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WOODSTOCK NÃO TEVE MÚSICA. MAS FOI CINEMA.

Acaba de sair uma caixa com 4 dvds de Woodstock. Tudo remasterizado etc e tal. Um monte de extras, o filme inteiro ( que ganhou o Oscar de melhor doc ) e shows que aconteceram no palco mas que ficaram fora do filme oficial. Waaaaaal.....
Eu já conhecia o filme a décadas e ainda recordo de quando ouvi o disco pela primeira vez ( imaginando como seria o filme ). O filme é esquisitaço. Pois ele é um gigantesco e partido em dois, documentário. Profundamente bom e irritantemente ruim. Explico sem explicar : tudo o que parecia ótimo em 1969 é hoje péssimo, e aquilo que era posto de lado então é o que mantém o filme relevante. Por partes.
Nunca conhecí alguém que fosse razoávelmente interessado na vida que não mostrasse desejo de ter estado no festival. ( Mesmo fãs de forró e de rap ). Porque ? Drogas, sexo e rocknroll ? Mas isso tem em qualquer rave de hoje. ( E vendo o filme noto como toda rave que presta é Woodstock até os ossos ). A primeira coisa que choca vendo o filme é em como, quarenta anos depois, aqueles caras, se descontarmos as gírias antigas, são fisicamente idênticos as pessoas que encontramos em Ilhabela no reveillon, em bares da Vila Madalena e em cursos de teatro ou yoga. Em compensação, aqueles velhos, aqueles policiais, os caretas em geral, desapareceram. O homem de gravata e chapéu, cabelo rente, calça de tergal. A mulher de anágua e meias, de laquê.... desapareceram. Sem aqueles tolos hippies de 69 não usaríamos camisetas e jeans, bermudas e colares, brincos e cabelos diferentes.
Mas foi só isso a revolução ? Visual ? Não. Diz-se que os hippies perderam. Que eles não mudaram o mundo. Será ? Olho Woodstock e acho o mundo de 69 próximo do nosso. Eles enterraram o homem estilo John Wayne ou Sinatra. Para o bem e para o mal. Hoje falamos de sexo, de drogas, de ecologia, de socialismo, de gays. Acredite : isso tudo era tabú. Se voce era um pouquinho esquisito, antes de 68/69, voce era um freak, e seu destino era a chacota ou pior. Aquele milhão foi à Woodstock para poder ser freak. O lado ruim é que desde então muita gente é esquisita por modismo.
O filme foi dirigido por Michael Wadleigh e tem Martin Scorsese como co-diretor e editor chefe. Como cinema o filme é belíssimo. E muitas cenas anunciam TAXI DRIVER e principalmente GOODFELLAS. ( O helicóptero ameaçador ). É um filme feito de câmera na mão, travellings e zoons. E as falas são maravilhosas ! Os alto-falantes anunciam : " Atenção! O ácido marrom que está sendo vendido não dá boa viagem. Voce está avisado, mas se mesmo assim quiser provar o problema é seu." Eles realmente acreditavam estar mudando o mundo. Que a partir dalí ninguém mais iria ligar para dinheiro, cobiça, posse ou crime. Uma tolíssima ingenuidade para nossos tempos. Mas também uma bela dor de cotovelo para nosso mundo cansado. Um jovem que acreditou de verdade nisso, voce sabe, conheceu o paraíso, mesmo que por apenas 3 dias.
Loucura. Ao mesmo tempo que o exterior daqueles jovens nos é familiar, que suas caras de chapados e seu sexo free nos sejam conhecidos, seus sonhos e seu delírio feliz nos é totalmente desconhecido. Há uma cena em que os produtores se abraçam ao ver que o festival rolou ( mesmo que sem lucro ) que é comovedora. Eles estão falidos, e estão completamente felizes. Ver seus rostos nos faz pensar.
O que define a juventude é sua virgindade. O novo é verde e ser jovem é ser ignorante ( abençoadamente ) da maldade e do limite. Toda geração jovem teve a crença de estar mudando o mundo. Desde Napoleão. Sim, os românticos foram os primeiros a crer nessa mudança, a arrogantemente querer mudar tudo e se enxergar como a melhor das gerações. Livres. Essas ondas se repetiram desde então. ( Isso não havia antes ). Assim foi com os realistas, os socialistas, os fascistas, os modernistas, os beatniks, os existencialistas, e os hippies, filhos de tudo isso. A fé total num novo mundo. A certeza de se fazer parte de um GRUPO PRIVILEGIADO que estava sendo o protagonista de uma história sem igual. A crença no herói.
Nossa geração se parece infantil. Mas é um infantilismo cínico. Jovens que não crêem em nada e que NÃO POSSUEM A CORAGEM DE AO MENOS IR AO FUNDO DE SUA DESCRENÇA. Penso que nosso infantilismo é na verdade senilidade. Como velhos desdentados olhamos para aqueles jovens nús escorregando na lama e pensamos : " Voces são porcos! Voces perderam! Apostaram no perdedor!!!" Bem... eles viveram. Tiveram a coragem de apostar. Nós jogamos no seguro. Saltamos no abismo em tela de computador. Eles foram lá e se jogaram. O que ganharam ? O que voce ganhou ?
Peguei a rebarba daquilo. Peguei a reação. Punks, glitters. Eu realmente acreditei que os punks haviam destruído tudo. Eu pensei que a queda do muro era o paraíso na Terra. Nada, desde Napoleão, muda tudo. Mas tudo mudou alguma coisa. Definitivamente. Antes de Woodstock as multidões só se reuniam para guerrear. E mulheres de família não se sentavam no chão para fumar erva. E não dormiam abertamente com namorados. Eles fizeram vários gols. Mas a expectativa era tão grande que esse 8 x 0 pareceu um 0x0.
Quanto a música....
O festival aconteceu na hora errada. Na entressafra. Fosse um ano antes e teríamos Cream, Traffic, Byrds, Buffalo Springfield, Love, Jeff Beck Group, Yardbirds e Soft Machine. Fosse um ano mais tarde poderíamos ter visto o Led Zeppelin roubar o show e mais Black Sabbath, Pink Floyd, Faces, Elton John, ELP ou até T Rex. Em 1969 um monte de bandas estava terminada e havia uma multidão de novos grupos ainda pouco conhecidos. Woodstock não poderia ter Stooges ou MC5 e não quiseram chamar os novos countrys, pois naquele tempo hippies viam o country como a música da direita. Johnny Cash teria arrasado e os Flying Burritos Brothers seriam soberbos.
Dessa forma o festival dá espaço a gente em crise, em momento ruim. Hendrix, sem vontade, Joan Baez, chatíssima e já ultrapassada, Jefferson Airplane em fim de feira, John Sebastian sem saber onde está. Há também as apostas que não vingaram, gente como Joe Cocker ( e nada de Van Morrison ) e Ten Years After ( que veio quando o Jeff Beck Group acabou. Era para termos Beck, Rod Stewart e Ron Wood em Woodstock ! ). Do filme original, de bom, apenas Sly Stone ( que estraçalha e mostra todo o futuro negro da música ) e The Who. Assita no disco 4 eles tocarem Sparks. Do Caralho !!!!!! Keith Moon e Pete Townshend completamente tomados tocando em volume altíssimo e fúria suicida. Eles sobram em meio a nulidades como Crosby, Stills and Nash e os insuportávis Mountain.
Hippies gostavam de sons "muito loucos". Hoje eles adorariam ( e adoram ) Radiohead e Bjork. Acho que é por isso que não os suporto. Gosto mais do som direto, crú, no osso. No disco 4 tem uma banda que fazia muito sucesso em 69 e que ficou fora do filme oficial ( aquele que todo mundo conhece ) porque não era muito louca ou radicalmente política. Os hippies desconfiavam deles. E eles eram apenas dois irmãos caipiras, um baterista "rufus lenhador" e um baixista plebeu. Mas vendiam mais que os Beatles ( em 69 ) O CREEDENCE CLEARWATER REVIVAL fez o melhor show de Woodstock. Quando entram os acordes de BORN ON BAYOU ouve-se, finalmente, em meio a frouxidão de Grateful Dead e Melanie, rock de verdade. John Fogerty solta o vozeirão, a guitarra rebola e a bateria traz o som do voodoo do pântano. Se isso não te enfeitçar voce merece meia hora de rock-cabeça. Descabelantemente bom!!!!!
O filme vale então pelo documentário em sí. Aquele monte de freaks achando que o mundo era deles. Não pela música, que salvo Who, Sly e Creedence, é sofrível.
Ir a um grande show hoje, seja Metallica, Beyoncé ou Oasis, é ir a apenas isso, um show. As pessoas vão para olhar o palco, azarar e se dopar. Exatamente como em Woodstock. Com uma diferença fundamental : Tudo o que se fazia, droga, romance ou música, tinha por objetivo o encontro de uma nova vida, de um novo mundo, de alternativas.
Tenho ceteza que voce não viu nada disso no Morumbi.