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POR QUÊ LOLITA, O FILME, É TÃO RUIM?

Assisto Lolita mais uma vez. Detesto. É um filme muito, muito ruim. Mas não basta dizer isso, é preciso apontar os erros. Por que eu amo o livro e odeio o filme? -------------- Livros maravilhosos que se tornaram filmes péssimos são muitos. Anna Karenina não tem nenhum versão que preste. Idem para Madame Bovary. E mesmo Poe, tão filmado, nunca foi filmado direito. Lolita, em livro, é uma maravilhosa sátira, nada erótica, sobre a tolice de um europeu diante da América. Lolita é os USA: bela, infantil, maldosa e inocente, inconsciente, egoísta, saudável, voraz, indecifrável. Humbert é o europeu: pretensioso, velho, vaidoso, racional, elegante e ao mesmo tempo tolo, vulnerável, assassino. Nada disso há no filme. Nada. Os erros são percebidos já nos créditos iniciais. O roteiro é de Vladimir Nabokov. Ora, era óbvio que ao transpor seu romance para as telas, Nabokov, gênio que é, tentaria fazer algo novo, diferente, outra versão. O que era um romance de estrada se torna um romance familiar. No livro Humbert se impressiona pela quantidade de moteis, estradas, postos de gasolina da América. Nada disso aqui. Pior, Lolita quase desaparece, basicamente é uma comédia ridícula, nas telas, entre a mãe e o escritor. ---------------------- Oswald Morris fez a fotografia. Ele é um dos maiores da história, mas o filme é em preto e branco. Erro fatal!!!! Lolita pede rosas, azuis, roxos, vermelhos berrantes, laranjas. A América é colorida em technicolor, isso impressiona e enlouquece Humbert, um inglês em preto e branco com fog. O filme é todo fog, sisudo, alemão. Lolita perde a validade e o charme. --------------- Nem vou comentar o que todo mundo sabe: Lolita tem 12 anos e um metro e trinta de altura. É uma boneca americana. Infantil e má. Nas duas versões para a tela ela tem 16 e poderia passar por ter 18. Seria um crime colocar uma menina no papel? Então que não se filme. -------------------- Humbert, no romance, é um belo homem que faz as mulheres sentirem desejo. Ele é solteiro por escolha, tem propostas sexuais e escolhe Lolita. Melhor, cai sob seu feitiço. Nobokov fala da paixão que a Europa sente pela América, o continente criança. Aqui Humbert é feito por James Mason, ator nada feio, mas sem sex appeal. Entenda, Mason é um grande ator, mas jamais poderia ser Humbert! Poderia ser Richard Burton, Olivier, se feito dois anos mais tarde Peter O'Toole ( esse seria perfeito ), mas nunca Mason. Lawrence da Arábia, O'Toole, fazendo Humbert melhoraria o filme em 100%. ---------------- Comentar o erro na escolha de Sue Lyon é tolice. Ela tem a idade e o tipo errado. Mas qual a culpa dela? Na verdade, no cinema, Lolita quase some da história. A mãe aparece demais e as cenas entre ela e Humbert são de uma chatice insuportável. Shelley Winters é perfeita, mas o que lhe deram para fazer pesa demais. Kubrick estica as cenas, parece se divertir com aquilo. Nós não. --------------- Por fim há Quilty, o escritor de sucesso que é o amante de Lolita. É feito por Peter Sellers. De um modo tão perfeito que Kubrick o chamaria no ano seguinte e lhe daria 3 papeis em Dr Fantástico. Vendo o filme eu tive vontade de ver a história de Lolita e Quilty e esquecer Humbert e a mãe. Os primeiros minutos, Quilty à mesa de ping pong com Humbert pronto para o matar, são os únicos minutos divertidos do filme. " Vamos jogar ping pong romano? Ping Roma....agora voce diz Pong Roma...." Sellers tenta salvar o filme. Não pode. ------------------- A versão de Adrian Lyne é menos ruim.

UM GÊNIO CHAMADO PETER SELLERS

Nenhum filme de Stanley Kubrick irá te conquistar na primeira assistida. Todos precisarão de uma segunda visita e alguns uma terceira. Barry Lyndon eu odiei quando visto na primeira vez e gostei muito na segunda. DR FANTÁSTICO eu achei chatíssimo e mesmo na segunda vez senti tédio. Ontem, não sei porque, vi mais uma vez. E só então entrei na loucura do filme. Teoricamente é uma comédia, mas todos sabemos que não existem comédias feitas com fotografia escura. Um dos segredos técnicos da comédia é a de que elas devem ter um visual claro. Então digamos ser uma comédia mal humorada. Se é que isso existe. Kubrick parece sempre um professor alemão dando aula de alguma ciência exata. Li isso em algum lugar e nunca esqueci. Todos os filmes de Kubrick são frios. Ele parece não ter a menor simpatia humana. Dificilmente voce lembra de alguma cena risonha, calorosa, realmente humana em algum filme seu. Não há amor. Não há mulheres reais. Kubrick parece uma máquina de fazer filmes. Provável que isso ocorra por seu controle maníaco. Filmes hiper planejados. Aquilo que sobra em Kurosawa e Fellini é ausente nele: calor. Desse modo, todo filme de Kubrick sempre parece amputado. A dimensão humana está ausente. São teses sendo filmadas. Aulas de um mestre alemão. ----------------- Dr Fantástico tinha tudo então para ser um desastre, porque de todos os seus filmes é o mais "aula de herr doktor". Mas não. Ontem, finalmente, eu adorei o filme. E isso se deve ao fato de que é este, talvez, o filme com as mais maravilhosas atuações já eternizadas. Todos os atores estão em seu máximo. Vamos a eles. ------------- George C. Scott faz o general que vai à reunião no Pentágono. Seu papel lhe garante o Oscar que viria oito anos mais tarde, com Patton. Observe o que esse ator extraordinário faz na cena em que ele conta ao presidente o desastre ocorrido. Note como seu rosto consegue exibir, ao mesmo tempo, medo da bronca, prazer pela guerra, orgulho ferido, vaidade masculina e prazer guerreiro. Mordendo seu charuto, criando caretas de cartoon, rugindo e gemendo, Scott nos arrasa. Sentimos um prazer sensual em obervar sua face imensa. Mas há mais! Slim Pickens e o sotaque texano, o profissional correto que observa passo a passo suas instruções no manual de detonação. A determinação em cumprir uma ordem. Sterling Hayden, como o general que enlouqueceu, uma atuação maníaca, ingrata, a voz magnífica a falar delírios paranoicos. E Peter Sellers...três papeis que mesmo em meio a atores inspirados, nos hipnotizam. -------------------- O general inglês, modesto, hesitante, o presidente dos EUA, que tem a maravilhosa cena em que conta ao telefone para o colega russo a hecatombe que irá ocorrer: " também estou triste Dimitri...não Dimitri, também sinto muito...okay Dimiri, voce sente mais que eu, mas eu também sinto...", e por fim o cientista alemão, em cadeira de rodas, braço mecânico que se rebela contra ele mesmo, um homem em convulsão tentando domar seu lado nazista. Peter Sellers era um gênio. Um dos muito, muito raros atores que podiam usar esse rótulo. E no entanto ele era um vazio... ---------------- Peter Sellers poderia ter vivido e filmado até este século, mas morreu em 1980, com apenas 50 anos. Teria a mesma idade de Clint Eastwood. Surgiu no rádio inglês, o Goon Show, um programa que fez história, um Monty Python dos anos 50. Começa no cinema ao lado de seu mentor, Alec Guiness, nas comédias da Ealing, filmes que hoje são lendários. Se torna uma estrela em 1962, fazendo Clouseu, em A Pantera Cor de Rosa. Entre 1962-1967 faz todos seus grandes papeis. A partir de 1968 começa sua queda, escolhas erradas, péssimos filmes. Em 1979 tem seu último grande desempenho: Being There, filme de Hal Ashby, onde faz um jardineiro que nunca saiu de casa, um idiota que repete slogans que viu na TV. Alçado a condição de guru, se torna presidente dos EUA. Sim, é Joe Biden em 1979. Indicado ao Oscar, perdeu para Jon Voight em Amargo Regresso. Terrivelmente injusto. ---------------------- Desde 1963 Peter Sellers sofria do coração. Teve quatro enfartes seguidos em 64 e quase morreu várias vezes. Era meticuloso, triste, deprimido, e se casava sempre com a mulher errada. Em cada divórcio, um enfarte. Em entrevistas, Sellers dizia não ter nada dentro de si. Que sua personalidade era um vazio. Sellers dizia viver apenas quando interpretava. Sem um papel ele era como uma coisa morta. Muito triste não? --------------------- Ele me deu alguns dos momentos mais prazerosos do cinema. Não houvesse tanto preconceito contra a comédia, teria três Oscars. PS: Como a vida é mesmo um mistério, vejo agora, no Facebook, uma foto da festa de aniversário de Peter Sellers. Em 1967 ele comemorou em grande estilo. Estava casado com Britt Ekland, uma atriz sueca, e ela fez a festa. Na foto vemos os Beatles, Mick Jagger e Peter O'Toole conversando, enquanto Jeff Beck brinca com uma guitarra ao lado de um nobre inglês. Toda a swinging London foi. Dizem que Sellers ficou a festa inteira ao canto, incapaz de se divertir. Britt Ekland terminaria o casamento no ano seguinte e no divórcio arruinaria Sellers, o que o obrigaria a aceitar qualquer papel. Nos anos 70 Britt faria o mesmo com Rod Stewart. ---------------------- Sim. Peter Sellers foi um gênio. E como todo gênio não sabia viver.

BARRY LYNDON, STANLEY KUBRICK E THACKERAY

William Makepeace Thackeray era o grande rival de Dickens. Portanto ele viveu por volta de 1830. Satirista, seu livro mais famoso e Feira de Vaidades. Barry Lyndon, que li a algumas décadas, é dos menos lidos. Lembro que gostei. Thackeray escreve simples, direto, tem soberbo poder de observação. É um desses autores que pessoas cultas liam muito por volta dos anos de 1960. Hoje, pessoas cultas, se é que existem, conhecem Tolstoi, Dostoievski e Jane Austen. O século do romance está reduzido a isso. Mesmo o famosíssimo Balzac é pouco lido agora. Pauline Kael escreveu uma vez que todo filme de Kubrick parece-se com um professor alemão contando um caso. Barry Lyndon é Herr Kubrick narrando Thackeray em tradução alemã. Veja que ele conseguiu fazer do muito vivo, engraçado e sexy Lolita, uma coisa cinza, fria e analítica. Nas mãos de Kubrick, Nabokov virou Thomas Mann. Thackeray se tornou algo parecido com Broch. Chato? Jamais! Os figurinos de Milena Canonero são das coisas mais lindas já vistas em cinema. As paisagens são de tirar o fôlego. E o diretor de fotografia, John Alcott, desenvolveu aqui, junto à Kodak, um tipo de filme hiper sensível que conseguia captar imagens nítidas quase no escuro. É o primeiro filme da história a mostrar, de fato, como era a luz nos palácios de então. Cenas noturnas usam apenas velas como fonte de iluminação. Logo no começo do filme percebemos o famoso erro que Kubrick sempre comete: péssima escolha de elenco. Ryan O'Neal se torna cômico. É um trintão que deveria ter rosto de 18 anos. Por ser velho para toda a primeira parte do filme, Ryan faz com que Barry pareça meio retardado. Para quem leu o livro fica imperativo o imaginar como um menino. Para quem não o leu, ele irá parecer absurdo. Não nos esqueçamos que Kubrick é o cara que escalou Tom Cruise como austríaco, Jack Nicholson como um escritor ( O Iluminado perde muito ao vermos desde a primeira cena que o escritor é Jack, portanto, um maluco em potencial ). Kubrick escalou uma Lolita velha e fria e um Humbert Humbert com o rosto nada sedutor de James Mason ( no livro ele se dá bem com as mulheres e escolhe Lolita ). Seu único acerto foi Peter Sellers em Dr Fantástico, e essa foi uma escolha da produção. Well....voltemos ao filme. E elogiemos agora Kubrick, pois apesar dos erros, se trata de um diretor muito, muito cheio de ideias. Ritmo. Esse o grande mérito do filme. O seu ritmo. Todas as cenas, e creia-me, isso é muito dificil de fazer, têm exatamente o mesmo ritmo. Se voce as reger com a mão, como um maestro, todas irão ter o mesmo andamento: Majestoso. Sem pressa, sem lentidão. Exato. Eis o aspecto alemão de Kubrick. A câmera fechada em close vai se abrindo: eis a cena inteira. A primeira metade do filme, a que mostra o primeiro amor de Barry, o duelo, a fuga, o exército, a guerra, o encontro com os jogadores de cartas, o irlandês rico e exilado que ele deveria espionar, toda essa hora e meia é sublime. O filme consegue ser frio porém belo, pausado e ao mesmo tempo aventuroso. É o mundo de Casanova, mas não se engane, é o século XVIII visto por alguém que não está interessado em mostrar como ele era, mas sim em fazer cinema a seu modo. Thackeray é apenas um pretexto, assim como o mais belo dos séculos é apenas decoração. Em 1770 as pessoas não era frias. Não eram caladas ( não mesmo, pois nunca mais se falou tanto como então ) e eram bastante indiscretas. Tom Jones de Tony Richardson, um filme bastante pior e bastante melhor sucedido, mostra muito melhor o que era viver no século da luzes. Na segunda parte o filme cai muito. Jamais entedia, mas a cena da morte do menino, absurda, digna de um dramalhão italiano, compromete o resultado geral. Barry erra. E paga por isso. Século XVIII...não há nada mais fascinante na história. Nossa época é nada ao lado daquela. O mundo ganharia muito se parasse um pouco de cultuar uma idade média de cartoons e estudasse o século de Mozart e Voltaire.

VIAGENS NO ESPAÇO, INTERESTELAR, O FILME DE NOLAN

   Quando lançado este filme, a VEJA, não sei se foi a Boscov, publicou uma matéria em que ele era chamado de o melhor filme de sci-fi desde 2001. E ainda se dizia que em termos de profundidade era Interestelar tão profundo quanto. 
   OK my dear. Tá dificil diferenciar crítica de press release. 
   Contado a grosso modo, o filme de 2015 é a história do fim do mundo redimido pelo amor. Amor sem sexo, o mais puro, amor de pai por filha. Como em Ghost, o fantasminha dá uma luz para resolver os problemas do mundo real. Mas, claro, como Nolan se vê como um homem sofisticado, o fantasma é aquele da física quântica, um cara de outro plano de espaço-tempo. Aff...
   Nolan é o pior tipo de artista que existe. Aquele que leu dois livros de filosofia e acha que sabe tudo da matéria. E exibe esse conhecimento ( entre aspas ) o tempo todo. O melhor artista é sempre, em todos os campos, aquele que sabe muito mais do que escancara. Paulo Francis chamaria Nolan de Jeca. Jeca é o novo rico da cultura.
   Todas as cenas aspiram a ser Kubrick. A trilha sonora entrega isso. Ela tenta dar a tal profundidade às mais tolas das cenas. Porque tudo aqui é óbvio. O filme é totalmente isento de suspense. Mas Nolan é um cineasta de 2015, dos mais populares, então ele apenas finge correr riscos. Se em Kubrick nada era fácil, o herói inexistia e nada havia de romântico ou de bons sentimentos, aqui há uma mocinha bonita na missão, um robot legal e até mesmo um cowboy. Filosofia? Onde? No final do filme de Kubrick tudo ficava aberto. O astronauta, incapaz com seu cérebro humano de compreender a relatividade na prática, era enterrado em um mundo compreensível, a tal sala de estar do século XVIII, o século que cristalizou a razão. No final surgia um bebê, e esse final inquieta por ser enigmático. Porém, jamais gratuito. Renascimento? O espelho dentro de um espelho? Ilusão? Não sei.  No filme de Nolan também há um bebê no final, a filha do cowboy. E além dela, a mocinha na nova comunidade. E não é por acaso que a última cena parece a de uma nova cidade no western do espaço.
   Furos existem às dúzias. O mundo tem poeira e pragas mataram lavouras. Bichos não existem. Mas aparentemente ninguém sente falta de água. Um mundo assim seria um mundo como o de Mad Max, louco, sem lei, desesperado. E com várias igrejas absurdas. A pele seria cheia de chagas, todos estariam sempre doentes e insetos iriam invadir tudo. Mas há mais. Se há tecnologia para se fazer um robot como aquele, para quê enviar seres humanos? Ainda mais um bolha como aquele? 
   O maior acerto de Kubrick foi o de enlouquecer todos na missão. Incluindo o robot. Uma mente humana não tem como suportar a dobra do tempo sem se aniquilar. E um cérebro feito por humanos vai pelo mesmo caminho. Aqui o cowboy volta como se tivesse ido até a esquina e tido uma briga no boteco. Nada muda. É um personagem muito mais ralo que Wolverine. E cito o cara da Marvel porque o adoro.
   Mas porque falar tudo isso? Como disse um amigo meu sobre outro filme de Nolan, relaxe e encare como uma boa aventura!
   Não posso por dois motivos. Primeiro porque não é uma boa aventura. Ele é chato, longo, e só fica bom quando Nolan apela para o amor....tipo Ghost.
   Segundo. O público que adora Nolan o chama de artista. Então eu não posso encarar seus filmes como se encara um filme dos X Men, que são muito melhores e bem mais relevantes. 
   Como artista Nolan apela para coisas que um artista não costuma fazer. Heróis mascarados, refilmagens e emoções simplificadas ao máximo. E como cineasta pop ele é sempre pesado, solene, um chato desprovido de qualquer traço de leveza e muito menos de humor.
   O fato de 2001 ser o filme de sci-fi mais falado de 1968, e este ser o de 2015 mostra o quanto o cinema se vulgarizou. 
  2001 é uma chatice que no fim vale a pena.
  Este é uma chatice que no fim parece bobo.
  E fim.

KUBRICK/ ROBERT REDFORD/ EASTWOOD/ KING VIDOR/ HUSTON/ GEORGE C. SCOTT

   O GRANDE GOLPE de Stanley Kubrick com Sterling Hayden
Segundo filme de Kubrick. Dá pra perceber que é um filme de um novato, ele se exibe demais. Várias cenas lembram a técnica de "KANE" de Welles. Sterling Hayden era um ator admirável. Aqui ele repete seu tipo de bandido "marcado" exibido em "THE ASPHALT JUNGLE" obra-prima de Huston feita cinco anos antes. Este é um bom filme de assalto, um pouco exagerado, mas forte. Nota 7.
   GOLPE DE MESTRE de George Roy Hill com Robert Redford e Paul Newman
Grande vencedor dos Oscars de 73, grande sucesso de bilheteria. Passado nos anos 30, temos aqui Redford em seu auge, como um malandro do baixo mundo. Logo na primeira cena vemos um belo golpe aplicado por ele e comparsa. Tudo na malandragem pura. Mas ele dá o azar de mexer com chefe poderoso ( um impagável Robert Shaw ). Descoberto, foge e começa a "trabalhar" com famoso golpista veterano ( Paul Newman, explêndido em seu carisma de picareta desencanado ). Num trem há um dos mais emocionantes jogos de poker do cinema e depois eles armam um golpe milaborante em cima do tal chefe poderoso. Redford, com o mesmo diretor de BUTCH CASSIDY, tem todo o filme para sí. Está ótimo, mas Newman e Shaw estão ainda melhores. Shaw faz um chefão ofendido que é pura jóia. A trilha sonora, velhos números de Scott Joplin foi hit em 73. Sublime. Uma diversão citada por Soderbergh entre seus filmes favoritos de sempre. É matéria obrigatória nos cursos de cinema da UCLA. Nota 9.
   O PLANETA DOS MACACOS de Franklyn J. Schaffner com Charlton Heston, Kim Hunter e Roddy MacDowell
Adoro Heston. Um ator que consegue misturar dois mundos: sério e bonitão, ágil para aventuras e sisudo para dramas. Este filme é drama e aventura juntos. E funciona. Enervante, nos confunde em seu final inesquecível. A estátua caída no chão, o silêncio, as ondas do mar... a perfeição em termos de finais de filmes. Mas ele é muito mais que isso. Ecológico, crítico, contundente. Nota 9.
   MENINA DE OURO de Clint Eastwood com Clint Eastwood, Hilary Swank e Morgan Freeman
Clint faz filmes tristes. BRONCO BILLY é das coisas mais melancólicas já feitas e BIRD não fica atrás. Ele fez comédias também, mas tem óbvias preferências pelo drama. E este tem um terço final muito dramático! Que no meu ver desequilibra todo o filme. Se em seus dois terços iniciais é um maravilhoso conto sobre um velho amargo e uma adorável perdedora, no fim faz-se um mero "filme pra chorar", tipo "ESCAFANDRO E BORBOLETAS" e que tais. Mesmo assim o elenco está de arrasar. Morgan faz um velho derrotado pela vida de um modo suave, todo em tons menores, e Clint mostra-se grande ator. O dono do ginásio é criação de quem aprendeu tudo sobre interpretação. Hilary, dizem, tem uma bio parecida com a da lutadora. Foi pra LA com 75 dólares e tinha de dividir um hamburger por três refeições. O modo como ela se empolga, como sorri é das melhores coisas que uma atriz fez na década. Apesar de suas falhas, é dos poucos vencedores do Oscar dos últimos vinte anos a não ser contestado. Lindo. Nota 9.
   GRAND PRIX de John Frankenheimer com James Garner, Yves Montand e Toshiro Mifune
Acompanhamos a temporada de 1966 da fórmula Um. Monaco, Monza, Spa, Nurburgring, Watkins Glen... Circuitos dos tempos heróicos, não eram feitos para a TV, eram feitos para assustar. O filme é visualmente deslumbrante. As corridas são muito bem filmadas ( são corridas reais com os pilotos da época, Jack Brabham, Jackie Stewart, Jochen Rindt, Jacky Ickx, Bruce Surtees, Ken Tyrrell... ), vemos os F1 mais belos, sem propaganda, longos e elegantes, Lotus, Ferrari, BRM, Honda, March. A trilha sonora de Maurice Jarre se tornou tema da F1 por vinte anos. Pra quem gosta de carros é obrigatório. Frankenheimer foi um dos grandes diretores dos anos 60. Seus filmes eram sempre inquietos. Este é brilhante em sua técnica. A falha: os dramas da vida pessoal dos pilotos são óbvios e tolos. Nota 7.
   MEU VIZINHO MAFIOSO 2 de Howard Deutch com Bruce Willis, Mathew Perry e Amanda Peet
Atores de Tv raramente dão certo no cinema. Será??? Clint Eastwood foi ator de Tv por dez anos. Steve McQueen fez Tv por dois anos. E George Clooney, que não começou na Tv, só brilhou após passar por ela. Mas a turma de Friends não vingou na tela grande. Mesmo Jennifer Aniston se tornou apenas uma boa atriz classe B. Perry neste filme é patético. Passa duas horas fazendo as mesmas caras e tropeções de Friends. Mas o filme é todo pavoroso. Uma mixórdia sem pé nem cabeça que não consegue provocar um sorriso. Comédias são filmes muito perigosos. Um drama ruim é apenas chato. Uma comédia ruim é irritante. Bruce Willis faz seu tipo cool-brega e se perde junto com o filme. Não há nada pra se fazer aqui. Zero.
   GUERRA E PAZ de King Vidor com Henry Fonda, Audrey Hepburn, Mel Ferrer e Vittorio Gassman
Vidor, um dos pioneiros do cinema, já era um veterano quando aceitou fazer este filme. É uma super-produção de Laurentiis. As cenas de batalha são grandiosas e belas. Conseguiram vinte mil homens para espalhar no campo, todos com uniformes napoleônicos e cavalos. Hoje os custos seriam impossíveis. Mas é bacana ver a diferença de multidões digitais e estas, de carne e osso. Nos envolvemos mais, nos assustamos menos. Mas fora isso, este filme é chatésimo! Não há como filmar Tolstoi. É impossível, mesmo nestas quatro longas horas. Audrey faz uma Natasha que se parece com uma americana mimada. Fonda luta para dar vida à Pierre, não consegue. Tolstoi faz livros sobre almas, são anti-cinema. O que temos aqui acaba por ser apenas mais um épico sobre Napoleão ( e o Napoleão de Herbert Lom está idêntico o Dreyfuss da PANTERA COR DE ROSA ). Nota 4.
   A LISTA DE ADRIAN MESSENGER de John Huston com George C. Scott e Kirk Douglas
Até hoje só dois atores recusaram os Oscars que ganharam: Brando em 72 pelo Chefão, e George C.Scott, por Patton em 1970. Foi um grande ator totalmente avesso a estrelismos. Quando vemos alguém como Sean Penn, que se faz de rebelde, mas que agradece seu prêmio como caipira emocionado, entendemos a seriedade que se deve ter para ser um verdadeiro outsider. Aqui Scott é o detetive que desvenda, na Inglaterra rural, um caso de assassinatos em série. Douglas é o vilão, que se esconde em máscaras e tipos soturnos. Com belas mansões, caçadas à raposa e atores excelentes, Huston nos oferece uma gostosa diversão. Um passatempo de classe. Nota 7.

DEPP/SAURA/SISTER CARRIE/OZU

INIMIGO PÚBLICO de Michael Mann
Me fez recordar uma crítica sobre música pop, escrita por Ezequiel Neves. Zeca falava de sua tristeza. Ao se tornar crítico, ele perdera o prazer de escutar aquilo que realmente lhe agradava. Era obrigado a ouvir, toda semana, uma pilha de discos que as gravadoras lhe enviavam.
E eu penso : será que Inácio Araújo encontra tempo para rever os Hawks que ele tanto adora ? Eu, mero curioso, ultra-amador, me sinto, às vezes, na obrigação de espiar aquilo que está rolando. Ter como comparar, como ver para onde a história ruma. Posto isso...
O rosto de Depp. Tão modificado em digitalizações que nada transparece de sua face. Quase um cartoon. Mas não é a isso que o povinho pop se acostumou ? Rostos e lugares que remetem àquilo que foi visto na propaganda mais ilusionista possível ? Mundo onde nada recorda o mundo real, e uma vida ( a do povinho pop ) em que nada de verdade ocorre. O filme, de longe o pior do bom operário Mann, é um floco de algodão doce. Enjoa, é bonitinho, o vento leva, não mata fome alguma. Ideal para quem não tem paladar e odeia aquilo que tem peso.
Não vou comparar este filme à sua origem. Os filmes de gangster dos anos 30, com Cagney, Robinson ou Muni eram jornalísticos. Foram feitos ao mesmo tempo em que as balas voavam. Não vou comparar com Bonnie e Clyde, pois o filme de Penn foi dirigido com ambição artistica, senso de relevância e suprema inteligência. Bonnie existe no filme, Clyde é real. Temos política, sexo e humor. Aqui o que temos ? O absoluto zero. Nenhuma linha de diálogo demonstra algum sinal de trabalho refinado, todas as atuações são estereotipadas, o filme não possui verve, ambição, inteligência, nada. Mas dá aquilo que o moço da pipoca quer : rostinhos de bonecos, ambientes chics e estridência que adormeça, que não faça pensar. O filme me deu sono, muito sono.
Depp precisa voltar a viver. Ele adormeceu num tipo de limbo "Edward mão de tesouraiano ". Fazem séculos que ele não cria algo novo. Jack Sparrow foi uma excessão bem-humorada, uma brincadeira que deu certo. Em sua idolatria à Marlon Brando, Depp segue os passos do ídolo em sua preguiça, mas não em genialidade. Uma pena se Johnny não nos der seu "Ultimo Tango" ou seu "Poderoso Chefão". Acorde e se torne John !!!!! nota 3, pelo belo visual. È impossível um filme tratar dos anos 20/30 e não ser chic.
A QUEDA DA CASA DE USHER de Jean Epstein
Antes de dirigir seu primeiro filme, Bunuel foi assistente de Epstein neste filme tirado do conto gótico de Poe. O cenário é muito assustador e quem quiser saber de onde Tim Burton tira suas idéias, eis uma das fontes. Nota 6.
A LADRA de Otto Preminger com Gene Tierney
Que linda mulher era Tierney ! Traços de chinesa unidos a traços de irlandesa ! O filme é ok. O tipo de filme classe A, que Hollywood fazia às dúzias. Cleptomania, hipnotismo, roubo, tudo misturado numa diversão sem grandes erros ou acertos. Nota 6.
LARANJA MECÂNICA de Stanley Kubrick com Malcolm McDowell
Os outros diretores devem se sentir muito mal ao se lembrarem de Kubrick. Não é o melhor diretor. Mas sua inteligência é humilhante. Todos nós, um dia, fomos Alex, hoje somos o segundo Alex. Este filme, cheio de erros, chato em vários momentos, é um bofetão irado em nosso rostinho macio. Do cacete !!! Nota 9.
BODAS DE SANGUE de Carlos Saura com Antonio Gades
É necessário. Foi imenso sucesso nos anos 80 este filme do melhor diretor da Espanha antes de Almodovar e pós Bunuel. O que é o filme ? Um grupo de teatro se maquia, conversa, fuma. O diretor ensaia a peça de Lorca. O filme é o ensaio. Não há cenário, apenas um ambiente. Música flamenca e dança, sem diálogos. E uma súbita beleza estarrecedora. A cena da morte, duas facas em movimento contínuo, é uma das mais perfeitas já filmadas. Antonio Gades, belo-viril-enfeitiçante, rouba o filme para sí. Um gênio da dança cigana. A poesia de Lorca surge inteira, sem que se fale uma só linha de texto. Um milagre ! Nota 9.
ESPOSAS INGÊNUAS de Erich Von Stroheim
Houve um homem na Hollywood dos loucos anos 20 que insistia em fazer filmes de 9 horas de duração, com cenários imensos, extras aos milhares e meses de filmagem. Aqui está seu filme menos dispendioso. Ele constrói a Riviera francesa em LA, filma festas luxuosíssima, roupas caríssimas e faz uma cena de tempestade maravilhosa. Se ele foi um gênio ou um louco, até hoje se discute, mas este mastodôntico espetáculo é bastante assistível. 80 anos após sua premiere ! Em tempo: como ator, Von Stroheim está como o mordomo no CREPÚSCULO DOS DEUSES e é o general alemão em A GRANDE ILUSÃO. Seu lugar na eternidade está seguro. Nota 5.
HALLELUJAH ! de King Vidor
Maravilhoso Vidor. Em 1929, enquanto a KKK enforcava negros em árvores, ele, diretor famoso, faz este filme com atores negros, em favelas do sul, e cheio de gospel, jazz e spirituals. Um documento de uma era. O que me deixou boquiaberto é constatar como os negros americanos de 29 se parecem com aquilo que somos hoje. Se movem como nos movemos, falam com nosso sotaque e cantam rocknroll ! Quando vemos os atores brancos da época na tela, apesar de os amarmos, sentimos que são seres de outra era. Eles andam, falam, se vestem, atuam como gente de outro planeta. Aqui isso não ocorre. ( Como não ocorre quando vemos Louise Brooks ). Nota 7.
AS QUATRO PENAS BRANCAS de Zoltan Korda com John Clements, Ralph Richardson e June Duprez
Foi refilmado em 2000 com atores australianos ( Heath Ledger e Guy Pearce ). Este é o original. Desavergonhadamente colonialista, pinta os ingleses como arautos da civilização, um povo que deve salvar a Africa de sua ruína pré-histórica. O mundo mudou ? Hoje são as grandes multinacionais que salvam os povos atrasados de sua ignorância. Se voce esquecer sua caretice colonial, é uma cara e bonita produção. nota 5.
3 BAD MEN de John Ford
A fase muda de Ford já mostra tudo aquilo que ele sempre adorou filmar : casamentos, funerais, festas, camaradagem entre homens e mulheres corajosas. O filme é cheio de humor e tem uma corrida de carroças impressionante ! São centenas de carros, milhares de cavalos e burros, correndo numa planicie sem fim. Emociona muito, pois sabemos que alí estão homens e animais de verdade. Que eles se machucaram de verdade para fazer a cena, que eles têm um limite para aquilo que pode ser feito. Cada homem, cada cavalo tem seu detalhe próprio, seu movimento único, sua verdade concreta. A ação digital emociona menos porque sabemos que TUDO pode acontecer, e se não existe um limite, não existe a coragem em se superar esse limite. Sempre penso em DURO DE MATAR. Bruce Willis nos dois primeiros emociona porque o vemos sangrar e sabemos que ele não vai voar ou cair de 20 andares e ficar vivo. Algo razoávelmente crível terá de ser criado. No último DURO DE MATAR, ele ricocheteia andares abaixo, derruba um jato e sobrevive a viadutos desabando. Tudo pode e nossa crença se vai. O que resta é tédio.
Ah sim... a nota para este Ford é 7.
SISTER CARRIE de William Wyler com Laurence Olivier e Jennifer Jones
Caraca ! Drama pesado, sem açucar. Ninguém morre ou fica doente, mas como se sofre ! Olivier empobrece por amar a mulher errada, e Jennifer sofre por ser pobre. O filme foi um fracasso. Ele não alivia nada, o que está ruim, piora. Não tem final bonitinho, tem final nobre. Olivier dá um show. Seu sofrimento é feito de olhares, tom de voz, gestos das mãos. Um deus entre os atores. A cena final é aquilo que tinha de ser : perfeita. Wyler dirige com o dom de quem ganhou quatro Oscars - retidão e competência. Um exemplo de bom drama. nota 8.
CORAÇÃO CAPRICHOSO de Yasujiro Ozu
Bendito DVD ! Onde alguém poderia assistir tal raridade ? Estão lançando tudo de Ozu e este, pasmem, é mudo ! O estilo ainda não é totalmente Ozu : a câmera se move e abundam cortes. Mas o tema, o amor entre pai e filho, já é Ozu. Um diretor precioso. Um poeta do cotidiano simples, de familias comuns, amores normais, bairros como são todos os bairros. Ele mostrava a beleza dessa normalidade, a poesia da rotina, o heroísmo da vida amorosa. Aqui vemos o mestre ainda tateando, mas já acertando muito : o inicio tem humor abundante e o fim tem tristeza sublime. nota 7.
SIM SENHOR de Peyton Reed com Jim Carrey e Zooey Deschanel
Eu gosto de Jim Carrey. Numa Hollywood menos tirânica ele seria o cara. Mas não é. Sua carreira já mostra sinais de acomodação. ( Incrível, com a idade de Jim e de Depp - Clint Eastwood e Bogart estavam começando ! ). O filme tem um excelente tema, desenvolvido rasteiramente. Mas é ok. nota 6.

LARANJA MECÂNICA- STANLEY KUBRICK

O livro, do grande Anthony Burgess, é uma maravilhosa sátira sobre a falta de escolha. No livro, todos são dirigidos pelo meio, ninguém pode, ou pior, deseja, escolher. Kubrick mudou todo o enfoque e faz aqui, o mais imoral e perverso dos filmes.
Primeiro a sedução.
Os bares e casas têm a estridência dos anos 70, que hoje parecem chic. A trilha, a primeira trilha eletrônica do cinema, é muito envolvente, quase apelativa. E há a energia glam do Alex feito por Malcolm McDowell em momento muito inspirado. O filme, sucesso de bilheteria, influenciou toda a maneira de ser dos jovens ingleses da época. Alex era o cara. E, pasmem, Alex é um assassino. O filme é o mais imoral por antecipar "ASSASSINOS POR NATUREZA" e outros que tais.
Toda sua primeira parte é maravilhosa. Alex comete crimes "belos". Os estupros são ballets, os espancamentos são obras de arte, Alex nos seduz com suas gírias, seu chapéu e sua bengala. Quando ele canta "Singin in the rain", já é o Gene Kelly do futuro. Nosso ideal.
Mas o filme pode ser pior. Na prisão, Alex se torna nosso santo. Todo guarda, nazista, todo detento, pervertido, é nosso inimigo. Somos Alex, e não há como negar, se Kubrick queria isso, ele conseguiu. Quando Alex é destruído, vamos ao fundo com ele. Nessa hora somos NÓS que perdemos Beethoven.
Curado, ele volta para casa. É genial a cena com os pais. E é dilacerante a via-crucis de nosso herói sendo trucidado por suas ex-vitimas. Quando ele chega à casa do escritor vem a cena do vinho. Poucos atores nos seduziram de forma mais completa.
Ele quase morre e renasce. Somos poupados da volta do Alex inicial. Se Kubrick tivesse mostrado Malcolm novamente de chapéu e bengala, matando velhos e estuprando mocinhas cantando Singin'... bem, provavelmente nosso orgasmo seria tão profundo que teríamos saído do cinema matando crianças e estuprando cães.
Recordo que o filme demorou para ser liberado. Quando entrou em cartaz, corri para o assistir e consegui entrar, apesar de ser menor. Era engraçado ver tantas senhoras e senhores, em salas lotadas, vendo cenas de sexo e de violência. Eu saí da sala muito confuso. Eu queria bater em alguém, qualquer um, mas não tive a coragem. Eu queria vingar Alex.
O que Kubrick desejou ? Assistindo o filme hoje, após décadas de violência e cinismo, fico tentando crer que a mensagem era a seguinte : Alex somos todos nós. Todos somos violentos. Quando essa violência nos é suprimida nos tornamos o que Alex se torna após a reeducação : deprimidos e assustados. A civilização atual nos tirou o direito de ser violento, isso pode ser um preço necessário, mas ao abrir mão disso, abrimos mão de todo o resto : coragem, alegria, camaradagem e "Beethoven". Alex não pode mais ouvir Beethoven.
Será esse seu sentido ? Talvez. Mas o mais provável é que este seja o mais niilista dos filmes. Num tempo em que o IRA matava estudantes na Inglaterra, o ETA ateava fogo na Espanha, as Brigadas Vermelhas matavam industriais pacatos na Itália, o Baader Meinhoff tacava bombas na Alemanha e os Panteras Negras criavam um exército negro nos EUA ; Kubrick nos diz que tudo é violência. Que para interromper a violência é preciso mais violência. E que entre a porrada tonta e juvenil de Alex e a porrada planejada e científica do Estado, a de Alex ao menos é sincera, corajosa, HUMANA.
O mundo enlouqueceu entre 66/78. Hoje ele sofre de depressão. E na esquizofrenia daqueles tempos perigosos, nada é mais emblemático que LARANJA MECÂNICA. Sedutor, ruim, imoral, metido, rude, e completamente genial.
Corajoso.
Hoje somos todos Alex reeducado : medrosos, acomodados, tristes e não se permitindo ouvir a Nona Sinfonia sem desejar morrer. O que nos foi tirado ? O que perdemos ?
Kubrick foi o XAMÃ da sétima arte. O único. Sua perda foi irreparável.

SPIELBERG/FATAL/MEL BROOKS/BETTY HUTTON/2001-KUBRICK

ENCURRALADO de Steven Spielberg
Steven estréia neste tv-movie para a NBC. Fez tanto sucesso que acabou passando nas telas de cinema também. Ele faz aqui aquilo que sabe : entreter. Um caminhão persegue um carro. Obsessivamente. E é só isso. Alguns bons momentos num tipo de "Os Pássaros" sem o gênio de Hitchcock. nota 5.
FATAL de Isabel Coixet com Ben Kingsley, Penelope Cruz, Dennis Hopper.
O interesse único é o belo trabalho dos atores. São humanos. Nem bons, nem ruins: imperfeitos. O final, melodrama óbvio, estraga o tom. Baseado em Philip Roth, mostra o que acontece com uma história contada sem a escrita refinada de Roth : pobreza. O cinema não se adapta à Roth. nota 5.
UM CONTO DE CANTERBURY de Michael Powell
Um dos milagres de nosso mercado de DVDs é a bela quantidade de filmes de Powell lançados no Brasil. Alguém os compra ? Eu compro todos. Powell é um tesouro, um troféu que dignifica o cinema. Todos os seus filmes guardam discretas surpresas. Nunca são aquilo que prometem, sempre são mais. Este parece ser sobre a segunda-guerra. Depois parece uma comédia e então se torna um conto policial. Mas ao final mostra o que é : um poema sobre Canterbury, berço espiritual da Inglaterra. As cenas que mostram o cotidiano da cidade, os sotaques, a geografia do lugar, são magistrais. Uma pedra preciosa. Uma sonata de piano. Raro. --- uma curiosidade: há uma cena com o seguinte diálogo entre dois soldados americanos : - como voce conseguiu se acostumar com esse chá preto? é horrível!!!! - ora, questão de hábito. É COMO MARIJUANA. UM SIMPLES HÁBITO!!!!----- o filme foi feito antes da criminalização da erva. nota 9.
O CONFORMISTA de Bernardo Bertolucci com Jean-Louis Trintignant, Stefania Sandrelli, Dominique Sanda e Gastone Mosquin.
De uma irritante tolice. O pior dos anos 60 está todo aqui : um esquematismo revolucionário em que tudo cheira a panfletagem. Nada tem sentido psicológico, nada tem clareza, tudo é pesado, veemente, exarcebado. Chato, cansativo, infantil. nota ZERO.
O JOVEM FRANKENSTEIN de Mel Brooks com Gene Wilder, Marty Feldman, Teri Garr, Madeline Kahn, Cloris Leachman, Kenneth Mars, Peter Boyle e Gene Hackman.
Brooks, com sua grossura e falta de finesse, criou a comédia atual. Tudo pode ser feito, desde que faça rir. Seu trunfo são seus atores. A troupe que ele tinha em mãos era realmente talentosa. Todos brilham, todos fazem rir. Os americanos consideram esta uma das cinco maiores comédias da história. Não sei se é tanto. Mas é uma soberba diversão. nota 8.
ANNIE GET YOUR GUN de George Sidney com Betty Hutton e Howard Keel.
Um musical sobre shows de western que aconteciam no início do século XX. Um musical sobre a maior atiradora da história : Annie Oakley, uma caipira dos cafundós. Um musical com uma estrela que eu nunca assistira : Betty Hutton. Um musical que fez com que eu me apaixonasse por Hutton. Ela é um fenômeno!!!! Muito engraçada, cheia de caretas de moleque sujo, bonita, rouba o filme e nos encanta. Uma festa! Ah... músicas ( excelentes ) de Irving Berlin. nota 8.
PRIMAVERA PARA HITLER de Mel Brooks com Zero Mostel e Gene Wilder.
A estréia de Brooks no cinema lhe deu o Oscar de melhor roteiro. Uma comédia maravilhosa sobre a Broadway que teve uma refilmagem infame com Nathan Lane/ Mathew Broderick/ Uma Thurman. O autor nazista, o diretor gay, o cantor glitter-hippie, são personagens hilários!!!! Um enorme prazer. nota 8.
MORE de Barbet Schroeder
Um alemão vai de carona à Paris. Conhece junkie. A segue à Ibiza. Se droga. Sexo à três. Só isso. Trilha sonora do Pink Floyd. É a estréia de Barbet como diretor. Séculos depois ele faria " O reverso da Fortuna" e "Mulher solteira procura". Foi produtor de Rhomer e Rivette antes deste filme. Que poderia não ser tão ruim se tivesse algum ator que soubesse interpretar. É tudo de um amadorismo absurdo. Para piorar, todas as falas são improvisadas. De bom, uma Ibiza ainda espanhola, parecida com uma Ilhabela-junk. A trilha é ok, mas a música daquele momento era feita pelo Soft Machine! nota 1.
ORFEU de Jean Cocteau com Jean Marais, Maria Casarés, François Périer e Marie Déa.
Primeiro fato: Cocteau não tem vergonha. Ele pensa ser um gênio e expõe isso sem pudor algum. Ele foi um gênio ? Bem... quase. Poeta, pintor, desenhista, cenógrafo, cineasta, músico... ele foi tudo isso. Como não se concentrou em nada, acabou não sendo gênio em nada. Mas foi grande. Orfeu adapta o mito grego para nosso tempo. ( Será que o muito elegante tempo do filme- Paris 1950- ainda é nosso tempo ? ). O filme é sobre a morte, a poesia, o amor, os espíritos. Mas no fundo é sobre Cocteau. Seu ego está em cada segundo filmado. Este filme é também, possívelmente, o que melhor soube mostrar a falta aparente de lógica dos sonhos. Mas atenção : é um filme fácil de entender. Não é hermético. É aberto. Como todo Cocteau, belo de se ver. nota 8.
2001-UMA ODISSÉIA NO ESPAÇO de Stanley Kubrick
Isto não é um filme. É um conceito. Com isso em mente, assita-o.
Primeiro fato: como é possível ter sido um sucesso em 68 um filme tão dificil ?
Segundo: muita gente tomava LSD no saguão e viajava todo o filme. Dizem que ele dá uma bela viagem.
Terceiro: Kubrick nunca foi tão ambicioso. Ele tenta explicar a vida. Para nosso tempo, em que tudo que um bom diretor deseja é mostrar um pouquinho de seu coraçãozinho, isso é irritante.
Quarto: os primeiros vinte minutos são soberbos. Kubrick filma, talvez, os mais emocionantes momentos do cinema. A aurora do Homem. O medo, a agressividade, o nascimento de nós mesmos. Há algo de profundamente comovente naqueles seres. Em seu primitivismo. Nós os olhamos não como nossos avôs. Parecem nossos desamparados filhos. A breve cena que mostra seu terror noturno sempre me comove. Como me comove também a cena em que Kubrick se exibe gênio que é, aquela com os ossos.
Quinto: tédio. O filme se torna lento. Toda a missão espacial é glacial. Mas impressiona um fato : o acerto no modelo do computador com câmera. Os efeitos ( pré-digitais, feitos mecanicamente ) são perfeitos.
Sexto: o computador enlouquece. Muito trágico o fato de que a sabedoria humana se concentra numa máquina.
Sétimo: a morte e a entrada em outra dimensão. A melhor sequencia ( longa ) sobre o que seria o xamanismo. O astronauta morre. O que ocorre ? Uma viagem de LSD numa cena ultra psicodélica. Sons de sintetizador. ( num tempo de sintetizadores do tamanho de armários- sem teclados! )
Oitavo: o final. Não vou contar. ( Alguém ainda não viu 2001 ? ). Mas é intrigante, surpreendente, e faz, estranhamente, sentido.
Nono: a última imagem. Faz chorar. É linda. Talvez a mais linda possível.
O QUE É ESTE FILME?
Para Kubrick, o homem só viveu dois momentos chave : a descoberta de sua singularidade, que se deu através da descoberta da arma; e a viagem espacial, a saída deste planeta. O terceiro passo evolutivo, ainda não dado, seria o encontro com uma inteligência fora deste mundo. O monolito é o que? Pode ser Deus. Pode ser a razão ( observe que na natureza não existe a linha reta, ele é chocante para os trogloditas por ser retilineo, polido, perfeito ), pode também ser um ET. O monolito simboliza a novidade, o ponto de morte/renascimento. Mas daí vem outro enigma : porque a sala Luis XV ?
Pauline Kael, que não gostava do filme, o chamava de aula de filosofia alemã dada por um chato professor calvinista. Nem tanto. Como disse, voce não pode julgá-lo como cinema, é arte conceitual, uma instalação. Dificil, árido, árduo, mas acredite, inesquecível. nota DEZ.

RENOIR/LOLITA/TRUFFAUT/KIRK DOUGLAS/LUMET

MULHER COBRA de robert siodmak
um clássico kitsch, referencia para Almodovar e filmes como Hairspray. os atores são hilários de tão ruins, os cenários são dignos da Imperatriz Leopoldinense e a história fala sobre maldições, erotismo e mitos. nota 1.
POSSUÍDOS de william friedkin
ashley judd no quase pior filme de todos os tempos. um filme que ofende qualquer inteligência mediana, com seu mix de modernices vazias, sustos previsíveis e diálogos de retardados. ZERO.
A CARRUAGEM DE OURO de jean renoir com anna magnani.
de todos os grandes é renoir o mais hiper-valorizado. seus filmes são bons, a regra do jogo é excelente, mas jean jamais é um gênio como muitos dizem. este é um filme de bela fotografia, humor leve e festeiro e com bonita mensagem pró-liberdade. mas não é genial ou especial. 6.
LOLITA de stanley kubrick com james mason, peter sellers, shelley winters e sue lyon.
todo aspecto político do delicioso livro de nabokov inexiste neste freudiano filme de kubrick. inexiste o humor que faz do livro uma obra genial e divertida, inexiste o barroquismo da linguagem do dandy nabokov, o que resta? uma lolita velha demais ( no livro ela tem 12 aparentando 11, aqui parece ter 17 ), um james mason sublime ( ele carrega o difícil personagem com leveza e humor- deve ter lido e entendido o livro ), um sellers asqueroso ( ter perdido o oscar é um vexame do prêmio ) e um clima geral de pesadelo e paranóia que o romance não tem.
mesmo com esses senões, é um filme adulto, bonito e que hipnotiza ( te conduz a algum lugar). 7.
O GAROTO SELVAGEM de truffaut.
seco e simples, truffaut dá a sensação de ter feito algo como um documentário de uma época em que não existia o cinema. nestor almendros dá um show de fotografia. 4.
DUELO AO SOL de king vidor com jennifer jones e gregory peck.
é western portanto é bom. uma ópera a cavalo, um história que beira o ridículo em seu exagero de taras e emoção. jennifer jones chegava a ser um crime de tão bonita e peck está ruim como sempre. mas se vê com prazer... nota 5.
ELEIÇÃO de alexander payne.
payne, coen, burton, hanson, wenders, clint, ridley, scorsese, wall e, o cinema de hoje tem alguns nomes interessantes, seu maior problema são atores ( muitos poucos tem algum carisma, o que abre campo para absolutas nulidades ) e o público atual, que não tem nenhuma sofisticação cinematográfica. este filme, com a maravilhosa reese witherspoon ( tenho um caso de paixão com ela- a melhor comediante de sua geração ) é uma diversão para adolescentes que- milagre- não fede a burrice e histeria. seu único defeito é que sua vilã ( reese ) que deveria ser irritante se torna adorável. nota 6.
MARCHA DE HERÓIS de john ford com john wayne e william holden.
o homero do cinema em filme menor. mas um filme menor de ford é um filme gigantesco para qualquer outro diretor. aqui ele trabalha com sua mitologia de heroísmo, liberdade e solidão. wayne está especialmente bem. filme para quem sabe o que significa uma palavra como virilidade. 7.
MACBETH de orson welles
talvez esta seja a melhor adaptação de shakespeare para a tela. um filme muito barato, um cenário apenas, poucos atores. sombras e escuridão, movimentos exatos de camera, falas claras e bem ditas, clima e emoção. uma aula de requinte, de cuidado, de perfeição. jeanette nolan como lady macbeth chega a arrepiar. 8.
ROMANCE E CIGARROS de john turturro com james gandolfini, kate winslet, susan sarandon. alguém precisa avisar kate que seu tipinho sujo já deu. ela faz sempre o mesmo personagem ( a gorducha gostosa ). este é um musical chato, vazio, pesadão, insuportável. ZERO.
EQUUS de sidney lumet com richard burton e peter firth.
lumet sabia filmar neuroses. este texto de shaffer foi imenso sucesso teatral em todo o mundo ( aqui feito por paulo autran e ewerton de castro ). burton está meio sonolento, mas sua voz era tão poderosa que ele leva o duro personagem do analista cansado com facilidade. um filme obrigatório para psicólogos, filósofos ou cinemamaníacos. um filme do tempo em que havia público sério para filmes simples, sem enfeites desnecessários. uma delícia intelectual. 7.
A SEREIA DO MISSISSIPI de truffaut com jean paul belmondo e catherine deneuve.
françois truffaut era fanático por hitchcock e aqui tenta fazer um filme de hitch. tenta criar um clima de vertigo. erra feio e dá vexame. o filme ´e aquilo que o mestre alfred nunca foi- chato. 1.
CAR WASH de michael schultz.
filme barato de latinos e negros dos loucos anos 70. a trilha sonora tem um arraso de ritmo e tudo aquilo que os filmes de tarantino e soderberg têm: funky. 3.
FUGA ALUCINADA de john hough com peter fonda.
um sub- vanishing point. 3.

DE OLHOS BEM FECHADOS-VOCE VIU?

Um anjo cai do céu e perde suas asas. Condenado, ele vagueia pelas ruas sem conseguir se conectar à ninguém. O filme é isso. Mas...
Um ingênuo marido descobre que mulheres têm desejo. Ou...
Numa festa, marido é cortejado por duas modelos. Elas querem lhe conduzir ao final do arco-iris. Ele não vai, pois a morte intervém. Depois ele irá à esse rainbow, e descobrirá que ao final, rainbow é uma loja de fantasias. Porém...
Ele descobre que tudo é fake. Falso. Aparência. Sua esposa, seu amigo, a cidade...nada é o que parecia ser. Ele tenta se conectar com alguma verdade: é abordado por uma prostituta. Mas não transa com ela. Lhe dá dinheiro ( observe que todas as conexões dele envolvem dinheiro ). Vai à uma orgia. E não toca ninguém. Pensa ter descoberto um crime. Mas ele pode não ter ocorrido. Volta para casa e encontra a esposa dormindo ao lado da máscara.......
Observe que a esposa não o traiu na verdade. Apenas pensou e sonhou. Observe que nada acontece de verdade- tudo é quase/ talvez/ quem sabe...
Recorde a orgia. Críticos mal informados reclamaram dela ser pouco erótica. Bingo! Esse é o objetivo: corpos nús sem qualquer erotismo/ beijos mascarados que não se tocam/ intenções infantis onde tudo é fingimento.
Tom Cruise ( justiça feita: ele está ótimo ) é um crente. Acreditava no amor, no compromisso, na amizade, na verdade. Ao ver a máscara ao lado de sua esposa ( cena muito bela e emocionante) ele chora, reconhecendo que a vida é fake. Nossa vida.
O filme é sim um digno testamento de um gênio, uma mente superior que se ocupou de uma arte inferior ( como Welles, Bergman e Kurosawa ).
Ao final, Nicole diz que precisamos foder. E penso: não é isso que fazemos todo o tempo? No que mais, nós, classe média pensamos? Com quem foder, com quem amar, com quem casar...e de novo, e de novo, e de novo...é tudo o que restou, o único consolo, a última fé.
Mas não existe erotismo nesse mundo. Pois não há tabú a ser rompido, virgindade a ser cobiçada, e nem sequer toque real ( máscaras ).
Uma obra-prima que melhora muito na segunda visão e aumenta na terceira ( como todos os filmes de Kubrick- todos decepcionam na primeira olhada e fascinam na segunda- todos).
Nota dez.