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QUANDO UM TEXTO MUDOU UM SÉCULO....A VONTADE DE SENTIR, POR SCHILLER

    Vick-Vaporub, começo este texto com esse nome. Logo direi porque. Digo agora então que o texto de Friedrich Schiller, aula de estética, é um dos melhores e mais comoventes testemunhos que li em minha vida. Durante as 3 horas da aula eu fiquei profundamente comovido. Alguém em 1795 havia falado TUDO AQUILO QUE EU SINTO, BUSCO, SOFRO, DESEJO. 
   A professora deixa claro, o texto do alemão genial, melhor amigo de Goethe, contemporâneo de Schelling, Kant, Beethoven, Schubert e Holderlin, mudou o século. Poucas páginas que modificaram todo o mundo ocidental. Lembremos, a época de Schiller é o tempo em que o livro é rei único. Nunca antes ou depois se levou um escritor e sua obra tão a sério. Era um mundo da palavra, do discurso, da pena. Mas é hora de resumir. Do que trata a tão capital obra? 
   Falemos então do sublime...e não pense que esse assunto se restringe a poetas e músicos. Ele é o maior desejo de todos.  Já mostro como e porque.
   No mundo grego o sublime era valor cotidiano. O sentimento sublime era vivenciado na cidade em jogos, na arte e nas festas. Para eles, a função da arte era dar ao homem essa experiência. Por toda a história européia esse desejo permaneceu, às vezes em maior evidência ( idade média e renascimento ), às vezes quase extinto ( era iluminista e século XX ). Schiller ao escrever seu texto rompe com essa tradição iluminista anti-sublime. Demonstra o mecanismo do sublime, sua diferença do belo e prova que onde ele mais se encontra não é na arte mas sim na natureza.  O universo está impregnado do sublime, nossa razão é que o evita. Porque? 
   Primeiro porque ele é súbito e não programado. Segundo porque ele quase aniquila a razão ( mas nunca o eu ). 
  Nosso eu tem como maior desejo seu crescimento. Queremos ser maiores, mais inteiros, livres. Ser livre é ser maior, crescer sem amarras, sem tempo e sem espaço. O belo nos contenta, faz com que nos sintamos em paz com nosso eu, satisfeitos e em equilíbrio. O belo faz com que nos sintamos nobres. O sublime vai além disso. O sublime nos dá medo. O sublime nos desafia a enfrentar a vida. Diante do sublime nos encolhemos, nos apequenamos. Sentimos nosso eu em grave perigo. Vemos o que preferíamos não ver. Nos desequilibramos. Fosse só isso não haveria motivo algum para irmos atrás do sublime. Mas após o horror vem o prazer. Por vencermos o medo, sentimos nosso eu crescer, se fortalecer, prevalecer. No sublime o terrível se torna belo, a vida vence a morte, o medo é destruído pela vitória. O sublime nos move pois aumenta nossa percepção da vida. 
   Aqui faço uma pausa: Liotard e toda a intelectualidade de Paris postula o sublime como única saída possível para a arte em crise de nosso tempo. Para eles, só a volta do sublime poderá fazer a arte voltar a ser relevante e viva.
   A tese de Schiller tem uma história. Antes dele Joseph Addison já dizia que a "imaginação ama ser preenchida por algo que a força a ir além de seus limites".  Nossa mente ama a contemplação do mar, das montanhas, do céu, de tudo que signifique espaço aberto, força, poder, liberdade enfim. Sentimos atração pelo que é maior que nós e nos força a ir mais longe.
  Schiller pega essa tese e a reforça. Amamos o mar. A montanha e o céu. Mas, mais que o mar, amamos o mar tempestuoso, terrível, em vagalhões. Mais que a montanha amamos a avalanche, o vulcão, a tempestade de neve, e mais que o céu, amamos o raio, a chuva, as estrelas que caem. É o sublime, o perigo que ameaça e ao qual vencemos. 
  Edmund Burke antes de Schiller falará em beleza positiva e negativa. Positiva sendo pequena, doce, delicada. Negativa sendo grande, escuro e ácido. 
  Entra na história Immanuel Kant...."O modo como nos relacionamos com o mundo é ditado por nossas faculdades."  Ou seja, o sublime mora na natureza e como somos parte da natureza, mora em nós. Para Kant, o que importa não é o sublime fora de nós, mas sim "o modo como olhamos o sublime, o processo entre o olhar e o sentir."
  Porque certas pessoas, pobres desafortunadas, passam pela vida sem um só momento sublime? A resposta se encontra no tempo. É preciso tempo para se olhar, é necessária uma vida contemplativa, é primordial a experiência cotidiana do belo, é fundamental a educação dos sentidos e dos apetites. Saber ver, saber ouvir e saber ser livre. Mais Kant:
  "Veja: A obra de arte ( verdadeira ) é sem conceito, livre, jogo puramente estético. Imaginação em harmonia com a razão. A imaginação criando e a razão construindo. Nada aqui é conceitual ou lógico. O que se joga é o prazer. A arte é sempre um prazer."  
  Kant ainda afirma que a arte é universal, pois é como se qualquer um pudesse ser atingido pelo jogo. "Como se" é diferente de "é". Necessário um conhecimento para se fazer parte do jogo, o conhecimento do belo e a vivência da liberdade.  O belo nos coloca em harmonia conosco-mesmo, estimula nossa vida, vivifica nosso desejo de estar vivo.
  Voltando a Schiller:
  Se o belo nos harmoniza, o sublime nos coloca em conflito. No sublime a razão entra em guerra com a imaginação. O que é criado não se completa na razão, antes a desafia. A dor da desarmonia é o primeiro sentimento do sublime. 
  Nascem então dois tipos de sublime:
  O matemático e o dinâmico.
  O matemático tem a ver com tamanho e proporção. Diante do muito grande a imaginação sente sua impotência. Não consegue o apreender. A razão força a imaginação a se superar. Podemos então superar nossa própria imaginação. Surgem as ideias supra-sensíveis: Liberdade, Deus, Infinito.
  Só na arte o ser humano pode ser livre. Pois é na arte que todas as categorias lógicas são plenamente usadas, ou seja, o ser transcendental e o ser do conhecimento. Na arte vamos além do mundo sensível, além do conhecido e além do animal. Chegamos a plena liberdade.
  O sublime dinâmico lida com o movimento interno que nasce no sublime. Diante da força vital sentimos medo. Medo diante do que é forte demais, vivo demais. Dinâmico demais. Nossa vitória começa ao reconhecermos nossa ínfima pequenez diante dessa força. Ao mesmo tempo resistimos e aí começa nosso prazer. Nesse sublime sabemos todo o tempo sermos fracos e pequenos, mas resistimos e assim vencemos.  Vencemos porque possuímos nossa razão-moral. Razão-moral que é a liberdade. Liberdade por estarmos além do plano animal, por podermos resistir moralmente a nossos instintos, a nosso medos. O prazer vem do distanciamento diante da ameaça.

  Para Schiller, o desenvolvimento estético possibilita a liberdade. Dá a possibilidade da escolha moral. Aprendemos a usar nossas faculdades além do mundo da experiência. Nos tornamos mais do que aquilo que somos.

  Esse texto caiu como uma bomba. Por pouco mais de cem anos a busca pelo sublime ditou o comportamento de todo jovem. Viagens de aventura, experiências com sexo e com drogas, arte pela arte, andarilhos, voluntários em revoluções....A busca pelo sublime não tinha fim e se morria sublimemente. Acima de tudo o amor. A dor que causa prazer= sublime= amor.

  Vick-Vaporub. Em ano de absoluta solidão, sofrendo de asma e cheio de Vick no peito, eu lia, com insônia, ouvindo o vento do inverno de 1977 bater na janela. Ainda quase criança, descobria o desespero de Kafka e de Dostoievskie e amava a Jeanne, menina triste que se foi logo. Cercado pelo cheiro de Vick, nas sombras de meu quarto gelado, eu lia e sofria....e tinha um estranho prazer. Uma sensação de proibido, de perigo, de doença misturada com sensualismo, de vida real tingida por além da vida. Eu crescia, me expandia, ia além, e sofria. Sublime. Não foi belo, foi sublime.
  Como sublime foram meus amores exagerados, como sublime é toda vez que olho para a Serra do Mar: me sinto pequeno e então me sinto grande...pequeno e grande, pequeno e grande, medo e prazer, encolhimento e liberdade.

  Nosso mundo sem tempo e sem o culto do belo desprepara todos nós para a possibilidade do sublime. Pior ainda, quando ele se aproxima paramos assustados no medo e NÃO OUSAMOS IR ALÉM DELE. Ah.....Mas amamos o sublime mesmo sem o saber! O procuramos ao saltar de para-quedas, ao cheirar coca, ao chorar num show de Neil Young ao amar a menina "errada". Lemos poesia, mergulhamos no Caribe, bebemos até cair, tudo em busca desse momento de sublime, dessa queda para cima, dessa morte que dá vida. 

  Crescendo cercado de patos e coelhos, com ruas de barro e lagos limpos, cercado de primas e de pratarias e porcelanas, meu senso de belo foi despertado, meu desejo pelo sublime conhecido e reconhecido. 
  Não tenho feito outra coisa além de procurar esse momento. 
  Que às vezes vem num pote de Vick-Vaporub. Ou no mar ao amanhecer em dia gelado. Numa melodia do Roxy Music ( For Your Pleasure é o sublime no rock ), numa calçada diante da janela da menina amada.
  Na minha única fé verdadeira: A vida vale a pena por ser sublime. E é só isso que me move.