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HOUVE UMA TARDE NOS ANOS 70 ( SOBRE MEU PRIMEIRO VERDADEIRO LIVRO )

   Antes houve O Zorro. Capa preta com uma ilustração de Guy Willians, o Zorro da série Disney na TV. Mas não foi meu primeiro livro de verdade. A filha da minha madrinha, Lena, o deixou em casa. Já usado, meio amassado. Depois houve Renard, A Velha Raposa. Esse dado para mim por minha madrinha. Mas eu não o escolhera e ele já vinha rabiscado. Também era usado.
   Agora não! Este eu pedira para meu pai, e ele o encomendara ao dono da banca de jornais que ficava em frente á padaria. Meu pai era o proprietário da padaria, e um dia ele chegou. Meu primeiro livro! A capa roxo escuro com uma pintura de um navio e um bote ao lado. A Ilha do Tesouro, de Robert Louis Stevenson. Rapidamente arranco o plástico transparente e recebo nas narinas o perfume que nunca mais sairia da minha memória. Uma mistura de tinta fresca, papel e cola. O cheiro de livro novo. Eu tive a sensação de que ele estava quente ainda, parecia pão saindo do forno. Me deitei no sofá e comecei a ler, em voz alta, para meu irmão, que aos 6 anos ainda não conseguia ler.
  Black Dog, Long John Silver, Jim Hawkins, a cidade de Bristol, a hospedaria Benbow. Tudo isso grudou na minha alma. Como grudou o navio, o nome de cada vela, de cada corda, o mapa do tesouro, o papagaio. Enterrei um tesouro no Caxingui. Não sei onde. Tentei fazer um navio usando paus, latas e uma mala de viagem de papelão e couro. Várias lutas de espadas com meu irmão, e a certeza de que meu quarteirão era uma ilha. Quando muito jovem, voce não lê um livro, voce não pensa que alguém escreveu aquilo. Voce assiste uma história que acontece na sua cabeça. Mais real que tudo que o cerca.
  Relendo hoje, tenho consciência de que aquilo é Stevenson. Um escocês viajante, que Borges considerava o melhor narrador da história. Stevenson viajou pelos mares do sul, foi o primeiro europeu a falar de surf. E note bem, ele não é, nem quer ser, um artista. Ele é um narrador. Seu objetivo é descrever e desenvolver. Te envolver. Fazer com que voce se sinta lá, onde acontece a ação. Eu não poderia ter começado em melhor companhia. Por isso é amor eterno.

AS CRÔNICAS DE NÁRNIA, TODOS OS SETE LIVROS- C.S.LEWIS. O PRAZER DA LEITURA.

   Lembro bem. Lembro do prazer que eu senti ao ler A ILHA DO TESOURO, de R.L. Stevenson pela primeira vez. Consigo ver o sol que iluminava as páginas e sentir o cheiro que o volume exalou quando livre do plástico que o aninhava. E esse prazer nascia da narrativa. Eu lia por causa de Jim, o personagem principal e não por causa de Stevenson. E eu estava lendo em Bristol e depois no mar e não em minha casa. A narrativa me levava a ler. Era a fé naquilo que é narrado. Eu não lia um autor escocês chamado Stevenson. Lia o que um garoto de Bristol me contava, Jim. 
   Esse é o prazer que reencontro em Lewis. Vamos tentar falar dessa obra imensa e magnífica. Li todos os sete livros. E digo, foi um tremendo prazer. 
   AS CRÔNICAS DE NÁRNIA começaram a ser publicadas em 1950, na Inglaterra. Nessa altura Lewis tinha 50 anos e era um homem conhecido. Professor em Cambridge, tinha programa de rádio e publicara diversos livros. Seu interesse central era o cristianismo. Nárnia seria portanto um livro cristão? Com certeza. Mas mais que isso ele é platônico. Para Lewis nosso mundo racional é apenas uma possibilidade. Mundos dentro de mundos, quanto menor, quanto mais dentro das coisas maiores elas ficam. Tudo o que vemos são pontas de icebergs. Perceber que isso tudo foi escrito na casa ao lado daquela onde Wittgenstein vivia e nas imediações dos físicos que criaram a teoria quântica faz todo o sentido do mundo.
   Logo se tornaram um sucesso e foram premiados. Como literatura infantil. E digo que uma das boas coisas de nosso tempo, 2015, é o fato de que a literatura infantil, assim como o cinema de animação, tem deixado seu gueto de lado. Existe boa e má literatura, não importa se para meninos, velhos, crentes ou ateus. Não importa se escrita por mulheres ou por indios. A literatura infantil tem duas coisas que a literatura ""mais séria"" tem temido tocar: a criatividade despudorada e a crença naquilo que se narra. Lewis acredita no que escreve.
   Será preciso falar da história? Do portal que une mundos? Um desses portais é um armário, outro é uma estação de trem ( Harry Potter bebeu muito aqui. Sem Lewis não haveria Harry. ) Mas pode ser um muro de jardim ou uma luz. Esse outro mundo é mais real que nosso mundo. Esse outro mundo é o mundo que suspeitamos existir. Lewis o descreve para nós. Nele há uma luta. Bem e mal guerreiam. É um mundo onde o bem é o bem, e o mal é o mal. Maniqueísta? Não bem isso, pois há gente má que se torna boa. Mas a luta acontece. 
   Nárnia tem muito de paraíso ecológico. Árvores têm alma e alguns animais falam ( não todos ).  As crianças de nosso mundo, que cruzam o portal, vão lutar pelo bem, passar por aventuras, crescer e voltar para cá. E há Aslam. 
   Aslam é um enorme leão. Ele criou Nárnia. E ele cuida do sentido das coisas. Mesmo que a vida pareça não fazer sentido, tudo se revela depois de um tempo. Visto à distância, cada um tem o que merece. Ou não. Pois Aslam só intervém em momentos decisivos. Sim, podemos dizer que Aslam é Jesus Cristo. Ele chega a morrer e retornar. E é admirável o modo como Lewis encaixa esses acontecimentos. Há uma lógica perfeita nessa fantasia. A crença na fantasia faz com que a tal realidade perca seu valor. Nosso mundo, lendo os livros, parece se tornar pouco importante. O mundo decisivo está aqui, mas não é o que vemos. Cada ato nosso repercute no universo mais real, no mundo de Aslam. É uma responsabilidade grande. E é isso que amadurece as crianças.
   O primeiro livro, na ordem em que Lewis desejou que fossem lidos, O SOBRINHO DO MAGO, narra a criação do mundo de Nárnia. Aslam cria todo esse mundo e Lewis descreve, com muita simplicidade, essas imagens. Há uma feiticeira do mal, as primeiras crianças da Terra, e a primeira explicação sobre a relação temporal entre os dois mundos. Mas, devo dizer, este talvez seja o mais fraco de todos os sete. É bom, mas jamais encanta.
   O segundo livro é o mais famoso, O LEÃO, A FEITICEIRA E O GUARDA-ROUPA. Este sim, completamente viciante em sua maravilha. Crianças, Lucia, Pedro, Susana e Edmundo, são transportados para Nárnia. Edmundo será seduzido pelo mal, Lucia será a mais poderosa em relação ao bem. Suspense e poesia se mesclam criando uma fantasia inebriante. Jamais sabemos se o bem poderá prevalecer. É uma saga que abre nossa mente para a criatividade. E é um belo livro.
   O terceiro se chama O CAVALO E SEU MENINO. É um dos meus favoritos. ( Tenho dois como favoritos ). Fala de fuga, travessia de um deserto, medo e sofrimento e tem um sabor de Mil e Uma Noites que me deixou completamente apaixonado. Acima de tudo, é este o mais aventuroso, o que esbanja mais ação e tem personagens muito bem descritos. O tipo do livro que voce sabe que um dia vai ler outra vez. E talvez com mais prazer ainda. O sol, a sede, a areia, voce vive dentro dessas paisagens e desses estados. Fantástico.
   PRÍNCIPE CASPIAN é uma delicia. Narrada por um anão, é cheia de mistério. Muitas lutas, muitas reviravoltas e talvez seja a menos simbólica dentre todas as histórias. Caspian é um grande personagem! Como voce já deve ter notado, cada livro acrescenta personagens. Cada livro se passa em uma época diferente.
   A VIAGEM DO PEREGRINO DA ALVORADA é o quinto livro e é perfeito. Empatado com O CAVALO E SEU MENINO, é meu favorito. Num navio a remos e velas, partem os aventureiros em busca do fim do mundo. Este é o volume estilo ""história de pirata"". Personagens apaixonantes: RipChip é um rato que luta como um herói de Walter Scott. Ilhas de horror, de sedução, decepções, muitas surpresas. Lewis está aqui em pleno dominio. Um livro para guardar na alma. Sensacional.
   O sexto livro é de todos o mais triste e o mais trágico. A CADEIRA DE PRATA traz muita melancolia à saga e um sabor cristão bastante explícito. O sofrimento se acumula. É um bom livro, mas após tanta maravilha ele nos dá um travo azedo. Recomendo a quem for ler toda a saga que não faça o que eu fiz. Que leia os cinco primeiros e espere alguns meses para ler os dois últimos. O choque será menor.
   O último livro se chama A ÚLTIMA BATALHA e é o mais simples. Nárnia acaba, o mundo morre e Aslam surge para....Não conto o final. É um livro bonito, arremata toda a saga em tom de beleza, mas o auge de NÁRNIA está nos livros dois, três, quatro e cinco. 
   Termino este texto citando uma fala de A CADEIRA DE PRATA. Fala que explica toda a obra de Lewis.
   ...estou do lado de Aslam, mesmo que Aslam não exista. Quero viver como um narniano, mesmo que NÁRNIA não exista. Assim, agradecendo esta ceia, agradecendo a estes dois cavalheiros e a esta dama, estamos de saída para os mundos da escuridão.  Passaremos o resto de nossas vidas procurando o mundo de cima, o mundo de Aslam. 
   Se a vida real, a vida da Terra, é tão chata como voces dizem, prefiro este mundo de ilusão.
   Essa é toda a crença de Lewis. E diz ele que essa é toda a crença cristã. Apostar na fantasia crendo ser a fantasia a verdade final. 
   Há modo melhor de viver?
  

O PRIMEIRO LIVRO, A ILHA DO TESOURO, STEVENSON

Era uma coisa muito estranha... Ao passar meus olhos pelas linhas impressas na página branca eu via um garoto, via uma barrica de maçãs, via um navio de piratas. E de visão em visão acontecia aquilo que eu pensava ser impossível, lia as quase 200 páginas que me pareciam antes uma eternidade, e que agora eram como que uma viagem. De visões. Um milagre naquele ano ( mais um ), eu podia viajar no tempo, estava na Inglaterra de 17...
   Sim, foi meu primeiro livro. Eu sei, antes houve Renard, A Velha Raposa; mas esse eu não li de verdade, esse eu desvendei como um brinquedo. Porém este, A ILHA DO TESOURO, de Stevenson, esse foi tocado desde o inicio como um livro. A relação que tive/tenho com ele espelha a relação que tive/tenho com todos os livros. A possibilidade de uma passagem.
   Meu pai comprou pra mim. Anunciava na TV. Uma coleção da Abril, Clássicos Juvenis. Vinha embalado em plástico e a capa era uma beleza. Dura, mostrava um pirata subindo num navio. O mar escuro, o céu ameaçador. Um lampião nas mãos do pirata, o rosto era o de um assassino sujo. Era 1971, e em meio a meus amores, pela professora, pelos Monkees, pelos Hardy Boys e pelos desenhos do Pernalonga, mais um nascia, o amor pelas coisas que nos fazem voar. Principalmente as que vinham embaladas em forma de livro, com cheiro de papel e letras bem impressas.
   Eu tinha apenas 7 anos e a leitura foi lenta. Eu lia em voz alta, para meu irmão, que tinha 4 anos. Lia de manhã na cozinha, lia no quintal, debaixo do mamoeiro, debaixo da videira, junto ao poço. Lia no frescor do porão, lia na sala cheia de sol. Era um esforço, eu cansava, mas era um prazer, eu achava alguma coisa. Tinha nas mãos, só pra mim, um mundo paralelo.
   Jim era o menino. E quem me conhece perceberá o quanto meu gosto estético foi ditado por esse primeiro livro. A chuva de noite, a hospedaria. O mapa do tesouro, a morte. A viagem pelo mar e os tipos suspeitos. A fuga rumo à Ilha e a luta. O encontro do baú. Milhares de imagens que vão da velha Inglaterra suja e fria à ilha tropical e misteriosa. Os personagens, um velho doido perdido na ilha, o cozinheiro bandido, Black Dog.
   Hoje ele continua aqui comigo. O mesmo livro, agora com 41 anos de idade. Criou manchas amarelas, a lombada está cheia de pó. O tempo o marcou, da mesma forma que me marcou. Robert Louis Stevenson foi então o primeiro autor que li. E quinze dias depois veio o primeiro autor que chamei de "meu autor", TOM SAWYER, de Mark Twain. Mas essa é outra história...

SEQUESTRADO- ROBERT LOUIS STEVENSON

   O começo do século XX foi péssimo para Stevenson. Se tornou um escritor infantil. Era a época dos romances mais ambiciosos da história. E gente como Stevenson, escritores que "apenas" contavam uma história, foram jogados na vala do comum, do banal, do infantil. Mas, a partir de 1950, a coisa começou a mudar. Uma overdose de experimentalismo deixou o leitor com saudades de uma boa narração, de uma aventura. Stevenson voltou a ser considerado. Assim como Conrad e London.
   Este é considerado por muitos seu livro mais bem escrito. Conta a aventura de um jovem, David Balfour, que na Escócia de 1755 tem sua herança roubada e cai nas mãos de uma tripulação de navio bêbada e hostil, para
 depois dever percorrer meio país, desviando de facções rivais e de armadilhas da natureza.
   A Escócia de 1755 é um país em ebulição. Clãs lutam entre si e contra os representantes da Inglaterra. A gaita de foles e o padrão xadrez estão proibidos. Não se pode vestir o kilt e nem falar o gaélico.  É esse o ambiente social do livro. Stevenson sabiamente não sataniza os ingleses. Sua simpatia vai aos escoseses mais calmos, menos radicais.
   Todo o inico, e toda a viagem de navio, contornando a Escócia pelo norte, são soberbas. Stevenson se supera nas descrições de tempestades, no clima de suspense entre a tripulação. Depois ele deixa bastante cair o interesse. Nota-se que a narrativa se estica, se alonga. Mas nada que prejudique o prazer de se ler esse autor que hoje volta a ser central na história do romance do século XIX.

A PRAIA SELVAGEM e O ÍDOLO CAÍDO-ROBERT LOUIS STEVENSON

   Me surpreende sempre observar como Stevenson tem boa acolhida neste blog. Sempre que falo desse autor escocês logo vêem respostas. O motivo é claro, Robert Louis Stevenson toca em sentimento muito vivo hoje. Ele é um desenraizado.
   Faz parte daquele grupo de europeus do fim do ´seculo XIX, que cansados dos excessos da época ( racionalismo, moralismo, militarismo ), procuravam ares mais livres em lugares como o norte da África ou os mares do sul. Stevenson foi pra Polinésia, e não pense que lá achou o paraíso. O que encontrou foi um misto de vicio sedutor e inferno pacífico. Eis o livro.
   Ele tem dois contos. O primeiro é A Praia Selvagem. O que temos aqui é o medo. Um negociante inglês chega a ilha de mares tropiciais. Tem dificuldade em se estabelecer e ainda enfrenta um comerciante que invoca feitiçaria para o subjugar. O clima é opressivo. O tom é de aventura.
   O segundo conto se passa na Inglaterra. É sobre o amor de dois jovens. Um amor que dá errado por causa de um pai rígido e de um outro bêbado. Há um final feliz bastante artificial. Mas é estranho, esse falso final feliz deixa o conto ainda mais triste...
   Stevenson faz parte do time dos escritores que escrevem "enredos". Eles não são formalistas, não são fissurados por estilo e modos de escrever. O que procuram é contar uma boa história, cheia de eventos, de fatos e de gente. Nesse sentido Stevenson é soberbo.
   Um bom livro para se ler num bom sofá sob a luz de um abat-jour de canto. Acho que voce me entende, não?

O MORGADO DE BALLANTRAE- ROBERT LOUIS STEVENSON

Existem 3 tipos de livros: aquele que voce lê para saber o que acontecerá a seguir. Seu interesse é no enredo e em seus personagens. Existe um outro tipo em que o interesse é na forma como o texto é escrito. O interesse principal é no modo como o autor diz aquilo que será/é dito. E há um terceiro modo. Nele acontece a integração dos dois primeiros modos, ou seja, voce lê interessado nos personagens e ao mesmo tempo nunca deixa de se impressionar com o estilo do escritor. Apenas como exemplo cito Machado de Assis como mestre desse terceiro modo.
O escocês Stevenson é mestre do primeiro modo. Seus livros não são livros da arte da escrita, são histórias bem contadas que nos prendem pelo enredo bem urdido. Aqui acompanhamos a história de dois irmãos, um muito bom, outro muito mau. O modo como eles disputam herança, poder e amor é o cerne do livro. Mas atenção, é livro muito original. Em meio a toda aquela aventura ( piratas, casas frias e escuras, expedições à floresta, tempestades ) há uma fina análise de caráter. O bom filho acaba por nos exasperar, o mau nos seduz por sua esperteza. Ficamos em conflito: de quem gostar? Fato estranho, na verdade todos os personagens são falhos de caráter. Na bondade há muito de odioso. E o mal é revoltante.
A primeira metade do livro é das coisas mais prazerosas que já li. Ação e drama sem parar. E um soberbo clima de tragédia. Depois Stevenson se detém para esmiuçar o caráter da familia. No fim volta a ação. O final é negro, sujo e muito forte. É um livro que mereceu imensos elogios de Borges, Henry James e de Chesterton.
Stevenson foi um aventureiro em vida. Escritor arisco, viajou meio mundo e faleceu de súbito, nos mares do sul. Foi dos primeiros europeus a ver o surf dos reis havaianos. O livro é digno de quem teve tal vida.
Em tempo. Stevenson escreveu Jeckyl and Hyde... não seriam estes dois irmãos faces da mesma alma?