Mostrando postagens com marcador mishima. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador mishima. Mostrar todas as postagens

na literatura repousa o começo e o fim

A civilização começa com um livro. E terminará com um outro. Toda arte está em irremediável queda, mas a literatura não. É a mais forte e a mais necessária das manifestações humanas. Qualquer outra forma artística se apequena perante o livro.
Lí recentemente quatro autores diferentes, e mesmo não sendo nenhum deles um gênio excepcional, colocam no chinelo qualquer músico, cineasta ou arquiteto.
MIGUEL TORGA é um português que deveria ter ganho o Nobel. Saramago é um anão afetado perto dele. Seu texto é bastante difícil, pois ele escreve sobre o povo lusitano usando o vocabulário desse povo. Para um brasileiro, ler Miguel Torga é tão trabalhoso quanto para um português ler Guimarães Rosa. Mas vale a pena : é delicioso ver aquela gente vivendo sua vida crua, simples. Sentimos que existe alguma coisa sagrada alí.
TANIZAKI é um autor japonês infinitamente inferior ao genial Kawabata. Mas vale a pena ? Vale. Ele, que escreve com extrema simplicidade, não descreve paisagens ou cenas pictóricas. Seu único interesse é sexo. No livro que lí, A Chave, um marido compra uma câmera e passa a fotografar a esposa nua. O genro descobre as fotos... O livro se tornou um filme famoso nos anos 60 e ainda impressiona sua naturalidade.
EVELYN WAUGH.... apesar do nome, é um homem. E apesar de talvez voce não o conhecer, é um dos escritores mais famosos da Inglaterra do século XX. Seu trabalho é o humor, mas não há nada de absurdo ou de exagerado em seu humor. Ele pega um detalhe real e nos revela o grotesco desse detalhe. O resultado é o tal do " witty" essa coisa hilária tipicamente britânica. O livro que lí ( Homens em Armas ) é o oitavo que leio de Waugh. Trata das lembranças da segunda guerra, guerra em que ele serviu. O livro é um tipo de Mash à inglesa. Personagens ridículos, situações absurdas, a comédia da guerra, a futilidade daquilo tudo. Waugh é sempre excelente, sempre divertido, sempre atual. Não é genial, mas é um mestre. Aliás, nada é melhor que esse período da Inglaterra : entre 1870 e 1960, as ilhas britânicas atingiram um nível de civilidade, educação, excelência que nunca fora igualado e que provàvelmente jamais o será, por nação alguma ( os franceses que me perdoem ). Era de chá das cinco, ônibus de dois andares, fog, chapéu côco, guarda chuva, pub com cerveja e fritas, da torta de rim, do cricket, do Porto e do Madeira, do futebol e do rugby, das colonias na India e na Africa, de Churchill e Lloyd George, o apogeu de Oxford e Cambridge, era de H.G.Wells, Shaw, Conan Doyle, Eliot, Yeats, Virginia Wolff, Huxley, Graham Greene, Thomas Hardy, D.H.Lawrence, Oscar Wilde, Joyce, Beckett, Pinter, Lewis Carroll, Synge, Dylan Thomas, E.M.Foster, Orwell, O'Connor, O'Brien e de Evelyn Waugh. Nada me dá mais prazer que esses autores. Um livro escrito por um autor britâncio desse período é quase sempre garantia de escelência !
YUKIO MISHIMA. É o mais famoso autor japonês do século. Estou lendo a única obra sua que enfrentei até agora : Morte na Primavera. Ele é menos oriental que Tanizaki e menos misterioso que Kawabata. Escreve como um americano. O que é contraditório : Mishima odiava a América. Deixe-me contar : Mishima foi moda nos anos 80. Sua vida se tornou um filme dirigido por Paul Schrader ( roteirista de Taxi Driver ). Foi um radical. Lutava contra a americanização do Japão. Para ele, a complexidade da alma japonesa estava sendo subjugada pelo vício no consumo desenfreado. Em vez dos interesses básicos da nação ( sexo/morte e ritualização do cotidiano ) o Japão optaria por Consumo/Pressa e Indiferença. Sua morte foi genial- após discursar numa emissora de tv, acompanhado por um general, nos telhados da emissora, Mishima realizou Seppuku com todos os requintes da tradição. Um protesto contra o futuro e um apelo para que o Japão voltasse a ser militarista. Esse é Mishima, esse é o Japão. Uma adaga samurai cravada na barriga por ele mesmo e o general terminando o serviço. Porque chamei esse suicídio de genial ? No Japão esse ato é visto de uma meneira completamente diferente. Lá, uma pessoa nobre, ao se ver sem saída, seja por doença/ desonra ou derrota, realiza uma escolha : um local bonito, uma espada perfeita, um ato de estética refinada, a liberdade de escolher quando, onde e como morrer. Para nós, é uma idéia quase repugnante, para o japonês, racional. A morte é lembrada em todo recanto : Suas casas são cheias de fotos dos antepassados ( voce acha que eles fotografam tanto porque ? Para serem lembrados ), altares para as almas dos mortos que estão presentes, em cinzas e em espírito, apego ao bom nome da fámília, apego ao chefe. Morte, sexo e rituais infindáveis... alguém deveria estudar melhor isso...
Bem... hoje divaguei como um Laurence Sterne... é minha admiração pelo modo de pensar britânico... ah, esquecí, aquele período ainda tem Bertrand Russel, provávelmente o homem mais inteligente do século.
É isso.

PS 1- um amigo já escreve reclamando do esquecimento de Joseph Conrad. Meu caro, escreví por canetada, sem pensar em mérito ou qualquer preferencia... os nomes de Auden, Stevenson e Galsworthy também não foram citados ! E ainda posso falar de Maugham e do meu muito admirado PG Wodehouse, autor divetidíssimo !!!!!

PS 2- é grande a tentação de citar o americano Henry James... afinal citei o americano TS Eliot. Mas o caso é diferente. Eliot se tornou cidadão britânico, se dizia um anglicano, monarquista e conservador. Um inglês, portanto. Para mim, James morreu americano.