Mostrando postagens com marcador novos baianos. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador novos baianos. Mostrar todas as postagens

MORAES MOREIRA ERA UM CARA LEGAL

   Em meus mais de 50 anos de vida, afirmo sempre sem o menor medo de errar, que o Brasil nunca foi tão feliz como no período que vai de 1977 até 1983. Se voce quiser pode repetir a ladainha: Bah! Ditadura! Ok. Mas imagino que voce tenha uns 35, 25 anos né? Sim, havia uma ditadura, e nessa época eu tinha muita raiva dela. Não podíamos votar, e havia a odiada censura. Eu ficava frustrado com o fato de não podermos ver um nu frontal na Playboy. Nem na Ele e Ela. Era minha adolescência. Era isso que me atingia.
  Eu lia dois jornais por dia, o Jornal da Tarde e a Folha da Tarde. Voce não vai acreditar, mas tinha jornal que chegava às bancas de madrugada, 5 da manhã, e outros, como os dois citados, às 10 horas. Então eu sabia que havia censura, proibições, perseguições. Mas creiam-me, o clima geral era de otimismo absoluto. Foi o último período de otimismo neste país.
  Se voce duvida e acha que penso assim porque aos 15, 20 anos tudo parece colorido, ouça a MPB feita então. Por mais que Gonzaguinha seja amargo, os discos de Caetano, Gil, Gal, são de desbunde. É o auge do hedonismo. Em 1977 começou a lenta abertura. A volta dos exilados. É a época de Moraes Moreira.
  Em 1971-1972 ele já havia lançado ao mundo o melhor disco já gravado nesta terra brasileira: Acabou Chorare. Um disco que ainda hoje me causa orgulho de ser daqui. Ouvir esse LP é como encontrar a si mesmo. Tratamento junguiano que resolve tudo em meia hora. A partir de 1977, em carreira solo mas nunca solitária, Moraes cria a trilha sonora da felicidade. Nunca fomos tão felizes. E a gente sabia disso.
 Um parênteses aqui: Não foi uma época fácil pra mim. Fui um adolescente tímido e hiper solitário. Então eu passei por esses anos como um tipo de convidado que não aproveita a festa. Voltemos ao texto...
  Tinha topless nas praias. E mulher pelada no carnaval. A gente sabia que Bethânia e Simone eram lésbicas. Que Ney e Clodovil eram gays. Mas e daí? Tinha Zico e tinha Chacrinha, então o Brasil era o país mais feliz do mundo. A gente realmente acreditava nisso. O Rio era o melhor lugar do mundo para se nascer e a Bahia era um lugar onde ninguém era triste. Por seis anos a gente viveu nessa certeza. Era o Brasil pobre mas sorridente. Isso era certo? Era errado? Não sei. O que sei era que Gabeira e Brizola tinham voltado, Glauber elogiava os generais e nossa ditadura era um esculacho. Brasileiro não sabe fazer nem ditadura direito. Nas ruas e nos bares, sempre lotados, se falava alto e se ria muito. Na rua Augusta a paquera era ostensiva e madrugada adentro. A gente dormia na praça, bêbados. E Moraes e A Cor do Som cantavam pra gente.
  Teve Queen com Freddie Mercury em janeiro de 1981 no Morumbi. Gente de 15 anos ainda podia ir. Assisti entre 1980 e 1983 uns 3 shows do Moraes. O do ginásio do Ibirapuera foi o melhor. Todo mundo entupido de lança perfume e maconha. Como disse, a ditadura brasileira foi um esculacho. Eu voltava a pé pra casa. A gente, mesmo a classe média, tinha poucos bens e não sabia disso. Depois dos shows eu cruzava 10 km de ruas escuras, sozinho. Cantando alto.
  Todo domingo tinha jogo no Morumbi. Um ingresso custava o mesmo que um bilhete de cinema: quase nada. Então todo mundo ia. 100 mil pessoas em jogo médio. Eu levava rojão e bandeirão. O povo da escola todo lá. Depois do jogo ainda dava pra jogar bola na rua. A vida era na rua.
  Bazar Brasileiro foi o disco da época. Forró do ABC. Deus me fez brasileiro, o documento da raça, na festa da alegria...
  Na praia dava pra morar ainda. Praia era zona livre, sem divisão e sem preço. E as festas: Natal, Páscoa, Ano Novo, Juninas, eram na rua, enfeitadas, grátis, sem frescura.
  Mas em 1984 inventaram os anos 80 e a gente ficou fresco, metido, bobo. Pior, inventaram a tal hiper inflação, e esse foi um trauma muito pior que a ditadura. Nunca nos recuperamos. Os anos 80 trouxeram à tona o pior do Brasil: roubo. Corrupção. Cinismo. E um fatalismo atroz. A MPB hedonista virou rock brasileiro. Ficamos sérios. Ficamos velhos. Ficamos chatos demais.
  Moraes permaneceu. Ele ainda apostava na alegria.
  Morreu dormindo. Uma benção.
  Voce foi o brasileiro em seu melhor.

PORQUE O PÂNICO É TÃO RUIM? DADI É MEU MOMENTO FELIZ.

   Quem desejar saber o que é o Brasil hoje que assista o Pânico. O programa exemplifica a perfeição os dois tipos de humor que existem: o humor alegre e revigorante e o humor maldoso e triste. As pessoas assistem o programa na esperança de rir. Algumas riem, nenhuma sente alegria. Nada nele é feito com leveza, com felicidade, com prazer. O riso, quando vem, é aquele riso que diz: "Que bosta que essa gente idiota é! Ainda bem QUE EU NÃO SOU ASSIM!". Eles são incapazes de uma cena de humor em que alguém não seja ridicularizado. São tão tristes que confundem rir com humilhar. A alegria passa longe daqueles caras.
   Isso se explicita no modo como eles tratam "as gostosas". As "grandes ideias" são sempre as mesmas, mostrar como elas são imbecis. Com certeza na adolescência eles foram muito desprezados pelas gostosas da classe. É um pseudo-humor vingativo. Triste portanto. E nada lá é mais triste que o rosto maquiado e sempre emburrado de um sujeito de barbinha cujo nome esqueci. Azedo, maldoso, infeliz, é o cara que "bola" as maldades estúpidas contra um gordinho bobo alegre e as gostosas "idiotas". Humor? Não, infelicidade vingativa.
   Humor do bom ( sim, sou moralista! A moral é o que nos salva queridões ), é sempre feliz. É o momento em que o humorista se expõe e diz ao mundo: "Sim, eu sou assim, mas estamos todos no mesmo barco!" No Pânico a frase é: "Voces são assim, eu sou mais esperto que todos voces seus trouxas!" Nada mais Brasil-Brasilia que isso. O riso do Pânico é a zombaria de um senador corrupto e impune.
   Saindo do inferno.... Dadi esteve na Cultura. Naquele programa que entrevista gente no escuro. Ensaio. Quem é Dadi? Dadi é feliz, Dadi é alegre, brasileiradamente alegre. Por toda a minha vida tenho o acompanhado e ele nunca envelhece. Começou a tocar em 1971, num dos melhores discos da história do mundo, ACABOU CHORARE, dos Novos Baianos, o mais feliz dos discos. Contrabaixista, foi morar com a troupe lá no sitio dos caras. A vida deles era futebol de manhã e música de tarde. Depois ele foi tocar com Jorge Ben. Ou seja, saiu da alegria e foi para a felicidade. Linhas de baixo insinuantes. Conheci Dadi quando ele foi em 1979 para a Cor do Som. Da felicidade para a leveza pura. Ele já devia ter 30 anos, mas parecia ter 15. A Cor Do Som foi um big big big sucesso. Principalmente entre o pessoal da escadaria do Objetivo e da praia do Arpoador. Tenho seus discos. Todas as faixas falam de alegria. Cores, visuais, gatas e viagens astrais. Hippies? Talvez. Mas do tipo A, os felizes. Meio Lebowski.
   Era um Brasil que prometia. Tropical e livre, parecia que íamos ser exmplares. Um Tahiti gigante, um Hawaii aqui. Mal sabíamos que enquanto nos sentíamos felizes a coisa era combinada. Desandou. Nos anos 80 a coisa foi ficando cada vez mais mal humorada. Deu no Pânico.
   Toda geração tem seu momento Copacabana. A hora em que tudo parece "lindo leve e solto". A minha foi entre 1978/1983. Quer dizer, eu espero que todos tenham tido esse momento. Quem não viveu seu ano, ou anos, bossa-nova-tudo-lindo, que vá pedir emprego no Pânico. Com certeza seu sonho é se vingar do meu sorriso. Eu era aquele cabeludo que sorria nas escadarias do Objetivo. E voce era o ressentido que zombava da minha alegria.

CONSIDERAÇÕES FILOSÓFICAS E POÉTICAS SOBRE UM VIDEO TOSCO QUE EXIBE A MELHOR MÚSICA DO PLANETA TERRA.

Eles são magros. Muito magros. E jogam bola. A gente logo percebe então: São magros porque é uma época sem hamburger e sem salgadinhos de pacote. Mais: de feijão com bife e sem supermercados. Nas roupas com que jogam bola não há uma só marca: sem grife nenhuma e sem tênis. É bola e pé. No que eles gastavam dinheiro? Não havia celular, internet, tv a cabo, pay per view, plano de saúde, seguro do carro, show caro de artista barato... no que se gastava dinheiro? Que dinheiro? Eles não tinham dinheiro e não trabalhavam em dois empregos pra pagar a nova tv 3D. Jogavam bola e tiravam um som.
Amigos que não vão em balada. Simplesmente se encontram pra jogar bola e fumar um. E fazer um som. Não há qualquer idéia de se construir uma carreira. Não se pensa em música como um emprego, um meio de vida. Faz-se música. Simples assim. O que vier é acidente, não meta. Pensamentos magros em gente magra. Música magra. Portanto, leve. Amigos fazendo um som. E esse som nasce sem um objetivo. Ele reflete apenas, reflete o som que seus avôs ouviam no rádio na hora de se levantar pra fazer o café. Misturado com o som das festas do campo e da praia. E com um toque de discos novos comprados na hora. Mas tudo misturado como peixada, como batida pra beber, como feijoada. Pra dar gosto, pra dar prazer, pra ser encontro. E mesmo com tanta mistura, magro, leve, simples, virtuoso.
Toda música devia ser uma fruta no pé. Uma grama pra jogar. Um gol em meta de paus velhos e tortos, mal medidos. Uma folia de camisetas sujas e de mistureba de times. E a música vem amistosa, doce, com gosto de goiabada com queijo e cheiro de bolo de fubá. E quando ela desliza ela é rio, e quando ela canta ela voa. É uma manhã onde tudo é certo e bom, onde eu me canto, e onde as ruas são sóis vagabundos. A barca corre, a vida corre e nada morre. E eu ia lhe chamar enquanto corria a barca...
Eu ia, eu fui, eu continuo a te chamar, vida.
Os caras magros jogam bola e fazem música e viver ainda me apaixona. Eta música boa demais que eu ouço faz tanto tempo!!!!!!!!!

ACABOU CHORARE - NOVOS BAIANOS

Quero mais. Só rock é pouco e jazz é pouco também. Como alguém pode só escutar ópera ou quartetos de Haydn ? Eu quero mais. O som de Ravi Shankar e de Trenet. Música pop da Itália e da Espanha. Mariachis e guaranias. Cabe todo som na minha cabeça. Música é para expandir.
Voce odeia MPB à priori ? Pobre de voce. Entre o lixo inominável e a pretensão cabecista existe muita coisa mais que boa. Porque voce, menino do Brasil, devia saber que o som do Brasil é acusticamente insuperável. O segredo nacional não é a ginga ou a percussão. É a harmonia. No som que se fazia no país tudo podia entrar, harmonicamente. A grande música pop do Brasil é fluxo de maré, é embalo de acalanto, é doce e ensina a viver. Pode salvar vidas.
Mas não cabe, talvez, em seu mundinho de trevas.
Bom gosto e bom astral. O disco começa se pondo em campo. Brasil Pandeiro é escalação de seleção, carta de deliciosas intenções. O tabuleiro está posto. Ele é baiano.
Quando então entra Preta Pretinha o gol é de placa. Nascer com esta canção... ela é tudo aquilo que poderia ter sido o Brasil. E é aquilo que a gente insiste em tentar ser : bonito. Talvez seja a mais bonita das canções. É ingênua, é solar, é esperança de vida. Preta Pretinha justifica toda a música nacional, de Caymmi até agora. Quando entra a percussão as meninas dançam e eu sorrio e penso : viver pode ser bom.
Mensagem de todo este disco/manifesto : VIVER PODE SER BOM.
Abre a porta e a janela e vem ver o sol nascer... eu sou um pássaro que vive avoando/ vive avoando sem nunca mais parar/ aiaiai saudade não venha me matar...
O disco não precisava de mais nada. Mas vem Tinindo Trincando que é uma festa de maconha e álcool barato. As cores dançam e o otimismo é rei. Swing de Campo Grande é ressaca carnavalesca. Jogar bola, ver as meninas e cantar, fora isso nada faz sentido, a vida é só bola, menina e violão. Se não é tinha de ser.
É engraçado, na MPB não existe o ódio... rockeiros cobram dela algo que ela não tem, ódio. É como cobrar harmonia de punk rock. Outro mundo.
Acabou Chorare. Se a gente perder de vez o dom de cantar o amor tudo estará perdido. Esta canção é amor de verdade e eu sei, se não se sabe cantar a raiva é porque se vive no amor. Chorare é tristeza confortável. Amor quente, lindo e pra sempre. Beijo em nosso ouvido.
Mistério do Planeta. Uma viagem filosófica baiana. Aquele nada que é tudo sendo coisa alguma. Mas o violão é lindo. Aceitar a vida. O mistério de cantar e imaginar esta letra.
A Menina Dança. Malandrices de quem chega sempre e nunca parte. Tanta malandrice irrita corações azedados. Me dá vontade de viver mais quatro décadas. Repetindo tudinho aquilo que fiz. A menina dança e eu danço com ela. No meu olho.
Besta é Tu. Besta é tu. O quanto cabe de alegria numa canção. Quando eu tinha 18 anos esta canção fez com que eu vendesse meus discos cabeça. Num mundo ideal todas as músicas seriam assim. Num dia ideal a gente acorda ouvindo isto. Porque não viver neste mundo/ se não há outro mundo.... Eu pulo e sorrio. Besta é tu...
Um Bilhete Pra Didi. Música estradeira de bananas e de garotos que vendem caranguejo.
Quantas vezes desci a Serra ouvindo isto ? E me sentindo e tendo consciência de estar completa e absolutamente feliz. O sol no verde, a água espumando e o cheiro... e o mar lá no final. Lindo.
ACABOU CHORARE é viajar para a idéia solar. Mas não vou cabeçar... sem filosofices, o disco é lindo e alegre. Nenhum país faz nada parecido. Este tipo de canção é só aqui. Não é pouca coisa.
Eu ia lhe chamar/ Enquanto corria a barca.... Abre a porta e a janela e vem ver o sol nascer......