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AS INCRÍVEIS AVENTURAS DE KAVALIER E CLAY - MICHAEL CHABON

Joe Kavalier é um garoto judeu em Praga, 1938. Estudante da arte do escape ( aquele tipo de mágica em que o artista escapa de arcas, correntes, algemas.... ) Joe, que na verdade se chama Josef, foge dos nazis deixando para trás sua família. Chega a América e passa a viver com seu primo, Sam Clay. O primo lhe apresenta a grande novidade da época, O Super-Homem. Juntos eles criam O Escapista, um novo super-herói. O longo ( demais ) romance de Chabon acompanha a história dos dois. Seu imenso sucesso e sua queda.
Joe domina o livro. Seu desejo de poder libertar sua família, seu imenso talento, seu amor por Rosa, uma artista surrealista, sua piração pós-segunda guerra. O livro o segue, de 38 até 1954. Desde a grande explosão dos quadrinhos no final da década de 30 ( a era de ouro : SUPERMAN, BATMAN, FLASH, MULHER MARAVILHA, CAPITÃO MARVEL e imenso etc ) até a decadência dos anos pós-Hiroxima. E esse é o melhor lado do livro : um verdadeiro amor pelas histórias em quadrinhos. Chabon mostra a genialidade ( da qual não temos mais a noção ) da criação do Super-Homem, o primeiro herói com super poderes, o primeiro a usar capa e a ter identidade secreta, a intuição de se criar um cara que é o sonho de todo nerd. E também sonho de todo judeu. Siegel e Shuster criaram um típico imigrante judaico, vindo de Krypton e usando o nome de Clark Kent para ser absorvido pelos americanos.
Chabon, com bela poesia, defende a genialidade dos hqs, a maravilhosa função da qual eles se incumbiram : a de salvar o sonho de milhões de crianças da América. Uma arte simples, mas jamais simplória, que modificou para sempre a mente de todo o século XX. Quando em 1954, psicólogos e senadores passaram a tentar censurar as revistas, dizendo que elas pervertiam as mentes infantís, Chabon faz uma belíssima defesa dos heróis. Ele diz que Batman e Robin ou Capitão América e Buck nunca forma casos de pedofilia gay. Eles eram respostas a ansiedade de jovens ignorados pelos pais de terem um super-pai. Os adultos não queriam ver isso. Preferiam ver Batman como um corruptor e não como o pai que eles não conseguiam ser.
O romance mistura verdade e ficção. Mostra a decadência pós- era de ouro. A partir de 1947 as vendas caem. Os quadrinhos que vendem são agora apenas os de terror e ficção científica. Ninguém mais quer saber de heróis mascarados. Até que a turma da Timely, agora rebatizada como Marvel salva os heróis com o novo Capitão América, o Tocha-Humana e o novo Namor. E mais tarde o Homem-Aranha. Michael Chabon chama Jack Kirby de maior gênio de todo o HQ, e vemos Stan Lee, Gil Kane, Milton Caniff, Al Capp e vários outros como personagens do livro.
Assim como Orson Welles. Joe e Sam vão a estréia de CIDADÃO KANE e piram com o filme. Kane faz com que os dois se tornem mais ambiciosos e comecem a desdenhar do trabalho que faziam até então. A descrição do filme por Joe/Chabon é brilhante.
Bem, tudo isso é o lado bom do livro. Mas há um lado que o prejudica, e muito ! São quase 700 páginas !!!!! Caramba... nada justifica tanta prolixidade. Quando alguém como Bellow escreve 700 páginas sentimos todo o tempo que elas são necessárias. Mas aqui há um esticamento desnecessário. O livro brilha e então atola, volta a fluir e então se esparrama sem rumo. Pra quê ? Às vezes me dá uma saudade de autores como John Cheever, que falava tanto em tão pouco espaço. Mas.... não deixa de ser um livro invulgar, vencedor do Pulitzer de 2001 e cheio de ambição e verdadeiro amor por seu tema e seus personagens.
Vale muito a pena. Mas cansa...

GAROTOS INCRÍVEIS - MICHAEL CHABON

Quem me conhece sabe de minha paixão pelo filme de Curtis Hanson baseado neste livro. A comparação do livro, que lí somente agora, com o filme, que já vi 4 vezes, serve para clarear os limites do cinema e fazer pensar em como deve ser cruel adaptar um livro tão bom.
Chabon, autor jovem, é das coisas mais "quentes" das atuais letras americanas. Já ganhou Pulitzer e consegue unir erudição com popicidade. Este é seu segundo livro e fala de um final de semana na vida em crise de um professor/escritor que não consegue parar de aumentar seu prometido novo livro : WONDER BOYS.
O livro é muito mais amargo que o filme. O editor gay, feito no filme por Robert Downey Jr com simpatia ( aliás o grande limite a Downey como ator é que ele não consegue deixar de ser simpático ) é um nada simpático e afetadíssimo, falso e maldoso homossexual no livro. Assim como James Leer, o garoto prodígio, é um suicida sensível, que tem na mão uma tatuagem onde se lê FRANK CAPRA ( a tattoo sumiu nas telas ). As alusões ao cinema dos anos 30 são constantes no livro. Fala-se da beleza arrebatadora do jovem Henry Fonda e dos atores que se mataram. Mas o livro e o filme se desencontram de vez mais a frente...
A aluna Hannah, que no filme é mera sombra, no livro é uma paixão do professor. Ela o assombra todo o tempo com suas tentativas de sedução, às quais ele resiste. Em compensação, Sara, a esposa do reitor e mãe do futuro filho do protagonista, é aqui coadjuvante. No filme ela aparece mais.
O miolo do romance é uma visita a casa da ex-esposa do professor, onde a família dela comemora a páscoa judaica. São as melhores páginas do livro e trágicamente no filme desapareceram sem deixar o menor rastro. Aliás não é só a quase pedofilia do autor com sua aluna que foi eliminada, toda alusão ao judaísmo também.
Como no filme, a vida do professor gira ao redor da maconha. No livro a coisa é bem mais pesada, seu vício é total. Nada há de cômico na erva, ele fuma por estar em crise e saber que seu livro é um lixo. A crise é absoluta. No fim ele perde tudo, carreira, aluna, carro, amigo, aluno. Mas o livro emociona com um dos melhores finais da década. As últimas páginas deste romance sobre a crise são de maravilhosa beleza. Um otimismo real aparece, uma paz possível.
Chabon escreve bem. Ele é fácil de ler, mas jamais é superficial; ele é pop sem fazer gracinhas. Consegue criar um personagem apaixonante ( Grady Tripp, o professor. No filme feito com inspiração por um carismático Michael Douglas ) para quem torcemos todo o tempo. Sua trajetória através desse louquíssimo final de semana é cômica, trágica, heróica e patética.
GAROTOS INCRÍVEIS é livro que faz com que a fé na literatura permaneça. Diversão soberba e escrita perfeita.
Um adendo : Como deve ter sido triste ao autor do roteiro ( premiado ) eliminar capítulos inteiros, cenas que poderiam render tanto na tela, diminuir personagens, cortar falas, abreviar desastres e passar sobre rostos e vozes. Penso em tantos livros destruídos no cinema, livros como MORRO DOS VENTOS UIVANTES que sempre deu filmes péssimos, ou ANNA KARENINA livro monumento que na tela vira uma novelinha frágil. Em compensação penso em David Lean, que filmou OLIVER TWIST e GRANDES ESPERANÇAS e conseguiu fazer dos dois livros filmes geniais. GAROTOS INCRÍVEIS o filme, está mais para GRANDES ESPERANÇAS que para ANNA KARENINA, Curtis Hanson sobreviveu a transposição.
Mas o livro é ainda melhor que o filme. Mais profundo, mais engraçado e muito mais febril. O cinema tem limites claros, e o tempo é o mais óbvio.
Faço aqui uma campanha : Peguem o que sobrou do livro e produzam mais um filme ! Please !

Inácio Araújo, Michael Chabon e Gore Vidal

A Folha publicou uma matéria sobre Michael Chabon. Parece que finalmente começam a levá-lo a sério por aqui. Ele escreveu Garotos Incríveis- que se tornou um dos meus filmes favoritos. O livro é tão bom quanto o perfeito filme de Curtis Hanson ( onde Michael Douglas dá um show ). Sua escrita é absolutamente viciante, deliciosa, pop, cheia de habilidade. Voce deve e precisa ler. Legal é que ele adora O Grande Lebowski !!!!!!! Pois Lebowski é o tipo de história que poderia ter sido escrita por ele mesmo.
Michael Chabon tem um gosto parecido com o meu. Muito parecido.
Assim como Inácio Araújo. Que diz sentir profundo tédio com Wong Kar Wai. Ora, isso é lógico. Um homem que ama os filmes de Hawks, Clint e Ford não pode ser enganado pelo doce perfume enjoativo de Kar Wai.
Me perguntam se ando lendo ou se apenas vejo filmes. Weeellllll.... descobri e me viciei em Sherlock Holmes. Um prazer. Finalmente entendo o porque de Georges Simenon ter sido tão famoso ( voce o conhece, não ? Bem, seu pai o leu. Autor belga, morreu nos anos 90. Livros de crime e mistério. Muito clima. Muito existencialismo pop. Ópio em forma de texto. ) Leio também Gore Vidal. O livro se chama Criação. 800 páginas hilárias e cheias de estilo superior. Ele situa o texto em 500 antes de Cristo. Grécia/india/China e Persia. O momento em que o mundo que conhecemos nasceu. Porém Vidal tira uma de tudo. Desmistifica a democracia, a filosofia, os deuses.
Gore Vidal é aquilo que um dia foi conhecido por aristocrata americano. Americanos bem-nascidos, bem-educados, finos e snobs. De família de senadores do século 19, ele prórpio tentou ser presidente nos anos 60/70. Vidal é anti-democrático ( como era Paulo Francis ) pois ele via no voto a porta de entrada da plebe decadente ao palco do mundo. A democracia tende a nivelar tudo por baixo ( cada vez mais baixo ). Para Vidal, a América foi grande enquanto foi governada por uma aristocracia bem formada e bem pensante ( Jefferson e etc. ) e teve em Kennedy seu último representante. Ele escreve como um nobre. Como alguém que está acima da vulgaridade. Mas escreve com verve, e portanto é delicioso.
Neste cada vez mais jeca e bárbaro mundo, ler Vidal, Chabon, Evelyn Waugh, Graham Greene é obrigatório.