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DUCHAMP- CALVIN TOMKINS....O ARTISTA NÃO É DONO DAQUILO QUE FAZ.

   Como posso escrever um texto sobre um artista que desgostava de textos! Além do mais, um homem que não fazia discursos e que lutou a vida toda para ser anônimo! É muito duro escrever sobre ele sem o trair. Como transmitir a quem não leu o livro, brilhante, aquilo que Duchamp foi. É.
  Talvez eu deva começar falando de Picasso. Picasso foi o gênio. Picasso era a personalidade gigante. O Homão. O arrogante. O super macho. O artista que tem a potência.
  Talvez eu deva falar de Matisse. O trabalhador genial. O artista que labuta e produz sem parar. Eu também posso falar do sofrido van Gogh, do anti-social Gauguin, do sábio Chagall. Pois bem, Duchamp rompe com todos eles. TODOS eles.
  Porque Duchamp não tolera egos imensos. Não suporta trabalho sem fim. Ele não gosta de esforço. Ele nunca sofre. Não rompe com a sociedade. E jamais tenta ser sábio. Ele não dá conselhos. Jamais tentou criar escola, filosofia ou moda. Não fugiu do mundo e não seguiu ninguém.
  Então agora podemos começar a dizer o que ele foi. Quieto. Frio. Distante. Em paz. Calmo. Preguiçoso. Sem ambição. Solitário. Cheio de casos de amor. facilidade para fazer amigos, simpático. Otimista. Calado. Bonito. Modesto. Feliz.
  Vamos adiante. Ao contrário de Picasso, ele diz que o artista não faz nada. Tudo o que ele faz é feito inconscientemente. O artista tem uma intenção, mas durante o processo acontece o acaso, e é esse acaso que dá vida à obra. Arte é a união do artista, de quem vê a obra e do ato sem intenção. Nenhum artista é senhor de sua arte.
  Palavras não explicam a arte. Como também não explicam sentimentos. E a arte é como um sentimento. Todos os têm. Cada um a seu modo. Tudo o que o homem faz é arte. No contato com o povo é que essa arte se torna completa. Sua capacidade de dialogar com as pessoas faz dela uma obra para durar ou não. O artista é apenas um instrumento da arte.
  O trabalho do artista não é criar, é pegar as coisas e ver o que elas querem ser. Os materiais escolhem com o artista. O artista, calmamente, tenta ouvir o que a vida e as coisas dizem.
  Quando nada de novo há para ser dito se deve calar. A arte manda. O artista espera.
  O sofrimento não faz de um artista melhor ou pior. O sofrimento, a vida do artista, nada tem a ver com sua arte. Ele produz apesar da dor, e não com a dor. Herói-artista. Isso não existe.
  A arte falhou. Ela tentou criar um mundo. Esse mundo é da ciência. Ela venceu. Não há arte que possa rivalizar com uma viagem ao espaço.
  Esse é Duchamp. Mas ele é mais que isso. E menos.
  Nasceu numa família de classe média. Se dava com os irmãos e com o pai. Os irmãos, os dois, viraram artistas. Famosos. A mãe era muda. Dura e distante. O pai era caloroso. Dono do cartório da cidade.
  Nada há de dramático na vida de Duchamp. Estudou em Paris. Pintava. Amigo de Picabia. De Roché ( o autor de Jules e Jim ). Namorava. Duchamp nunca perseguiu mulheres, elas o encontravam. Nunca quis a fama, ela veio. Saiu de Paris porque odiava os egos, as fofocas, o mundinho...e foi o primeiro europeu modernista a ir para New York. Ele intuiu que o futuro estava lá. Amou a cidade e ao fim da vida virou americano. Duchamp trouxe sozinho o modernismo para a América. Em 1912. Se tornou famoso primeiro em NY, e muito depois na Europa. Deu a faísca que acendeu a arte de Pollock ( que com sua pose de herói sofrido, logo esqueceu Duchamp ). Seus herdeiros são os Pop Art, o minimalismo, a arte americana feita a partir de 1960. Uma arte sem discurso, sem a figura do gênio sofrido, sem heróis.
  John Cage, Motherwell, Merce Cunningham...a arte do acaso. O Zen.
  Duchamp nunca falou sobre o zen. Mas ele era Zen. Sem o saber. Amante do silêncio, do estar só. Viajava sem bagagem. Vivia só com o necessário. Pouca ambição. Sabia usar o tempo. Tinha paciência. E jogava xadrez. Muito e bem. Venceu campeonatos.
  O que era a arte para Duchamp afinal... ele nunca fala de religião. Diz que a arte é uma fé. E que a vida é uma fé. Quando você diz que sabe alguma coisa você tem fé em saber aquilo. Quando você faz você tem fé em que vai fazer. Tudo é uma fé.
  Isso é o mais perto que ele chegou de falar de sua filosofia. Viver é ter fé. Deus ou o ateísmo não lhe interessam. São discursos e discursos são falsos. Dizer que Deus existe ou que não existe é ficar rodando em círculos de palavras. Não importa.
  Duchamp era magro. Entretia a todos e não havia quem não gostasse dele. Poderia ter ficado milionário se aceitasse o jogo do espetáculo. Mas escolheu, e isso ele disse, ser dono de seu tempo. Dizia que o tempo era o maior investimento que um homem podia fazer.
  Bem...nunca li sobre um artista que me parecesse tão simpático. Isento de pretensão, cheio de bom humor. Suas obras eram ironias, piadas, trocadilhos, surpresas. Ele deu voz a milhares de charlatões. Mas não teve culpa. Se vários pequenos Duchamp foram uma farsa, ele nunca foi. Produziu muito pouco porque foi honesto consigo mesmo. E quando nada tinha a dizer ia jogar xadrez, ficava anos sem fazer nada, como ele dizia: Respirava.
  O autor do livro, Calvin Tomkins, é o mesmo de VIVER BEM É A MELHOR VINGANÇA. O delicioso livro sobre os Murphy nos anos 20. Este é tão delicioso quanto.
  Man Ray foi outro grande amigo de Duchamp. E entre seus amores, um dos maiores foi a esposa de um embaixador do Brasil: Maria Martins. Duchamp viveu um caso forte com ela, que era escultora, festeira e muito chique. Ela daria uma ótima biografia!
  Aos 62 anos Duchamp se casou oficialmente pela primeira vez. E foi feliz. Morreu em 1968, velho e famoso.
  Acho que ele mudou, agora, minha forma de ver todas as artes.
  Enfim...

A APOSENTADORIA DA ARTE

   Duchamp tinha uma ideia: Após vinte anos, todo artista deveria ser obrigado a se aposentar. Isso porque depois desse tempo todos eles se repetem sem parar. Vinte anos é o limite. Então se abriria mais espaço para gente nova.
   Vinte anos. Scorsese teria parado em 88. Spielberg em 92. Fellini em 72. Bergman em 68. Acho que até não é má a ideia. Kurosawa em 65. Hitchcock em 50. Opa! Não teríamos Vertigo, Janela Indiscreta, Os Pássaros e Intriga Internacional...sei não...
   Heminguay em 45. Joyce em 40. Huxley em 42. Yeats em 1910...acho que não. Muito autor melhorou com a idade. O que não foi o caso de Heminguay e Tolstoi, que eram muito melhores quando jovens.
   Picasso em 20. Klee em 1935. Matisse em 1915. Acho que não...entendo Duchamp, a maioria dos artistas se repete já com 10 anos de trabalho, mas há exceções. Poucas, mas há.
   Rolling Stones em 1983. Bowie em 1989. Dylan em 82. Ops! A frase de Duchamp é perfeita para o mundo do rock!!!! Apesar dos ótimos discos de Dylan e de Lou Reed após os 20 anos de estrada, eles são repetições. Este ano, 2015, seria o da aposentadoria de toda a geração que começou em 1995. Certo demais! Afinal, os Beatles precisaram só de sete anos para marcar o mundo forever e o Velvet Underground de três para inventar o conceito de cult band. Acho que em rock dez anos tá bom. Bom demais.

FRÉRE....UM OBJETO SERÁ MEU BUDA.

   Então você sabe desenhar e é um artista. Pois bem. Você pinta um quadro. Muito bem feito, exatamente daquele modo que todo mundo se impressiona. Um vaso de rosas vermelhas. OK.
   O que fará dessa obra, arte? Será a escolha. A escolha do tema, a escolha da imagem, a escolha daquilo que será ressaltado. Nessas escolhas serão definidas as mensagens. OK.
   Mas pintar pode ser algo morto. Talvez após Cézanne, Van Gogh, Matisse, Kandinski, não haja mais sentido em pintar. Talvez um homem realmente LIVRE não suporte mais repetir esse ato.
   E principalmente desgoste das teses, teorias, interpretações, dos arcabouços literários que a pintura criou em cinco séculos de crítica. Talvez ele tenha HUMOR. Liberdade e humor: e veja a comédia que mora naquele circulo.
  Mas atenção! Ele é livre mas não é anarquista. Ele tem humor, mas não é anarquista. Acima de tudo ele deseja nunca se comprometer. Na vida pessoal e na vida artística seu desejo é o de ser sempre livre para fazer o que quiser e quando quiser. Ele ama, mas nunca se apaixona. Ele tem relacionamentos, mas nunca mora junto. Ele cria, mas jamais segue uma escola. E não é solitário. Tem amigos, família, colegas, mas preserva sua solidão. Ele ouve. Ele olha. Ele pensa. Observa. E fica distante. Sua filosofia é ser distante. E exala charme.
   ( Baudelaire em 1863 disse que o DANDI é aquele que em meio a multidão anônima da cidade mantém sua aristocracia. É um aristocrata porque não se mistura. Ele flui pela massa sem se misturar. Observa e não se compromete. Cria sua individualidade. Que será única. )
   Então esse homem pinta. E seus quadros, poucos, são fortes. O que ele quer é mostrar a fluidez da vida. Pintar o movimento e não a coisa. A tal da quarta dimensão. OK.
   Um dia ele pega um banco e uma roda de bike. Une os dois e os deixa num canto.
   Um dia ele pega um urinol numa loja. Vira esse urinol de cabeça para baixo. Assina R.Mutt. E o batiza de FONTE.
   Isso é arte. Porque agora não interessa mais fazer um rabisco ou um desenho. O que importa é saber ESCOLHER. Dar um nome. Assinar. E assim fazer pensar. É arte?
   O urinol é branco. E ao se chamar fonte ele remete a uma fonte de água. Mas sua forma lembra um Buda. Fonte espiritual. E uma forma feminina: fonte da vida. Não interessa o urinol. O que INTERESSA é ver algo de novo numa forma antiga. Ou, associar ao nome: Fonte, o objeto: Urinol e daí nascer um Buda e uma Vulva. Ou não::::: PORQUE SE ELE FOI LIVRE PARA FAZER, EU SOU LIVRE PARA ENTENDER. Ou não.
   Parece charlatanismo? Há um convite aqui. Faça igual. Tente. Pegue uma coisa de seu quarto e dê um nome. Quem sabe funcione. Mas sinto em dizer, hoje será apenas a repetição de algo que foi feito em 1912.
   Marcel Duchamp é meu irmão.
   O mundo de 2015 ainda está atrás de Marcel Duchamp. E eu também.
  Faz muito tempo que leio e vejo arte. E comecei como todo mundo começa, pelo mais simples. Renoir. Monet. Manet e Degas. Coloridos, bonitos de forma hoje convencional. O mundo alcançou o impressionismo em 1920. Todo o mundo. E esse mundo, todo, alcançou esse impressionismo e ficou estacionado aí.
  Depois eu cheguei em Gauguin. Chagall. E Matisse. O mundo todo nunca chegou aí. Ainda. Mas o mundo do tal "bom gosto" chegou à eles por volta de 1930. Há algo de disforme neles. E isso começa a incomodar.
  Só depois dos 30 anos comecei a me encantar por Kandinski e Klee, por Picasso e Braque. De certo modo me encantei pelo motivo errado. Pela liberdade de sentir. Errado. A coisa é mais profunda. Agora, com Duchamp, eu entendo.
  A pintura sempre foi feita para a retina. E aqui estou falando aquilo que Duchamp diz. A tela fala à retina e apenas à retina. A retina apreende as duas dimensões da pintura e transforma essa imagem em informação que vira sensação ou sentimento. No pior dos casos vira narração. Pois bem, a arte moderna deve falar não à retina, mas sim ao homem inteiro. Olhamos e criamos sobre aquilo que é dado. O que vejo não é o que você vê. Eu vejo com meu todo, e vejo o que apenas eu posso ver.
  A arte moderna, ora vejam, é a busca pela quarta dimensão, a dimensão daquilo que não se vê. Daquilo que nossa razão desconhece. Não aquilo que a retina pega, e sim aquilo que a intuição intui. O mundo de 2015 está longe disso.
  Ainda.