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DOIS LIVROS SOBRE UM BRASIL QUE NÃO EXISTE MAIS

   Os dois foram escritos pelo mesmo jornalista: Renato Sérgio. Os dois são da Ediouro e foram editados no começo deste século que já está adulto. MARACANÃ conta a história do estádio que não existe mais. Ficamos sabendo que ele foi um sonho em que mais da metade da população não acreditava em sua concretização. Na verdade ele foi construído para roubar a copa do mundo de 50 da Argentina. O livro, sinto dizer, chato, perde um tempo imenso falando dos trâmites absurdos e kafkianos para legalizar a obra. É política demais, políticos em excesso, burocracia absurda e aquele monte de discursos, inaugurações, blá blá blá que rolou na época.
   Na parte que importa, o futebol, a decepção aumenta, Renato fala muito pouco dos jogos históricos dos anos 50-60, e se joga logo na barrigada de Renato Gaúcho na final de 95, em Edmundo, Romário, Petkovic, ou seja, tudo o que aconteceu no tempo em que o Maior do Mundo já parecia prestes a desabar. Falta glamour.
  O outro livro, bem melhor, é a biografia do primeiro multi mídia do Brasil: Sergio Porto, vulgo Stanislaw Ponte Preta. Ele foi, além do maior carioca do Rio, jornalista, autor de programas de TV, escritor, cronista, e acima de tudo um bon vivant. Foi ele que nos anos 60 cunhou algumas frases que até hoje são repetidas: Em rio com piranha jacaré malandro nada de costas, por exemplo. Outra, que eu considero perfeita para 2020 é: Ele acaba de despontar para o anonimato. Sergio Porto nasceu em família rica, torcedor do Fluminense, amava jazz e samba de raiz. Criou as "Certinhas do Lalau", tipo da coisa que só podia existir no Rio de 1960, todo mês ele escolhia a mulher mais bonita do Brasil que virava um tipo de vedete do país. Bikinis e meia arrastão.
  O estilo de escrita dele era aquele típico do país de então, que foi perdido e nunca mais vai voltar. Uma escrita feijoada, voce vai acrescentando ingredientes e frases temperadas. É uma escrita quente, saborosa, difícil de imitar e boa de ler. Melhor eu dar um exemplo:
" O show do Crioulo Doido tem sido a salvação da lavoura aqui no Rio. Bolado no princípio do ano para aproveitar a temporada de paulistas que surupembavam na Guanabara a espera do carnaval, era pra ficar em cartaz só fevereiro, mas veio março e abril, e o espetáculo agrada mais que banana em jaula de macaco. Começo a desconfiar que há linguiça embaixo desse feijão. "
  É o estilo figurado, a imagem no lugar da explicação, o texto feito pra quem "conhece a receita do angú". O tipo de texto que se escreve hoje irá parecer um tipo de tradução mal feita quando comparado a isto. É o estilo brasileiro, nada lusitano e nem um pouco frio. A turma do Sergio Porto, Millôr, Paulo Francis, Paulo Mendes Campos, todos tinham esse modo cheio de bossa nova de escrever. Quando ele escreve notícias, bem, voce morre de rir: " Ela era uma viúva, ou seja, chegada à um exagero homérico. E por causa disso, era apegada à uma bicharada, no caso, papagaiada. E foram seus papagaios que causaram a celeuma que invadiu a noite do Grajaú e acabou em fogo, pimenta e aracajé. Um tabuleiro da baiana completo". Creia, isso era uma notícia de jornal.
  Mulherengo, casado e pai de 3 filhas ( alguém pode me dizer porque todo mulherengo tem filhas e não filhos? ), ele morreu cedo, aos 48 em 1968. Era pra ter chegado ao ano 2000, e penso no que ele escreveria sobre Sarney, Itamar e cia. Pois foi ele quem criou o FEBEAPÁ, o Festival de Besteiras que Assolam o País. Ele pegava notícias idiotas, fatos imbecis, bem brasileiros, e os publicava. Era um sucesso absoluto. E temo que hoje não seria. Pelo fato de que há tantos idiotas que ninguém notaria a graça do absurdo. As notícias do FEBEAPÁ eram tipo deputado proibindo bikini no interior de Goiás, prefeito inaugurando estrada de ferro sem trem. Tudo fato real, nada inventado.
  Politicamente a posição de Sergio se revela nesta frase exemplar: O capitalismo é homem explorando homem. O socialismo é o contrário.
  Sobre a tropicália: São rapazes vagamente compositores.
  Niteroi, cidade onde urubu voa de costas.
  Ontem foi inverno no Rio. Agora só ano que vem.
  No Brasil as coisas acontecem, mas depois com um desmentido, deixaram de acontecer.
  Mais feio que mudança de pobre.
  Gato escaldado tem medo de água fria.
  Mulher e estrada com muita curva, ambas são perigosas.
  Amor não acaba, se transfere.
  E por aí vai...são frases e frases que entraram na mente nacional. O que me leva à uma constatação: Na atual burrice cinzenta, esquerdista e direitista, onde tudo vira slogan pobre, gente como Sergio seria detestada. Porque ele sai pela tangente, ele vê o ridículo dos dois lados, ele sente que tudo é fake. Forçado. E se não for fake, pior, é doença mental.
   Confesso que a malandragem desse Brasil, seu machismo, sua preguiça, me irritaram em certo momento. Logo me ví vendo Vinicius como um simples petista, Paulo Francis como um americanizado e Sergio Porto como um isentão. Mas acordei e vi que eles eram nada disso. Eram apenas brasileiros, ainda no berço que foi esplêndido, sem procurar minúcias de sentido preconceituoso em tudo que se fala, e exatamente por isso, de fala livre, quente e sensual. Muito da desgraça do mundo de agora passa pela linguagem em camisa de força. Mas isso é papo pra outra noite...

BOTAFOGO- SÉRGIO AUGUSTO, MAIS QUE UM CLUBE

   Didi ganha um campeonato. Sai do estádio, e para cumprir a promessa feita, volta a pé para casa. Foram 132.000 pagantes, e em meio aos fãs, vemos fotos dele andando, terno e chapéu. São oito quilômetros entre risos, abraços, respeito. Isso é o Rio de 1959.
  O Botafogo foi dois, já nasceu esquisito. Havia o Botafogo de regatas, fundado no século XIX. Regata era o esporte número um da cidade. E depois, em 1903, um grupo de meninos, de 14 anos, fundou o Botafogo FC. Só nos anos 30 os dois se unem e surge o Botafogo de Futebol e Regatas. É o único clube fundado por adolescentes, na rua, no improviso. A estrela é símbolo da Estrela D'Alva, a primeira estrela que os remadores vêm quando treinam as 5 da manhã.
  A história do clube é história de enormes vitórias e imensas crises. Sempre foi assim. O grande rival é o Fluminense, o queridinho do poder. O Botafogo é o time dos intelectuais, dos artistas.
  ( Aqui um adendo. Um time deve manter seu caráter! O Flamengo é o time da massa, o Flu do poder, o Vasco dos portugueses e da ZN, sempre o mais odiado, o Bota dos esquisitos. Aqui em SP, vemos uma descaracterização de alguns clubes...O Santos se mantém como o primo pobre e chato, com seus sonhos de requinte; o Palmeiras continua o clube da italianada e da região da Barra Funda, mas o clube do Morumbi está perdido, assim como o Corinthians. Me parece que os dois estão trocando de papéis. )
  O Botafogo teve Heleno de Freitas. Didi. Garrincha. Nilton Santos. Gerson. Jairzinho. Paulo César Cajú. Desses eu vi jogar três. Gerson foi o maior passador de bola que já vi. Jair foi um artilheiro perfeito. E o PC tinha uma habilidade rara. Fazia o que queria com a bola grudada no pé.
  Mas a gente ainda pode falar de Mario Sergio. De Marinho Chagas. De Valdeir. Manga. E do Biriba. Biriba era um vira lata preto e branco que entrava com o clube nos jogos do Maracanã. Amuleto. O Botafogo foi o time do Zagalo né...e Amarildo. E do João Saldanha.
  Era um tempo de ingresso barato e de estádios lotados. Disso eu lembro também. De ir ao Morumbi e achar que o público estava fraco...só 80.000 pessoas...O Maraca com menos de 90.000 parecia vazio. A rotina era 110.000, 120.000 pessoas. Futebol era festa, muita festa e isso passava aos jogadores que então festejavam. Mais que um clube, ler sobre o Botafogo é ler sobre uma época morta, mas linda.
  Sérgio Augusto é um crítico de cinema que fez minha cabeça nos anos 80 e 90. Depois perdi sua pista. Escreve melhor que o Ruy Castro. Mesmo estilo, mais saboroso.
  Infelizmente não sou Botafogo. Não sou do Rio. Mas dá uma vontade danada de torcer pelo time da estrela solitária.

FERNANDO PAMPLONA E ANDRÉ BARCINSKI

   Parece que não mas uma nota se liga a outra.
   Leio no blog do Barcinski que nem unzinho jornalista brazuca chegou no Bruce Springsteen e perguntou o porque do Raul. Pior ainda, ficaram surpresos com a excelência do show!!! Leio as cartas enviadas ao blog e noto o estado de miséria do jornalismo feito hoje. É tudo na base do press release. Ninguém vai atrás de nada e ninguém opina sobre nada.
   Fernando Pamplona morreu. Foi o cara que mudou o carnaval do Rio e um dos caras mais cultos do país. O conheci como comentarista dos desfiles das escolas de samba pela tv Manchete. E vem aí a coisa que liga com o texto do Barcinski. Quando o desfile era ruim Pamplona metia o pau. E se o carnaval daquele ano era um lixo ele dizia, o carnaval tá um lixo! Falava com conhecimento, foi o carnavalesco que lançou João Trinta e Arlindo. Para ele carnaval tinha de ser coisa de preto, sempre. Desfile sem Pamplona opinando não tem graça.
  O mundo vai acabar em tédio e preguiça. Arre!!!

ÁFRICABRASIL- JORGE BEN, COMPLICAM OS BOÇAIS, JORGE SIMPLIFICA

   Em 1976 Jorge resolveu eletrificar. Pegou a guitarra e chamou uma nova banda ( Dadi entre eles ). Homem-Gol. O que ele sempre anunciara se explicitou: ritmo dominando melodia. Ritmo inclusive no sentido das palavras. A letra interessa se ritmar, não rimar. O Homem -Alegria revela seu segredo: Ser feliz é ritmar, ser infeliz é perder compasso. Como diz Octavio Paz, a vida é um ritmo. Só não sabe quem sai do compasso. Surdo de alma.
   Menos misticismo aqui. Jorge deixa de lado sua fascinação por Hermes e a alquimia e mergulha mais em São Jorge Guerreiro e Zumbi-que-vai-chegar. O disco é de briga. Briga de Jorge, briga de ginga centra ginga, briga de sorrisos. Grandes artistas são vozes de uma espaço. Eles brotam do chão e do ar para dar voz àquele local. Jorge Ben é a voz do Rio. Ele só poderia ser de Madureira. Pensar em Jorge nascido em outro espaço é como pensar em Goethe não-alemão ou em Debussy não-francês. Condensação de uma alma local. Jorge é samba, futebol, mar, calor, sorriso, malandragem, Rio.
   O disco pulsa. E a guitarra manda. Ela é usada como percussão. Mais que em James Brown, a guitarra é espancada, ribombada, baqueteada, ritmada. Sapeca. A banda é do cacete! Cavaleiro do Cavalo Imaculado tem uma linha de baixo que é obra-prima de swing. E a percussão desaba. Africabrasil Zumbi, faixa final, é um escândalo. Jorge agride com a voz, se enraivece, lança raios e lavas e a gente dança enquanto isso. ( Um segredo que Jorge cedo sacou: A Dança é o caminho mais direto ao céu. Quer conhecer tua alma? Dança! ).
   Zico merece a Camisa 10 da Gávea. Não se fazem mais jogadores como Zico. Não se fazem mais músicas para jogadores como as que Jorge fez. Mas também não se cantam mais meninas como as que Jorge cantou-canta. Ele não cata as meninas. Ele chega chegando. Não ganha uma mulher. Ele se deixa levar...
   Estudante de alquimia e de filosofias herméticas, Jorge sabe que magia é transformar e que portanto a natureza é mágica por ser transformação que se transforma. Viver é transformar e quem não muda, quem não faz de noite dia ou de chuva sol está morto. Esse o segredo de Hermes, mudar pedra em ouro, lágrima em riso e dor em renascimento. Jorge fez isso na música. Do nada se fez som e do som se fez ritmo. O ritmo vira dança e o corpo que dança vira alma que se torna imagem e se desfaz. A música é som que quer ser vida e a dança é vida tornada música. Faz-se o círculo. Jorge sabe.
   Profundezas abissais? Não. O mais sábio faz simples aquilo que um boçal complicaria. Ele é simples.

UM SÉCULO DE BOA VIDA- JORGE GUINLE

   Jorge Guinle foi o último playboy brasileiro. Hoje não existem playboys. Porque? Porque o "fazer algo de útil" tomou conta de todo mundo. O verdadeiro playboy gasta dinheiro. E não trabalha nunca. Nem faz aplicações, negócios, especulações etc. Ele gasta e jamais sabe quanto tem ou de onde virá o dinheiro. Recebe grana do banco, dos pais, cai em sua conta. E ele gasta, tudo. Em diversão. Sem se preocupar. Isso é ser playboy. Segundo Jorginho, hoje talvez só os principes árabes tenham cacife pra ser assim. Mas eles se divertem pouco.
   Jorge Guinle jamais trabalhou. Nem um dia de sua vida. Os Guinle tinham vários negócios, principalmente imóveis no Rio, mas a fonte maior era o porto de Santos. Eles eram donos do porto. De cada 5 cafés que se tomava no mundo, 3 pagavam tributo aos Guinle. Mas Jorge nunca teve muito. O dinheiro era da familia, ele recebia mesada. Em valor de hoje, "apenas" 100 mil por mês. Menos que qualquer jogador de futebol conhecido. Mas com um detalhe: esses 100 mil eram apenas para diversão. Todas as contas "sérias" eram pagas, assim como ele ia a restaurantes e clubes de graça. Tinha um dos Rolls Royce da familia, passagens de avião, roupas. Basicamente os 100 mil eram para taxi.
   O livro tem fotos. A mais bonita é da casa onde ele nasceu. Uma mansão gigantesca em Botafogo. Depois ela se tornou embaixada da Argentina. Quem mora em SP, passe na Avenida Nove de Julho e olhe a Casa da Marinha. É muito parecida. Coisa de 22 empregados. A chácara Gromari, onde a seleção treina em Teresópolis, também era da familia. Dois milhões de metros quadrados.
   Jorge estudou no College de France. Sua primeira lingua foi o francês. O College é a melhor escola francesa. É aquela faculdade, da qual já falei, sonho de todo professor da USP. Paga o melhor salário do mundo, e seus mestres dão apenas uma aula por ano. Sobre o tema que escolher. Lá, Guinle estudou filosofia. E se formou na cadeira de Bergson. Sua filosofia não é bergsoniana, é William James com Russell, o tipico materialismo do começo do século XX. Jorginho fala do que pensa: Não existe um Eu. Nem um Ego. Crer no Inconsciente é crer em mitologia. O eu é a soma de experiências. Qaunto mais vivência, mais eu voce tem. Fora disso não há nada. Tudo no cérebro é mecãnico, não há nada de oculto, simbólico ou inconsciente. Pensamos o que provamos. Fora de nós o que há é matéria. Sem a matéria nada há. Infinito é algo impossível. Tudo tem um fim. A matéria é finita, experimentável e temporal. Fora da matéria, o nada. Não existe uma função da vida, um porque. O que há é a matéria sendo provada por nós. Nosso Eu, uma ficção, é um conjunto de lembranças e de aprendizados.
   Jorge Guinle fala ainda de pintura, tema que ele conhece. Mas sua paixão é outra, mulheres. Ele fala de suas namoradas, a maioria atrizes americanas. Ele conheceu Hollywood em seu auge, conviveu com produtores, atores e as belas mulheres. Nada do que ele conta é muito apimentado, gentleman, ele mantém uma certa discrição. Boas as histórias com Erroll Flynn. Voce pode estar pensando: "Como esse brasileiro conseguia ser recebido por tanta gente top?" A resposta é: Copacabana Palace. O Rio da época, ainda com cassinos, era um tipo de Bahamas de hoje, uma pacifica ilha tropical, um oásis que todos queriam conhecer. Guinle hospedava essas estrelas, o Copacabana era dos Guinle.  O Rio, cidade calma, sem crimes, os enfeitiçava. Sofia Loren, Kim Novak, Rita Hayworth, Cary Grant, Jayne Mansfield, Gina Lollobrigida, Ava Gardner, David Niven, Ginger Rogers...
   O que mais me deliciou são as comparações do que era ser rico em 1930, e do que é ser rico hoje ( 1997 ).  Os ricos simplesmente não se misturavam em 1930. As familias ricas de Filadélfia e Boston não aceitavam os ricos de New York, pois New York era cidade de novos ricos. Os Rockefeller, por exemplo, por mais que gastassem, não eram aceitos pelos Vanderbilt, ricos bostonianos de 200 anos.  Mas era na Europa que estava o verdadeiro luxo. Jantares onde era obrigatório ter um mordomo para cada dois convidados. Trocava-se de roupa três vezes por dia: roupa da manhã, da tarde e do jantar ( sempre o dinner-jacket, que sabe-se lá porque, chamamos de smoking ). Pratos de ouro puro, pesados, jóias que se podia usar na rua ( no Rio as mulheres iam passear em Copacabana com diamantes... Mal comparando, lembrei que em 1972  minha mãe ia visitar sua prima na Nove de Julho com colares de ouro grossos... ). Um tempo de imensa segurança, tempo que não volta. Nunca.
  Mas não pense em alienação. Guinle se diz de esquerda. Ele ama o luxo, mas quer esse luxo para todos. Sabe o que é a injustiça, mas sabe também que o modelo socialista nunca dará certo. Porque o homem quer mais, quer poder ter.
   Livro excelente para se ler a beira da piscina, um anti-Caras, anti-celebridades, Jorge Guinle nos conquista por sua inocência.
   PS: O livro expõe algo que eu já suspeitava: O homem que se dá melhor com as mulheres é aquele que as ama integralmente, sem medo.
   Já me ia esquecendo!!! O jazz é outro grande amor de Jorge. Ele dividiu mesa de bar com Billie Holiday, Dizzy Gillespie, Charlie Parker. Esteve no Cotton Club em seu auge, viu o bop nascer. Tá tudo no livro. Quem quiser saber mais sobre jazz tem prato cheio.

Flamengo 3x0 Botafogo - 1979



leia e escreva já!

Botafogo 4 x 1 Flamengo - Decisão Taça Guanabara - 1968



leia e escreva já!

BOTAFOGO, SERGIO AUGUSTO/ FLAMENGO, RUY CASTRO, O NASCIMENTO DA PAIXÃO NACIONAL

   Muito mais que bundas, samba ou cerveja, a grande paixão nacional é a bola. Em dois livros, com textos épicos, belas fotos e revelações emocionantes, o flamenguista Ruy Castro e o botafoguense Sergio Augusto ( um dos melhores críticos de cinema deste país, talvez o maior ), escrevem sobre suas paixões. Há uma foto de Didi, no livro sobre o Fogão que chega a ser pura obra de arte. Didi anda pela rua, terno e gravata. A esposa vai a seu lado e atrás dos dois, uma multidão de meninos caminha respeitosa e sorridentemente o "guardando". Didi acabara de dar mais um show no Maracanã lotado e voltava para casa a pé, no meio da torcida. A foto transmite a mesma impressão que nos causa a visão de uma pirâmide do Egito. A admiração pela arte de uma civilização perdida.
 Castro explica o porque do Flamengo ser o mais amado do Brasil. Paulistas rancorosos gostam de falar que o Mengo é o maior ( em torcida ) por causa do Rio ter sido capital e seus jogos correrem Brasil afora. Bem...o Flu veio antes, sempre foi elite e não se popularizou do mesmo modo. Why? O Flamengo nasce como time de remo em fins do século XIX. As meninas do bairro davam trela aos remadores do Botafogo e enciumados, os garotos do Flamengo resolveram fundar seu clube náutico. Nascia o Mengão. Na primeira travessia pelo mar alto eles se perdem e ficam dias à deriva. A população do Rio em suspense. Afinal todos conseguem ser resgatados ( por remadores do Botafogo ). Nascia aí a popularidade do Flamengo. Nacionalmente ela se fez porque logo na década de 10, com o futebol fundado no clube, o time passa a ser o primeiro a excursionar pelo nordeste. Quanto ao futebol, é verdade, o clube é cria do Fluminense. O Flu sempre fora do futebol e existiam jogadores do Flu que remavam pelo Flamengo. Quando os cartolas das Laranjeiras peitaram um jogador rebelde, todo o time do Flu se bandeou para o Flamengo e lá fundaram o futebol dentro do clube de remo. Não vamos esquecer que o esporte mais popular do Brasil entre 1880/1920 era o remo e o segundo era o ciclismo. Com um futuro que lhes traria Leônidas, Zizinho, Domingos da Guia e Zico a popularidade do Flamengo estava assegurada.
   A história do Botafogo é bem diferente. Ela começa com o muito aristocrático Botafogo de regatas e o "juvenil" Botafogo futebol clube. Na década de 40 os dois se unem e nasce o BFR, Botafogo de futebol e regatas. O clube de futebol é fundado por um bando de adolescentes, sendo o único clube do Brasil fundado por rapazes. É engraçado o tipo de nome que os jogadores da época têm: Olimpio Tavares Gomes, José Augusto Nunes Prado ou Oscar Smith-Clifford. Era a mais fina flor da aristocracia que jogava bola. Fora o Vasco da Gama, o patinho feio que tinha até negros no time. O Botafogo é logo visto como clube para poucos, de gente "diferente", intelectuais, desajustados e nobres decaídos ( os rivais dizem que é um clube para masoquistas ). Pouca gente sabe que é o Botafogo o clube que mais cedeu jogadores para a seleção nacional, dentre a lista imensa Garrincha, Gerson, Amarildo, Heleno, Jairzinho, Paulo César Caju e Nilton Santos. Clube que "faliu" várias vezes e que sempre renasce.
   São dois livros que se lê com sorriso nos lábios e um prazer idêntico ao de se ver um bom jogo. Times que deram alegria a todo uma nação, histórias de fundação que se movem entre a saga e a anedota. Mesmo não sendo flamenguista ( fui "Zico" de 1976 até 1983 ), ou botafogo ( tive uma admiração pelo fogão na mais tenra infância ), são duas leituras obrigatórias para quem gosta do jogo. Mais, para quem gosta de história.

O MAR, O PSICANALISTA E A MUSA

   Aqui vão três perfis de três pessoas, hoje pouco conhecidas, mas que tiveram importância fundamental não só pra mim, como pra um monte de gente da minha geração.
   Arduino Colasanti nasceu na Itália, mas isso é só um detalhe. Na verdade ele foi o primeiro cara a ficar de pé numa prancha no Rio ( no Brasil foi um salva-vidas de Santos que agora me escapa o nome... que injusto! ), era um cara culto, elegante, atlético, bonitão e boa praça. Juro que é verdade, ele existe e namorou todas as mulheres que valiam a pena. E algumas que nem valiam. Foi um dos maiores símbolos sexuais do país, num tempo em que isso não era uma profissão.
   Mas ele gostava mesmo era do mar. Nadava imensas distâncias, pescava ( era amigo dos velhos pescadores ), jogava volei, frescobol, futebol na areia e nas horas vagas namorava. Arduino veio pro Brasil em 1948, aos doze anos. Sua irmã, Marina, se faria uma das melhores jornalistas do Brasil. Ao chegar foram morar no Parque Lage, no palácio que lá existe. Eles eram parentes da Condessa Lage. Mas, cercado por todo aquele luxo suntuoso, o negócio de Arduino era fazer amizade com pescadores e viver de pesca e provas de natação. Ajudou a desbravar Búzios, Arraial do Cabo e Cabo Frio. Entre seus alunos de natação houve um tal de João Gilberto. Outro que Arduino ensinou foi Paulo Francis. Também apresentou Búzios à Brigitte Bardot, e disso ele se arrepende pois não podia adivinhar o que iria acontecer com a praia que ele tanto amava. Ele era o tipo de cara que se lhe cortassem a luz por falta de pagamento, acenderia velas e tudo bem. Um hippie anterior a invenção da palavra.
   Em 1966 se tornou ator. Não que quisesse, mas um de seus amigos de praia era Nelson Pereira dos Santos e ele achou que Arduino seria um bom tipo para seu novo filme. Depois desse ele fez mais 36 filmes, sempre achando que o próximo seria o último e nunca pensando que aquilo fosse uma carreira. Foi o primeiro ator do Brasil a fazer nú frontal em cinema e se tornou depois escafandrista. Foi em 1977, quando ele cansou do cinema e se mudou pro Maranhão. Foi viver num saveiro. Mas em 79 já voltava pro Rio. Desde então, fez algumas participações em filmes, rodou documentários sobre a vida marinha e deu aulas de mergulho para uns poucos. A grana da familia se foi faz tempo, mas Arduino não se importa. Viveu onde desejou viver, namorou as melhores mulheres, nunca precisou obedecer alguém.
   Vendo-o hoje, um senhor idoso, a pele marcada pelo sol, os olhos azuis ainda sonhadores, o que posso sentir é prazer. Prazer em ver em Arduino que a vida ainda pode vencer, que a liberdade pode ser possível e que o desejo é imperador. Na voz daquele velho do mar há alegria, paz, sentido.
   A segunda figura é um dos mais surpreendentes super-stars dos anos 70/80, Eduardo Mascarenhas, um psicanalista. Se tive ou tenho algum interesse por psicologia, ela se deve a antológica entrevista que ele deu à Playboy em 1980 ( quando a Playboy era a Playboy ). Ele, naquele tempo, era figura presente em todo canto, TV, jornal, rádio e principalmente festas, restaurantes e Ipanema. Eduardo era abominado por seus colegas, era chamado de charlatão, egocêntrico, anti-ético. Isso porque ele quebrava vários tabús ( num tempo em que eles eram todos quebrados ), Eduardo encontrava clientes na praia e conversava com eles. Dizia que no consultório era o psicanalista, na praia era um homem. Aliás essa era uma de suas frases: psicanalistas são humanos, vivem e sentem desejo. Tanto desejo que ele se casou com uma ex-paciente, Christiane Torloni, na época uma das mulheres mais gostosas do Brasil. Talvez ainda seja. Mas as más linguas diziam que ele namorava todas as pacientes....
   Houve uma época em que ele recebia em seu consultório: Arnaldo Jabor, Caetano Velloso, Francisco Cuoco, Daniel Filho, Gilberto Braga, Glauber Rocha, Cacá Diegues, Sonia Braga.... seu consultório era em Botafogo, na Visconde de Pirajá.
   Ele dizia que era tudo inveja, inveja e medo. Medo do que ele falava. Em 1980 ele e Hélio Pellegrino foram expulsos da SPRJ ( Sociedade Psicnálitica do Rio de Janeiro ) por falarem a verdade. Eduardo disse que 90% dos psicanalistas jamais se dera ao trabalho de ler Freud, que no Brasil era imoral cobrar os preços que eram cobrados e que entre eles existiam até ex-torturadores. Um ano depois ele foi readmitido ( Eduardo fazia parte da Sociedade Psicanálitica de Vienna ). Nessa altura ele tinha programas na TV e pregava uma psicanálise carioca. Que psicanalista e psicanalisando não deveriam negar o fato de ser brasileiros. Ele queria sessões mais calorosas, carinhosas, vivas. Dizia que aquilo que Freud dissera, na conservadora e fria Vienna de 1880 era inaplicável ao Brasil. Que nossos medos e desejos eram outros e a forma de abordá-los tinha de ser radicalmente diferente. Mas ele próprio diria que nada há de mais conservador que um grupo de Freudianos e que qualquer mudança é sempre vista como charlatanismo. Infelizmente em 1997 um câncer o levou aos 54 anos. Ruy Castro diz que a influência e o carisma de Mascarenhas eram tão grandes, que até hoje tudo o que Arnaldo Jabor fala e escreve tem a marca de Eduardo.
   Se Ipanema dos 60/70 é marcada pelo prazer, e se eu estou escolhendo esses caras por entender que prazer é liberdade ( Arduino ) e inteligência criativa ( Eduardo ), a terceira vértice é a beleza, porque a beleza é o maior dos prazeres.
   Ionita Salles Pinto é até hoje minha noção de beleza feminina. Desde meus doze anos, quando comecei a reparar nela, em fotos de festas, fotos de viagens, fotos sensuais, e algumas aparições na TV. Ela era sensual, belíssima e acima de tudo dava uma sensação de saúde, de luxo natural, de saber viver.
   Filha de diplomatas, aluna do Sacre-Coeur, aos treze anos já era um avião. Com 14 teve uma filha, um filho aos 15 e aos 17 se separou do pai dessas duas crianças.  Só isso?
   Aos 16 ela fizera amizade com diretores de cinema e começara a frequentar reuniões da esquerda. Teve de pular um muro quando a policia entrou atirando. Ivan Lessa jura que ela era a mulher mais linda do mundo, fato que é confirmado por toda Ipanema de então. Ao se separar do pai das crianças, namorou Renato Machado ( o jornalista ), e Francis Hime. Em 1967, com vinte anos, foi pra Paris estudar cinema. Mas a saudade dos filhos a fez voltar e na festa de retorno conheceu Jorginho Guinle. A cantada de Guinle é histórica: " Ionita, eu tenho 52 anos e voce 20. Me dê dois anos de sua vida. Pra voce não é nada, pra mim é uma vida inteira". Ficaram sete anos juntos. Ela passa a frequentar o circulo de Guinle: os Rothschild, os Windsor, Marisa Berenson. Polanski. Uma vida de festas em Paris, Veneza, Londres, Cannes e Hollywood. Fez fotos com Richard Avedon e se cansou de tanto champagne. Em 1975 ela conheceu Antonio Guerreiro. Aí a relação foi o oposto da que ela tivera antes. Trancavam-se e ficavam dias sem sair. Antonio a fotografava obsessivamente. Milhares de fotos, milhares de poses não posadas. Em dois anos acabou.
   Depois ela se casou de novo, foi avó aos 35 anos, abriu uma loja e adaptada ao estilo dos anos 80, fez-se mulher de negócios. Ionita é símbolo da intensidade de uma geração.
   Essas três belas figuras são daquelas que vi de longe em minha formação. Arduino era o cara que eu ( e toda a torcida do Flamengo ) queria ser, Eduardo o cara que me ajudava com seus toques, e Ionita a mulher que eu pensava conhecer.

ELA É CARIOCA -RUY CASTRO ( A FILOSOFIA DO PRAZER SEM LUCRO )

   Prédios de quatro andares, um bairro onde todo mundo se conhecia. Tinha o clube mais exclusivo do Brasil ( o Country. Fundado por ingleses, 480 sócios desde a fundação. Sabia que um dos sócios foi um ex-campeão de Wimbledon? E que esse cara, chamado Bob é o fundador do Bob's ? Essa é a espécie de pioneirismo que digo ser nativa de Ipanema, foi a primeira lanchonete do Brasil. O Bob original a vendeu em 1979 ). A gente lê esse livro e fica sabendo do primeiro bar-do-Rio que existiu, esse tipo de bar que hoje em SP tem um em cada esquina,  aqui chamado de bar pra "gente bonita", gente tipo Ipanema, né? O povo lá era bonito, e bem educado. Ruy lista as escolas do bairro e quem estudou onde e com quem. Vai de diretores de cinema a jogadoras de volêi ( Jacqueline e Isabel, claro, do tempo em que vôlei era esporte de gente educada ). Lógico que é um povo da elite, privilegiados. Mas em Higienópolis também havia muita grana, mais até que em Ipanema, só que em Higienópolis, Pacaembu ou Morumbi se criou o que? Existe uma "Garota da Alameda Franca"?
   O Brasil era isolado, periférico e não tinha a menor vergonha disso. Não queríamos ser como Miami ou igual a Londres. Tudo bem, até tinha uma certa paixão pela França, mas os franceses da época queriam ser como o Brasil, o que igualava tudo. A gente olha pra música brasileira hoje e pensa: O que é isso? Deve ter gente boa, mas eu falo daquilo que toca no rádio, daquilo que vai ser a trilha sonora deste tempo. Tem como alguém dizer que a coisa melhorou? Não sou fã de Bossa-Nova, mas Tom Jobim, talvez o músico mais elegante do século, já dizia que o Brasil nunca mereceu a Bossa-Nova, que pra se entender a BN tem de se ter uma namorada e andar de barco. Eu sempre senti isso. Que Ipanema era um tipo de Brasil ideal, um país platônico, belo, inteligente, limpo e engraçado. Não podia durar.
  Ipanema de verdade dura de 1950 até 1968. E com muito boa vontade dá pra esticar até 1979. Depois é o crime, a especulação imobiliária, a droga pesada, a pura barbárie. O começo em 1950 : Reuniões em casas abertas a noite toda. Amigos que iam às casas de outros amigos, coisa de cem pessoas, e ficavam bebendo, ouvindo música a noite toda. Depois iam para a areia dormir. Nessas reuniões de uma juventude ociosa e ansiosa, nasciam planos de fazer musica, cinema, teatro e Tv, ou carnaval, revistas e viagens. Daí vieram alguns botecos, alguns bares, e depois as primeiras lojas. E o sucesso. Ipanema se torna a praia mais famosa do mundo. O fim em 1979: a tanga de Fernando Gabeira e o Circo Voador. Gabeira, guerrilheiro perigoso, volta do exílio. Uma multidão vai o esperar no aeroporto. Ele surge de pantalonas coloridas, camiseta justa e se dizendo bissexual. No dia seguinte está em Ipanema com uma microsunga de croché lilás. Ao mesmo tempo o Circo Voador era construído pelo pessoal do ASDRÚBAL TROUXE O TROMBONE. A trupe havia crescido tanto desde 1974, que montaram uma tenda nas areias de Ipanema e abriam a coisa das sete da manhã às onze da noite. Shows, peças, capoeira, aulas, tudo que fosse criativo e alegre. Logo foram despejados. A Ipanema de então, 1979, eu já me recordo. O verão de 79 para 80 foi talvez o mais alegre da história do Brasil. Basta pensar nisso: os exilados voltavam, as revistas eram agora sem censura, filmes liberados, um otimismo pleno de que tudo seria bom pra sempre, a onda da saúde e de se "transar o corpo numa boa", surf e skate começando a virar moda, era instituída a "psicanálise tropical" por Eduardo Mascarenhas, sol sem medo de câncer de pele, droga só maconha, Joãozinho Trinta e uma onda de musicas "desencanadas" e programas de TV criativos e sem nenhuma vergonha. Mas o melhor de tudo: o Brasil criava, copiava muito pouco. Foi um verão em que me entupi de Jorge Ben e de Moraes Moreira ( em 1984, meu ano mais snob, morreria de vergonha desse verão ), de praia com Coca-Cola e de Carnaval ( até hoje recordo a Portela daquele ano ). A gente sentia um puta orgulho de ser do Brasil. E ainda dava pra saber que todo domingo tinha Zico, Júnior e Adilio jogando e se eles jogam o prazer tá garantido. Se hoje a palavra chave é SUCESSO, em 1979 ela era PRAZER.
   E ainda agora me dá uma estranheza quando algum amigo me pergunta o porque de eu fazer tal coisa. Jamais me passa pela cabeça que alguma coisa deva ser feita para se ter sucesso. As coisas são feitas por prazer, não é? O sucesso é fazê-las tendo prazer, não? Essa filosofia, tão estranha para os filhos dos anos 80 é básica para os que não negaram 1979. Ruy Castro é de 1969, ele sabe disso. A vida não é para se fazer alguma coisa com um objetivo de ganho. O ganho real é fazer por prazer. Isso era Ipanema.
   É um prazer ler então os perfis desse povo que fez esse momento de brilho. Tom, Danuza Leão, Daniel Más, Arduino Colasanti ( esse é meu ídolo ), Domingos Oliveira, Leila Diniz, Arnaldo Jabor, Eduardo Mascarenhas, João Saldanha, Gerald Thomas, Carlinhos, Elizabeth Gasper, Vinicius, Rubem Braga, Paulo Francis, Cazuza, e mais 300 nomes de artistas, pescadores, bares, boates, lojas, esquinas, gatas, gatos e gaiatos. Uma festa, nossa Paris anos 20, nossa New York anos 50.
   Um tesão de livro, e se voce quer ter prazer, leia com vagar, ao sol, com um chopp do lado, uma musiquinha de fundo, e uma menininha, bonitinha, passando bronzeador. É um livro inútil, sem objetivo, sem nada de ambicioso, meio bobo. Mas e daí? Ele é bonito e é um prazer. Entendeu?

Asdrúbal Trouxe o Trombone



leia e escreva já!

RIO

   Quem tem menos de quarenta anos vai achar esquisito, mas o Rio pra mim será sempre lugar de aristocracia. A cidade onde as pessoas são mais educadas, mais interessadas em arte e onde se valoriza mais a educação e a beleza da vida. Eu sei, sei que estou errado, mas essa é a cidade que existiu até 1982, juro que é verdade!
   Mas o mundo muda, as coisas pioram e melhoram e o Rio mudou porque o Brasil mudou. Estou relendo "Ela é Carioca", pra mim é o melhor livro do Ruy Castro, uma enciclopédia, com verbetes e tudo, sobre Ipanema, e só Ipanema. Eu cheguei a conhecer o fim dessa idade de ouro carioca, e ler esse livro me dá uma grande alegria e ao mesmo tempo uma sensação de que aquilo tudo foi um sonho, nada de verdade. Caraca, eu tou ficando velho!
    Todo mundo queria ser carioca nos anos 70, tanto queria que quem não podia odiava o Rio com uma paixão de amante cornudo. Namorar uma carioca era ser invejado por todos os amigos. Passar um fim de semana lá era in e todas as girias elegantes nasciam em Ipanema. Assim como a moda. Da Company à Richards todas as marcas bacanas vinham daquelas areias. E que moda!!!! Muita pele morena, muito cabelo queimado, muito adereço, muita roupa branca e nudez total. Um verão que era pra sempre. Séculos antes de sertanejos, calypsos e axés, música nascia no Rio, seja samba, bossa, romântico e até rock. São Paulo tinha Rita Lee e a Bahia tinha um monte de baianos...que moravam no Rio.
    O que mais sobressai, e Ruy fala disso, é que havia um culto à beleza. Um hedonismo saúde total. Todos queriam ser bonitos, queriam coisas bonitas e belo era a saúde, a pele escura e um jeito de leveza natural. Sem maquiagem, sem retoques, sem remédios. Daí o culto ao Rio, a praia, a nudez sem operações e botox. Indios civilizados. Luxo, calma e muita volúpia.
   A gente acreditou naquilo tudo. Lembro de carnavais em que senti estar no melhor lugar do universo em todos os tempos. Que o Rio era o exemplo do máximo dos máximos. Muita alegria, muita festa, e tudo muito free. Dava pra crer na felicidade, que é muito mais que alegria. E como toda aristocracia, o Rio tinha centenas de duques, condes e rainhas. Gente que parecia nunca trabalhar, cujo único motivo de vida era ser "carioca". A anos-luz da influência protestante do trabalho-como-dignidade-humana, ser um come-dorme era motivo de orgulho. Playboys detonando dinheiro, deslumbradas queimando heranças... e daí? Como esse povo era bonito!!! E como se vestiam bem!!! Era um despojamento chique, uma simplicidade equilibrada que dava dor de cotovelo em paulistas e gaúchos.
   O Rio tinha a praia e não precisava mais nada. Milênios antes dos arrastões. Sol e choppe e carnaval e reveillon ( ainda se falava muito francês ), e ainda o deboche e o domingo no Maracanã. A vida como a arte de se brincar e rir de tudo.
   Mas veio a década de 80 e a coisa quebrou. O medo do sol, o medo da favela, o medo da aids, o medo do desemprego, o medo de ser ridiculo, o medo do medo. O feio então se tornou um bem, o sério se fez confiável e o que era bonito se fez inutil. A aristocracia morreu ou foi relegada a papéis de palhaços. Desandou o Rio, desandou Ipanema, e o Brasil passou a ter sonhos mesquinhos, o maior deles o de ser Miami.
   Este livro, que é mágico, lindo, colorido, eufórico e belo é uma ode de amor a Ipanema, ao Brasil, a tudo.

A ALMA DE UMA CIDADE- RENATO SÉRGIO ( O RIO DE JANEIRO FOI UM DIA LINDO )

  O Rio existiu ou não? Dizem que existiu, dizem que se foi por volta de 1980...
  Renato dá aulas de carioquice e escreve aqui uns capítulos em que se elogia a preguiça, a safadeza inocente e bem-humorada, a amizade, o talento, e os botecos cariocas ( botecos que em São Paulo são moda e centro de caretice explícita ). Renatinho fala de Jardel, de Irene, de Leila, de Clovis, de Joãozinho, de Carlinhos, de Walmor, de Fernando, de Di, de Vinicius, de Paulinho... Renato escreve em bom carioca: frases cheias de malandrice, de cor, de rebolado, de ritmo, de sabor apimentado. São frases curtas, diretas, espertas, solares, quentes, risonhas, tesudas, orgiásticas.
  O Rio foi um paraíso idilico. Acabou em droga-lixo e roubalheira. O Rio foi inocente. Não pense que na malandragem cafa do Rio de sempre havia o embrião daquilo que ele é agora. Não. O que havia era inocencia, a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro foi vitima fácil, porto para o aporto de parasitas que nada sabiam de malemolencia e sorrisos amigos da onça. Renato sabe e diz.
  Havia uma doce sofisticação nobre por lá. Uma doce falta de ambição. Entre ganhar mais um milhão e jogar um frescobol a escolha era sempre pela praia. Entre gravar mais um disco e namorar a menina era sempre namorar a menina. E tudo isso entre ruas que eram amigas de amigos e de meninas sozinhas em fins de tarde de barquinhos e de beijinhos que haviam de ser dados. Não havia melhor lugar no mundo pra morar que Ipanema.
  Mas esse Rio se foi. E o carnaval virou competição. E o samba virou funk. A bossa se fez pornografia. E o Rio, ilhado, sufocado, desamado, tornou-se o bode expiatório do Brasil.
  Renato escreve bem pacas. E seu livro é bom a beça. Valeu!

GINGER ROGERS/ JAMES WHALE/ OTTO PREMINGER/ RIO/ XAVIER BEAUVOIS

MÃE POR ACASO de Garson Kanin com Ginger Rogers e David Niven


Como ator coadjuvante Niven é excelente, mas não se segura como ator romântico central. Ginger está esperta e sexy como sempre, mas Niven não lhe faz contraponto adequado, além do que, Garson Kanin sempre foi bom escritor, mas nunca bom diretor. Um filme que tinha tudo para brilhar, decepciona. Nota 4.


HOMENS E DEUSES de Xavier Beauvois com Lambert Wilson e Michel Lonsdale


Primeiro uma explicação: eu não escrevo sobre os filmes que desejo escrever aleatoriamente. Escrevo sobre os filmes que assisti naquele período. Portanto, são estes os filmes que vi nos últimos dez dias. Este é um filme que irritará os preconceituosos ( parece ser o caso da Veja, que o taxou de anti-islã ). Bobagem! É apenas um filme que admira a fé e a coragem de religiosos católicos que não abandonam região islâmica onde correm perigo. A França tem essa tradição: é país de imenso ateísmo e ao mesmo tempo é berço do catolicismo mais puro. Beauvois e Bruno Dumont tentam ser os Bresson/ Rhomer de agora. Não conseguem. Digamos que este é um filme simples. E bastante sincero, portanto, corajoso. Só isso. Nota 5.


O RETORNO DE TOPPER de Roy del Ruth com Roland Young, Joan Blondell e Carole Landis


Moça é assassinada e seu fantasma é ajudado por Topper, o senhor simpático e simplório que consegue ver as almas do além. Comédia dos anos 30: ou seja, sem medo de ser feliz. É a terceira continuação do sucesso de 1937. Longe de ser tão divertida quanto a original, mesmo assim é um passatempo agradável. Nota 6.


THE OLD DARK HOUSE de James Whale com Melvyn Douglas, Charles Laughton, Boris Karloff, Gloria Stuart


Que grande diretor era Whale!!!! Para quem não se lembra, é ele o assunto de Deuses e Monstros, o belo filme de Bill Condon. Homossexual assumido e nada discreto, foi ele o criador do Frankenstein original. Aqui ele conta a história de grupo de viajantes que se abriga em casa misteriosa. Lá vivem um senhor misterioso ( e obviamente gay ) uma velhinha hilária e tétrica ( um personagem genial ) e trancafiado num porão um louco piromaníaco ( outra criação genial ). O filme é assustador e ao mesmo tempo é assumidamente hilário. Whale subverte tudo, seu cinema estava antecipando os anos 70. Lembra De Palma e lembra Mel Brooks. Gloria Stuart está sempre em negligé branco, longa, magra e sexy, e Laughton faz um balofo e alegre jovem playboy. O filme, todo feito em casa escura, suja e úmida, é soturno e ao mesmo tempo animado, vivo, alegre, pleno em criação. Para amantes de cinema é uma festa. Nota 9.


A CASA DOS MAUS ESPÍRITOS de William Castle com Vincent Price


Castle era o picareta rei dos drive-in ( cinemas para ver filmes dentro do carro ). Isto é uma bobagem sem clima, sobre festa em casa assustadora. Foi refilmado em 2000. Uma chatice. Zero.


O GATO PRETO de Edgard G. Ulmer com Bela Lugosi e Boris Karloff


Em termos de cortes e angulos de filmagem é de absoluta modernidade. Ulmer, recém vindo da Alemanha, traz o tipo de cinema de Lang e Murnau consigo. Décors cheios de arquitetura modernista ( à Bauhaus ) e figurinos futuristas. Mas há tanto exibicionismo aqui, o clima é tão opressivo ( Nazi ) que assistir a este filme é um quase sacrificio. Nota 1.


CZARINA de Otto Preminger com Tallulah Bankhead, Anne Baxter e Charles Coburn


Lubistch produziu e não dirigiu. Uma pena. Com Lubistch o filme ( sobre a sedução que Catarina, a Grande, da Russia, impõe a tolo soldado patriota ) seria leve e borbulhante. Com Preminger ele é travado. Os primeiros minutos prometem um filme delicoso, graças a excelencia dos diálogos, mas ele emperra nas cenas de sedução. O jovem soldado é feito por ator inexpressivo e chega a dar raiva sua falta de tato. Tallulah, mito do teatro americano, está ok. Preminger foi excelente em policiais e em dramas de denúncia, em comédia lhe falta convicção. Nota 4.


RIO de Carlos Saldanha


Longe da poesia sublime de Wall.e ou da riquesa de Ratatouille, este é mais um bom desenho desta era de bons desenhos. Ter preconceito contra cartoons hoje é não querer ver o óbvio: eles são mais sérios que 99.99999% dos filmes pseudo adultos. Falam do que importa e não têm medo de tentar. São pop e são sinceros. Em 2100, se alguém ainda estudar cinema, os anos 2000 serão lembrados como era de desenhos. Divirta-se!!!!! Nota 7.