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Vince Guaraldi - Joe Cool (Vocal)



leia e escreva já!

SCHULZ E PEANUTS- DAVID MICHAELIS. QUANDO UM CARTOON CRIOU O FUTURO.

   Todo mundo em 2016 sabe que a característica mais forte de nosso tempo é a infantilidade. Somos velhos narcisistas, olhando e lambendo a vida inteira a ferida que odiamos e amamos ao mesmo tempo. Temos objetos que nos protegem da dor. Temos bonecos. Temos canções tristes. E nosso rosto, principalmente dos "meninos" é melancólico. Queremos colo. E vivemos sós, sempre sós, em nosso quintal virtual. Schulz criou esse mundo em 1950. Artistas, como dizia Shelley, são antenas que percebem as energias do mundo. ( Shelley disse isso com outras palavras ), Schulz conseguiu intuir o futuro. Ele fez isso porque ele foi um de nós antes disso ser comum. Podemos dizer que Schulz estava 50 anos adiantado.
   Ele nasceu na região mais gelada dos EUA, filhos de imigrantes noruegueses. Filho único, cresceu com um imenso sentimento de solidão. O pai era barbeiro. Trabalhava o dia todo, orgulhoso de seu trabalho. A mãe era fria, crítica, distante. Schulz se sentia um nada. Transparente. Sim, ele era Charlie Brown. Depois a mãe morre de câncer quando ele tem 20 anos. E no dia após o enterro ele pega o trem para ir lutar na segunda guerra. Acontece uma surpresa. Schulz, hiper deprimido, faz sucesso na guerra. Vira sargento e comanda um batalhão. Descem na França em 44. Invadem a Alemanha. Talvez seja o tempo mais feliz de sua vida.
   Sempre desenhou. Muito bem. Tinha amigos, mas isolado, passava o tempo desenhando. E lendo. Nunca fez faculdade. Em 1950 começa a publicar os Peanuts. Em 1955 surge o sucesso. Uma surpresa. Uma zebra. Tinha de ser.
   Cartoons em 1950 eram de heróis ou Al Capp. Já havia o quadrinho sério, crítico, mas Schulz criou o quadrinho melancólico. Ele deu voz a crianças tristes. Mostrou que a infância não era feliz. Com o tempo mostrou que nada no mundo era feliz. Sem Schulz não haveria Woody Allen. Nem as baladas folk hippies. Nem o mundo tristinho de hoje.
   No começo Charlie Brown era a tira. Depois Lucy deu nova energia à tira. Lucy era calcada na primeira esposa de Schulz. Brava, nervosa, agressiva. Patty Pimentinha foi a segunda esposa, esportiva, sonhadora, desencanada. Lucy é a mulher dos anos 60. Patty a dos anos 70. E, acima de tudo, veio Snoopy.
   Hoje nos acostumamos, mas Snoopy foi o primeiro bicho de cartoon a pensar. E ele, sozinho, capturou todo o mundo hippie. Virou mania tão grande quanto Beatles ou maconha. Ele era o sonhador, o cara que podia ser aviador, tenista, agente secreto, tudo com a força da imaginação. Snoopy é a liberdade de sonhar, de querer ser, de crer na mente e na fantasia. Foi Snoopy quem deu o salto, foi ele quem criou a moderna indústria do cartoon. De toalhas a anúncios de carros, de posters a discos, camisetas, tudo era Snoopy. Não a toa, em 1969 o módulo lunar foi batizado de Snoopy. Um desenho do beagle foi levado pelo astronauta à Lua. E o acoplamento foi chamado de abraço entre Snoopy e Charlie Brown.
   Schulz criou ainda Linus, o filósofo que tem um cobertor de segurança. ( Diz o livro que Winnicott adorava Linus e escreveu sobre ele ). E com Linus veio a TV em 1965. O especial de Natal, o dia das bruxas, o dia dos namorados. E o mundo. Peanuts se tornam mais conhecidos que Mickey. Tanto quanto a Coca-Cola, o MacDonalds e a GM. Schulz fica muito, muito rico, e sempre infeliz.
   Ele não conseguia acreditar me ser amado. Teve 5 filhos, vários netos, e mesmo assim se sentia só. Surpresa: ele não sabia lidar com crianças. Nunca se sentiu seguro com mulheres. E dava palestras sobre Deus e Jesus.
   Foram 18.000 tiras. Por 50 anos ele fez tudo sozinho. Nunca deixou um assistente o ajudar. Em 1978 viu o começo da geração de seus fãs tentar tomar seu lugar. Primeiro Garfield, que ele odiava. Depois Calvin e Haroldo, que ele adorava. Achava Garfield mal desenhado e uma má influência. Via Calvin como algo de seu universo.
  Schulz morreu em 2000. Milionário, cheio de filhos, admiradores, netos, e milhões de fãs. E morreu achando que desperdiçara a vida, que ninguém o amava, e que nunca fora um artista de verdade. Não percebeu que de todos os símbolos da América eram os Peanuts aqueles que os americanos mais queriam ser. Muita gente quer ser Elvis, James Dean ou John Wayne. Marilyn ou Mae West. Mas todos eles são inacessíveis. Ser Charlie Brown, Lucy, Linus ou mesmo Snoopy não. Todos podem ser. Todos são. Eles sempre estarão lá, no seu campo de beisebol, na escola, no acampamento. No muro se lamentando, olhando a menina ruiva, esperando a Abóbora, voando atrás do Barão Vermelho. Enquanto houver um jovem tímido, um adulto inseguro, um velho saudosista, uma mocinha raivosa, um doidão sonhador, um filósofo perdido...Peanuts é pra sempre.

NWA- SPIELBERG- HERZOG- TOM HANKS

   STRAIGHT OUTTA COMPTON, A HISTÓRIA DO NWA
Escrevi sobre esse bom filme abaixo. O assunto é muito interessante e o roteiro não se prende a draminhas chorosos, coisa tão comum em biografias na tela. O elenco está afiado e o filme flui. Melhor que os dois vencedores do Oscar. Nota 8.
   SNOOPY E CHARLIE BROWN, PEANUTS O FILME
Eu adoro as tiras de Schulz. Estou lendo sua bio nestes dias, ele foi um grande homem. Mas este longa é muito estranho. Tempos caretas estes em que Charlie Brown acaba se dando bem e sendo feliz...Mais estranho ainda são os traços do desenho....com detalhes e belos cenários a impressão fica fake. É como se os personagens estivessem disfarçados, vestidos com roupas erradas. Well...o melhor é Snoopy, ele é um personagem tão forte que se mostra indestrutível. Charlie Brown perde aqui seu amargor e Linus quase desaparece. Entendam, é uma linda homenagem, mas não parece Schulz.
   PONTE DOS ESPIÕES de Steven Spielberg com Tom Hanks, Mark Rylance e Amy Ryan.
Um belo filme!!!! Nos EUA dos anos 50 um espião é pego. Hanks é o advogado que o defende. Depois acontece uma troca de espiões. Spielberg faz um de seus melhores filmes. A primeira parte é drama sóbrio e depois temos suspense e clima fatalista. Hanks é o Spencer Tracy de sua geração, faz tudo parecer fácil. O filme tem classe, é uma aula de elegância e discrição. Nota 9.
   RAINHA DO DESERTO de Werner Herzog com Nicole Kidman, James Franco e Robert Pattinson.
Deus! Herzog!!!! O filme fala de uma aventureira que trabalha como um tipo de Lawrence da Arábia. Nada funciona aqui. O filme é desinteressante, chato, tolo, mal interpretado, vazio, e o pior de tudo: tenta ser um épico estilo David Lean....Inacreditavelmente ruim....

CHARLIE E XIITAS

   Eu lia Wolinski na revista Status. Isso lá por 1978. No mundo feito pelo cristianismo ele despertava ira. Poderia até ser processado, mas nunca morto. Claro, um louco podia matar. Mas não por uma fé maluca numa religião desvirtuada. Mas o que Tony? Mundo feito pelo cristianismo? Sim. Na base da religião cristã se planta a dúvida. Jesus nunca se impõe, se deve duvidar e o aceitar. E assim é. Um Deus que se deixa matar é um Deus que exige a dúvida. Por isso nossa filosofia é toda baseada na pergunta, na dúvida, no erro possível. 
  Isso inexiste para esses xiitas. E por isso eles são incompreensíveis para nós. Neles inexiste a dúvida. Eles querem, podem e nunca questionam. Nós, seres questionadores, que duvidamos todo o tempo ( de nossa fé, de nossa razão, de nossa inteligência ), nada podemos contra eles. Pois a dúvida leva à paralisia, a certeza leva à ação. 
  O fanatismo cristão pode chegar à censura e a perseguição. Nunca ao assassinato glorioso. Pois mesmo na inquisição havia um processo ( falso, mas havia ), um perdão e um sofrimento. Júbilo jamais. E aberto, exposto como sempre esteve às heresias, dúvidas, críticas, o cristianismo foi se adaptando, se isolando, tentando seguir o homem em sua busca pela verdade.
  Nada disso existe no mundo xiita. Para eles a verdade foi alcançada. Para eles nada é duvidoso. O movimento inexiste pois tudo é como deve ser. E nesse mundo correto, NÓS somos o mal. Infiéis. Perversos. Sujos. Imorais. 
  Claro que não estou falando do islamismo. Estou falando dos xiitas. Mas no ventre do islamismo existe a ideia de guerra santa e de inimigo infiel. O espaço foi dado.
  Ando lendo Peanuts. O mundo judeu de Charles Schulz. Mundo repleto de anseios, medos, hesitações, e de auto-ironia. E vi hoje, na rede, um desenho de Charlie Brown, chorando, e com uma legenda: Je suis Charlie. Eu sou Charlie.
  O ocidente precisa ser salvo.

BROTHER, FILMES FOFOS E PEANUTS

   Não falo com meu irmão desde 1984. Tempo pacas! Mas como fomos muito próximos por toda a infância e adolescência ( a biológica, a mental nunca termina ), ele acertou na mosca com os presentes que me trouxe dos EUA. Botas de alpinista, um livro sobre cinema e este que agora comento.
   Sempre percebi que Charlie Brown foi o primeiro Woody Allen, e o primeiro Catcher in The Rye tambe'm. O modo como ele fala com a gente e se relaciona com o mundo foi o molde onde se ajustou o estilo de toda uma generation de moleques-adultos mal ajustados. Ao contrario dos filhos de Dylan, os filhos de Charlie Brown eram muito mais timidos, melancolicos e pateticos. ( Sem acentos, tem um defeito nesta maquina maldita que uso para ESCREVER).
   Snoopy era amado pelos hippies, mas hippies nada tem de Snoopy. Os caras de SanFran fizeram uma patetada e acharam que Snoopy viajava de LSD quando pensava ser o Red Baron ou um legionario. Snoopy na verdade faz o papel da sanidade, da criatividade.
   E chegamos a 2014. E depois de ver o novo filme de Spike Jonze noto que TODOS os caras e mocinhas melancolicos dos filmes de Sofia, Spike e vasto etc descendem de Linus e seu cobertor. Desamparados, profundamente inseguros e muito fofos. Esperimente ler qualquer tira de Linus escutando qualquer musiquinha de qualquer filme triste de hoje. Bingo!
   Peanuts foi criado por um genio chamado Charles M. Schulz. Eles mudaram o mundo para sempre. A industria cultural via jornais e depois cinema moldaram tudo aquilo que entendemos por mentalidade contemporanea. Livros ou teatro foram postos de lado. Snoopy era lido em todo o mundo por 4 decadas. E mais TV e cinema. Botou pra fora a melancolia sublime que vive na infancia. Se leitores de romances ingleses sabiam disso desde sempre, o brasileiro do Rio ou o caipira de Iowa descobriu isso com Schulz. A neurose woodyalleniana de Charlie Brown, a fofura de Linus ou os delirios de Snoopy entraram no nosso pensamento, em nossos gostos e se fizeram muito intimos de todos.
   Este livro, imensa coletanea de tiras de 1958 a 1969 deve ser tratado como aquilo que deve ser: uma das vigas do seculo XX.
   

PEANUTS COMPLETO ( DEVE SER DIFICIL CRESCER NO MEIO-OESTE )

   Vale muito a pena gastar 300 reais na edição da LPM das tiras de Peanuts. São livros em edição de luxo, capa dura, dignos da obra de um dos caras mais influentes do século. Quanto mais eu leio sobre Charles M. Schulz mais eu o admiro. O livro 1 tem uma bio dele e melhor, uma longa entrevista feita em 1987. Apesar da melancolia que sempre o acompanhou, Schulz teve uma vida abençoada.
    Schulz cresceu na era da depressão, em St.Paul, naquele tipo de cenário com muita neve e muito gelo. O pai era um barbeiro, e os pais, que ele sempre adorou, estudaram apenas até a terceira série primária. Schulz cresceu muito inseguro. Sentia-se amado em casa, mas desamparado na escola. Achava-se feio, desajeitado e pouco inteligente. Mas tinha algum jeito em esportes com bola e desenhava bem. Foi office-boy e entregador. Tinha a fama de ser "pouco viril" na rua. Filho único. Então veio a grande tragédia, a mãe, ainda jovem, teve um câncer e ao mesmo tempo ele foi convocado para a segunda guerra. Na véspera do dia em que ele deveria partir, a mãe se despediu dele "para sempre". Schulz embarcou para o front logo após o enterro da mãe.
   O garoto "pouco viril" se destacou na guerra e se fez sargento. Chegou a liderar um pelotão de metralhadoras. Quando voltou aos EUA pensou: - "Se isso não é ser um homem não sei o que será". Publicou sua primeira tira num jornal local, foi despedido!!!! e conseguiu na sequencia ser aceito em New York!!! Chegamos ao trabalho de Schulz....
   Quem gosta superficialmente de quadrinhos não tem a menor ideia da importância de Peanuts ( nome que Schulz detesta ). Ele criou, sózinho, tudo o que se entende por tira de quadrinho moderna. É o primeiro a lidar com crianças como seres complexos, o primeiro a ser desenvolvido e criado em progresso, o primeiro a exibir neuroses, o primeiro a não ter o menor traço de heroísmo ou humor chulo... e poderia ficar até amanhã enumerando as ousadias modestas de Schulz. Mas talvez a principal criação seja a depuração, a extrema simplicidade do traço de Schulz. Todo grande artista almeja a pureza, o refinamento final, a simplicidade que diz tudo. Charles M. Schulz chegou nessa depuração, estágio a que só os grandes conseguem ir. E tudo sem grandes malabarismos intelectuais, Schulz chegou a sua arte pela intuição, pelo faro, fazendo apenas aquilo que desejou sempre fazer.
   Ao contrário de vários mercenários dos cartoons, Schulz nunca permitiu que Charlie Brown crescesse, mudasse ou seguisse os ventos da moda. Sempre fez questão de desenhar todos os cartoons ( Schulz trabalhava só, sem assistentes ), e nos desenhos de TV, exigiu a técnica de semi-animação, o que deixava os personagens iguais aos cartoons ( Charlie Brown se movendo hiper-animado é impensável ). Já bastante doente, em 2000, Schulz continuou desenhando seus cartoons todo dia. Menos em sua última noite. Pela primeira vez em 50 anos ele não conseguiu fazer Peanuts e foi deitar. No dia seguinte, sua última tira, feita um dia antes, foi publicada. Ao mesmo tempo em que essa tira, que ninguém sabia ser a última, estava nos jornais, Charles M. Schulz morria. Era o fim, para sempre, de novas tiras dos Peanuts.
   Recordo de um amigo na faculdade me avisar da morte de Schulz. Fui pra casa e li a matéria no jornal. Lembro com clareza que me surpreendi. Eu imaginava que Schulz ia viver para sempre. Chorei.
   Ele era o tipo de americano, filho de imigrantes, que fez a fortuna da América. Era econômico, idealista, modesto porém muito teimoso, trabalhador incansável ( ele nunca tirou férias em toda a vida ). Ia a igreja, agradecia a Deus por sua sorte, amava os filmes de John Ford e as aventuras passadas em desertos ou em selvas. Ouvia música country e lia Tolstoi.
   Charlie Brown em 1950 é muito diferente daquilo que veio a ser. Linus, Lucy e Schroeder ainda não existiam. Snoopy era magrinho e não pensava. E Charlie tinha um lado violento, adorava tirar uma da cara dos outros. Mas já tinha momentos de total deprê e era um zero nos esportes. Duas frases que eram muito repetidas em 1950 acabaram por ser abandonadas: ele era chamado pelas pessoas de "o bom e velho Charlie Brown", e "Eu também dou minhas risadas", que Charlie falava ao aprontar uma pegadinha com alguém. Nessas tiras uma das inovações de Schulz fica bem nítida, os personagens evoluem, não são figuras acabadas e prontas.
   Eis a primeria tira:
   Shermy e Patty estão na rua. Charlie Brown vem andando. Shermy diz: Lá vem o bom e velho Charlie Brown! No quandrinho seguinte ele repete: Sim senhor! O bom e velho Charlie Brown! No terceiro quadro ele fala novamente: O bom e velho Charlie Brown! E no último quadro, com Charlie já ido, Shermy diz: Como eu odeio ele!
   Falsidade, agressividade, isolamento, ingenuidade, pronto, eis a apresntação de Charlie Brown.
   Na terceira tira nasce Snoopy. Ele anda pela rua com uma flor na cabeça. Patty rega essa flor. Ela murcha. Apenas isso. Ainda não é O Snoopy, o cão que de todos os personagens é o único criativo, o único personagem que imagina saídas, que colore com fantasia seu mundo cinza; mas já é um Snoopy extra-cool, na dele, que tem sua vida de observador reservado das tolices dos outros.
   Em novembro de 1950 vejo a primeira tira que revela todo o gênio de Schulz. Nela, Shermy e Charlie Brown estão sentados na calçada. Nada é dito, eles olham pro chão. Por três quadros ninguém se mexe e ninguém fala nada. No fim, Shermy diz: "É...então....é assim que as coisas são!"   O que mais se pode dizer? Está tudo aí, em oito palavras, em duas figuras paradas. O máximo de concisão, de depuração, a simplicidade sendo atingida no alvo.
   As tiras logo foram adotadas pelos beatnicks, pelos hippies, pelos defensores dos direitos civis. Filósofos começaram a ver milhares de significados em Peanuts, artistas divagavam sobre mensagens ocultas. Snoopy e Charlie Brown se tornaram as duas figuras mais pop do planeta e até à Lua foram enviados ( a Apolo 10 tinha um módulo Snoopy ).  E em meio a tudo isso, Schulz continuou o mesmo. Trabalhando todo dia, rindo dos sentidos que os filósofos davam a toda frase dita pelos cartoons, fazendo a única coisa que ele realmente amava: desenhar.
   Percebo agora, escrevendo isto, que Peanuts também antecipa a infantilização do mundo. É como se hoje o máximo de maturidade que pudéssemos ter fosse aquela de Charlie Brown e Linus. Nas tiras de Schulz jamais apareceu um adulto. E nelas, um cão era rei. Intuitivamente, Charles M. Schulz previu nosso pequeno mundo de crianças/adultos desamparados e neurotizados.
   O que mais alguém deve fazer pra ser chamado de gênio?

Joe Cool at the supermarket



leia e escreva já!

PEANUTS- CHARLES M. SCHULZ

   Minduim passava na TV quando eu era criança. Eu adorava. E tinha o jazz de Vince Guaraldi que me dava uma sensação boa, de bolo recém assado. Tinha um lado tristonho. Eu pressentia que seria um Charlie Brown da vida. Nunca um Snoopy. Com a idade fui me transformando em Linus.
   Tantos anos mais tarde ainda me emociono com Peanuts. E admiro o fato de Schulz ter desenhado todas as tiras, sózinho, por toda a vida. Ele era um poeta. Um poeta de verdade. Há tanto para falar de Charlie Brown. Ele antecipa o humor de Woody Allen em mais de dez anos. Um pequeno neurótico, com medo de tudo, sempre perdendo, sempre suspirando. O sorriso de Charlie Brown é profundamente comovedor. Não há sorriso mais triste que o dele. Mas Peanuts não é só Charlie Brown. Já foi dito que na galeria de personagens de Schulz estão presentes todos os tipos de neurose moderna. De Marcy até Schroeder, toda a gama de tristezas e de ilusões está representada. Mas em meio a eles há Snoopy.
   Snoopy representa a saúde mental plena ( não são palavras minhas, mas as assino embaixo ), ele é realista, apesar de seus sonhos com o Barão Vermelho e o Legionário. Snoopy percebe o ridiculo das vidas ao seu redor e é feliz com seu prato cheio e sua casinha de madeira ( onde há uma biblioteca e uma sala de jogos ). Snoopy não fica apavorado a toa, e quando resolve se mover, resolve as coisas. E sonha. Sonhos reais, sonhos dos quais ele não tem vergonha. Sinto que Schulz, como eu, adoraria ser Snoopy.
   O que me encanta na vida dos Peanuts é seu espaço. As ruas são imensas, as casas têm jardins, há lugar para as crianças viverem. Mas ao mesmo tempo tudo é desolado, vazio, melancólico. O fato de tiras tão tristonhas serem as mais populares do século XX diz muito sobre o que foi essa época. Charlie Brown arremessa a bola e sabe que vai errar. Mas continua arremessando. Snoopy vem e lhe mostra a lingua... o que mais Charlie Brown pode fazer? Suspira, diz "Que puxa...", e continua jogando. E erra.
   Snoopy dança, o que confirma a teoria de que todo filósofo verdadeiro deve saber dançar. Não que ele "saiba" dançar, mas ele dança como sabe... então ele sabe! Quando Snoopy vira o personagem Joe Cool o mundo faz sentido.
   Guardo os livros de Schulz ao lado dos livros de Rilke, Yeats e Whitman. Pra mim faz todo o sentido. É culminância de um tipo de arte. Schulz foi um gênio intuitivo.

CHARLIE BROWN SOU EU. OU: A DESCOBERTA DO JAZZ

Um famoso psicólogo ( quem? ) disse uma vez que entre outras coisas, a maior genialidade de Charles Schulz ao criar os Peanuts, foi a de exemplificar os vários tipos de neurose. Em Linus, Lucy, Patty Pimentinha, Schroeder e principalmente Charlie Brown, temos todas as neuroses do tempo moderno. Menos Snoopy, e é aí que o gênio se revela. Nesse meio torto e cinzento ( e pintado com tanto afeto ) Snoopy é a imagem da mente sadia. Esse beagle que dorme e come, que agride quando é pisado e dança sempre que feliz, é a imagem da saúde mental, da boa disposição, e principalmente da criatividade. Pois Snoopy sonha. Sonha em ser um ás da aviação, sonha em ser um legionário. Snoopy é a felicidade.
Charlie sou eu. Eu queria ser o Linus. O Linus é mais esquizo. Mas Charlie sou eu, fazer o que? Eu sempre subi naquele monte de terra e sempre soube que ia perder. E a menina ruiva nunca falou comigo. Sim, Charlie Brown sofre de auto-piedade. Sim, ele é o molde de Woody Allen. Sim, Schulz foi um gênio. Mas tem mais.
Nesse dvd novo há um documentário sobre o autor da trilha sonora, Vince Guaraldi. Se fala que a trilha de jazz dos Peanuts fez com que muita criança se tornasse fã de jazz quando adulto. BINGO! Taí! Se fala da primeira vez em que se ouviu o tema de Linus e Lucy. Aquele piano dedilhado nada infantil ( Peanuts nunca é infantil ), a bateria marcada, a agilidade feliz do compasso. A música se tornou hit e Vince uma estrela ( até morrer cedo, do coração ).
Assisto Peanuts desde os oito anos de idade. E sempre adorei sua música. ( As músicas de Vince são da série antiga. A partir dos anos 70 a coisa se vulgarizou. ) Mas é agora que percebo que aquele foi o primeiro jazz que ouvi na vida. Mais: que tudo o que realmente me seduz em jazz até hoje é meio Vince Guaraldiano. De Monk a Lester. Eureka!!!!! Snoopy dançando ainda é a coisa mais jazz que há.
Numa ilha deserta, se tivesse de levar só um cartoon eu levaria Snoopy. Doeria ficar longe do Pernalonga ou do Patolino. Tenho o Papa-Léguas tatuado no braço. Mas a vida sem Charlie Brown é inimaginável. Como os filmes de Hitchcock, as músicas dos Beatles ou a pintura de Renoir, faz parte de nosso ambiente, de nosso meio, de nosso inconsciente. Enriquece a vida, enobrece a alma, faz a gente até crer em algum motivo para perder.
Eu amo Charlie Brown.

JD SALINGER e CHARLES M. SCHULZ

Salinger nunca foi chato. Não ficou posando de lider de geração. Ao contrário de Norman Mailer, Capote e Gore Vidal, nunca desejou ser estrela de nada. Sem aparições na TV, sem entrevistas na Playboy. Também não ficou lançando pilhas de livros. Assim não cometeu o erro de Updike ou de Roth, montes de livros banais ofuscando suas obras-primas.
Ele realmente percebeu e sentiu a verdade. A de que VIVEMOS UM APOGEU ANTES DA EDUCAÇÃO. Adolescentes são o ser-humano em seu auge. Depois nos enquadramos. E quem não se enquadra se torna SALINGER - hermitão.
Esse modo de pensar ( que é verdadeiro ) trouxe algo de muito bom a civilização ; a contra-cultura. Momento em que, como adolescentes, questionamos tudo e perdemos todo o respeito pelo velho. Mas após esse momento CAMPO CENTEINIANO, mergulhamos no pior da adolescência : vaidade fútil e infantilismo. Não derrubamos agora o velho para criar o novo, apenas, hoje, idolatramos a novidade.
Salinger surge em momento muito especial. Brando, Clift e depois Dean tornavam pop a angústia jovem, e o cool-jazz embalava o desejo de viver. Salinger surge na hora certa.
Seu livro é coisa hiper rara. Best-seller com conteúdo. Fazem zilhões de anos que nada de tão bom e de tão novo vende tanto. O livro jogou fora as novelas sobre jovens-adultos e criou a novela adolescente. E esse jovem personagem era doido, tímido, neurótico, engraçado, apaixonado e sonso. Sem ele não existiria o Coelho de Updike, o Portnoy de Roth e essas toneladas de livros menores que vão de Nick Hornby até Lollita Pille.
O cinema dos 60 é também filho de Salinger. A PRIMEIRA NOITE DE UM HOMEM seria inviável sem O CENTEIO.
Lembro de Robertson de The Band dizendo que é impossível compor se sua vida é cheia de tietes, entrevistas e festas. Compor só é viável em solidão ou na estrada com amigos. Salinger se isolou, tenho certeza, para criar o grande livro americano. Falhou. Em 40 anos de tentativas, o livro não nasceu.
Bloom costuma dizer que todo autor americano segue uma de 3 linhas : Melville, Henry James ou Mark Twain. Embora superficialmente Salinger pareça picaresco como Twain, seu molde é Henry James. Como Fitzgerald, o seu interesse é pelo estilo, pela língua, pela voz e não pelo enredo. Seu texto é acima de tudo bem escrito. É prosa corrigida, trabalhada, refinada até a perfeição.
O tal grande livro americano continua a ser MOBY DICK. Os escritores americanos continuam a tentar fazer seu livro canônico. Seu DOM QUIXOTE, A DIVINA COMÉDIA, CANTERBURY, FAUSTO ou GUERRA E PAZ. A América não tem ULYSSES ou EM BUSCA DO TEMPO PERDIDO. Nem mesmo um A MONTANHA MÁGICA. A América, muitos dizem, é país de muitos grandes escritores, mas não de grandes livros. Heminguay é o exemplo mais trágico. Grande autor sem um grande livro. E mesmo autores que foram mais longe, como Faulkner ou Bellow, dão a sensação de que seu talento nunca foi completamente explorado. O grande livro que eles tanto ensaiaram não veio a luz. O GRANDE GATSBY é provávelmente o grande livro americano do século XX ( e Salinger concordaria com isso ).
Eu descobri Salinger na idade certa : 17 anos. Foi leitura do Objetivo. Gostei e lembro de o ler em uma tarde. Nunca mais o reli. No correr dos anos vieram autores mais antigos ou mais recentes. Mas Salinger conseguiu em mim o efeito que penso ser aquele que ele sempre desejou : seu nome ficou à parte, fora da corrente, sempre lembrado mas estranhamente alheio. Salinger conseguiu continuar adolescente. Ficou fora do mundo de Saramago, Le Clezio ou Dario Fo.
Ele venceu.
MAS.....
Que maravilha!!!!!! Ao mesmo tempo que a América nos dava Salinger e Brando, ela nos dava algo de bem mais....... sei lá....
CHARLES M. SCHULZ.
Sem Charlie Brown não haveria Woody Allen. Nada, nada é melhor que PEANUTS. Quem amou um dia Linus, Snoopy, Schroeder ou Lucy, vai amá-los para sempre. E Schulz manteve também sua integridade. Só ele fazia PEANUTS. Quando ele morreu ( e que terrível foi esse dia ) a série terminou.
Voce sabe : Charlie Brown tremendo sobre a base é a melhor imagem sobre o homem moderno já feita. Poço de medo e um sorriso que teima em tentar vir. Assim como SNOOPY, como já foi dito, é a mais saudável imagem do homem contemporâneo : apostar na criatividade sempre. Snoopy cria seu mundo todo o tempo e aceita o que a vida lhe dá, mas sempre brigando pelo prato mais cheio. Snoopy não conhece tédio ou desepero, ele relaxa e brinca. Nada é sério para ele, sómente seu prato.
Schulz e Salinger terem vindo juntos não foi acaso. Eles chutam a cultura européia fora. Cultura que nos deu a guerra e o campo de extermínio. E criam a arte americana. O texto que é jazz, e o quadrinho tornado arte, alta e sofisticada arte. Cultuam o menino, a menina, a inocência maculada, a neurose do quase nascido. Charlie Brown luta por nascer.
O grande livro americano jamais irá nascer. O interesse da América é pelo grande homem, não pela grande obra acabada. Jamais haverá um HAMLET. Mas haverá um EUGENE O'NEIL. A arte americana não poderá ter seu MOLIÉRE, mas a França não pode ser terra de SNOOPY.
Acho que é isso.