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O ARCO E A LIRA- OCTÁVIO PAZ, O SIGNIFICADO DA VIDA

   Paz fala do que seria a poesia. Mas ao falar de poesia ele fala do poético. E poético é arte poética mas principalmente vida não racional. A vida é apenas razão? Se fosse apenas isso a Suécia seria o paraíso na Terra. Basta voce ver um filme suéco. Não é um paraíso. É um buraco. A Suécia exemplifica a armadilha da razão: A falta de sentido. É estranho isso! Sem a boa compreensão das forças irracionais, sem a sabedoria de se unir a razão à irrazão, o que resta na vida é o não-sentido. Psiquiatras agradecem. 
   Nosso mundo irracional tem três grandes forças: Amor, Religião e Poesia. Nada há de racional em nenhuma das três, e todas nascem da mesma fonte. A tragédia da modernidade é a de tentar eliminar ou racionalizar as três irrazões. O amor racional não pode ser amor. Se torna tédio, comodismo ou pior, sexo sem compromisso. A religião domesticada se faz politica. Pior que isso, uma farsa. A poesia racional anda em circulos. O poeta, envergonhado de sua irrazão, de sua "tolice", passa a vida analisando a poesia. Procura se justificar. Tenta fazer poesia util, verdadeira, científica. Se perde.
   Porque existem essas irrazões? A pergunta é outra: Porque existe a razão? O que ela nos dá de realmente feliz? Vida sem transformação não é vida. A vida é um tentar ser alguma coisa maior. Vivemos para tentar viver. Somos um nada a procura de Ser. Isso é o que nos define: Um ser em construção. Construção que nunca poderá terminar, se definir, ter um alvo. A razão não suporta indefinições. Ela precisa de clareza, de certezas. Uma pessoa muito racional ao se deparar com o incerto opta até mesmo pela morte. Ela não aceita o "não tem porque e não há explicação". O estado de desequilíbrio lhe e´insuportável por colocar em cheque suas crenças. A crença única no porque, na clara EXPLICAÇÃO. Causa e efeito, fora disso, a morte.
   No amor não existe causa e efeito. Como não há na religião ou na poesia. Porque? Não sei. Como? Não importa. No reino dessas verdades a única coisa que vale é a experiência transcendental, o "É". Para a razão é incompreensível. Logo, inexistente.
   A poesia luta por fazer a palavra voltar a ter sentido. Tenta, e muitas vezes consegue, fazer da palavra uma nova vida. Dar cor, sabor às palavras. Trazer o insuspeito à vida, já que vida é texto. A poesia tem o compromisso de tirar do leitor a certeza, fermentar dúvida, crise, fazê-lo caminhar. A grande poesia nos esvazia e em seguida nos prepara. Faz com que sejamos mais "eu mesmo". Um eu que logo se desvanece. Transcende. 
   Poesia contra técnica.
   Na técnica a palavra, como a vida, é humilhada. Assim como na prosa. O material vira uma coisa só. Perde sua pluralidade natural. Se torna útil. Assim, madeira é parte da árvore. Madeira será cadeira, porta ou lenha. E estará presa apenas a isso. Para sempre. No mundo poético, madeira pode ser um ser vivo. Ou uma canção. Madeira pode ser uma cor. Pode ser uma pista. Um enigma. Veja: Na vida da técnica, o homem é um bicho que pensa. Teia de células e de desejo, ele crescerá, decairá e morrerá. No universo poético o homem é um zilhão de possibilidades. De filho de deuses a vilão diabólico, de nada absoluto a louco vadio, de robot danado a estrela cadente, na poesia o homem é livre, é irrespondível e indefinido. Para sempre.
   Dante Alighieri era livre. Recebia inspiração e a traduzia em palavras. Nada fazia com que ele duvidasse dela. Aceito por todos, o poeta era um cidadão "útil", o homem que eternizava o momento, que cantava a vida. A partir da tomada de poder burguesa os valores se invertem. O burguês despreza o aristocrata. Vê neles o supra-sumo da inutilidade. Aristocratas não trabalham, não produzem riqueza, não suam e labutam no dia a dia. Pior, aristocratas vêem no burguês um tolo, um feio, um absurdo. Poetas são aristocratas. Poetas acreditam em destino, em inspiração. Poetas desprezam o tempo, o lugar, a produção contada e pesada. No mundo do valor que se vende, poetas são párias, vagabundos, inuteis. 
   Baudelaire é um maldito então. Onde Dante era um privilegiado, Shelley ou Rimbaud são bandidos. O poeta passa a brigar com sua inspiração. Tenta torná-la razão, fazer dela coisa util, coisa chã. Analisa a poesia, analisa seu ato, passa a chamar sua arte de TRABALHO. Nasce a bobagem de "90% transpiração"... Tudo para tentar ser aceito pelo burguês, pelo mundo da técnica, da venda, o mundo sem religião ( com igrejas ), e sem amor ( com sexo ). No lugar da poesia, prosa, muita prosa.
   A questão do livro é: Vale a pena viver sem o Sobrenatural? Um mundo feito apenas de razão, vale a pena? Paz nunca é ingênuo. Ele sabe que jamais voltaremos ao mundo de Dante. O Sobrenatural era um fato tão corriqueiro quanto respirar ou comer. Hoje precisamos lutar para fazê-lo existir. Se precisamos pensar e lembrar do Sobrenatural, isso mostra que ele não é mais cotidiano, foi banido e exilado. ( Tentamos lembrar dele em drogas, filmes fantásticos, aventuras arriscadas, visões do espaço mais distante ). Mas a questão é: Valeu a pena renegar o Sobrenatural?
   O que de maior e melhor pode ser obtido pela técnica e pela razão? Fácil responder: a vida eterna. Apaixonada por si-mesma, pelo EU, o único sonho da razão é não deixar de existir. Todo o desenvolvimento da técnica se reduz a isso, vencer a morte. A razão tem como único fim a sobrevivência de si-mesma. Pois a razão se volta "para dentro", conhece apenas aquilo que reflete o seu próprio ser. 
   O que existe de mais negativo para o eu-mesmo que o amor? Que a religião? Ou a poesia? 
   No amor nos damos ao outro e nos sacrificamos por ele. Na religião admitimos nada ser, nada poder e nada saber. E na poesia nos perdemos em simbolos, visões e sensações, saímos de dentro de nós e nos misturamos ao todo. Saiba ( E sei por experiência própria, sou hiper centrado ), a razão abomina se dar, ser humilde ou se deixar perder.
   Sempre desconfiei de pessoas que não toleram poesia. Este livro, magnífico, mostra porque.
   

A OUTRIDADE EM OCTAVIO PAZ, UM LIVRO DO CARAMBA!

   Todos os dias voce olha para a mesma rua e percebe a mesma coisa. Chega ao trabalho e faz as mesmas ações e tem pensamentos como os de sempre. Volta para casa com as mesmas sensações. E dorme tendo então os sonhos que desde sempre são seus. Mas um dia a rua lhe parece diferente. Aquela rua tão conhecida parece estranha. Assim como o carro e o trabalho. Voce percebe nas pessoas coisas antes não percebidas. Volta para casa e no espelho não reconhece mais seu rosto. Os sonhos serão outros. Voce está só diante do mundo. Absolutamente só. Eis o momento do salto mortal, da descoberta do outro, do conhecimento do vazio, do cair e ir adiante. É essa a outridade, mais que isso, é essa a condição verdadeira da vida. Nós não somos alguma coisa, não somos nem mesmo uma coisa, somos uma construção sempre sendo construída, somos o que seremos e não chegaremos a ser, somos um outro e nessa outridade somos tudo.
   Horror. A primeira sensação é o medo. Voce perde o ponto de apoio. As certezas se vão. O que era azul pode ser preto. O que era confiável torna-se enigma. Sem outra escolha voce dá o salto: Faz-se um outro e percebe que o homem é isso. Vem a felicidade inenarrável. Não somos uma cadeira, objeto que sempre será aquilo que é. Não somos um cavalo, ser que é sempre o mesmo. Somos um homem, um ser que nunca é, ele sempre será. Nesse momento de salto, nesse conhecimento do abismo e do nada, nascem três forças que guiam o ser: O amor, a religião e a poesia. Todas possuem a mesma origem, o nada e a mudança, cada uma age a seu modo. O amor reconhece o vazio e traz a mudança na forma de um encontro com um outro. Um outro que é a mudança que se faz em voce mesmo. A religião traz a elevação da vida e a anulação da individualidade na comunhão com algo maior que o ser, seja Deus seja o cosmos. A poesia traz a transformação do vazio em imagens, o nada se faz palavra, a experiência se traduz em texto, o texto será compartilhado pelo leitor que provará a experiência do autor. Em comum nas três, amor, religião e poesia, a estranheza perante o cotidiano, o horror original da não-fixidez, a transformação e o maravilhamento. O reconhecimento de que eu sou nada. Sou um outro. Que jamais será.
   O mundo da modernidade, aquele que nasce por volta de 1790, abomina tudo o que parece aristocrático. Ele ama o que é útil, o que trabalha em prol do todo. As coisas devem ter uma função, fazer parte de uma maquinária. Tudo deve ter um peso, uma realidade que possa ser avaliada e vendida. O que não se encaixar nesse maquinário será ignorado. Ou pior, será aberração. Será doença e com esse rótulo estará vendido.
   No amor, na religião e na poesia existe a inspiração. Um momento em que voce se deixa levar e faz, fala, age como nunca antes. Um outro surge em voce e o mais estranho é que esse outro "é mais voce que voce mesmo". Porque o sentido dessa outridade, dessa eterna mudança, desse salto mortal é o de fazer de voce cada vez mais voce-mesmo. Estranho: nesse salto para frente voce tem a sensação de voltar. Retorno a que? O tempo é abolido no amor, na religião e na poesia. Voce torna a ser o que foi. Mas esse passado nunca existiu. Forma-se um círculo: voce é seu amor, voce é Deus, voce é a poesia que voce faz mas que não é feita pelo eu de antes mas sim pelo novo-eu, um outro. Se a modernidade é uma reta rumo ao futuro, o amor, a religião e a poesia causam asco por serem círculos, negam a reta, se voltam para dentro, dão um salto adiante que é um retorno, vêem no futuro o passado que é presente. Sabem que a reta é uma armadilha que faz do homem um ponto da reta, um ponto que será fixo, acabado, pronto, util e esquecido.
   A modernidade irã chamar o amor de mero instinto de procriação. A religião de doença. E a poesia de sublimação. Rótulos que nada explicam. Apenas colocam um veredito e encerram o caso. Não importa o que é a poesia, o que não se explica é: como ela se faz. O que leva a mão a criar imagens, a fazer das palavras um instrumento de maravilhamento. Porque alguns "doentes" fazem poesia e outros nada fazem? Não seria o caso de se dizer que a vida "normal" é uma sublimação da poesia? Que a repulsa a religião seria a doença? Ou que o instinto sexual nega o amor?
   Houve um tempo em que a poesia era aceita como fato cotidiano. Dante recebia inspiração e naturalmente a aceitava. A questão era: como traduzir em palavras a inspiração? A partir da modernidade, pressionado pelo mundo utilitário, o poeta precisa justificar a inspiração. Ser um poeta deixa de ser um dom e passa a ser um problema a se resolver. O poeta se justifica. Toda a poesia moderna é uma justificação. O poeta tenta se explicar, se aceitar e ser aceito. Nega a inspiração, chama esse dom de "trabalho". Tenta ser um operário. Tenta transpirar. Nega a poesia.
   O mesmo se dá com o amor. Ele deixa de ser uma transformação e passa a ser uma conquista. A religião deixa de ser mistério sagrado e se faz regra de bem viver. Todas os três saltos mortais negam sua outridade, não propõe mais a transformação, passam a ser um tipo de pirotecnia do salto, um engodo.
   Neste mundo em crise, mundo tão frágil que nega a morte, a transformação e o todo, mundo que luta para ser claro, uniforme, planejado, o homem, esse ser em construção, ser que tem por condição a mudança, se vê sem amparo. Nega dentro de si o salto, a estranheza, o vazio e o nada. Com medo, foge daquilo que é na verdade a vida, a consciência do todo, de se ser um nada, um nada que luta para ser mais.
   Nascemos para nascer sempre. Nascendo morremos sempre. Somos a vida e somos a morte. Morremos todo dia, nascemos todo dia. Criamos, nos libertamos. E fazemos tudo outra vez. De outro modo, sempre. Sempre que é já. Que foi. Que será. E que passou.

OCTAVIO PAZ E O NOSSO "OUTRO"

   Entrei em minha primeira faculdade aos 20 anos. Era uma época em minha vida muito confusa. Lembro que eu amava Dostoievski, Heminguay e Philip Roth e era incapaz de ler poesia. Tinha a certeza absoluta da inexistência de Deus e exibia uma imensa arrogãncia ao dizer que o homem nada mais é que um erro da natureza. Mas em meio a todo esse narcisismo, eu me traía. Delirava em viagens psicodélicas, mergulhava na música de Mozart e tinha uma profunda comunhão com o mar. Havia uma contradição em mim. Eu vomitava frases de certeza e de não-transcendência, mas vivia em busca de transcendência e de encontrar aquilo que não tinha. Só e muito infeliz.
   Então escrevi na primeira aula de Português uma redação que deixou a professora impressionada. Ela havia posto o Bolero de Ravel para tocar e havia pedido para escrevermos sem pensar, sob o efeito da música. Escrevi algo sobre estar perdido no deserto, só, e então encontrar uma imagem que diz tudo no silêncio e se desfaz para sempre. A professora me chamou e disse que eu devia ler Octavio Paz. Agora, 30 anos depois, cito frases de O Arco e a Lira, obra-prima do grande mexicano.
  " Os estados de estranheza e reconhecimento, de repulsa e fascinação, de separação e união com o Outro, são também estados de solidão e de comunhão conosco mesmos. Aquele que realmente está a sós consigo, aquele que se basta em sua própria solidão não está só. A verdadeira solidão consiste em estar separado de seu ser, em ser dois. ......O homem anda desamparado, angustiado buscando esse outro que é ele mesmo. E nada pode fazê-lo tornar a si, exceto o salto mortal: o Amor, a Imagem, a Aparição.
   ....Os primeiros a perceber a origem comum do amor, da religião e da poesia foram os poetas. O pensamento moderno confiscou essa descoberta para seus fins. Para o niilismo contemporãneo poesia e religião são apenas formas de sexualidade: a religião é uma neurose, a poesia uma sublimação. Todas essas hipóteses denunciam o imperialismo do particular, característico das concepções do século XIX. Por que não pensar então que todas essas experiências têm por centro algo mais antigo que a sexualidade, a organização econômica ou social, ou qualquer outra "causa"?
   ....A nostalgia da vida anterior é pressentimento de vida futura. Mas uma vida anterior e uma vida futura que são aqui e agora e que se resolvem num instante relampejante.  Essa nostalgia e esse pressentimento são a substãncia de todo grande empreendimento humano, quer seja um poema, um mito religioso, uma utopia social ou um feito heróico. 
   Religião e Poesia tendem a realizar de uma vez para sempre essa possibilidade de ser que somos e que constitui nossa própria maneira de ser, ambas são tentativas de abraçar essa "outridade", que Antonio Machado chamava de essencial heterogeneidade do ser.  A experiência poética, como a religiosa, é um salto mortal: um mudar de natureza que é também um regressar a nossa natureza original. Encoberto pela vida prosaica ou profana, nosso ser de repente se recorda de sua identidade perdida, e então emerge, aparece esse outro que somos.
   A liberdade do homem se funda e se radica em não ser mais que possibilidade. Realizar essa possibilidade é ser, criar-se a si mesmo. O poeta revela o homem criando-o. ....Entre o nascer e o morrer a poesia nos abre uma possibilidade que não é a vida eterna das religiões nem a morte eterna das filosofias, mas um viver que envolve também morrer, um ser isto que é ser também aquilo.
   A poesia afirma que a vida humana não se reduz ao "preparar-se para morrer" de Montaigne, nem o homem "ser para a morte" dos existencialistas. A existência humana encerra uma possibilidade de transcender nossa condição: vida e morte, reconciliação dos opostos. Nietzsche dizia que os gregos criaram a tragédia por excesso de saúde. E assim é: somente um povo que vive a vida com total exaltação pode ser trágico, porque viver plenamente quer dizer viver também a morte. 
   A impossibilidade de achar uma resposta que explicasse realmente a criação poética, a inspiração, transforma-se, desde o século XVIII, numa condenação de ordem moral e estética. ...Inspiração passa a ser chamada de preguiça, descuido, amor pela improvisação, facilidade. DELIRIO E INSPIRAÇÃO passam a ser sinônimos de LOUCURA E ENFERMIDADE. O ato poético deve ser então trabalho e disciplina, luta contra a corrente. É a moral burguesa se assenhorando do campo estético."
   Cito esses trecho, poucos em meio a tantos. Ofereço-os a voces e espero que os entendam. O livro, imenso, é uma revolução, uma revelação. Ele ensina mais que ler bem. Mais que entender certo. Ele ajuda a viver, ele resgata, ele elucida. A cabeça de Octavio Paz deveria ter sido convertida em tesouro. Imorredoura.
   

O MONO GRAMÁTICO- OCTAVIO PAZ, AS PALAVRAS E A PRESENÇA...

Em meu primeiro ano de faculdade, era 1984, lembro que nossa excelente professora de português nos mandou fazer uma redação baseada na apreciação do Bolero de Ravel. Após ler aquilo que eu escrevera, um texto confuso sobre sonho, engano e verdade, ela me aconselhou a ler Octavio Paz, autor que ela considerava formular as mesmas questões que me inquietavam. Ela acertou. Mas só comecei a ler Paz nos anos 2000. Este é o quarto livro que leio desse autor mexicano.
Diplomata, ele servia na India quando escreveu este enigmático e lúcido texto. É um relato de viagem? É poesia? É filosofia? Quem sabe? Paz anda pelo caminho de Galta e vê uma parede suja e ruínas de um palácio. Macacos e homens nús que se pintam com cinzas humanas e com bosta de vaca. Uma mesa no vizinho e uma sombra de fim de tarde. Tudo lhe causa impressão. E tudo lhe faz questionar o tempo, a escrita e as coisas.
Somos seres que pensamos o mundo, olhamos e nos vemos no mundo, narramos o mundo, mas a angústia é a de que o mundo não nos vê. A tarde e a árvore são indiferentes a nossa presença. Não nos conhecem, ignoram. A tarde a a árvore podem ser destruídas por nós, feitas um nada, e mesmo assim continuarão a ser ignorantes sobre quem somos. Exilio.
A linguagem nos exila da vida. Ao dar nome a árvore não mais podemos a ver. As palavras tecem um véu entre a coisa, que não tem um nome, e o nome a que a nomeamos. O que vemos é uma árvore e não aquela árvore. A vida é uma linguagem, mas a linguagem não pode ser uma vida. Esse o tema principal do livro. A linha da escrita e do pensamento se tece no tempo e na materialidade do começo/meio/fim. Mas a árvore não conhece e não exite nessa linha. Nós a vemos em palavras e linhas, ela não é isso. Nos é inalcansável.
Mais: o eu foge  de nós. Nunca nos sabemos como eu. Passamos a vida a procura desse eu que foge por não ser explicável e traduzível em palavra. O vemos e então ele já se foi. Mas entre aqueles homens sujos, que sabem que nossa voz "é apenas um ruido como o ruido dos macacos e dos periquitos", ele percebe o estar-estando, o ser-sendo.
Eles andam pelas estradas da India, como seus avôs faziam e como seus netos farão. Não há uma linha ali, há um momento que vence o tempo. O agora é ontem que é amanhã. A linha se faz um caracol. Vida que prescende da palavra. O homem sem nome que está como a árvore. Reconciliado. O agora é um agora desnarrado. Sempre o mesmo e jamais igual.
Os animais falam entre si, mas nós falamos com as coisas e com nós mesmos. Nunca estamos calados e nunca conseguimos dizer aquilo que quer ser dito. Falamos esse discurso na árvore, na tarde e na Lua. Eles não.
A poesia tenta dizer o real e não pode. Ela não nomeia o que não tem nome, ela "desnomeia" as coisas. Faz o processo enlouquecedor de tirar das coisas seu nome. Rasga o véu da linha e tenta restituir a árvore sua condição verdadeira. Não consegue, mas toda poesia continuará tentando. Fazer da linha um momento que não passa e não corre.
Problema da escrita: ao ser lida ela se desfaz. Lemos e misturamos as linhas, interpretamos, sentimos, destruímos. Esquecemos. Lemos a árvore a ao lê-la deixamos de ler a árvore. E por ter sido lida ela não poderá ser o que é. Será um texto destruído. A árvore não é uma palavra, mas fazemos dela uma palavra, e lendo essa palavra perdemos a palavra. Dupla perda.
Paz fala ainda de sexo, do corpo. Pois mesmo um corpo nos é inacaptável. Vemos partes, uma coxa, uma boca, um sorriso, mas não vemos a totalidade do corpo. Ele sempre será fragmento, silaba de um discurso.
Livro que pode ser lido em fragmentos aleatórios, prosa em poesia, Paz pensava o próprio ato de pensar e escrevia sobre a razão de se escrever. Ele desconfia das palavras, vai contra os linguistas, diz que as palavras nada dizem, que a verdade sempre escapa, que o dito é o desimportante. Que a verdade não consegue ser pensada em linguagem. Octavio Paz nunca teve medo. Questiona o que vê, o que aprendeu e até o que sente. Em nosso mundo de texto e de imagem virtual, Paz faz uma falta tremenda.

PRA QUE SERVE A POESIA? ( DE ACORDO COM HEGEL E OCTAVIO PAZ )

Hegel: "A lírica nasce do desacordo com o exterior. E a confiança no mundo interior do poeta."
( Antes de tudo um obrigado oa professor Alcides, aulas instigantes demais! )
A chave da frase de Hegel é; Confiança no mundo interior.
Houve uma fase terrível em minha vida em que me era impossível ler poesia. Tudo o que significasse adentrar àquilo que poderia escapar a minha razão me era assustador. Eu disfarçava esse medo com o rótulo de "sem tempo". Eu não tinha tempo para a poesia. Na verdade, não tinha a confiança.
Mas afinal, o que é e pra que serve a poesia?
Sigo agora uma ideia de Octavio Paz.
O tempo é como uma linha. Voce anda, pensa, teme, come, dorme, trabalha e lê. Sempre nesse fluxo temporal retilineo. Ontem eu comi peixe, hoje eu escrevi para Maria, amanhã irei ver meu avô. Então agora, imagine essa sua/nossa vida, como uma linha, começo, meio e fim, tudo encadeado em fluxo constante: --------------------
Agora pense. Eu ando pela rua dentro dessa linha de vida e tempo. E observo um lindo prédio, gente que anda, uma menina bonita, uma árvore. Até mesmo filosofo sobre a menina, sobre o tempo que passa e sobre a morte de tudo. Mas então, súbito, alguma coisa acontece. Como se fosse uma flexa, uma linha vertical cai sobre a linha horizontal.
Na rua alguma coisa se faz. E essa coisa que se faz NÂO faz parte da linha do tempo. Essa coisa não é um sentimento, não é uma filosofia, não é uma emoção. Essa coisa que quebrou a linha não pode nem mesmo ser escrita em linha, pois a escrita em linha é a escrita do tempo ordenado. Essa coisa é a poesia.
A poesia é a escrita não linear, não temporal, que salvo algo ou alguém da linha do tempo. Eterniza um ponto recolhido do esquecimento do instante que passa. Cito Paz:
" No aqui e agora algo se principia, uma luz especial cai sobre o momento. Esse fragmento se faz um mundo em si. Sem passado ou futuro, um eterno agora."
Ler poesia é sempre entrar em contato com o que sobrevive. O agora que fica sendo agora. Não há nela a ordenação da prosa. O começo e o fim. Poesia pode ser lida em qualquer ordem, sem senso de linha e de final. Pode ser relida indefinidamente. E quando bem realizada, é atemporal.
Gaston Bachelard disse:
" A poesia só pode ser mais que a vida se ela imobilizar a vida".
A poesia é portanto o momento que se faz para sempre um aqui e agora. Aquele segundo se torna longo como a eternidade e tudo o que nele havia se salva do esquecimento.
Todos nós ( será? ), vivemos momentos de poesia. São raros e são menos raros na infância. Momento que somos incapazes de esquecer e que parece ter acontecido agora mesmo. É a lembrança que não é passado, pois a levamos viva sempre em presente. Fato antigo que continua reagindo com o agora e portanto não é velho e muito menos antigo. Vida interior sem linha e sem razão.
O poeta vive com acesso a esse estado sem tempo. Percebe o extra-linha na pomba que passeia na calçada, na pedra do caminho, na maçã sobre a mesa, na face do espelho.
O poeta vê com olhos sem idade, vê o que nega a linha da vida, dá valor ao que merece sobreviver.
Mundo sem poesia seria mundo com idade bem contada, linha de vida definida e onde tudo seria esquecimento. Vida retilinea, sem surpresas e sem epifanias. Onde um pombo é um pombo e a maçã é sempre apenas mais uma maçã. Mundo mediocre, sovina e conformado. Banguela.
Mas não eu. Vejo em cada rua uma rachadura que é sinal, uma folha que se salva, uma face que é para sempre.
Desperdiço tempo com poesia, gasto linhas as entortando, jogo fora tempo com eternidades.
Não sou poeta, mas vivo na poesia.

VISLUMBRES DA INDIA- OCTAVIO PAZ

O mexicano Octavio Paz escreveu este pequeno e precioso livro em 1994. No ano seguinte venceria o Nobel, um dos mais justos laureados dos últimos 30 anos. Principalmente poeta, Paz é também um excelente cronista, historiador, narrador e filósofo. Aqui ele conta sua experiência indiana, país onde ele viveu por oito anos, como diplomata.
Começa falando da aparência visual da India. Cores e a arquitetura "musical" do país. E logo ele envereda pelo fato de que a India não existe como nação, não na forma como conhecemos. São centenas de línguas, milhares de divindades e as divisões internas em castas. Paz nos informa do porque das castas e faz com que não as condenemos preconceituosamente. Mérito de grandes mentes, Octavio Paz se aproxima de tudo com curiosidade pura, sem antecipações e sem ares de entendido. A India é uma criação inglesa. Antes da colonização, a ideia de nação não existia no continente. ( De passagem ele nos fala da ideia de América. Os EUA como nação criada pela força e pela ideia de um grupo de homens. Único país criado pela razão e sem passado. Nasce em 4 de julho de 1776. Todas as outras nações são desenvolvimentos da história. E penso no Brasil, nunca fundado e nunca nascido. Um país que nunca enterra passado nenhum, que se fez como continuação da monarquia lusitana, como continuação da Africa negra, um país que jamais rompe com nada, jamais funda coisa alguma. País sem história porque vive numa reta onde o passado não é seu, e onde o futuro é de outro. Sono eterno.)
A melhor parte do livro de Paz se inicia quando ele faz uma comparação da culinária mexicana e da indiana. A cozinha ocidental é um passar de pratos, um trem, uma reta, prato após prato até a sobremesa. A culinária indiana é um círculo: doce e salgado, azedo e refrescante, tudo misturado no mesmo prato. São duas visões de mundo: a ocidental, sempre cristã, que vê o mundo como reta, um começo ( seja Adão e Eva ou o big bang ) um meio ( o agora ) e um fim ( seja o apocalipse, seja o progresso ). Tudo no ocidente é retilineo, um agora que pressupôe ontem e que anuncia amanhã. Na India não havia história. Historiadores e figuras da história, datas de acontecimentos, isso só começa a acontecer a partir da dominação ocidental. Para os indianos, o tempo era uma roda, o amanhã será como ontem que é como hoje. A única forma de sair desse eterno agora é rompendo o circulo dos carmas, se fazendo sábio. Mas Octavio Paz, embora entenda o pessimismo budista ( a forma de pensamento mais racional possível, religião desprovida do milagre e de deuses ), embora estude e admire o hinduismo ( religião onde não existe a culpa e onde o sexo é um dos caminhos para a sabedoria, desde que seja feito sem egocentrismo ), ele não se esquece do islã, religião que foi a primeira a mudar o pensamento indiano, pois no islã o tempo é reto e tem começo e fim, o Deus é único e os infiéis são desprezados.
Paz fala de Ghandi com amor, mas não esquecendo seus erros. E nos conta algumas histórias de Krishna nos revelando a visão completamente desprendida que o hinduismo tem do sexo. O corpo visto como um caminho para o prazer, e o prazer como uma possibilidade de iluminação. Sexo no ocidente sendo posse, e na India, prazer. No Kama-Sutra a mulher se faz ativa e masculina, o homem se torna passivo e feminino, daí advindo a não-violação, a não-disputa, a ausência de violência.
E o livro fala do choque que os indianos tiveram ao conhecer os cristãos, um povo ansioso, preso ao passado e ao futuro, que não cessa de fazer coisas, de falar e falar e crê que o tempo existe e é de ouro. Mas esses ocidentais têm algo que sempre fascinou os indianos: ciência. A ciência não no sentido de produção e não no sentido filosófico, mas a matemática. A catalogação, a contagem, a observação fria, a abstração ( não por acaso foram eles que criaram o conceito do zero ). O hindu, sem perder sua circulariedade, sente-se em casa quando lida com a abstração do número. País enigma: sexo e karma, sujeira e refinamento, violência religiosa e desapego, sorrisos e indiferença a dor alheia ( caridade, um conceito cristão ausente nas ruas da India ).
Ao final do livro, Paz transcreve doze poemas clássicos indianos. Todos são eróticos. O corpo da amada como via de acesso ao prazer puro. E o ato sexual como esvaziamento do ego e crescimento do ser. Pobreza do ocidente: Octavio Paz percebe que uma cultura baseada na reta, no tempo que passa, no lembrar o que se foi e antecipar o que não é, leva necessariamente ao não-presente. O agora deixa de existir e de poder ser usufruido. O sexo se torna então um passado a ser chorado ou um futuro idealizado.
Como circulo de tempo, este texto, simples e belo, rico e sintético, não se esgota. É então dever de qualquer um lê-lo.

OCTAVIO PAZ - UM GIGANTE ( O ÚLTIMO ? )

TODA SOCIEDADE AGONIZANTE OU ESTÉRIL TENTA SE SALVAR CRIANDO UM MITO DE REDENÇÃO, QUE TAMBÉM É UM MITO DE FERTILIDADE.
A ESTERILIDADE DO MUNDO BURGUÊS ACABARÁ EM SUICÍDIO.
Esta é a conclusão de O Labirinto da Solidão. Análise de Paz sobre o México. Fascinante viagem entre política, religião, ciência, dinheiro e poesia.
Falar de Octávio Paz não é fácil. Ele foi um gigante! Homem tipo Goethe, Homem que procura saber tudo, mais que saber, compreender tudo. Se temos hoje alguns bons escritores ( Clézio, Coetzee, Doyle, Theroux...), desde a morte de Paz e de Sebald, gigantes não há mais. Octávio tinha a presença.
Cito Pedra do Sol :
AMAR É LUTAR, E SE DUAS PESSOAS SE BEIJAM O MUNDO SE TRANSFORMA
DESEJOS SE ENCARNAM, INTELECTO SE ENCARNA
GRANDES ASAS SE ABREM, NASCENDO NOS OMBROS DO ESCRAVO
O MUNDO É REAL E DEVE SER TOCADO
VINHO É VINHO, PÃO VOLTA A TER GOSTO, ÁGUA É ÁGUA
AMAR É LUTAR, É ABRIR PORTAS, PARAR DE SER FANTASIA NUMERADA
CONDENADA A SENTENÇA DE CORRENTE INFINDA POR SENHOR SEM CARA
O MUNDO SE TRANSFORMA QUANDO DUAS PESSOAS SE OLHAM
RECONHECENDO QUE AMAR É SE DESPIR DE NOMES E ROUPAS (...)
MELHOR TER O CRIME
OS AMANTES SUICIDAS OU O INCESTO ENTRE IRMÃOS
COMO ENTRE DOIS ESPELHOS QUE SE APAIXONAM POR SEUS REFLEXOS
MELHOR SE ARRISCAR A COMER PÃO ENVENENADO
O ADULTÉRIO EM LEITO DE CINZAS, PAIXÕES FEROZES, DELÍRIO
COM SUA HERA VENENOSA, O SODOMITA COM O CRAVO NA LAPELA GOTA DE CUSPE
MELHOR SER MORTO A PEDRADAS EM PRAÇA PÚBLICA
QUE SE DEIXAR VENCER POR PROVAÇÕES QUE ANULAM A SUBSTÂNCIA DA VIDA
FAZEM DA ETERNIDADE HORAS VAZIAS, DOS MINUTOS PENITENCIÁRIAS
E DO TEMPO CENTAVOS DE COBRE E MERDA ABSTRATA.

Esse poema é do Paz de 68, crente nos novos tempos da revolução. Mas logo ele perceberia que essa revolução fez do jovem uma vítima da opressão. Os gritos libertários adotados pelos inimigos e regorgitados como peças de moda.

Uma professora de português, ao ler minha primeira redação, em meu primeiro ano de Fiam, me disse: " leia Octávio Paz! suas dúvidas são as dúvidas dele." Não li. Só o conheci uma década depois.

A PALAVRA POÉTICA E A PALAVRA RELIGIOSA SE CONFUNDEM ATRAVÉS DA HISTÓRIA. (...) MAS O ATO EM QUE O HOMEM SE FIXA E SE REVELA É A POESIA. A RELIGIÃO E A POESIA TÊM ENTÃO ORIGEM COMUM. MAS A RELIGIÃO CANALIZA, INTERPRETA, RITUALIZA, SISTEMATIZA E NOS DEVOLVE ESSA INSPIRAÇÃO NUMA TEOLOGIA. A POESIA ABRE-NOS A POSSIBILIDADE DE EXISTÊNCIA A CADA NASCIMENTO. RECRIA O HOMEM E FAZ COM QUE ELE ASSUMA SUA VERDADEIRA CONDIÇÃO: VIDA E MORTE EM UM ÚNICO INSTANTE DE INCANDESCÊNCIA.

Não conheço definição mais perfeita de poesia. E penso que todo poeta é homem nascendo. Homem vendo a vida pela primeira vez. E penso que todo homem que repele a poesia é homem com medo de nascer ( e de morrer, pois viver é morrer toda hora ).
A religião nos dá essa experiência deglutida. Nos dá esse nascer/morrer com seguro de vida.

Em 1968 centenas de estudantes mexicanos foram mortos em passeata. Protestavam. Eis a interpretação de Paz:
OS EVENTOS DE 2 DE OUTUBRO NA PLAZA DE TLATELCOLO, INVOCARAM, REPETIRAM, OS RITOS ASTECAS: CENTENAS DE JOVENS SACRIFICADOS NAS RUÍNAS DE UMA PIRÂMIDE. O PODER MEXICANO PUNIA SEU PRÓPRIO PASSADO REVOLUCIONÁRIO AO PUNIR ESSES JOVENS.

Paz fala sobre a paisagem da Cidade do México:
ARQUITETURA PARALÍTICA
BAIRROS ISOLADOS, JARDINS MUNICIPAIS PODRES, MONTES DE SALITRE
TERRENOS BALDIOS, ACAMPAMENTOS DE NÔMADES URBANOS
FORMIGUEIROS E CRIAÇÃO DE MINHOCAS
VIAS PÚBLICAS DE CICATRIZES, BECOS DE CARNE VIVA
FUNERÁRIAS, ATAÚDES NAS JANELAS, PROSTITUTAS-PILARES DA NOITE VÃ
ALVORECER, BAR À DERIVA
O ESPELHO ENORME DERRETE
BÊBADOS SOLITÁRIOS CONTEMPLAM A DISSOLUÇÃO DE SEU ROSTO
O SOL SE ERGUE DA CAMA DE OSSOS
O AR NÃO É AR, ESTRANGULA
ALVORADA QUE RASGA CORTINAS
CIDADE PILHA DE PALAVRAS QUEBRADAS
VENTO NAS ESQUINAS EMPOEIRADAS EMBOLA JORNAIS
NÃO EXISTE CENTRO PRAÇA DE CONGREGAÇÃO
NÃO EXISTE EIXO
ANOS SE DISPERSARAM, HORIZONTES DEBANDARAM
MARCARAM A CIDADE EM CADA PORTA EM CADA FRONTE
COM APENAS UM SÍMBOLO $

E Paz viaja: India, Paris, EUA. E em cada viagem traz uma revelação.
Escreve sobre o Budismo:

TODA PALAVRA GERA UMA PALAVRA QUE É SUA NEGAÇÃO. PORTANTO VIVEMOS NA DIALÉTICA. DESTRUIÇÃO E RENASCIMENTO. SIM E NÃO. TESE E ANTÍTESE.
COM O SILÊNCIO DE BUDA CESSAM O MOVIMENTO, A OPERAÇÃO, A DIALÉTICA, A PALAVRA. AO MESMO TEMPO NÃO É A NEGAÇÃO DA DIALÉTICA NEM DO MOVIMENTO: O SILÊNCIO DE BUDA É A RESOLUÇÃO DA LINGUAGEM.
VIEMOS DO SILÊNCIO E VAMOS AO SILÊNCIO. O QUE BUDA EM SEU SILÊNCIO REVELA NÃO É NEGAÇÃO E NEM AFIRMAÇÃO: É SUNYATA: TUDO ESTÁ VAZIO PORQUE TUDO ESTÁ CHEIO.
A PALAVRA NÃO É AFIRMAÇÃO PORQUE A ÚNICA AFIRMAÇÃO É O SILÊNCIO.
A NEGAÇÃO DO MUNDO IMPLICA O RETORNO AO MUNDO, O ASCETISMO É O RETORNO DOS SENTIDOS, A REALIDADE É A CHAVE QUERIDA E TERRÍVEL DA IRREALIDADE.
O CORPO NÃO É JANELA AO INFINITO, É O PRÓPRIO INFINITO.
NÃO SE TRATA DO CONHECIMENTO DO VÁCUO: UM CONHECIMENTO VAZIO.
O SILÊNCIO DE BUDA NÃO É CONHECIMENTO, MAS ALGO ALÉM, É SABEDORIA. UM NÃO-SABER. UM SER DESPRENDIDO, E PORTANTO, RESOLVIDO. QUIETUDE É DANÇA, E A SOLIDÃO DO ASCETA, NO CENTRO DA ESPIRAL IMÓVEL, É IDÊNTICA AO ABRAÇO DO CASAL DE AMANTES NO SANTUÁRIO DE KALI. UM SABER QUE NADA SABE E QUE CULMINA EM POÉTICA, EM ERÓTICA.
A ARTE DE BAILAR ACIMA DO ABISMO.

Releia até que as palavras percam sentido.
Tudo está vazio porque tudo está cheio. Olhe ao seu redor.....
Octávio Paz, em sua busca poética pelo vazio o encontrou. O vazio onde tudo faz sentido porque tudo se resolve. O vazio onde ao cessar a palavra, cessa a dúvida.
Como Ocidental do século xx, Paz tentou essa iluminação através da palavra.
Usou então as palavras em outro sentido, fez poesia.
Não há autor recente com tão nobre proposta.

TRABALHO É COISA SÉRIA...OCTAVIO PAZ

" A medida que a esfera do trabalho se alarga, a do riso diminui.
Tornar-se homem é aprender a trabalhar, a se mostrar sério.
Mas se o trabalho humaniza a natureza, desumaniza o homem. "

Octavio Paz escreveu isso. Lí um livro sobre a India desse autor mexicano ( Nobel de 1995 ). Li outro sobre os nativos americanos. E tentei ler sua poesia, que é muuuuuito modernista.
Esta frase que cito foi tirada de uma palestra...
O que posso dizer ? Posso falar de um certo mal estar que às vezes me dá. Com alunos de onze anos. Seres que não conheço mais. Seres que um dia fui, mas que agora não. Vejo-os rindo, gritando, pulando, brigando. Fazendo tudo aquilo que faz de uma pessoa saúde pura. Correm e falam tudo o que pensam. E eu, preparando-os para o trabalho, preparando-os para a cela do futuro, tenho de esquecer tudo o que fui um dia. Tenho de sufocar esse diabinho em mim e fazê-los parar de correr e ficar quietos, parar de pular e pensar no porque do pulo, interromper os gritos e deixar que sufoquem em mutismo, calar as conversas e concentrá-los em equações. Tenho de fazê-los trocar o riso constante pela seriedade. Sou o adulto que cessa risos.
O mundo é só trabalho. E somos tão bem treinados a crer nisso que um dia me peguei dizendo : O sentido da vida é o trabalho.... Mon Dieu !!!!! A que ponto posso chegar quando o assunto de conversação morre !
O sentido da vida, com certeza, não é o trabalho. Mas o trabalho cresceu, cresce e estamos condicionados nesta granja em que vivemos, a pensar o trabalho como única opção nobre de vida. Você não se define como peão, doutor ou professor. O que te define é sua vida fora do trabalho. Se é que ela ainda existe.
Num limpo e organizado escritório não se rí. Numa loja se compete. Numa fábrica há barulho. Numa mina existe medo. Rir no trabalho. Unir riso à labuta. Um sapateiro ri, um barbeiro ri, um padeiro ri, um médico pode tentar ser bem-humorado. Mas quem ri com seu computador oito horas por dia ? Quem ri extraindo dentes ? Dá pra rir no banco, na concessionária Mercedez, no tribunal ? O trabalho nunca foi tão sério. Basta atentar : profissões menos modernas riem mais. Pedreiros brincam.
Então ser homem é ser sério. Teu pai ficou orgulhoso de sua primeira foto séria. A foto que você tirou para a carteira de trabalho. Você finalmente era adulto-sério. Compenetrado em negócios importantes. Compenetrado em ser sério numa vida muito séria. Dentes travados.
Mas o homem rí. O que nos define é o brinquedo, o riso, a ironia, a piada, a surpresa. Somos o único bicho que sabe rir do destino. O único que quebra a linha natural pela comédia do improviso. A arte nasceu da alegria, do riso, da atitude de que nada é sério neste mundo adulto. Todo artista é vagabundo. Ele pode trabalhar num banco todo o dia toda a vida. Mas ele sabe, um banco não é vivo.
Frase final : o trabalho humaniza a natureza. Rio canalizado, campo cultivado, montanha cortada. O trabalho ordena a natureza, torna tudo rosto de homem. Fazemos a natureza mais séria. Um rio margeado por estrada e concreto é sério. Um rio com lodo, barro e marrecos é riso.
O trabalho desumaniza o homem. Preciso comentar ? O homem precisa conversar, rir, almoçar em paz, ir ao banheiro, flertar, bocejar, espirrar, suar à vontade, chorar quando triste. O trabalho proibe tudo isso. Trabalhar é ser eficiente, competente, ansioso, mal-humorado, sério, confiante e confiável. Nada humano. O homem é indisciplinado, criativo, falante, adora brincar, inseguro e mentiroso.
Como crianças de onze anos.