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AINDA EXISTEM TOM SAWYERS NO MUNDO

   Releio Tom Sawyer.
   Se voce nunca leu não sabe o que é infância. Sim, ele é do século XIX. Mas que alegria! Lendo-o percebo que na escola onde trabalho ainda existem dois ou três Tom Sawyer. É aquele menino que inventa. Que cria e crê. Que foge. Faz e depois pensa. E que também tem pontadas de melancolia, como se uma voz lhe dissesse que tudo vai acabar. Eu sempre me ligo à esses alunos. São brilhantes. Mas podem se perder facilmente. A sorte cumpre um papel imenso na vida deles.
  Ler o livro é como comer o doce que voce mais gosta. Leitura banquete. Voce se pega lembrando de tudo o que pensava, sentia e fazia aos 12 anos. Como o mundo era pequeno e imenso, horrível e sedutor, aborrecido e fantástico. Cada manhã era um: E agora? Mesmo que todas fossem iguais. Sim meus queridos, eu brinquei de pirata e procurei um tesouro. Eu acreditava que havia um segredo atrás de cada parede e uma arca debaixo de cada quintal. Tudo era vivo, inclusive este livro que guardo a já 50 anos.
  Não deixem que os Tom Sawyer de hoje sejam chamados de hiper ativos. Permitam que ele pule os muros e construa jangadas. Um mundo sem eles é planeta frio. E já que não há mais Mark Twains que haja ao menos seus moleques.

DICAS ÚTEIS PARA UMA VIDA FÚTIL - MARK TWAIN, UM MANUAL PARA A MALDITA RAÇA HUMANA.

   Houve um tempo em que Twain era tão conhecido no Brasil como é JK Rowling hoje. Tanto era que ele foi, em 1971, o segundo autor que lembro ter lido. O primeiro foi Robert Louis Stevenson com A Ilha do Tesouro. Comecei bem, eu sei, e o livro de Twain era Tom Sawyer. Li e virei Tom Sawyer. Nele eu descobri que podia viver dentro de um livro.
   Mark Twain criou a América. Mais que Whitman ou Emerson, foi ele quem deu ao povo do país uma identidade. E foi amado, famoso, rico. Mas não foi feliz. Suas filhas morreram antes dele, e quando Twain se foi, em 1910, era um homem amargo.
  Cabelão branco e terno largo também branco. Ele dizia que vestia branco porque usar preto era perigoso. Podiam achar que ele já havia morrido. Este belo livro reúne texto que Twain escreveu entre 1870-1906. São 36 anos de artigos de jornal, romances, contos, peças e discursos. Viajava  mundo como astro de rock, dando palestras. E seu estilo era aquilo que se tornou o "estilo americano". Um jeito direto e grosso, engraçado e amargo, polido e cru, empolado e ousado. Seu texto tem sabor e tem humor. É a fala do sul, do Mississipi.
  Ele fala um pouco de tudo. Como educar filhos, como viver feliz, como ser amigo, o que se deve comer, beber, vestir. Como viajar. Ele critica as manias da Europa. Sua voz é aquela do Dude Lebowski. E é também a voz de Faulkner, de Updike, de Mailer e de Dylan. Mark Twain captura uma nação jovem e dubla seu sonho em voz. Exibe aquilo que a América quer ser.

ROMANCES DE AMOR

   Como fiz vários posts sobre o Amor em música, falo agora de livros, poucos, que trazem memórias de amor.
   O primeiro de minha vida foi Tom Sawyer. Sim, isso mesmo, o amor de Tom e Becky, o primeiro beijo. Incrível mas eu lembro do exato momento em que li sobre esse beijo: aos 9 anos, debaixo de bananeiras no quintal de casa. Muito calor. Antevi aí meu futuro primeiro beijo. Só não pensei que fosse demorar tanto.
   Depois o namoro de Peter Parker e de Gwen Stacy e então os grandes romances.
   David Copperfield com Dora, quando ela morre, a primeira página que me fez chorar ( no quarto, lendo de madrugada ). Em seguida o mais perfeito dos romances sobre o amor, O Morro dos Ventos Uivantes, Heathcliff e Catherine, o amor como maldição, como sina, o amor que é dor para sempre. O máximo do romantismo fatalista, um cataclisma na minha mente e alma. O cenário perfeito ( vento frio em campos pantanosos ) a mulher perfeita e o homem "mal" que esconde sua ferida.
   Tudo que veio depois foi menos forte. Jake e Lady Brett no Heminguay de O Sol Também se Levanta, o amor impotente, amor irrealizável em meio a fiesta da Espanha. Os amores nas obras-primas de Stendhal, O Vermelho e o Negro e A Cartuxa de Parma, amores irônicos, amores que são como atuações que convencem o próprio ator. E escritos com a maestria do maior estilista.
   O amor simples de Kitty e Lievin em Anna Karenina, pois o amor de Anna e Vronsky nunca foi para mim o centro da obra, mas sim o amor de Lievin, que descobre a perfeição na simplicidade de sua mulher. A felicidade nasce após a morte em vida do aturdido Lievin.
   Ofélia e Hamlet...Esse amor continua um enigma, pois é impossível saber quem foi Hamlet e porque Ofélia o amava. O desagradável Hamlet.
   Os amores dos livros de Jane Austen, tímidos, convencionais, trêmulos e hesitantes. A doce alegria de seus finais práticos, finais que na verdade são elogios ao pragmatismo. Ler Austen é amar suas heroínas e admirar os falsos tolos que são na verdade seus heróis.
   Gatsby e sua tragédia. O desajustado que não percebe seu desajuste. O amor como miragem de beleza. Impossível.
   Não posso negar a importãncia de A Insustentável Leveza do Ser. Hoje percebo suas falhas, mas na época, anos 80, Tereza foi musa para mim. Aliás, era esse seu nome? Well...Kundera foi por algum tempo um herói.
   Estranho....poucos livros me marcaram como 'livros de amor". Falar de Henry James como autor amoroso é absurdo. A questão amorosa é centro de suas obras-primas, mas aquilo é mesmo amor? São personagens tão auto-centrados que fica dificil levar aquele sentimento a sério. Amor? Será? Solidão seria mais correto dizer.
   Na verdade meus livros de 'amor" são os poetas. E deles ( Keats, Shelley. Blake, Lorca, Yeats, Rilke ) não vou falar. Estou discorrendo sobre a prosa.
   Então nada de Dante e Beatriz.
   Volto a Tom Sawyer. O beijo e amor por Becky é parte de um todo. Tom faz estrepulias, foge de casa, recupera dinheiro roubado, briga, se perde em mina abandonada. E ama à Becky cada vez mais. Esse é o roteiro ideal de uma boa história de amor. O arcabouço foi criado a mais de 3000 anos, na Grécia. E não se fez até aqui uma base melhor. O herói que ama e parte, prova sua grandesa e retorna ao amor.
   É isso.

AVENTURAS DE TOM SAWYER- MARK TWAIN

   Todo menino deveria ler Tom Sawyer. Se A Ilha do Tesouro foi o primeiro livro que li, Tom foi meu primeiro herói. Eu o li com pressa, com prazer, querendo que nunca acabasse e tolamente correndo para ver logo o que acontecia. E acontece um monte de coisas.
   Menino do sul dos EUA, beira de rios, mundo de 1860, ele vive livre. Mente, engana, é malandro. Tem familia, vai à escola. Brinca e se apaixona por Becky. Seu grande amigo é Huckleberry Finn, um sem-teto, e tem também Syd, seu irmão menor, um almofadinha. É um mundo de bichos, de crenças em assombrações, em bruxas. Há calor, perigo, espaço, cemitérios e festas.
   Tom foge para ilha para ser pirata. Procura tesouro. Se perde em gruta. Briga na rua e faz guerra com bandos rivais. Tom engana o professor, engana a tia e vê seu próprio enterro. E tudo nele tem a marca da alegria.
   Esse sul americano, sul de escravos e de grandes fazendas, esse sul de malandros, lembra o Brasil. Mas ao contrário de nossos Macunaímas, Tom e Huck têm escola, têm igreja, têm sempre alguma esperança. A cada trapaça eles me recordam os pequenos brasileiros gazeteiros, mas ao contrário de nós, a cada erro vem uma reflexão. Tom nunca se arrepende, ele nunca sofre, mas sabe que erra e sabe que um dia deverá crescer. Há consciência em Tom. Há uma história. A tragédia nossa é a de que nossos Toms não têm consciência, não por serem piores, mas por não terem uma chance.
   Tom Sawyer me veio na hora certa. Vivendo num quase Mississipi, eu pegava meu irmão e partia para a "ilha". Escavamos a terra na esperança de achar um tesouro. Fizemos cabanas e tememos bruxarias. O livro dava uma vontade doida de ir à rua, de se perder no mato. Cada enxadada era a aventura de uma pedra, uma serpente ou uma lata velha. Era bom.
   Mark Twain foi o escritor favorito de Heminguay. Ele escrevia simples e foi o primeiro autor americano a se tornar uma estrela. Ele corria a América de 1900 dando conferências. Tudo o que ele falava era noticia. Há um grande amargor em seu humor. Ele via demais e ironizava. Hoje, em nosso tempo míope, Twain é censurado nas escolas americanas por chamar negros de pretos ( niggers ). Twain pinta um mundo vivo, cheio de erros e de tentativas. As páginas saltam, pulam, sorriem.
  Viva Tom Sawyer!