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SENTENÇA DE MORTE - DUCCIO TESSARI E ALAIN DELON

Enquanto um carro anda pelas ruas, de noite, ouvimos uma canção. Ornella Vanoni canta a versão italiana de Sentado a Beira do Caminho, de Roberto Carlos e Erasmo. Quando nos extras os críticos analisam este filme, essa canção é citada, a canção brasileira de Roberto "Carlôs". Essa belíssima canção dá o tom a um filme policial, que teria tudo para ser apenas mais um filme sobre vingança, mas que graças a presença de Delon, se transforma em uma obra magnífica sobre a melancolia de viver. ---------------- Ele é um matador profissional. Casado, com um filho. Ele quer largar a profissão, os mafiosos não deixam e dinamitam seu carro. A mulher e filho morrem por engano, ele resolve matar cada um dos chefes do crime. --------------- Voce já viu filmes assim. E eles eram muito ruins, às vezes bons. Este é fantástico. Por que? Porque a câmera ama Delon e o segue pelo filme inteiro. E o ator, na época, 1973, o mais famoso ator do planeta, última vez que um europeu teve esse status, consegue, de modo misterioso, pois o carisma é um enigma, fazer de cada cena algo muito maior do que ela é. --------------- Veja a cena da explosão de sua família. Delon está na janela, vendo mãe e filho indo á escola. Os dois entram no carro e ele explode. Um ator, hoje, teria dois modos de interpretar: 1- daria um berro e com lágriams nos olhos se atiraria pela janela tentando salvar os entes amados em meio às chamas. 2- Expressão de louca incredulidade e um rosto onde se vê imenso sofrimento. ----------- O que faz Delon? Ele olha e não emite um som ou produz uma expressão facial. Ele olha e no olhar está todo o segredo desse ator. Nós não sabemos o que aquele olhar diz, o que exatamente ele sente, mas "NOS INTERESSAMOS EM SABER, E ASSIM, SOMOS CAPTURADOS POR ELE". Cativos, iremos atrás dele o filme inteiro. ----------------- Outro exemplo? No que Delon se transforma após a tragédia? De novo cito duas opções; 1- Um furioso e maníaco animal assassino. 2- Um ser destruído, barba por fazer, bêbado, se arrastando em sua vingança sem esperança. Ok? O que faz Delon? Mais uma vez, nada. E tudo. O homem pós tragèdia é o mesmo em aparência e em modos, com uma única diferença: ele está só, há um vazio ao seu redor, e como sabemos disso? Pelo olhar do ator. Não, não há como eu explicar. Veja e perceba. --------------- Um dos críticos diz que viu Delon em um festival de Cinema antes de ele ser famoso, em 1956. Esse crítico morava perto, era adolescente ainda, e estava numa movimentada rua em Cannes, cheia de bares e shows. Pois bem. Ele se lembra de Delon descer a rua e súbito todas as mesas se calarem e o olharem. Entenda, não era uma estrela passando, ele era um nada então. Era o tal do carisma, da beleza irresistível, do mistério. Todos esperaram sua passagem para continuar a "agir". Esse o dom da estrela: cessar o tempo. E estrelas são raras. Ele é um dos poucos. ------------------ Entre 1965 e 1975 não houve estrela maior. Com excessão dos EUA, país que nunca aceita um ator estrangeiro, Delon foi o maior na China, Japão, Europa e sim, no Brasil, onde recordo que ele era mais famoso que Brando, Newman ou Redford. Seu nome passou aqui a ser sinônimo de homem bonito. "Esse cara parece um Alain Delon", ou então " Eu não sou um Alain Delon mas dou pro gasto". Como Steve McQueen, Warren Beaty e depois Clint Eastwood, ele era ator de falar pouco, mas seus olhos diziam mais que as mãos de McQueen ou o sorriso de Warren. ( Todo ator quieto fala com algo do corpo. Gary Cooper falava com o andar e Clint fala com certos sons que emite, gemidos, urros, bufadas ). ------------- Em 1972 Alain Delon havia feito com Zurlini A ULTIMA NOITE DE TRANQUILIDADE, um dos mais melancólicos dos filmes e uma das mais belas atuações de qualquer ator. Este policial tem o mesmo espírito. Magnético, triste e belo.

FILMES POLICIAIS: ALDRICH, MANN E ALAN LADD.

   A MORTE NUM BEIJO de Robert Aldrich com Ralph Meeker e Marion Carr.
Uma moça corre numa estrada. Um cara lhe dá carona. Ela é morta. Ele quer saber por que. Ele é Spillane, um cara ruim, cínico, duro, frio, violento. Nasce aqui, em 1955, o moderno filme policial. A direção é ágil, viril, estranhamente parece cínica. A fotografia é de Ernest Laszlo, que seria um dos mais famosos nas décadas seguintes. O filme é sexy, os personagens malucos, o clima é doentio. Aldrich antecipa em 4 anos a nouvelle vague. É um exercício de estilo, de cinema, de direção. Um grande filme! Aldrich, nos anos seguintes, construiria uma das mais divertidas e corajosas carreiras no cinema.
  A CHAVE DE VIDRO de Stuart Heisler com Alan Ladd, Brian Donlevy e Veronica Lake.
Este policial tem um estilo cinema noir. Um prefeito tenta a reeleição, mas o crime gira a seu redor. Raptos, tiros, chantagens. Veronica Lake solta faíscas. Ladd faz um herói que não nos deixa tranquilos. Nunca sabemos se ele é do bem ou um egoísta. É uma diversão de primeira.
  SIDE STREET ( PECADO SEM MÁCULA ) de Anthony Mann com Farley Granger
Um carteiro rouba um escritório. E se mete numa encrenca gigantesca. O suspense cresce e o carteiro se enfia numa trama quase kafkiana. Não há saída para seu crime. O filme, curto, revelou Mann como grande nome do cinema. Há um clima fatalista em toda cena. Grande cinema.
  RAW DEAL de Anthony Mann com Dennis O'Keefe e Marsha Hunt.
Um cara foge da prisão. Se envolve em triangulo amoroso. Uma das duas mulheres está o traindo. Ou não. O filme, modesto, é o segundo de Mann. Apenas um bom passatempo.
  A MALETA FATÍDICA de Jacques Tourneur com Aldo Ray, Anne Bancroft e Brian Keith.
Mais uma vez, eis Tourneur, o grande diretor de tudo quanto é tipo de filme. Aldo faz, com brilho, um homem que pode ou não ter escondido dinheiro roubado. Keith é o bandido que o persegue para reaver o dinheiro. E o filme, cheio de ação e de muito drama, conta esse jogo de gato e rato. Ótimos atores. Belas locações. Para se ver.
  O DEMÔNIO DA NOITE de Alfred Werker com Richard Basehart
O roteiro é tão bom que mesmo um diretor de segunda faz dele um grande filme. Basehart é um cara que sabe tudo de eletrônica. E é um ladrão. Mata um policial e começa aí a caçada. A cena final, nos esgotos de LA é inesquecível. Basehart está ótimo. É um grande filme.

CROSSFIRE - DMYTRYCK, A VIRILIDADE DO CINEMA NOIR

O cinema é dividido em gêneros : drama, comédia e aventura. Esses gêneros se misturam, comédia de aventuras, drama aventureiro, tragi-comédia.
Dentro do cinema existem as sub-divisões : no drama temos o drama de tribunal, o drama político, o drama familiar, o histórico, o existencial. A comédia maluca, a comédia de situações, a de boudoir, a italiana, a chanchada, o pastelão. E a aventura-western, o filme de piratas, a aventura de sci-fi, a aventura de horror e o suspense.
Existem filmes, bons ou não, que embaralham gêneros. Oito e Meio seria drama, comédia e filme existencial.
E existe o filme noir, que é drama, mas também é aventura policial. CROSSFIRE ( RANCOR ) de Edward Dmytryck é um dos cinco melhores e é porta de acesso para os infelizes que jamais conheceram as delícias desse cinema.
O filme. A primeira cena já nos prende. Sombras numa parede : um homem é espancado até a morte. Toda a fotografia do filme é estilizada, sombras e cenários ordinários. Estamos no mundo dos filmes mais viris já feitos.
Sim, mais que filmes de guerra, que têm sempre algo de adolescente ( por mais cruéis que sejam, há sempre a camaradagem e o aspecto de jogo de jovens provando virilidade ) e mais que westerns, que estão sempre imersos na poesia da solidão e do sacrifício, é o noir o tipo de filme que melhor exibe a alma do que seja " ser homem ". Ou do que era isso.
Não comentarei o medo da mulher que existe em todo noir. Falarei do modo como eles mostram, sem alarde ou pretensão, de um modo econômico, a condição existencial do homem. Um ser solto nas ruas, sem grandes ilusões, livre, porém estranhamente preso, atado a solidão, atado a um passado sem brilho, comprometido com a sobrevivencia.
RANCOR trata de um crime. Da investigação de um policial tranquilo e boa gente, de soldados que acabaram de voltar da guerra, e principalmente de racismo. O filme é um dos primeiros a ter a coragem de tocar nesse tema. Mas o que vemos são prostitutas, bares de jazz, delegacias, apartamentos vazios, ruas, táxis e lanchonetes. Não existem famílias, não há natureza ou jardins, nada de amores risonhos. É mundo urbano, seco, noturno, feroz. Ninguém é sorridente. Há humor, mas é riso de bilis.
Seneca assombra cada cena de um bom noir. E também algo de Nietzsche. Mas é um Nietzsche americano, menos prolixo, menos " culto". O que num filme europeu seria discurso, aqui é vazio.
Os três Roberts do elenco estão soberbos. Robert Young é o policial. Calmo e metódico. Robert Ryan é o assassino. Grande ator que foi, Ryan é máscara de ódio cego, de burrice orgulhosa. E temos mais uma vez Robert Mitchum. O safo Mitchum, imagem de homem que viu tudo e sobreviveu. E ainda temos Gloria Grahame, que faz uma puta que é ilha de raiva.
Dmytryck, o diretor, foi dedurado por Sam Wood. Wood o acusou de comuna no MacCarthismo. De vítima Dmytryck se fez algoz : passou a dedurar. Sua carreira naufragou. RANCOR é o último filme feito antes do maremoto dedurista. Nada nele é exibicionista. Dmytryck conta sua história ( de Robert Aldrich ), não faz nada em excesso. O filme tem a duração exata, os atores certos, a montagem que funciona. Esquecemos estar vendo um filme.
O noir é hoje impossível ( e todo ano são feitas, de Spirit a Sin City, tentativas de o reviver ) porque a virilidade não se manifesta mais de forma noir. Hoje ela é muito mais histérica, deselegante, explosiva.
Fica este filme.