Mas ainda procuro as ajudar.
  Nunca tentei me matar. Fingi uma vez, mas acho que esse "teatro" não conta. Foi um ato consciente para tentar fazer uma ex voltar. Nunca mais faço isso. A dor que vi no rosto dela me curou de toda mentira. Não minto mais. Mas vamos ao tema:
  A primeira onda de suicídios da modernidade foi por volta de 1810. Mas tenho dúvidas se essa onda foi assim tão "onda". Acho que foi uma moda entre pretensos poetas. De qualquer modo, foi um sinal. O individualismo em extremo pode dar na hiper vaidade, no superhomem de Nietzsche, ou numa corda com nó. Vivemos um tempo que nos pede a fazer três movimentos fatais: ser original, querer todo o tempo, esquecer o passado.
  Ao lutar por ser único caminhamos para o alto da montanha. E como somos únicos, lá não haverá mais ninguém. No máximo um pobre ou uma pobre serviçal. Ao querer e desejar todo o tempo teremos a recompensa do vazio. Se queremos sem parar estaremos insaciáveis para sempre. Será uma fome sem razão. E ao esquecer o passado jogamos no lixo toda a referência que nos diz de onde viemos, quem somos e a quem devemos. Sem esses laços nos tornamos barcos sem leme e sem ancora. Livres sim, mas sem rumo e sem descanso.
  Bourdain é o símbolo desse mundo. Livre, aventureiro, sempre querendo coisas novas. Sem rumo.
  Mas tudo talvez seja ainda mais simples.
  Eu tinha uma amiga de minha mãe que se chamava Dona Mabília. Velha, muito velha, a casa dela era sempre a mesma. Seja em 1972 ou em 2001, era a mesma horta, os mesmos móveis, as mesmas fotos nas paredes. Até os programas que ela ouvia no rádio eram os mesmos. Quando minha mãe estava triste ela ia à casa de Dona Mabília. Faziam chá e falavam das plantas. Quando eu estava triste ia lá. E sentia que nada mudara. Que a vida continuava a mesma que sempre amei. Era um colo. O calor de uma voz amiga. O cheiro da cozinha fria e imensa, com um fogão Walig e uma geladeira Frigidaire.
  Não há mais colo. Na dor não existe mais uma casa para se ir. Onde ver que a vida continua a mesma, familiar, amiga, conhecida. O aumento de suicídio se liga à diminuição de Donas Mabílias. De avós que cantam, de avôs que fumam charuto, de pais que dão bronca e mingau quente. Ao fim dos bares-casa, das praças-memória, dos cantos-recantos.
  Não estou idealizando. Não penso na figura do avô sábio ou do pai forte. Sei que são raros. Falo da simples existência dessas figuras. Do cheiro da cama do avô. Da loção de barba do pai. Mesmo que frio e ausente, lá está ele. Falo do colo da mãe. Mesmo que ela só fale tolices, o colo está quente, está o mesmo de sempre. Falo do sentimento de que a vida tem uma história, um acontecer corrente, um fio de vidas.
  Podem dizer que estamos construindo uma nova vida, uma nova família, uma nova realidade. Mas assim como o feijão é sempre o mesmo, a água só existe uma e sonhamos de noite os mesmos sonhos dos gregos, a necessidade de um avô rotineiro, uma mãe que canta enquanto cozinha ou de um velho tio esquisito, não muda.
  Somos macacos, somos humanos, somos espírito: precisamos de um lugar seguro para fugir. E de braços conhecidos para nos salvar.

SAIU UMA COLETÃNEA DE WALLACE STEVENS.

   Dos grandes poetas americanos do século XX, Stevens é o menos conhecido, e para muita gente é o maior. E olha que a concorrência é enorme, de Marianne Moore à William Carlos Willians, de Robert Frost à ee cummings, de Pound à Eliot, o século XX foi imenso para os EUA. Stevens deveu, talvez, sua relativa obscuridade, ao fato de não ter tido vida de artista. Foi um executivo de seguros bem sucedido que escrevia apenas nos fins de semana. Não frequentava meios literários e publicou após os 40 anos. Mas sua poesia, amada pelos mais finos literatos, irá permanecer para sempre.
  Ela não é fácil. Se voce ler tentando encontrar um sentido irá se desesperar. O modo mais simples de ler Stevens é ler e se deixar levar pela sucessão de imagens. Ao final do poema, voce sente que entendeu alguma coisa muito abstrata e muito original, mas esse entendimento permanecerá vago, incomunicável, apenas e tão somente seu.
  A dificuldade não vem do vocabulário. Stevens não usa palavras difíceis e nem fica citando autores que poucos conhecem. A dificuldade vem da imensa riqueza das imagens. Stevens voa velozmente de luz à sombra, do branco ao negro, da alegria à dor. Cada verso é um universo e mora aí seu segredo: ele é completamente material.
  Stevens usa apenas os órgãos dos sentidos, descreve apenas o mundo real, sólido, e crê firmemente que este mundo, o visível, é tudo o que existe. Um cético portanto! Mas não! Ele crê e ama a imaginação e a partir da criatividade, que para ele é baseada no mundo real, sólido, palpável, ele embeleza e dá profundidade ao mundo sensível e sólido. Para Stevens não há Deus ou anjos, mas mesmo assim há beleza e dignidade no mundo. Ele transforma pela via da imaginação um lápis numa fonte de sentido, uma manhã numa maravilha e um rosto numa intriga. Realista, mas jamais corriqueiro.
  Poeta da vida como ela parece ser ( para ele da vida como ela é ), Stevens tem uma maravilhoso sabor de sala bem arejada, de maçãs no pomar, de leite com biscoitos. E, em que pese a aparente vulgaridade dessas imagens, ele faz, sem dificuldade, delas um monumento. 

Barry White - Ecstasy...



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ESSES CRÍTICOS PRESOS PRA SEMPRE EM 1982...

   A crítica de rock americana pode ser chamada de preguiçosa. Em suas listas de melhores há sempre o óbvio. Mas a crítica inglesa deve ser chamada de burra. Eles, que em sua maioria foram adolescentes nos anos 80, estão presos, sem perceber, nos dogmas de 1982: tudo o que lembra o rock hedonista de 1974 deve ser jogado fora. Em seu modernismo velho, eles repetem sem parar os preconceitos, que em 1982 faziam sentido, contra aquilo que soe como Stones ou Led Zeppelin. É uma maneira grosseira de ser muito velho tentando ser sempre jovem.
  Ouço dois discos do Primal Scream. Xtrmnt foi elogiado em seu tempo. Riot City Blues foi mais que criticado, foi chamado de fiasco, vergonha. Riot vendeu bem, Xtr nem tanto. O grande pecado de Riot é lembrar muito tudo aquilo que em 1982 era vergonhoso e pouco chique: Faces, Status Quo, Deep Purple, Stones. Criticar com dogmas dá nisso: um desarranjo com a justiça e um distanciamento do gosto pop. Riot é um bom disco de rocknroll, e nisso não há pecado. Já Xtrm soa já estranhamente datado. O que é moderno sempre envelhece rápido. É um disco bacana, bom de ouvir, mas sua sonoridade é 100% virada de milênio. Nenhum problema em parecer ser de 2000, como não há problema em parecer ser de 1974. O que interessa é a criatividade. Ou a fé naquilo que se faz. A verdade que vive e respira no ato de criação. Riot é mais vivo. Parece de verdade.
  Escuto também um disco muito odiado em 1977, o Barry White daquele ano, que tem o single Ecstasy. Engraçado é que o mesmo tipo de crítico preso a 1982, hoje elogia Barry White. Exatamente por ele ter sido tão detestado nos anos 70. Justiça seja feita, o som orquestral de mr. White é de uma beleza sublime. Bateria, baixo, violinos e piano soam como se tocados por anjos negros. Ecstasy é tudo aquilo que os caras do lounge querem fazer e nunca conseguem. O sonho do Brand New Heavies e do Tricky.
  Por fim, 1974 é o ano do Status Quo e justiça seja feita: Quo é um disco do caralho!

FILME NOIR E WESTERN

   CHISUM de Andrew V. McLaglen com John Wayne
Wayne defende suas terras de um "barão de terras". Surpreendentemente bom, visto que o diretor se tornou famoso por estragar boas produções. O filme é de 1970, da fase final de Wayne, quando ele fazia 3 ou até 4 filmes por ano para pagar suas contas ( ele falira em 1960 ). Pode ver este, ele é bem bom.
   A QUADRILHA MALDITA de Andre de Toth com Robert Ryan e Tina Louise.
Lembra de Os Oito Odiados do Tarantino? Pois é, aqui está ele. Dentro de um barracão-hotel, no fim do mundo, entre sujeira e gelo, um cara do bem tenta livrar o lugar de um bando de estupradores e ladrões imbecis. Eu não gostei do filme, mas talvez esteja errado. Ele é muito crú e não parece ser um filme de 1959, tem cara de 1979. Robert Ryan é talvez o maior ator americano de seu tempo...e o menos lembrado.
   UM PECADO EM CADA ALMA de Rudolph Maté com Glenn Ford e Barbara Stanwyck
Um pacato dono de terras resolve vender sua propriedade para um vizinho rico e ganancioso. Mas muda de ideia e organiza um bando para não ser "convencido" a vender. Maté, dinamarquês, foi diretor de fotografia de Dreyer. Nos EUA, se tornou um dos grandes diretores de imagens do cinema, mas apenas um diretor de filmes ok. A gente adora odiar Stanwyck.
   À BORDA DA MORTE de Richard D. Webb com Robert Ryan e Jeffrey Hunter
Numa cidade corrupta, um xerife tem de lutar mesmo sofrendo de crises de cegueira. Cá está o grande Ryan em mais um western. E, tenho certeza, voce vai se deixar envolver pela sua dureza frágil. Um western médio, daqueles que eram feitos às centenas para lotar os cinemas de bairro e do interior. Hoje a gente tem saudade deles.
   HOMENS INDOMÁVEIS de Allan Dwan com John Payne, Lizabeth Scott e Dan Dureya.
Um dos motivos do fim do filme de faroeste foi a TV. Mas o principal foi o limite claro que existe no gênero. Assim como o filme de HQ, o western tem pouca chance de criação. Ele possui um número restrito de temas, de ambientes e de assuntos. Quando deixa isso tudo de lado não é mais um western, vira outra coisa. Com o filme noir isso não aconteceu e por isso ele sobrevive até hoje. Os temas e os ambientes do noir podem ser modificados à vontade, já o western não. Este é um filme ruim.
   A RENEGADA de Allan Dwan com Audrey Totter e John Lund.
Críticos franceses descobriram Dwan nos anos 50. Ele é apenas ruim. Um diretor de muita ambição e pouca realização. Detestei este filme.
  UM PREÇO PARA CADA CRIME de Bretaigne Windust com Humphrey Bogart
Bogey é um promotor que vê suas testemunhas sendo eliminadas. Zero Mostel é sua última chance e ele não pode deixar que ele morra ou desista de testemunhar. Muito bom. Bogey está frio como aço e a fotografia é linda, sombras numa cidade úmida. Um noir dos bons.
  SOMBRAS DO MAL de Jules Dassin com Richard Widmark
Já tendo fugido para a Inglaterra, Dassin chama Widmark e filme este triste drama noir. Widmark é um pequeno malandro que sonha em dar um grande golpe. Mas ele falha e o filme é de um pessimismo total. Tudo funciona aqui: Londres, as ruas, os atores, a trilha sonora.
  A MALETA FATÍDICA de Jacques Tourneur com Aldo Ray e Brian Keith
Uma maleta cheia de dinheiro cai na mão de um cara. Mas esse dinheiro é da máfia. Ele passa a ser caçado. Tourneur sabia fazer qualquer tipo de filme. Só musical ele não fez. Filme de guerra, piratas, westerns, noirs, comédia, filme de terror...Este é dos bons.
  DO LODO BROTOU UMA FLOR de Robert Montgomery com ele e Wanda Hendrix
Montgomery, ator famoso desde os anos 30, vai ao Mexico fazer este filme estranho. E belo. O tema é a chantagem e o azar. Como ator, Montgomery brilha em sua frieza desiludida, como diretor, ele funciona: o filme é diferente.
  MERCADO HUMANO de Anthony Mann com Ricardo Montalban
Anthony Mann, um grande diretor, dos maiores, começa sua carreira no filme noir. Este fala dos mexicanos que cruzam a fronteira como ilegais. Um agente americano se infiltra nos grupos de chicanos para tentar descobrir os vendedores de passagens. Um tema ainda atual. O filme é quase um documentário.
  PRECIPÍCIOS D'ALMA de David Butler com Joan Crawford, Jack Palance e Gloria Grahame
Mio Dio!!! O filme começa como um inacreditável novelão com um canastríssimo Palance. Ele é um ator que se casa com uma famosa escritora. Mas então...o filme muda e vira um noir em que ele tenta a matar. Gloria, sempre sexy, faz a amante. Um filme muuuuito esquisito e meio doentio.
  NA NOITE DO CRIME de Norman Foster com Ann Sheridan e Dennis O'Keefe
Um cara foge em San Fran. Apenas isso. E que "isso"! Um pequeno filme noir com excelente direção e clima de sobra. O legal dessas caixas de filme é que, como já estamos na caixa 8, os filme óbvios já foram editado e agora surgem as surpresas. Como este, que estava completamente esquecido.
  A CICATRIZ de Steve Sekely com Paul Henreid e Joan Bennett.
Nunca na vida ouvi falar deste diretor! Mas conheço bem os atores e o fotógrafo, John Alton. Um ex prisioneiro, após cumprir pena parte para o crime. E para isso, ele toma o lugar de um psiquiatra parecido com ele. O tema é o duplo, o roteiro é inverossímil, mas é daí...o filme tem suspense e é bom pacas!
  TRÁGICO DESTINO de John Farrow com Robert Mitchum e Claude Rains.
Uma obra prima! O grande ator do noir, Bob Mitchum, é um médico que sem querer, se envolve no mundo do crime. Faith Domergue, uma atriz ruim, aqui faz a mulher fatal, e está ótima! O filme se parece com um pesadelo. É uma diversão cruel.
  A MORTE RONDA O CAIS de Phil Karlson com John Payne
A esposa de um taxista é morta pelo amante. O marido é dado como suspeito e foge da policia. Excelente filme B. Rápido e ágil, ficamos envolvidos pelo destino do pobre "trouxa". Veja!!!
 

Documentário Sophia de Mello Breyner Andresen O Nome das Coisas



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SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN, CORAL E OUTROS POEMAS.

   Hoje de manhã fui ao jardim para ler as últimas 30 páginas deste livro recém lançado pela Cia das Letras. Então 3 borboletas amarelas começaram a brincar entre as flores e a minha cachorra. Ficaram por quase meia hora, soltas, leves, instáveis, rodopiando. Se uniram em trio e subiram, subiram, subiram. Sophia é sobre isso.
  Este livro faz um apanhado geral sobre toda sua obra e deixa claro que ela foi crescendo de ano para ano. Ao contrário da maioria dos escritores, ela melhora com a idade. Portanto, as últimas 30 páginas são as melhores, seus poemas dos anos 80-2000.
  Sophia faz uma oposição: mar e cidade. Para ela, a cidade é o mal, o feio, o desarmônico. O mar é o bem, o limpo, o claro. Grega de alma, ela ama o sol, o azul, a liberdade e o equilíbrio. Os poemas que ela escreve na Grécia são das coisas mais felizes já escritas.
  Pois ela nunca foi uma poeta triste. Oposta a Fernando Pessoa, ela é ela-mesma e ela é sólida. Ela escreve sobre a alegria do real, a felicidade de se olhar o azul aos 2 anos de idade. Na infância a comunhão da criança com a realidade do mundo, o olhar sem intermediários. A poesia é a volta desse estado, mas agora através das palavras, palavras que buscam o resgate do que se perdeu, a realidade.
  Existem poetas que escrevem como escultores. Eles têm uma ideia e trabalham sobre ela usando palavras. Fazem e refazem, tiram e adicionam. Outros, como Sophia, recolhem ideias que nascem no nada e escutam o poema ser escrito na alma. Eliot é um exemplo do primeiro tipo, assim como Wallace Stevens. Já Lorca e Burns são exemplos do outro tipo, o tipo marítimo. As imagens vêm como ondas. Elas brotam.
  Não costumo citar trechos dos livros que leio, quero que vocês os procurem; além do que citar fora de contexto é sempre um perigo. Os poemas de Sophia são curtos, breves, leves, simples, lapidares. E são feitos de água, sal e muito sol. Como ela mesma diz: " apesar da morte, minhas mãos nunca ficam vazias".

New Sumerian Artifacts 2018 Documentary The Forgotten History of Sumer



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The Long Good Friday: Making Of: Pierce Brosnan (2006)



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FILMES POLICIAIS E MAIS OUTRAS COISAS

   THE LONG GOOD FRIDAY ( CAÇADA NA NOITE ) de John Mackenzie com Bob Hoskins e Helen Mirren.
Faz tempo que em toda lista de melhores filmes ingleses da história leio este título. Feito em 1980, é um filme amado pelos ingleses mas pouco conhecido fora do país. Lançado aqui em dvd, eis que o assisto. Começa mal, com uma trilha sonora pop horrível. Cenas incompreensíveis e todo o clima yuppie de então. Mas, quando Bob Hoskins entra em cena o filme cresce, cresce, cresce e vira uma coisa inesquecível. Ele é um mafioso londrino. Que começa a ver seu império ruir. Iludido, ele pensa que pode se salvar. Mas seu inimigo, o IRA, é muito mais letal que ele. Hoskins tem uma das maiores atuações da década e foi este filme que o lançou. Ele é brutal, cruel e meio burro, mas a gente o ama. O filme, cheio de humor amargo, é uma diversão louca. Muito, muito bom. Como curiosidade, Pierce Brosnan, jovem, um dos mais bonitos atores já filmados, tem duas cenas mudo: seduz um gay numa sauna, e aponta uma arma para Hoskins. Quem imaginaria que ele seria Bond? O mundo é surpreendente mesmo...
   GET CARTER de Mike Hodges com Michael Caine
A GB de 1971: falida. Caine, frio como aço, vai à Newcastle para se vingar. O filme, sujo e lento, estranhamente vazio, é outro policial muito amado na ilha. Michael Caine tem um dos seus melhores momentos. É um ator anti-teatro, anti-Olivier, por isso marcou tanto e é até hoje o mais querido pelos ingleses. Ele trouxe a rua, o cockney para as telas. Este filme, duro, de macho, é uma lição de economia. O final é maravilhoso.
   O SEQUESTRO DO METRÔ de Joseph Sargent com Walther Mathau, Robert Shaw, Hector Elizondo, Jerry Stiller.
Ainda lembro que em 1977 este filme passou em branco por aqui. 4 semanas em cartaz, ignorado por críticos. Hoje é super cool e super cult. O motivo: faz parte da grande leva de filmes sobre a Nova Iorque dos anos 70. Como Um dia de cão ou Taxi Driver, a estrela é a cidade, seu povo, suas ruas, o clima. A cidade estava em seu ponto mais baixo, falida, suja, confusa, sem governo, e uma explosão de pessoas esquisitas habitava suas ruas. Filmes como este perceberam isso e foram às ruas. Aqui se fala de um bando de 4 malucos que sequestram um vagão de metrô. O filme, ágil, engraçado, esperto, gira entre ruas, delegacias, o metrô e casas imundas. Os atores estão perfeitos e a trilha sonora mostra o porque dessa época ser considerada a melhor em termos de trilhas para filmes ( 1965-1978 ). Qualquer pessoa que ver este filme hoje vai amar. E vai querer saber o porque de não serem mais feitos filmes assim.
   THE SEVEN UPS de Philip D'Antoni com Roy Scheider
É sempre ótimo ver Scheider em cena. Poucos ou nenhum ator faz angustiados tão bem. Este é mais um filme sobre New York, um pouco confuso demais, mas ainda assim ok. Roy é um policial. Ele tem um traidor em seu grupo. O filme gira entre ruas sujas e pessoas imundas.
  SOFRENDO DA BOLA de Norman Taurog com Jerry Lewis e Dean Martin
É o filme da dupla sobre golfe. Tem coisas bem ousadas, como mostrar os dois como eles mesmos, mas não é dos melhores da dupla. O humor de Lewis, muito infantil demais, envelheceu mal.

OS QUATRO AMORES - C.S.LEWIS

   Em edição com capa dura, bonita, este livro pensa a cerca de quatro formas de amor: o afeto, a amizade, o amor erótico e a caridade. Há uma decepção óbvia com o primeiro texto. Lewis parece não se animar com o afeto. Afeto seria o amor que une pessoas em interesse comum. É aquilo que nos faz ser gregários, sociais. Sentimento que nos faz precisar de alguém ou apreciar alguma coisa. É o amor que sentimos por animais, objetos, lugares, lembranças. O texto é parcialmente convincente.
   Isso não acontece com o que ele escreve sobre a amizade. Aqui Lewis beira a genialidade. Basta citar sua percepção de que a amizade é o amor menos prezado e valorizado pelo mundo moderno. Isso porque a associação de dois ou três amigos, faz deles seres à parte, fora do comum. Um tipo de amor sem ciúme e sem cegueira, a amizade dispõe os participantes lado à lado, prontos para observar e usufruir do mundo. O texto de Lewis é muito mais que isso. Ele consegue nos mostrar o porque da desconfiança de esposas, maridos e chefes em relação à amigos. Amor valorizado ao máximo no mundo antigo, desde o romantismo ele é desvalorizado. Por não ser trágico, perigoso, sanguíneo, a amizade tornou-se vista como um tipo de amor sem risco, sem narrativa e sem tragédia. Deixou-se de perceber sua nobreza. A grande sacada de Lewis: é, dos amores, o mais humano. Amor sem corpo, puro espírito. Pode-se viver sem amigos. Ele é uma escolha sempre, jamais uma necessidade.
   Belo é também o texto sobre eros. E, como os outros textos, Lewis faz uma coisa matreira, que seja: exibe o bem de eros para em seguida provar seu perigo. A amizade é nobre, mas pode se tornar soberba. Eros é lindo, mas pode virar crueldade. Eros não é animalidade, pois precisamos de uma única pessoa e não de qualquer uma. Lewis descreve o caminho que o amor-sexo percorre e seu crescimento quando unido à amizade.
  Por fim temos a caridade, e ela não é aquilo que voce imagina. Aqui Lewis se poetiza, cresce, e se cala ao fim. O livro, apenas 200 páginas, se encerra em clave celestial. Se levamos algum amor conosco para outra vida, quem pode saber?, esse amor seria o caridoso e não o eros ou a amizade. Não nos cabe saber qual de nossos amores é o caridoso. Não nos cabe saber qual deles seria o mais celestial.
  Sei que é um pequeno livro bonito.

O JARDIM SECRETO - FRANCES HODGSON BURNETT. nascendo a new age.

   Só um idiota não leva a literatura infantil a sério. Nascemos crianças e as marcas que essa literatura deixa numa criança é para sempre. Quando lidos em minha idade, quando visitados por um adulto, esses livros mostram aquilo que eles são, os melhores, claro: fonte de símbolos e arquétipos, imagens que revelam o que respira na nossa alma.
  Frances Hodgson Burnett foi uma escritora muito famosa na virada do século XIX para o XX. Nasceu na Inglaterra, empobreceu quando criança e passou a viver de sua escrita desde os 17 anos ( !!!!! ). O Jardim Secreto, hoje um dos mais famosos livros infantis, foi lançado em 1911. A princípio não foi um de seus maiores sucessos, mas a partir da contracultura se tornou um tipo de livro fundador da new age. Na história da menina infeliz e chata que se transforma no contato com a natureza, vive a crença de "volta ao jardim", plantar e colher e assim fazer o mesmo por sua alma. Burnett era estudiosa da cientologia, da teosofia e de rituais "do bem". A mensagem do livro é a de que ao se abrir a mente para as flores e os bichos, sua vida se abre para ela-mesma. Mais ainda, há a crença no pensamento positivo e na força da vontade.
  Mary vive na India e é enviada ao Yorkshire para viver com um tio. Mergulhado em luto, esse tio nunca está presente. Mary, feia e fraca, mimada e arrogante, se humaniza ao conhecer gente do lugar e principalmente ao cuidar de um jardim. No processo ela salva o primo doentio, Colin, e o próprio tio. Burnett escreve simples, escreve como quem fala. É uma linguagem deliciosamente despretensiosa.
  O livro tem sido atacado na última década. É tachado de colonialista e misógino. Não vi o menor sinal disso. Mary é a heroína e o colonialismo é várias vezes tachado de injusto. Me parece que esses bobocas do PC exigem panfletismo em tudo. Aff.
  Bela edição da Penguin com introdução e pós escrito.
  Junto a "O vento nos salgueiros" e "Peter Pan", é dos melhores livros "para crianças".

CONTRA UM MUNDO MELHOR - LUIZ FELIPE PONDÉ

     Pondé é um cara de grande importância pra mim. Lendo seus escritos na Folha, lembrei, com alegria, dos textos de Paulo Francis. Não que eles se pareçam, mas Pondé compartilha com Francis o desejo de remar contra o esperado, o comum, o bem aceito. Ele consegue isso dizendo apenas aquilo que muitos pensam mas evitam dizer. Vivemos o tempo da hipocrisia, fingimos não ter preconceitos, não ter impulsos violentos, fingimos uma civilidade que na verdade não é civilizada, é apenas covardia. O espírito da manada voltou em forma de ovelha. Ovelha do bem, multicolorida.
    Ele cunhou um dos termos que mais gosto: o inteligentinho. Nada define melhor o povo que serve água aromatizada, ceviche e fala sobre ecologia light que a palavra inteligentinho. O inteligente mirim recicla lixo, não fuma e só usa drogas naturais. Ele é um carinha que respeita as mulheres, deixa os filhos livres para experimentar tudo ( desde que seja do bem ), e tem um vira lata salvo do abrigo. Há um texto neste livro, hilário, que descreve esses seres iluminados.
   O livro, curto, é composto por alguns textos. Pondé reafirma sua posição como trágico. Ser trágico é ser o anti-inteligentinho: saber que não temos poder nenhum sobre o destino e sobre nossa vida. Inclusive e principalmente sobre nosso corpo. Os gregos sabiam que éramos joguetes nas mãos dos deuses. Deuses que eram como reis temperamentais. Mudavam de humor e com isso nos castigavam ou protegiam. Nada na vida grega escapa ao humor imprevisível desse destino. Nossa vida é apenas um barco perdido num mar feito de acaso.
   Gosto desses textos, mas Pondé me conquista nos dois últimos: aquele que fala de Jó e da Biblia Hebraica. Fico espantado no modo como Pondé descobre a validade do pensamento judaico. A imagem do vazio, do deserto, do grão de areia, do nada...Somos um grão de areia no Sinai. Deus, um vazio, um nada, nos concede a graça, mas apenas quando conseguimos nos aproximar desse vazio. A solidão necessária à essa graça. Me surpreendo ao notar que essa aproximação de Pondé, essa quase aceitação da fé, se constrói do mesmo modo e pelos caminhos que a minha: o niilismo, a negação do sentido, a descoberta da beleza, o vazio cheio de nada, a graça. E o silenciar.
   Pondé diz escrever cada vez menos. Isso se deve à desconfiança em relação às palavras. Mas também à inutilidade de fazer. À preguiça que advém do nada. E, adendo meu, ao horror ao excesso de "coisas", sintoma do mundo moderno, mundo lotado de objetos, palavras e acontecimentos fúteis.
   Leia Pondé. Este é um bom começo. ( No texto acima cito alguns pontos do livrinho ).

TOMMY - THE WHO. EM PROCURA DE UM SENTIDO.

   O que mais nos surpreende ao ouvir o disco, duplo, de 1969, é sua mansidão. Ele é quase todo acústico, e tem uma suavidade de timbres que amortece a raiva da banda. Kit Lambert, o produtor, mixou a bateria lá no fundo, o que é um alívio para a harmonia musical, e coloca como guia o som do violão de Pete Townshend. Violão que é muito rítmico e ao mesmo tempo orquestral. O inglês genial faz a simplicidade ter ares de sinfonia.
  Tommy é um garoto que fica autista por ver o que não devia: o crime. É salvo ao quebrar o espelho e ver a verdade. Essa a história, religiosa, quase banal, mas que em 69 é um alívio. No tempo em que tudo era "revolução e loucura", o Who continua em sua busca por sentido e não por ação. Na verdade as 3 bandas mais interessantes da época, Stones, Kinks e Who, não se deixaram levar pela sanha hippie. Os Stones continuaram sexuais e individualistas, os Kinks com saudade de casa e flertando com o dandismo e o Who perseguindo a sua alma própria. Tommy é isso tudo.
   Nunca é simples ouvir esta banda. Eles exigem atenção. E esta "ópera pop" mais que tudo o que eles fizeram, tem de ser escutada em silêncio e em suspensão. Alguns momentos são sublimes em sua beleza franciscana, há dois tropeços, mas no geral é um disco admirável. Pete está no auge de sua inspiração.
  Falando do som: poucos discos têm uma sonoridade tão cristalina. Os couros da bateria de Moon parecem de veludo. Suas baquetas batem em bolhas de ar envoltas em veludo. O disco tem ecos discretos, ruídos quase imperceptíveis e harmonias vocais que conduzem ao estranhamento. Tudo isso com a dinâmica nuclear do dedilhado de Townshend. Tudo parece feito de ar. Há um vazio, um vácuo nas músicas; e essa é sua mensagem espiritual.
  Tommy, feito na era dos solos de meia hora e do barulho como protesto, é um disco quase silencioso. E que fala tudo o que se podia dizer.

O CORPO DA LIBERDADE - JORGE COLI

   A editora Cosac não existe mais, compro este volume em sebo, belo sebo rico. Coli, em linguagem limpa, fala de um período da arte que é pouco lembrado por aqueles que só pensam em renascença e impressionismo, o tempo do final do classicismo até Manet, este, o primeiro impressionista. Ingres, David e Delacroix são os mais citados. Mas o melhor texto, o livro é feito de textos separados, ensaios, é sobre Manet, Edouard Manet, este, claro, conhecido por todos. Aliás Manet é mais um que foge ao chavão de que todo gênio deve ser infeliz. Ele era um piadista feliz, simpático, sorridente, de palavras gentis.
  Jorge Coli tenta mostrar, num texto final, o nascimento do espírito modernista. Quase me convence. Não sei se ele está certo, mas é sedutor. Para ser moderno seria preciso ser livre, e para ser livre é preciso produzir algo de completamente inédito, mesmo que isso seja merda. A mídia dará destaque, o sucesso virá apenas para o transgressor, não para o talento. Hummm....talvez...não sei...eu perguntaria que tipo de sucesso seria esse.
  De qualquer modo, valeu!

OS EMIGRANTES - WG SEBALD

   Sebald morreu em um acidente de carro. Em 2001. Estava no auge de sua carreira. Foi professor em Cambridge. Nasceu em 1943, na Alemanha. Difícil escrever sobre um livro tão melancólico e tão bonito. Vou recomeçar.
   Sebald escreve quatro relatos. Nesses quatro relatos, de quatro pessoas e quatro famílias que não se conhecem, surgem pistas: Em todas surge um caçador de borboletas. E nós sabemos que ele é Nabokov. Por que será que Sebald usa Nabokov?
   Errado eu ter começado assim este texto! Vai parecer que o livro é sobre o autor russo e não é! Longe disso! Ele só aparece um duas breves linhas, sem fala nem nada. Sebald e Nabokov nada têm em comum mas tudo rimam entre si. Ambos são exilados. Nabokov por imposição histórica, Sebald por não aceitar seu país. Ambos têm saudade.
  A Alemanha era uma nação de judeus. Isso ninguém tem coragem de lembrar. Os nomes judaicos estavam por toda parte: Mannemann, Lubock, Goldstein, Heine...Os nazistas destruíram esse passado e assim mataram a alma alemã. Mas o livro não é sobre a guerra nem sobre os judeus. Mas no fundo, lá no fundo, é sim...
  O livro fala sobre o campo: a Suíça, as montanhas, a alegria de viver no silêncio, no alto, no espaço amplo. Fala sobre a história de Manchester, sobre a feiura, sobre a industrialização. Narra a decadência da Inglaterra.
  Será que voce nunca leu Sebald? Sua falha é imperdoável! Voce não sabe que seus livros são ficção biográfica. Ele enreda várias histórias com fatos históricos, enfeita as páginas com fotos pessoais e íntimas. Voce lê e não sabe o que é biografia e o que é ficção.
  Ler Sebald é tomar contato com o melhor tipo de romance possível após os anos 60. O romance que mistura fato e invenção, foto e texto, passado distante e presente vago. E Sebald escreve como música. O texto é sonata de piano. O texto é também uma imagem congelada: O momento em que voce abre os olhos. A primeira chuva e o primeiro inverno.
  Muitos escritores eu admiro, poucos eu gostaria de ter como amigo. Sebald é um deles.

OS DRÁCULA DA HAMMER - ARTHUR PENN - WARREN BEATTY

   BOX DE FILMES DA HAMMER
Quem tem entre 40-60 anos sabe bem o que é a Hammer. Uma produtora média de filmes ingleses, liderada por Michael Carreras, que entre 1956-1980 produziu filmes de terror às toneladas. Na TV dos anos 70, principalmente na Tupi, eles passavam quase toda noite, sempre com cortes. Não gosto muito desses filmes, nunca gostei. Mesmo assim assisto este box com 9 filmes feitos entre 1958-1974. Percebo logo porque eles não me agradam: a fotografia. A Hammer fazia terror sem sombras, a luz muito forte, cores claras, tudo nítido demais. Sem clima portanto, o oposto do horror da Universal americana. Os diretores neste box são Terence Fisher, bom artesão, Peter Sasdy, completamente doido e Roy Ward Baker, um preguiçoso. Ah! Tem ainda o péssimo Alan Gibson. Christopher Lee é o vampiro em quase todos eles, e sua atuação física é tão correta que Dracula passou a ter, em nossa imaginação, a cara de Lee. Peter Cushing, um grande ator, é Van Helsing em 4 filmes. Essa a dupla clássica. Dracula no Mundo da Minissaia é o mais interessante, não o melhor. Vemos aí a Londres de 1972, o satanismo dos jovens de então, e as bobeiras da moda "rebelde" da época. O filme é doentio. Críticos respeitam muito os filmes feitos por Fisher, que são os mais antigos. Os roteiros são bons, mas usam a droga de luz forte. Não espere medo. Nem clima. Muito menos erotismo.
  MICKEY ONE de Arthur Penn com Warren Beatty.
Feito em 1965, foi um fiasco na carreira de Warren e de Penn. Eles se recuperariam depois com Bonnie e Clyde. Vi este filme em 1978, na TV Cultura, na sessão da 10 da noite. Era muito legal essa sessão! O filme passava nas noites de segunda, quarta e quinta, e na sexta, quatro críticos ficavam uma hora debatendo o filme, e depois ele passava mais uma vez. Eu amava essa mesa redonda! Tinha o Rubem Biáfora, Rubens Ewald Filho...e uns caras do JT que esqueci o nome...pena...O filme, num preto e branco fantástico, e edição de video-clip, conta a paranoia de Mickey, um stand up man que foge da máfia. Stan Getz toca na trilha e é um dos filmes mais jazz que assisti na vida. Tem jeito de filme francês, é datado, mas ainda é jovem. Gostei.
  ARLO'S RESTAURANT de Arthur Penn
Feito após Bonnie e Clyde, em 1969, este é o mais hippie dos filmes. Arlo é o filho de Woody Guthrie, o ídolo dos anos 40 de Bob Dylan. No filme, Arlo é ele mesmo. Visita o pai no hospital, vive amores livres e faz parte de uma comuna jovem. Tudo é muito estranho!!!! Eles são, vistos hoje, antigos como dinossauros, mas ao mesmo tempo uma quantidade imensa de teens de 2018 ainda os imita sem saber disso. Vemos roupas, modos de andar e de pensar que remetem imediatamente aos dias de hoje. Os hippies são crianças de 12 anos. Hoje, com falsidade e nostalgia, tentam resgatar esse momento. O filme foi um fiasco em seu tempo. Odiado. Visto agora parece um filme para crianças. Fofo.
 

O FURGÃO - RODDY DOYLE. MAIS UM TIRO NO ALVO.

   Há a porra de um c  aralho de poesia de merda no uso de palavrões. Porque se poesia é atingir a expressão no alvo, porra, o palavrão atinge o cú do sentido.
   Este é o terceiro livro de Roddy Doyle que leio. E, se não é tão maravilhoso como Paddy Clarke Ha Ha Ha, é este um fodido de um livro do caralho sobre uma amizade entre homens. Se Roddy fosse um diretor de cinema, ele seria um Ken Loach de bom humor. Este livro virou filme em 1993. Stephen Frears, um Ken Loach com bom gosto, o dirigiu.
   Jimmy e Bimbo e Bertie são amigos. Têm 40 e tantos anos, um monte de filhos e estão desempregados. Espero que pelos nomes voce já saiba que estamos na Irlanda do Sul. Em 1989. Desempregados, vivem do seguro desemprego e passam o dia bebendo umas e jogando golfe. Bimbo compra um furgão velho e abre um carro que vende fritas e burgers. Só isso. Nada acontece mais, mas acontece tudo. Roddy constrói seu romance em diálogos, mais de 75% do livro são conversas. E ele consegue escrever com perfeição, e sem afetação, a linguagem das ruas da Irlanda. Piadas e palavrões, o bom humor do país mais feliz do mundo. ( As estatísticas dizem isso e não me pergunte como um país tão frio e tão pequeno pode ser tão alegre ). Mais o que tudo, Doyle faz um retrato quase comovente da amizade entre homens.
  Jimmy e Bimbo nunca falam de sentimentos, são pouco letrados, simples, mas sofrem e têm medo como qualquer bundão de merda. O afeto entre os dois é real, sólido, simples, instintivo. E nisso, assim como nas relações deles com esposas, filhos e vizinhos, o romance chega a ser sublime. Há dor, frustração e raiva neles. Mas a esperança e o amor nunca morrem.
  Os ingleses tentam desde sempre escrever assim. Como um irlandês fodido. Não conseguem. Lhes falta o lastro da miséria absoluta ( que mora nos genes irlandeses ) e a fé católica ( que é parte vital da paisagem da ilha ). Não que os ingleses sejam piores, eles apenas nunca convencem quando tentam ser "povão". Sempre há uma consciência "fora" do povo a observar tudo.
  Roddy Doyle é bom pra caralho. Tem cheiro de cerveja e cor de manhã com sol. E isso é uma puta coisa do caralho.