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BRÁS, PINHEIROS, JARDINS,3 BAIRRO, 3 MUNDOS- EBE REALE

   Não são as fotos, poucas e bem ruins, o interesse deste livro. É o texto. O autor conta a história dos bairros do Brás, Pinheiros e Jardins, e esses relatos nos entretém por revelar os muitos erros cometidos nesses bairros. O Brás, dos imigrantes pobres, Pinheiros, de índios e caipiras, e os Jardins, dos imigrantes ricos.
   Pinheiros é o bairro mais antigo de SP. Foi fundado junto com a cidade, onde hoje fica a rua Butantã. Lá viviam índios Guaianazes, pacíficos, e alguns mestiços. Mas, ao contrário de bairros mais recentes, Pinheiros passou 3 séculos sem crescer. Por volta de 1800 ele era quase deserto, um conglomerado minúsculo de casas pobres e muita lama. Só no começo do século XX o bairro volta a crescer, lentamente. Olarias, pesca, posto de troca de mulas, vinha de Pinheiros quase toda a areia e todo tijolo usado na construção da cidade. O bairro nascia na atual Dr Arnaldo e descia até a avenida Brasil. Entre a Brasil e o Largo de Pinheiros um imenso vazio, e ao redor do Largo, uma vila ribeirinha. Como curiosidades a Hípica Paulista, cuja sede era onde hoje é o colégio Fernão Dias, as cavalariças ficavam onde agora ficam os prediozinhos de 4 andares ao redor do colégio. Na Teodoro Sampaio ficava uma pista de hipismo que ia até a Brasil e voltava pela Rebouças. Isso até 1935!!!! Outro marco é a fundação da Cooperativa Agrícola de Cotia, que chegou a ser a maior da América do Sul. Fundada por japoneses, ela recebia produtos de Sorocaba, Ibiúna, Itú, Atibaia e toda região. Foi a partir da cooperativa que os bairros do Butantã emergiram. A grande tragédia foi a enchente de 1929, que desalojou o clube Pinheiros e que destruiu ruas inteiras. Provocada pela Light, que abriu suas comportas, o desastre mudou para sempre a topografia da região. A Light ganhou de graça toda área alagada e o rio começou seu longo trajeto rumo à morte.
  Os Jardins são na verdade, em sua origem, dois bairros, o Jardim Paulista e o Jardim América. O Jardim Paulista nasce como bairro de abastecimento. Sua função é dar suporte às mansões da Paulista.   Em suas ladeiras viviam aqueles que abasteciam as mansões de comida, serviços e produtos variados. Enquanto a Paulista tinha até telefone e gás, na Campinas, Lorena, Jahú, havia lama, sujeira e carroças. Com o tempo, a partir dos anos 40, a região começa a abrigar lojas finas, restaurantes e gente rica passa a cobiçar o lugar. A vista da região era a mais bela da cidade. De suas ruas se podia ver o curso do Pinheiros e as matas do Morumby. Mal planejado ( na verdade não planejado ), o bairro constrói mansões e sobradinhos geminados, prédios e bares.
   O Jardim América foi construído nos anos 20 pela companhia City de Londres. Na origem havia a proibição de muros, todas as ruas seriam gramadas, e as ruas sempre em curva. A cada seis quarteirões haveria um parque. O bairro chegou a ser considerado o melhor do mundo, mas com o tempo muito do plano original foi esquecido. Onde existia um parque foi feito mais casas, as cercas e muros chegaram e os gramados despareceram. No seu nascimento a região tinha 3 donos, 3 chácaras que foram vendidas a peso de ouro. Ninguém queria morar lá, a fama do lugar era de lodo, assaltos e insetos. A primeira casa fica na Colombia com Nicarágua, ainda está lá. A partir dos anos 50 o bairro se torna o mais caro da cidade.
  O Jardim Europa foi ideia de um dono de terras português que ficou rico com uma loja na Augusta. Vendo o sucesso do Jardim América, e sendo dono do sítio que começava na Brasil e descia pelos charcos abaixo, ele chamou engenheiros ingleses e dividiu suas terras em ruas à moda do Jardim Paulista. A diferença era o preço. Lotes menores e menos exigências de construção. Para facilitar a venda, ele abriu a avenida Europa, cortando ao meio sua chácara. As vendas foram lentas, as pessoas desconfiadas de ir morar naquela região tão distante. Mas por fim tudo foi vendido. Era então aberto o caminho para os futuros Jardim Paulistano, Jardim Guedala, Cidade Jardim e por fim, já nos anos 50, o Morumbi. Toda a riqueza da cidade acabaria migrando de Higienópolis, Pacaembu e Paulista para a região sudoeste da cidade.
  Essa mudança continua ocorrendo com o rumo sudoeste levando à Lapa, Alphaville e região.
  Um livro raro e interessante.

O MORUMBI

   A avenida Jorge João Saad, aquela que vai dar no estádio...era um córrego. Não,não era, era mais que um córrego, era um riacho. Para ir à escola eu tinha de cruzar esse córrego. A ponte era um tronco de árvore caído. Passava correndo, sem olhar pra baixo. Quando chovia não ia, tudo alagava. A Giovanni Gronchi era uma estrada, não uma avenida. Estrada porque parecia não ser mais São Paulo. Asfaltada, era caminho para Itapecerica da Serra. Ao longo dela só eucaliptos. Florestas de eucaliptos. O cheiro forte, sempre frio. Som das folhas ao vento, chuva de folhas, sombras. Quilômetros de eucaliptos. Por toda a Giovanni só 3 construções: o estádio, o colégio americano e ao final a fábrica da Pullmann. Era engraçado. Após um tempão de árvores e cheiro de árvores, súbito, cheiro de bolo assando. Ao redor da Pullmann tinha sempre a marca dos bolos ao forno.
  A avenida Morumbi era rua de travestis. Quando ela chegava junto a ponte do Brooklyn. "Moças" de minissaia faziam ponto nas calçadas. Era mais uma avenida de eucaliptos. Terrenos vazios, bosques e os travestis. Um nada completo. Algumas poucas mansões enormes. Sem muros. Se passeava para se ver as mansões.
  Mas eu morava em outra parte. Na beira do Morumbi, perto de onde hoje é a TV Bandeirantes. Algumas ruas já tinham asfalto e nelas se andava de kart. A maioria era de terra. Poucas ruas. O bairro era uma confusão de terrenos baldios sem muro que se uniam a mais terrenos baldios. A gente podia andar em linha reta, cruzando dúzias de terrenos, terras que pareciam sem dono. Naquela parte do bairro não tinha eucalipto. Eram campos de capim e de mamona. E enormes cupinzais. A gente fazia guerra de mamona e cachimbos pra fazer bola de sabão. Na minha rua passava um carro a cada meia hora. 
  Lagoas a todo lado. Algumas com fundo de pedra. Meu primo nadava pelado. Pegava siri. Riachos cheios de peixinhos. Amarelos, eles nadavam contra a corrente e eu ficava doido de prazer em ver seus corpos claros na água com sol. Parecia um tipo de milagre. No fim da tarde tudo se lotava de sapos e rãs. 
  Cobras verdes, fininhas, andavam pelo capim. Enormes incêndios. O capim fazia um barulho legal quando queimava. Estourava. Cobras cegas quando a gente cavava junto ao cupinzal. Ela eram brancas e feias. Diziam que cuspiam no olho da gente. Ratos enormes. E gambás. Preguiças. Micos. Eu vi. E não faz tanto tempo assim.
  Tinha uma bica onde a gente bebia água. E da frente da minha casa dava pra ver a avenida Paulista. De tarde a gente via o relógio do conjunto Nacional. Da porta da cozinha a gente via o pico do Jaguaré. Bem claro, verde, parecia perto. O Morumbi era lugar de se ver longe. E de escutar. Pássaros a semana toda e a torcida no estádio domingo de tarde. 
   Quando chovia era lama. Muita. E no inverno era muito frio. Nevoeiros que duravam o dia inteiro. Calor de cigarras e de gafanhotos. E eu juro, vacas que passavam de mansinho na frente do meu portão.
   O que eu fazia? Eu olhava. Como eu olhava! Deitava junto a um abacateiro e ficava olhando nuvens. Elas se modificavam, voavam, paravam, iam-se. Quando surgia um avião era uma festa. Vóooooommm...e passava-se. Às vezes dava uma tristeza... a poesia já se avizinhava de mim. Eu sabia tudo tão lindo e ao mesmo tempo sabia que tudo passava. 
   Um dia achei em minhas andanças piso de cerãmica em meio ao mato. Restos de uma casa demolida desde quando? O muito velho deparou-se comigo. Ruínas. Uma coluna caída, um resto de porta. 
   Outro dia era a piscina onde flutuar era um tipo de nascer outra vez. Sabia na pele que tudo era ciclo. Mas acreditava sem pensar em crer que a árvore da minha tia era para sempre. Mudanças que mudavam sem passar.
   O Morumbi era um campo de aprendizado. Aprendia a ver, a escutar, aprendia a pensar em ócio. Entendia o espaço. 
   2013 são 40 anos depois. E agora o eu que sou sabe que não existe vida sem espaço aberto, sem horizonte e sem poder ver o Jaguaré. Não existe vida sem cigarras e sem pontes pra cruzar. E a morte mora em muros altos e terrenos fechados.