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VITÓRIA - JOSEPH CONRAD

Conrad é o mais enganoso dos escritores. Por ser um dos mais citados entre os grandes escritores, Borges, Heminguay, Fitzgerald, Calvino, todos o citam como um dos favoritos, quem nunca o leu o imagina como "autor artístico". Por outro lado, por ser tão popular e ter o rótulo de "escritor popular de aventuras", muitos o imaginam como escritor simples e fácil. Conrad não é nada fácil. Suas tais aventuras têm pouca ação de fato. Tudo que acontece pode ser resumido em poucas linhas. Por outro lado, o ambiente é sempre aquele da aventura popular: o mar, a guerra, as terras exóticas. Ao contrário dos autores puramente "de arte", Conrad viveu, viveu muito, por isso é tão admirado por grandes escritores: eles percebem nele a verdade absoluta. E ele é. ------------------------ Conrad nasceu polonês e foi marinheiro. Navegou o mundo todo, conheceu a vida nos portos e teve por amigos os tipos menos intelectuais do planeta. Só aos 40 anos, quando sossegou, passou a escrever. E só tarde na vida começou a falar o inglês. Conrad é o único caso de um autor que se tornou mestre numa língua em que não foi criado. Quem estuda literatura inglesa sabe, sua maestria em inglês é um tipo de milagre. Seus livros contam aquilo que ele viu pela maior parte de sua vida. São lugares violentos, pobres, rudes, infernos reais. As pessoas lutam para não morrer. Se defendem e atacam. A tensão é aquela da selva. Muitos consideram VITÓRIA seu melhor livro. Eu prefiro LORD JIM e CORAÇÃO DAS TREVAS. Mas sim, este é um muito forte livro. ------------------ O lugar é o sul do Oceano Pacífico, aquela região dúbia, entre Filipinas, Vietnã, China, Coreia. O tempo é 1915. Tudo é úmido, quente, abafado, pestilento. Numa ilha vive um sueco, o "heroi" do romance. Ele teve um pai filósofo niilista, que lhe inoculou a descrença na vida. Adulto, ele se tornou indiferente, distante, sem emoções aparentes e, interiormente, sem vontades. Um dia, por tédio, ele ajuda um inglês e esse inglês faz com que ele viage à uma outra ilha, onde abrem uma firma de exploração de carvão. A firma vai à falência e o sueco não sai de lá. Se torna um esquisito, um hermitão. ---------------- Enquanto isso, numa ilha vizinha, há uma orquestra de mulheres e o dono do hotel onde elas trabalham. Alemão, esse dono de hotel é um tipo odiável ( Conrad odeia abertamente os alemães ). O sueco ocasionalmente passa por lá e se envolve com uma violinista. Infeliz, ela foge com ele. O alemão, que a queria, explode de ódio. Surgem 3 bandidos, dois ingleses e um latino, e o alemão inventa que na ilha do sueco há um tesouro. O fim do livro é cheio de mortes.... ---------- Não há chances no mundo de Conrad. O meio é sempre infernal, habitado por seres ambiciosos, soturnos, traidores, crueis. O heroi é um homem que não mergulha no mal por medo, por falta de energia, por tolice. Para Conrad o bem é sempre a ausência de mal, não uma qualidade em si, mas um vazio onde o mal foi enfraquecido. Todos os seus herois são vítimas, seres hesitantes, que fraquejam, pessoas que não agem. Eles não são bandidos ou assassinos, mas isso por uma falta e não por possuírem algo. E ao redor dessas pessoas há uma natureza distante, indiferente, sem qualquer participação no drama. ------------------- Sim, Conrad é profundamente pessimista e é incrível autor assim ter sido tão popular. Conrad era vendido para adolescentes, era lido nas escolas, virou filmes, temas de mestrado, peças, tema de exposições. Hoje ele vende menos, mas continua a ser figura sempre em edição, sempre influente, sempre presente. Um desses autores que não te deixam relaxar.

O BOM SOLDADO - FORD MADOX FORD

Heminguay foi amigo de Ford Madox Ford. Quer dizer, mais ou menos amigo. Heminguay amava este livro, O Bom Soldado, título dado na França, contra a vontade do autor inglês. Ford queria que seu livro se chamasse A MAIS TRISTE HISTÓRIA. Quem compra o livro hoje pode pensar que ele fala da primeira guerra mundial, afinal foi lançado em 1915. Mas não. O que ele narra é a melancólica vida de um corno. ---------------- Ford começou sua carreira escrevendo dois livros a dois, ao lado de Joseph Conrad, autor que, como Heminguay, ele achava ser o melhor. De Conrad ele pegou a mais preciosa das características, o poder da ironia. Em O BOM SOLDADO nós acompanhamos o desnudar de uma mentira. O narrador, rico americano que vive na Europa, já sabe a verdade, e ele recorda seus enganos. A esposa tendo um caso com um amigo, as mentiras que pareciam reais, o fim suicida dela, a morte do amante, seu destino lamentável. Outro autor que Ford amava era o dúbio Henry James, e de James ele tem o objetivo de fazer do leitor uma parte ativa do romance. Somos obrigados a indagar: esse narrador, ele é confiável? Ele realmente não sabia ou fingia não saber? ------------- Mas nada disso importaria não fosse o estilo de Ford. Nada linear, o tempo avança e recua, cenas são recontadas, palavras repetidas em outro contexto, a vida se apresenta como é, eterna busca de ordem e sentido em meio ao Kaos. ------------ Soldado? Sim, o amante, inglês nobre, longa linhagem, frio e inescrutável, é um soldado. Que ama verdadeiramente a esposa do narrador. E sofre por ela. Ou não? Um belo livro pouco conhecido no Brasil mas que é central nos países de língua inglesa.

FREYA DAS SETE ILHAS- JOSEPH CONRAD

   Novela é algo muito curto para ser romance e muito longo para ser um conto. Saiu uma coleção de novelas e eu leio este belo texto da fase final da grande carreira de Conrad. O tema é o mais caro ao grande autor polonês-inglês: o fracasso. Belas pessoas com belos futuros que se transformam em patéticos fracassos. Aqui não é diferente. Freya é a filha loura e linda de um pacato dinamarquês vivendo nos mares índicos. Ela é inteligente, prática, dona de um bom senso a toda prova. Seu pai a adora, todos por lá a mimaram, ela é cortejada por um capitão inglês dono de um belo veleiro tinindo de novo. O que pode dar errado?
 Não existe segurança possível na vida. Essa a fé de Joseph Conrad. Tudo pode afundar, uma borrasca pode acontecer, e, acontece sempre. O azar no mundo de Conrad não é uma possibilidade, é uma certeza. 
 E como escreve bem esse bruxo! Só Henry James podia se medir com ele em sua época. E veja que essa é a melhor época da prosa em inglês, aquela que vai de 1870 a 1930. O texto é simples, direto e ao mesmo tempo cheio de sutilezas, de beleza viril, de antecipações que nos deixam em suspense. 
 Vinte reais apenas. Vale muito mais. Ler Joseph Conrad é sempre uma lição.
 

UM ANARQUISTA E OUTROS CONTOS- JOSEPH CONRAD

   Se há algo que une a obra de Conrad é sua opção por retratar gente em limites. Momentos em que alma e corpo são postos a prova. Este livro, quatro contos deste que é um dos cinco gigantes do século, demonstra bem essa sua característica. 
   No primeiro acompanhamos um grupo terrorista em sua tentativa de encontrar um traidor. Impossível parar de ler, ele é todo feito num crescendo de medo e de suspeitas. Hitchcock leu com certeza, Conrad é muito popular em sua pátria de adoção. No segundo conto, esse uma obra-prima de melancolia, conhecemos um nobre alemão vivendo em Nápoles. Feliz, educado, bonachão, eis que tudo isso é destruído quando ele se vê vitima de um assalto. Seu mundo, ilusório, desaparece e esse velho sensível murcha. Conrad tece em poucas paginas o fim de um universo e a irrupção de um outro. Perfeito em execução, sublime em sentimento.
   O terceiro trata de um mecânico perdido numa ilha da América do Sul onde ele se torna um tipo de pária. Conrad consegue, em 1910, ser ecológico, pró-animais, anti-capitalista e devastadoramente cruel. No último conto se narra a história de um navio imenso que tem o poder de matar em todas as suas viagens. Azar, sina, maldição, tudo se conjuga neste nefasto conto.
  Joseph Conrad é dos raros escritores que consegue ser popular e erudito, fácil de ler e muito complexo, amado por críticos, modelo de escritores e mesmo assim ele nada tem de exotérico ou esnobe. Ex-marinheiro, pessimista, duro, é um autor que cresce com a idade de quem o lê. Adoro.
  Na introdução deste volume, da Hedra, se fala uma anedota que preciso compartilhar: 
  O fim do século XIX e o começo do XX assistiu o apogeu do romance e nesse auge vale destacar Joseph Conrad e Henry James. Conrad como o objetivo, o observador que pouco narra e que tudo diz. E James como o autor que mata a ação e desenvolve a psicologia interna. Então o autor diz como seria uma carta escrita por James reportando uma gripe. Ele descreveria a mesa onde escreve, o quarto, a história de quem o decorou, o que revela a escolha de um vaso com flores, os arabescos do tapete, a voz de quem passa na rua...e só então falaria da gripe. Conrad diria de cara dos sintomas, da dor e então contaria a história de um homem que morreu de gripe. 
  Amo os dois estilos. Eles definiram tudo que se escreveu desde então. Começar a conhecer Conrad por este livro é uma boa ideia. Voce vai se apaixonar.

ESPELHO DO MAR- JOSEPH CONRAD

   Conrad é sempre vasto. O texto é caudaloso, tempestuoso e filosófico. Ele navega entre vagalhões, desce, afunda, sobe, flui e se joga. Como pode um polonês ter tal dominio sobre o inglês? 
   Conrad foi marinheiro. Começa a escrever só aos 36 anos. Por vinte anos foi homem do mar. Saído da terra natal, fez-se súdito da marinha mercante inglesa. Conheceu o mundo: Àfrica, India, Taiti, Hawaii, EUA, Chile, Austrália. Mais que tudo, viu o mar.
   Ao fim da vida ele escreve este livro. Autobiografia que se recusa a falar de si-mesmo. Aqui ele conta o mar. Cada parte é um aspecto da vida marinheira: portos, estaleiros, velas, barcos novos, tempestades, âncoras, cordas, correntes, neblina, carga. Descreve. O livro é quase uma enciclopédia da vida ao mar. Termos técnicos, ele ensina. E pouco diz de si. 
   Na introdução ele conta: O livro é uma homenagem aos homens e aos barcos que ele conheceu no mar. Barcos a vela, nervosos, barcos que seguem o vento.
   Joseph Conrad define o que é arte: "Atividade em que não sabemos para onde vamos e se lá iremos chegar." Portanto, navegar a vela é arte, o navio a vapor não. O vapor segue horário, rota, rotina, ele é indústria e ciência exata. A vela é arte: improvisa, se arrisca, nunca sabe o que vai dar.
   Enigma Conrad. Um autor de livros de aventura que são tão complexos quanto Henry James e tão filosóficos quanto Thomas Mann. Para muitos é o maior escritor que a Inglaterra já teve. Polonês. Eslavo.
   Para quem ama o mar eis um livro obrigatório.

LORD JIM- JOSEPH CONRAD

   Teodor Korzeniovski nasceu na Polônia. Sedento de vida, foi à marinha francesa, depois à inglesa. Aprendeu tão bem o inglês que se tornou para muitos o melhor autor moderno da língua. Lord Jim é ao lado de Coração das Trevas seu mais famoso livro. Considero Nostromo o mais fascinante, mas vamos à Jim.
   Em tempos, hoje, de capitão italiano omisso, o mote de Lord Jim vem a calhar. Jim é um jovem inglês que serve como segundo imediato numa velha embarcação. Ela transporta centenas de peregrinos muçulmanos. Numa noite quente e que ameaça chuva, Jim vê a parede do porão do navio ceder, avisa o capitão. O capitão foge com a tripulação em bote, e após titubear, Jim se junta aos fugitivos. Os peregrinos são abandonados a própria sorte. Os náufragos são resgatados, mas quanta ironia! o velho barco não afunda e os peregrinos são encontrados perdidos no mar. Jim e todo o resto vão a julgamento.
  Quem nos conta a história é Marlow, velho marujo que conhece e se apieda de Jim no julgamento. Então, no livro, jamais saberemos dos pensamentos de Jim. Veremos esse jovem personagem pelos olhos de Marlow. Após o julgamento, Marlow faz amizade com esse torturado Jim e lhe arruma emprego. Mas Jim foge desses trabalhos sempre que descobre que seus companheiros sabem de seu passado. Ele é visto por todos como um tipo de tolo, pois seu crime não foi tão grave assim.  Aqui faço uma pausa em minha narração e passo a tentar explicar Jim.
  Jim é um romântico. Típico jovem do fim do século XIX, ele ansia por aventura. Dá a si-mesmo um rigido código de honra, de moral. Na noite do acidente a vida lhe pega desprevenido. Diante da morte ele fraqueja e foge. Jim desde então não pode mais viver. Ele se encolhe e passa a perceber que não é aquilo que gostaria de ser. Pior que isso, ele é algo que ele despreza. Lord Jim joga com várias ideias perturbadoras: a vida como barco sem rumo, a alma como depósito de escuridão insuspeita, nosso próprio ser como algo desconhecido a nós mesmos.
  A longa cena do naufrágio é a melhor do livro. Conrad, mestre do sutil, mostra nuvens negras, ferrugens, lamentos, ondas, orações, somos envoltos no medo, na escuridão, no buraco. Pois bem... quando é julgado, Jim irrita e surpreende a todos. Ele deseja punição. Toda a tripulação parte para longe, cinicos, na tentativa de reerguer a vida. Não Jim. Jim carrega a vergonha.
  Na parte final, Marlow lhe arruma um dos piores trabalhos possíveis ( Jim quer o pior ), administrar os negócios de um tal de Stein numa ilha isolada no Indico. Em meio a nativos hostis, enfrentando um encarregado traiçoeiro, Jim, estranhamente conhece a paz. Lentamente ele se torna um tipo de lider das tribos, de figura tabu, de grande irmão branco. Encontra inclusive o amor.
  Mas Conrad é sempre um pessimista e na figura de um ambicioso ladrão europeu, o destino encontra Jim. Seu mundinho isolado e perfeito se desmorona, mas não ele. Quando morre Jim está redimido. Ele purgou sua culpa, se esquece do que errou.
  Joseph Conrad escreve aventuras, sempre. Ele conhece aquilo que narra. Conhece o mar e sabe o efeito que ele causa nos homens. Sabe onde ficam as ilhas, as correntes e como são os portos. Ele viu vários Jims e vários Marlows. Mas, apesar de narrar uma aventura, seu texto nunca é fácil. Conrad é um estilista, se exibe. Seu texto se enrola em pensamentos, em abismos de ideias, em descrições de estados de alma. Não é do tipo de autor que descreve salas e paisagens; é do tipo que disseca motivações e medos. Por isso seus livros pouco se prestam ao cinema. Popular como é, ele foi pouco filmado. Apocalypse Now de Coppolla só muito de leve é Coração das Trevas, e há um Lord Jim de Richard Brooks com Peter O'Toole que já assisti e não gostei. ( Pauline Kael dizia que em Lawrence da Arábia O'Toole fizera Lord Jim ).
   Ler Conrad é sempre uma experiência profunda. Ele nos coloca dentro de Marlow e ao lado de Jim. Estamos no barco que parecia afundar, vivenciamos aquele engano. Juro que senti cheiro de mar enquanto o lia.

OS ANÉIS DE SATURNO- W.G.SEBALD

Se a modernidade/contemporaniedade se mostra via fragmentação ( e também por um sentido que nunca se apreende ), o alemão Sebald é um hiper-radical moderno. Fragmento e sentido escapável, é isso que define seu texto. Seus livros parecem começar pelo meio e não têm "um fim". Histórias são desvendadas dentro de outras histórias, tudo é biográfico, tudo é mundo real. E nada, absolutamente nada parece fazer sentido. A falta de rumo e de objetivo é a única realidade.
Enquanto Sebald vaga pelo leste da Inglaterra, e fala percebendo e testemunhando, da terrível decadencia que se faz em toda parte ( antigas mansões abandonadas, monumentos partidos, praias desertas, bosques doentios, animais em fuga, pessoas flácidas ), ele nos conta fatos que remetem a lembranças e recordam cenas que trazem em sí novos assuntos.
A vida de Joseph Conrad na Polonia, a fuga para a Inglaterra, a vida como marinheiro e por fim sua carreira como um dos maiores autores "ingleses" do século. Conrad esteve no Congo em 1890, pensou ter visto lá todo o inferno possível, e foge em crise para a Europa. Essa história faz com que Sebald fale do livro Coração das Trevas e da exploração do Congo pelo rei belga, Leopoldo. Toda a riquesa da Europa como riquesa da escravidão, do suor, da morte e do furto. Quinhentos mil negros congoleses morrendo por ano, na exploração escrava dos minérios africanos. Negros trabalhando em minas, 18 horas por dia, caindo ao chão e sendo substituidos por mais negros. Hecatombe pior que o holocausto, que o gulag soviético. E isso traz a Sebald a história de Roger Casement ( pois é, ele é o personagem do novo livro de Vargas Llosa ), um irlandês que denunciou o reino belga e que de herói britânico ( paladino do bom mocismo inglês ) passou a pária e foi executado. Isso por ser homossexual e por apoiar a revolução irlandesa.
E Sebald segue incansável. Descreve as faixas de areia onde castelos desapareceram no mar, fala da feiura da Bélgica e do desconforto na Holanda. Fala de Chateaubriand, a familia nobre, que vivia em palácio do tamanho de um bairro e que fugiu da revolução. Na Inglaterra ele se apaixona e não se pode casar por ter esposa na França. Passa a escrever um longo diário que lhe dará fama universal. E tudo ele coloca nesse diário: botânica, poesia, ciência, história, guerras, filosofia... Vida longa, vida escrita.
Já ao quase fim do livro, Sebald fala da criação de bichos da seda e da deterioração das árvores na Europa. O modo assustador como todos os bosques estão expostos aos incêndios, árvores atacadas por vírus, espécies desaparecendo. Amanhecer sem pássaros. Séculos, milênios de devastação. Solo completamente esgotado. Sebald fala do Brasil, país que vive agora a devastação que a Europa viveu no século XVIII. ( No caso europeu a devastação do século XVIII foi a mais recente e derradeira ).
Sebald não enrola. Para ele estamos no começo do apodrecimento. Somos sombras de tempo que está encerrado. Vivemos em sala de espera, com belas distrações, mas É uma sala de espera. O sentido se partiu, a desilusão foi vivida e como acontece na vida particular de cada um de nós, quando se perde a confiança não se pode mais revivê-la ( apenas como farsa ).
Longe de ser a obra-prima que é AUSTERLITZ, este é um terrível legado de um dos autores que mais interessam.

VITORIA- JOSEPH CONRAD

Este é um dos livros de Conrad que não foi reconhecido em seu lançamento. Hoje é clássico. Como em todo texto desse polonês anglófilo, é a aventura que se faz presente em toda página. Mas o subtexto é todo existencial, pessimista, labiríntico. Temos como cenário uma ilha e um porto. Heyst é um holandês que procura viver sem se envolver com a vida. Schomberg é um hoteleiro alemão que o detesta. Toda a primeira parte do livro é a história desse auto-isolamento e desse ódio. Mas a vida procura Heyst, na forma de um amigo e de um sócio. Heyst se deixa levar, friamente, com distanciamento. Depois ele se envolverá com uma inglesa perdida por lá. E esse envolvimento será fatal. A mulher em Conrad é sempre um vazio. As mulheres mal aparecem e quando surgem destroem tudo a seu redor. Heyst ao se unir a Lena se torna fraco. Seu mundo de coloca em xeque, suas certezas se vão. O holandês torna-se uma vitima frágil de turma de ladrões que lhe roubam a paz. Nossa percepção dos personagens muda ao passar das páginas: Heyst passa a ser odiado por sua passividade tola, seu esnobismo espiritual. E Lena se mostra uma apaixonada que se define apenas nessa paixão. Ricardo, um dos ladrões, também sucumbe no contato com a mulher; e seu chefe, o aristocrático Jones, é homossexual ciumento. Para Conrad é a mulher Eva inocente e serpente inconsciente. Lena não tem culpa alguma, mas seu toque destroi todo homem que se deixa ficar. Mas há mais, na passiva fraqueza de Heyst e na fragilidade classuda de Jones anuncia-se o futuro do homem, raça de seres sem coragem, sem ação e desprovidos de dons para a aventura. Vítimas de mulheres tolas. Se Joseph Conrad acertou ou não é indiferente. O que fica é uma certa perturbação por personagens tão inconscientes e situação sem qualquer traço de coragem. Em Vitoria, título irônico pois todos perdem, a covardia é a caracteristica humana. Terrível polonês....

O MELHOR ESCRITOR INGLÊS FOI POLONÊS

Bangcoc, Malacca, Bornéo, Saigon, Manilla, Hong Kong, Tahiti... esse é o mundo do polonês que se fez o melhor ( e mais influente e moderno ) escritor inglês. Ele nasceu com o nome de Josef Korniewicz e seus pais foram perseguidos pelas autoridades russas ( lutavam pela independencia da Polonia ), mortos os pais, foi criado por um tio que o colocou nas melhores escolas. Mas tudo mudou novamente, quando aos 17 anos ele se empregou na marinha mercante inglesa. Foram dez anos no mar, dez anos no oriente, entre ilhas perdidas e colonialismo ( 1900, tempo em que o mundo ainda tinha recantos misteriosos ). Apenas aos 40 anos, já na Inglaterra e em terra firme, rebatizado como Joseph Conrad, ele passaria a ser um escritor profissional. E estranhamente, apesar de polaco, se tornaria um mestre do idioma. Escrever nunca seria um prazer para ele, escrevia para fixar suas lembranças, e apesar de ser defendido por Henry James e HG Wells ( e depois amado por Heminguay ) os criticos de então o consideravam um mero autor de aventuras, um escritor superficial. Preferiam Thomas Hardy ou Virginia Wolff. O tempo sempre faz justiça na arte. Ao fim da vida, autor de montanhas de livros, Conrad se torna laureado e popular. E como sempre, honrado, jamais aceitou qualquer homenagem. Não esqueceu as ofensas. O mundo que ele retrata é maravilhoso ( e sempre trágico ). Europeus fracassados em sonhos de riquesa e poder, perdidos em ilhas abafadas e cheias de mosquitos, cheios de doenças e bebida, incapazes de fugir pois amam aquilo que os mata. Europeus inadaptados ao mundo mestiço dos trópicos, homens honrados que sempre afundam em medo e desencanto. Conrad é raro, é dos poucos autores que misturam aventura e arte em doses iguais. Um tipo de Akira Kurosawa das palavras. Tudo nele tem ação, as coisas acontecem no mundo real, mas ao mesmo tempo, as coisas acontecem dentro dos personagens, existencialmente. E que personagens! São trágicos grandiosos, se movem em ódios e paixões mesquinhas, são covardes e falsos, e às vezes muito nobres. Acima de tudo, são como eu e voce poderíamos ser se tivéssemos hoje o espaço para o ser. Pois naquele mar estagnado e naquelas ilhas mortas, eles podem se fazer inteiros, mesmo que essa inteireza seja podre e fétida. Li quatro livros de Conrad e agora estou embrenhado no quinto. Lord Jim foi o primeiro. A saga do homem covarde que tenta por toda a vida se redimir. Depois vieram Nostromo, O Coração das Trevas ( que originou o Apocalypse de Coppolla ), O Agente Secreto, que foi filmado por Hitchcock.... Todos são brilhantes, viciantes, ágeis e genialmente bem escritos. Ele mescla a ação com observações filosóficas profundas, surpreendentes, cínicas e poéticas. Mestre. Estranho país a Inglaterra. A partir de 1880, e apesar de vários bons escritores, seus gênios são todos estrangeiros. Irlandeses ( Yeats, Shaw, Joyce, Wilde, Synge ), americanos ( Henry James, Eliot ) e até um polonês, Joseph Conrad. Nasce dele toda a linha aventureira/existencial que tanto marcaria o século XX, de Heminguay a Malraux. Mas acima de qualquer critica, ler Conrad é uma diversão. Há coisa melhor que isso? Ler alta arte com um alto grau de prazer juvenil? É claro que toda arte genial dá prazer. Mas esse prazer pode ser árido, ou até mesmo custoso. Em Conrad não. Como, volto a dizer, no cinema de Kurosawa, temos aquele tipo de diversão de adolescência, direta e simples, mas misturada com a profundidade escura e terrível de Dostoievski ou do cinema de Dreyer. Esse é o ideal de todo escritor moderno. Quantos chegaram lá?