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PINHEIROS

   Pinheiros sempre foi sujo. E todas as minhas lembranças antigas são em chuva ou garoa. O frio cortante do fim de tarde em que meu pai trazia um autorama debaixo do braço. O ônibus lotado e ele se equilibrando de pé. Eu achando que fosse ele o cara mais forte do mundo e uma ansiedade doida para chegar em casa logo e poder brincar. Cômicos ônibus de então que tinham janelas pequenas e anúncios pregados nas paredes. O cobrador passava com bilhetes nas mãos, a gente tinha de comprar e depositar esses bilhetes nas mãos do motorista ao sair.
   Chuva na Teodoro Sampaio e eu ia com a familia comprar um fogão vermelho na loja Gabriel Gonçalves. Mas lembro agora, mais antiga é a lembrança de meu primeiro surto de "jovem aristocrata". Eu insisti em ter luvas brancas e obriguei minha mãe a andar por ruas e ruas atrás das luvas brancas. Ela achou. Comprou e eu nunca as usei. Em 1973 meu pai comprou um bar na esquina da Teodoro com a Cunha Gago. Perto tinha a loja Yaohan, uma tentativa dessa rede do Japão de criar raiz por aqui. No telhado tinha um parque com escorregadores. A Big loja vendia de roupas a perfumes. Um tipo de Mappin. Lá comprei meu primeiro LP: Caribou do Elton John. A loja durou até 1980. Hoje no lugar tem uma coisa feia pacas que nem sei o que é. 
   Estudei em Pinheiros, no Objetivo. Fui da primeira turma. Era uma escola, só durante esse primeiro ano de funcionamento, mágica. Poucas classes, os alunos e funcionários tinham uma cumplicidade de "coisa pequena". Após as aulas ficávamos o resto do dia jogando volei lá dentro. Me apaixonei pela Aninha e descia do ônibus na rua Pinheiros só para ver ela sair de sua casa. A seguia de longe, incapaz de falar com ela. O Objetivo era na Ferreira de Araújo, eu a seguia por quarteirões. Por dias. Acho que nunca gostei tanto de alguém. Foi por ela que comecei um  diário. O impulso era o de guardar a lembrança daqueles dias "gloriosos". Amor puro é diferente. Eu era feliz e sabia que era. Mesmo sem falar com ela. Poder me sentir amando, era esse o grande objetivo. E eu a amava, tinha porque viver.
   Matava aula em fliperamas. O maior era na Faria Lima, no Cal Center. A Faria Lima tinha botecos ainda. E era uma avenida larga e curta. Terminava logo após a esquina com a Cidade Jardim. Sim, era isso mesmo! De súbito a avenida terminava, alguns sobrados obstruiam a avenida. Um deles era o Regine's, uma boate cor de rosa choque. Pinheiros na verdade era um tipo de vila. O Iguatemi, pequeno, recebia só gente que se conhecia. Moradores próximos. Lembro que eu via as mesmas caras nos cinemas e nas lojas. Tinha mãe que usava o shopping como quintal, os filhos pequenos passavam o dia lá.
    Minha mãe fazia ginástica todo dia na Silhouette, que ficava quase em frente ao shopping. Eu às vezes a esperava na rua. Fazia hora nas ruas que cruzam a Gabriel. Adorava ver a saída do colégio inglês, me alucinava com as meninas de saia xadrez e gravatas vermelhas. Lindas!
    Veio então uma fase chata no bairro e chata em minha vida. De comprar discos no Eric e de andar mal humorado pelas ruas. Tive uma banda ridicula que ensaiava na Fradique Coutinho. Era um caos sem graça. Fazíamos new wave em tempos de no wave. 
    Esse bairro que lembro existe. Ao contrário do Itaim Bibi, Pinheiros pouco mudou. As ruas que andei são em 2013 o que foram em 1983. Talvez mais cheias, muito mais sujas, mas as casas e as lojas estão de pé. O que mudou mais fui eu que não consigo mais amar por amar e correr atrás de Aninhas que não sabem quem eu sou. O amor tem hoje para mim sempre um objetivo de ganho, um alvo. A felicidade de ser feliz por estar amando, sem me importar com o que acontecerá depois, isso morreu em mim.
    Espero que os moleques de Pinheiros, eles que estão soltos por aí, preservem esse dom de amar à toa, de se atirar sem razão, de sentir e não pensar "pra que". Que eles saibam que é esse o paraíso e que a serpente se chama "querer ter".