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O GRANDE BAZAR FERROVIÁRIO- PAUL THEROUX

Autor do "Costa do Mosquito", Theroux é um dos autores americanos centrais dos últimos trinta anos. Este livro, escrito em 1973, publicado em 75 ( no Brasil em 2005 ), conta a viagem de Paul através de Europa, Oriente, Indochina, Japão e finalmente, Sibéria. Tudo de trem, pois o grande objetivo dessa viagem é o trem, a sensação da viagem por trilhos, por estações em cidades pequenas, o desfilar das paisagens pela janela, os contatos travados com seus companheiros de trip.
A viagem pra valer começa na Turquia. E logo aí, percebemos o ponto central do livro: o narrador é extremamente crítico, suas decepções são constantes. Da Turquia fica a imagem do mítico Trans-Europe Express, agora sem seu luxo de outros tempos, a imagem de um país confuso, hostil, cheio de "jeitinhos". Ele cruza depois o Afganistão, país que ele diz ser uma ficção, um sub-país ( o livro é de antes do politicamente correto. Theroux chega a chamar um país de "verme do mundo" ).
O melhor trecho do livro ( e mais longo ) é sua viagem por Paquistão, India e Ceilão. As coisas que são descritas chegam ao absurdo pleno e total ( " A India é uma ficção " ). Delhi como cidade que cheira a dinheiro, Calcutá como sordidez sem fim, a fome devastadora, a ganância, os rituais absurdos, a religião sem sentido, crianças se prostituindo, aleijados, esmolas. Voce lê e sente tudo aquilo. Cores, barulhos ( nada é mais barulhento que um indiano ), odores.
A visão de mundo de Theroux é hiper-americana, então vemos o quanto ele julga tudo o que vê em lentes e balança ocidental. Comparar sua visão sobre a India com aquela de Octávio Paz é comparar duas visões completamente opostas. O americano está sempre procurando conforto, comida boa, e indagando o por quê de tudo aquilo. Paz simplesmente mergulha na India. Não julga nada.
Mas eu logo começo a perceber o quanto o mundo mudou de 1975 para cá. Coisas hoje normais ainda o chocavam então. Paul Theroux se surpreende com prostitutas infantis e com a mania oriental do suborno. Para se conseguir qualquer coisa tem de se pagar por fora. Chegamos então a Singapura e outra idéia surge: o mundo do futuro ( que é nosso mundo de hoje ) foi inventado no Oriente. Se voce agora, 2011, quiser saber como será o planeta em 2031, ande por lá.
Em Singapura ele fica revoltado com a mania de receber noticias, correio e propaganda via fax. Ele vê nisso invasão de privacidade, transformação do privado em público, asfixia do original em cada um, conformidade ao todo. Singapura exala dinheiro e controle. As pessoas são presas por pisar na grama, são torturadas por jogar lixo na rua, e o governo, totalitário, vive em função do turista americano, de se fazer uma ilha da fantasia para quem vem de fora.
Chegamos ao Vietnã. Recém saído da guerra. Paul se encanta. Vê as paisagens mais lindas da viagem e percebe que todo o país é um imenso bordel. Tem uma revelação : ao contrário do que faziam Inglaterra e França, os EUA em todas as suas guerras jamais desejou colonizar um país. Os EUA nada constroem de sólido nos países invadidos, nada tentam implantar de definitivo. As guerras americanas são punições a quem não se comportou bem. Guerras descartáveis, irresponsáveis, sem nada de planejado.
Vem o Japão, e é aí que o choque se completa. Apartamentos minúsculos ( hoje não nos chocam mais, se espalharam pelo globo ), trens que correm demais e mal param nas estações, e um povo que corre ao futuro, mas que jamais deixa de ser como no passado. Quadrinhos de sexo e sangue, shows de sexo com tortura e mutilação, a tara por lâminas e por meninas. O japonês assistindo pornografia sem parar, bebendo sem parar, consumindo sem parar. E ao mesmo tempo parecendo calmo, antigo, familiar, tradicional, caseiro. Em 1975 nosso universo de 2011 todo já presente lá. Metrôs cheios, ruas onde ninguém se fala, a solidão em calçadas repletas. E máquinas que fazem tudo e acabam dirigindo a rotina da vida.
E a Sibéria, com sua paranóia pura, lugar mais deprê do mundo, álcool para poder aguentar.
Theroux passa ainda pelo Irã antes da revolução ( época do Xá ) e pelo Sri Lanka com sua fome inimaginável e suas milhares de religiões. O inacreditável Calcutá, sexo bizarro em todo canto.
Ele se choca com o fedor de todo o oriente, com gente nua nas ruas, com crianças sem pais. E ao mesmo tempo com a falta de cheiro do Japão, com uma mulher elegante que recolhe a sujeira de seu cão na rua ( invenção japonesa ), com o vazio absoluto de uma sociedade onde tudo funciona com rapidez.
É um livro delicioso, nervoso, moderno, pegajoso, quente. Paul Theroux sabe escrever e sabe ver.