Mostrando postagens com marcador orhan pamuk. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador orhan pamuk. Mostrar todas as postagens

EM SÃO PAULO À MODA DE ORHAN PAMUK

   Escrevo agora sobre minha cidade à moda de Pamuk. Istambul NADA tem a ver com São Paulo, mas tem muito a ver...
  A ruptura em SP não se deu com a perda de um império. Foi a perda de uma ilusão. A cidade cresceu na ideia de ser uma filial europeia em meio a falta de estilo e de elegância brasileira. SP negava o Brasil. Não se pensava negra como a Bahia e nem tropical como o Rio. Também não era fechada entre montanhas como Minas e nem caipira como era o sul do país. SP sonhava ser Milano.
  Esse sonho se desfez a partir da década de 70. Os negros saíram da periferia e tomaram o centro da cidade e depois os bairros mais classe média. As favelas cresceram e então veio a imensa onda vazia que baixou sobre a cidade. SP não era Milano. Nem Napoli dava pra ser. SP era Brasil.
  Mas não é. Porque o Brasil também se "esvaziou" com SP. E se Istambul vive na tristeza de não ser Europa e não poder voltar a ser Império Otomano, o Brasil vive o pesadelo de não ser Europa ou Miami, e ao mesmo tempo ter deixado de ser Brasil.
  O que era então esse Brasil?
  Sigo os passos de Pamuk: Como ele, eu também sinto fascinação pelos restos da São Paulo de 1920 até 1960. O pouco que ainda vive de uma cidade que era dividida entre os ricos muito chiques e os pobres bem caipiras. Nesse mundo perdido, o mundo brasileiro, eu respiro em paz e feliz. E penso que todo brasileiro traz dentro de si esse ser que sente melancolia por alguma coisa que se deixou perder.
  Um mundo feito de muita preguiça, sem hora pra voltar pra casa. Mundo de botecos onde todo mundo sabia o nome de todo mundo e onde se tinha crédito na caderneta. Mundo de macumba, de igrejas em festa, de fogueira e de namoros no escuro das ruas. Rádios ligados alto, jogo do bicho, cães vadios e vendedores de bijú. Papagaios no céu, bolinha de gude e futebol de capotão. Pescarias e sono na rede. Café e bolo de fubá. Um Brasil longe do Brasil de hoje, longe da Europa e dos EUA, longe de qualquer pretensão a ser protagonista. Portanto, sem ansiedade.  
  Hoje o que vemos é um país perdido numa briga que não é dele. De um lado os PC e de outro os Reacionários. Uns querem uma ideologia de esquerda à americana, ou seja, politicamente correta e libertária; os outros querem a preservação de algo que eles nem sabem o que é: família e religião.
  Ambos não entendem que o que eles precisariam era reencontrar o modo brasileiro de viver. Entendam, modo de viver, de sentir, de querer; não falo de um isolacionismo bobo e burro, falo de alma, de costume de deixar ser. Consumir filmes americanos, rock inglês, livros japoneses, mas saboreando tudo ao modo brasileiro, o modo lânguido, meio ingênuo meio malicioso, o jeito brasileiro de ser.
  Então não me interesso por essas ruas e esses prédios que são cópias mortas de coisas de segunda do primeiro mundo. Me interesso por aquilo que SÓ EXISTE AQUI. A entrada daquela padaria ( padaria que era uma coisa que só aqui existia ), o jardinzinho daquele sobrado, os 4 andares daquele hotel derrotado e sujo, o sabiá sobre o ipê. Recantos de uma cidade que não é Istambul e não é Miami nem Sevilla. Lugares como Engenheiro Marsillac, a Serra do Mar, a Cantareira, as ruas esquecidas de Pinheiros, da Lapa, do Brooklyn ou da Vila Mariana. Ruas que só existem aqui e não em Londres ou em Montevideo.
  Meu ódio por SP é proporcional ao amor por essas ruas.

ISTAMBUL - ORHAN PAMUK

   O oriente e sua melancolia, o ocidente e sua ansiedade. A Europa e sua fascinação pelo UM, pela verdade e pela ordem, o oriente e sua fixação no múltiplo, na multi visão.
 Orhan Pamuk anda pelas ruas de Istambul e conta sua infância. Anos 50, 60 e 70. Há uma estranha coincidência entre eu e ele: Pamuk, como eu, sente a melancolia pairando sobre uma cidade que perdeu sua alma. Istambul foi sede de um império e desde sua perda, nos anos 20, decai sem parar. As pessoas tentam imitar a Europa, lutam por se sentir europeus, mas tudo o que conseguem é ser um vazio, nem otomano e nem ocidental. No começo do livro o jovem Orhan é como os ricos de Istambul são, europeus no visual, otomanos derrotados na alma. Ele mata aulas e anda pela cidade. E começa a sentir amor-paixão pela velha Istambul.
 Os palácios que viraram ruínas, as ruas dos pobres, sujas, confusões de casas que se desmontam e pedras em calçamentos antigos. Ruas escuras, mal iluminadas, pessoas desconfiadas. Orhan finge ser feliz, finge ser amigo, finge ser estudante, mas é um barco a deriva. Pinta, sonha, lê, e anda. Névoa, neve, frio, fuligem e o mar. A cidade dobrada sobre o mar, os navios que passam, a sujeira.
 Orhan se reconcilia com a vida ao entender que ele é aquela cidade suja. Que ele ama aquela confusão de ruas imundas. A pobreza. Mas não a nova Istambul, uma cópia ridícula de uma cidade europeia que nunca existiu. Um lugar feito para pessoas que fingem ser do ocidente e que assim jogam ao lixo seu verdadeiro ser.
  A linguagem de Orhan é tortuosa e seu Nobel em 2007 acaba por ser uma confirmação dessa crise. Hoje ele vive nos EUA, teve de sair de sua casa por ter sido ameaçado de morte. Para quem lê este livro, imaginar Orhan nos EUA é quase uma piada. Ou não.