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FIREBELLY - J.C. MICHAELS...SAPOS, SARTRE E KIERKEGAARD

Lançado em 2008. Já aviso, apesar de ser anunciado como livro para adultos, é um livro fofo, hiper fofo. Temos um sapo. Ele nos conta sua história. Nasce num tanque. Vive num pet shop. Conhece um sapo velho. Come grilos. Vai morar no quarto de uma menina de 9 anos. Ela vive em duas casas, pais separados. O sapo é mimado. Mas tem curiosidade. Foge de casa por acaso. Vive um tempo dentro de um carro. Conhece uma adolescente problemática. E então o livro termina. ------------------------ Michaels foi pianista e depois estudou física e filosofia. Este é seu primeiro livro. O sapo é um belo personagem. Ele vive uma transformação natural, a adolescente, humana, vive uma transformação dolorosa. O livro é existencialista, o autor cita Sartre, Heidegger e até Zorba, o Grego. É preciso escolher para se viver. E cada escolha compromete todo o futuro. O livro fala de liberdade. O preço e o vazio que há nela. Ao final, e é um bonito final, se eleva a mensagem de Kierkegaard, a escolha final é cuidar de alguém. A liberdade de viver para alguém, como uma escolha. ----------------------------- Sapos são metamorfoses. Ovo, girino, sapo, troca de pele. Água e terra. Esperta escolha. Carinho por este livrinho.

KIERKEGAARD, DON JUAN, ADÃO E EVA E JUNG

   Dizia Kierkegaard que o nível mais baixo da existência seria aquele de Don Juan, mundo que o Don Giovanni de Mozart exibe a perfeição. Nesse mundo tudo o que tem valor está ligado a sedução, a conquista e ao desejo de possuir. A pessoa viveria numa espécie de galeria de espelhos, onde ela se analisa todo o tempo e examinaria os outros sem parar de se comparar a eles. Um mundo de superficie, a vida como imagem em movimento, sem substãncia e sem chance de perenidade. Nesse mundo a nossa função passa a ser unicamente a de seduzir e ser seduzido. Mais nada. Pior que isso, após o ato da conquista torna-se impossível usufruir do que se tem. O objetivo é capturar, não se consegue apreciar aquilo que já faz parte do passado, da coisa que já foi conseguida. A posse é um desejo ilusório, pois ter se transforma em perder. Comapra-se e se paga um preço, o vazio entediante de se querer, sempre, aquilo que não se tem.
   Kierkegaard escreveu isso no meio do século XIX. E advertia que nosso mundo caminhava para a preponderância absoluta de Juans e Giovannis. Um pouco acima deles estaria o tipo Fausto, aquele que não ansia por ter, mas por saber, tudo. Esse vive na dúvida pois sabe que o querer, o ter e o saber possuem limites intransponiveis. A vantagem de Fausto sobre Juan é conhecer o desespero transformador, e não apenas, como Juan, o tédio asfixiante. Fausto quer transformar sua vida, Juan não. Ele é incapaz de criar algo de novo. É uma vítima. Fausto nunca é vitima, ele é seu carrasco.
   Me desculpem se me abstenho de falar sobre o tipo mais elevado. Entramos no mundo do símbolo e da religião e esse mundo está hoje tão enterrado dentro de nós, tão disfarçado em sintoma e em auto-mutilamento, que sua lingua seria tema para mais de uma biblioteca. A prponderãncia da razão, utilitária, simplificadora e comum a todos, fez com que a lingua da alma e do instinto nos fosse cada vez mais estranha. O que posso dizer com certeza absoluta, e essa é das poucas certezas absolutas que tenho, é que apenas a razão não pode nos dar motivo para viver. O que nos leva adiante, mesmo com a consciência do fim da vida, do mal e da injustiça, é aquilo que Jung chamava de inconsciente, o imenso universo vivo e atuante de símbolos, instintos, motivações e sonhos. Mundo que nos traz a ideia de criação, de atemporalidade, de comunhão entre o todo e nós, de beleza. Chamar esse universo, que é só meu e é de todos ao mesmo tempo, de Céu, de Inconsciente, de Instinto ou de Vida, tanto faz. Ele é o que nos guia e nos perde, nos dá dignidade de coisa viva e criadora, nos ajuda a querer persistir. Perder essa conexão é a morte em vida. É o mundo de Don Juan. Espelho e imagem, vaidade e posse.
   Uma parábola que agora se faz clara:
    Quando Adão e Eva perdem o Eden, o que eles perdem? O que eles ganham? Passam a ter de trabalhar, passam a ter consciência da morte, passam a sofrer. Ou seja, tornam-se racionais e criam a divisão interna da mente. Agora sabem o que devem ser. Nunca o que são.

O DESESPERO HUMANO ( DOENÇA ATÉ A MORTE )- SOREN KIERKEGAARD

   Antes de falar especificamente sobre esta obra, vale frisar das diferenças cruciais entre Hegel e Kierkegaard, diferenças que dividiram toda a filosofia que veio após seu tempo. O básico é que Hegel acredita na história como coisa universal e ignora o eu. Para o alemão, a história nos faz ser aquilo que somos. Nossas vontades e nosso atos são consequência do nosso momento histórico. O eu pode ser pensado como uma ilusão. Não é preciso ser filósofo para perceber que isso vai dar no marxismo.
   Kierkegaard pensa de forma oposta. O eu é tudo. Estamos presos dentro da dialética que constitui o eu. Esse eu é tudo o que temos e tudo aquilo que podemos experimentar. Porque é para esse eu que sempre olhamos. Como consequência, SOMOS RESPONSÁVEIS POR TUDO O QUE FAZEMOS. Nós escolhemos ser o que somos, desejar aquilo que desejamos e sofrer o que sofremos. Quem lembrar do existencialismo está mais que certo.
   Kierkegaard escolheu e nunca culpou nada ou ninguém. Se sua vida foi sofrida, ele jamais se lamentou. Com seu eu ele fez aquilo que escolheu fazer. Após uma infância de riquesa material e de estudos impostos pelo pai ( com quem nunca rompeu ), ele escolheu uma juventude de prazeres e hedonismo e ao romper com sua noiva, mergulhou no isolamento e na reflexão. Tudo o que ele escreveu foi sentido na carne. Ele escolheu ser seu laboratório vivo. Claro é que isso dá um caráter personalista a sua filosofia. Mas é exatamente isso que o dinamarquês fala, ele diz que cada um experimenta sua própria experiência de eu. Ela é comum a todos nós, mas é COMPLETAMENTE INCOMUNICÁVEL E INTRANSFERÍVEL.
   Falo agora deste livro acima anunciado.
   Ler Soren Kierkegaard nunca é fácil. Ele exige de nós três coisas que nem todos podem querer usar. Comprometimento, disposição ao sofrimento e sinceridade. Todas essas três coisas em relação a si-mesmo. Sua filosofia opta pela vida para dentro e jamais para o mundo. Porque?
   Porque sofremos. Nascemos para envelhecer e daí para morrer. Normalmente estamos doentes ou iremos ficar doentes. Mas vem então a grande sacada do dinamarquês: Toda doença da carne, em homem ou em bicho, tende ao fim. Ela se extingue por si-mesma. Nela habita seu final, seja a cura ou seja a morte. A morte cessa a dor da carne. Mas não a dor do espírito.
   Porque não existe morte para o desespero. Não morremos de desespero. Podemos nos matar, mas isso não o extinguirá pois no ato de morrer por essa via o desespero continuará vivo até o fim. Isso, para ele, é o que mais nos diferencia dos bichos, esse desespero que é uma doença sem CAUSA E SEM FIM. SEM CURA PORTANTO.
   Kierkegaard diz que esse desespero está latente em todo humano. Ele pode ser disparado por um amor que acaba, pelo tédio ou pela doença da carne, mas na verdade o desespero existencial está presente desde sempre. É nossa condição de vida humana. Inescapável. Ou quase isso.
   Mas o que é esse desespero?
   Existiriam dois modos de se desesperar. E primeiro é preciso falar do eu.
   Só temos consciência de nosso eu ao olhar para ele. E esse eu é sempre coisa viva, dialética entre aquilo que se é e aquilo que se deseja ser. Nasce então o desespero. O desespero de se querer DEIXAR DE SER O EU ou A VONTADE VORAZ DE SER OUTRO. E saber, humanamente saber, que sempre se vai ser EU e que nunca, por mais que se deseje, será OUTRO. ( E penso que é um absurdo que um psicólogo sério não leia Kierkegaard ).
   Para ele, sómente humanos sofrem dessa doença sem solução. Mal insolúvel que de certo modo dignifica nossa condição de "ser à parte", "ser responsável" e de ser "em construção". Para ele, esse desespero é a chave para se entender o que seja ser uma pessoa, ser vivo, ser um homem espiritual.
  Vale aqui dizer que muitos negam essa doença e a vivem em forma de tédio e de vazio absoluto. Fogem do desespero pela religião do prazer, pelos sentidos exaltados. Prazeres que morrem e não podem ser vividos novamente. Efêmeros. Morte que se faz a cada gole e a cada trago.
   O desespero que é de todos, é assumido pelo homem em transição. Vem daí a teoria da religião de Kierkegaard, teoria que afirma que só a profunda experiência religiosa pode salvar o homem do desespero. Não entrarei nesse tema. Não é o tema deste livro e o próprio filósofo diz que a verdadeira experiência espiritual não pode ser comunicada em linguagem dos homens. Eu compactuo disso. Voce consegue falar de Deus quando voce procura por Ele. Ou quando O nega. Se voce O conhece é inutil e impossível falar.
   Segundo Kiekegaard, existindo a vida do espírito, toda doença da carne cessa com a morte e deixa de se fazer presente na vida eterna. O desespero permanece. Terrível não? Imaginar que todo o nosso desconforto possa ser "para sempre". É uma conclusão lógica já que se trata de uma dor da alma.
   Para concluir, pois isto é apenas um tipo de fofoca superficial que faço, ele me surpreende ao afirmar que a fonte do medo do homem jamais foi a certeza da morte. Foi sempre o não poder morrer. A dor da carne tem na morte seu fim. A dor da alma, que é o desespero, não aceita a morte. Cada segundo de desespero é uma eternidade. Sentimento que vem do nada, se faz presente e apaga o futuro. Dor que não leva à morte.
   Se tanto os homens primitivos como os homens de hoje encontram na religião a certeza do alivio das dores da carne e das fomes da vida, elas não podem prometer e não prometem, a cura do desespero na outra vida.
   Esse fado humano, essa sina, tem de ser vivida. Aqui- agora e também depois- além.
   A raiz de Kiekegaard, esse filósofo do terrível, se confunde então com a raiz do cristianismo. A vida é dor porque este reino é feito de carência. Jamais seremos completos. Suportar e não se lamentar. Confiar e ajudar. E jamais se esquecer.
   Viver com Dor. Ser gente enfim.

KIERKEGAARD, UM LONGO CAMINHO

A popularidade de Nietzsche explica a falta de ibope de Soren Kierkegaard.
O alemão nos dá o consolo de podermos culpar gerações remotas por nossa falta de potência ou de valor. O dinamarquês não. Cabe a nós mesmos, de agora e para frente, construir uma história. Ninguém tem culpa por nossos erros, apenas aquele que erra e vive agora é o responsável.
Kierkegaard escreve sobre as quatro etapas do desenvolvimento humano:
Se sua vida tiver valor ( e se uma sociedade souber crescer ) a primeira fase é a da beleza. Voce abre os olhos e começa a observar a vida. Percebendo a riqueza vital, dando valor ao equilíbrio da existência do planeta, voce passa a se guiar pelo belo, pelo que é agradável, por aquilo que seduz o olhar. Se voce estiver no caminho da evolução, esse senso de beleza o levará a valorizar a harmonia e a paz; se voce estiver no retrocesso, voce valorizará apenas a beleza das aparências, o brilho fugaz.
Subindo o caminho voce atinge via beleza a etapa da moralidade.
Aqui o bem e o certo passam a ser o valor maior. Voce passa a não admitir a injustiça, a ingratidão, o mal e a violência. Todo ato passa a ser sentido em sua consequencia e a beleza torna-se tudo o que é moralmente justo.
Nessa etapa, se o caminho for de subida, essa moral visa o outro. Cada ato é diálogo com o todo. Tudo possui o peso de sua história. Voce indaga e se pergunta: para que e o que será. Mas se voce estiver em descida essa moralidade se torna mero formalismo. A boa moral passa a ser a moral de uma casta e o que é bom torna-se bom apenas para sua casta e para seu momento.
Devemos aqui observar que essa teoria de Kierkegaard se aplica a perfeição à história atual. Temos uma imensidão de nações que vivem fora de qualquer evolução. Sem nenhum senso estético e muito menos de moral. Depois existem algumas nações que vivem esse período de "beleza". Países que prezam sua aparência turística, mas que acima disso, tentam preservar o que os faz "belos". Penso em Noruega, Suécia, Nova Zelândia, como nações que talvez estejam na etapa moral. Pensam na segurança e no bem-estar de seus filhos, mas acima de tudo, implantaram um senso de justiça que se tornou parte de seu modo de ser.
As duas etapas seguintes são inalcançáveis ( por países ) em nosso tempo.
A terceira é a etapa do riso. E aí a coisa começa a se refinar.
Falando de cinema, não seria o riso da comédia ( mesmo que genial ). Seria o riso felliniano, o riso de quem viu o feio e o belo ( e conseguiu fazer o belo vencer ), viu o amoral e conseguiu ainda crer na moral. É o riso de quem conhece a vida e aprendeu que tudo é absurdo ( se visto em escala humana ) e magnífico ( visto em escala sobre-humana ). É a etapa do riso calmo, amoroso, quente, convidativo.
Uma equação: belo`+ moral = alegria.
Isso se estivermos em subida. Descendo esse riso se faz escárnio, deboche, desespero. Deixa de ser riso vital e se torna riso de morte. Frio, é uma risada caricatural, uma risada que desvaloriza a vida, que pisa no outro, que se nutre de feiúra e de amoralidade. É 99% do humor que se faz hoje.
Passada a fase do riso nasce a serenidade e com ela o período da sacralidade.
Compreende-se então que tudo é sagrado, que em cada coisa e em cada dia existe algo de grandioso, de imutável e de misterioso. Nessa fase não se pergunta mais, a intuição fala e ela sabe antes de criar a dúvida. A pessoa não mais é ator na vida, ela se vê como parte do autor que a escreve. Há nesse momento a compreensão.
Mas, se o movimento for de descida, essa sacralização torna-se igreja ou seita. O homem passa a adorar "coisas sagradas" e instaura-se o fetichismo.
É preciso agora dizer o que significa estar subindo ou descendo.
Todos nós nos deparamos com momentos na vida que nos lembram dessas etapas de evolução. Mas somos livres para escolher. Ou penetramos na fase da beleza e subimos com ela rumo a moralidade, ou entramos num tipo de transe voyeur e descemos cada vez mais baixo. Desse modo, o homem que atinge a quarta fase ( do sagrado ) mas cai em dogmas ou imagens mágicas, despenca para a fase do riso, risada que será de agressão e de descaso com tudo.
Soren Kierkegaard pensava sempre em moralidade e em responsabilidade. Se Nietzsche, quando lido superficialmente, parece nos liberar da moral e do bem, o dinamarquês nos recorda todo o tempo que somos seres morais e que o que nos justifica é o bem comum. Se o século XX tivesse sido mais feliz, teria sido tempo de Kierkegaard e de Karl Jaspers e não época de Nietzsche e de Karl Marx.