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ATÉ OS DEUSES MORREM UMA VEZ.

   Quando meu pai se foi, quase nove anos atrás, passei meses com uma sensação de "janela aberta". Foi como se toda as coisas adquirissem outra cor, como se meu coração estivesse exposto. Minha intuição ficou muito mais antenada, minhas emoções se suavizaram. Eu estava triste, mas era uma tristeza fértil. Um tipo de melancolia sensitiva.
   Lembro que no dia seguinte ao enterro, não me pergunte por que, peguei um livro de Yeats é o reli pela quarta ou quinta vez. Imediatamente me senti dentro daquele universo. A morte ali fazia sentido. A vida se abria.
   Escrevo isto porque dia 13 de junho, dia de Santo Antonio, foi aniversário do nascimento de William Butler Yeats. O descobri num artigo de jornal em 1988 e comprei meu primeiro livro escrito por ele em 1991. Ele é mais que meu poeta favorito. Ele foi o homem que me fez perder o medo daquilo que eu mais temia: o invisível. Yeats me fez aceitar os fantasmas, os encantos, o milagre, os maus olhados, as maldições. Minha aceitação da religião, pois eu a oprimira em mim desde os 10 anos, começa com as peças de Yeats. Ele foi um pagão, um celta, mas trouxe para mim a alegria do reencontro com meus mitos.
   Nesse dia 13 morre Anita Pallemberg também. E de Anita posso dizer que ela foi minha mais durável musa. Ex-esposa de Keith Richards, ex-namorada de Brian Jones, atriz de Vadim e de Ferreri, Anita foi uma das mulheres mais perigosas do seu tempo. Ela era junk, era felina, era linda e era mais forte que o aço. Passei anos procurando a minha Anita e jamais a achei. ( Cheguei perto, mas ela não me quis ). Sua morte não me comove porque ela viveu bem, viveu muito e morreu velhinha. Todo mundo morre uma vez. Depois, nunca mais.
   Fica a alegria por ter amado uma mulher que na verdade nunca conheci. E por ter conhecido um poeta irlandês que me conhece muito bem. A vida é muito maior que a morte.

O MEU ESPORTE : CAMINHAR POR ENTRE OS TUMULOS DAQUELES QUE FIZERAM ESPORTES POR TODA A VIDA

""o meu esporte favorito é caminhar entre os túmulos daqueles que passaram a vida fazendo esportes". Essa frase é de Peter O`Toole e eu não a conhecia. Leio hoje, na nova Isto É, um texto muito bom de Giron sobre Peter. 
  Conheço Giron desde 1987. Dele foi o melhor texto sobre Bryan Ferry escrito no Brasil. Na Folha. A Ilustrada de Suzuki. 
  "Produtores de cinema de Hollywood são todos porcos. Nunca conheci um que não fosse." Essa frase deve explicar as oito vezes em que Peter perdeu o Oscar. Well, ela condiz com aquilo que Peter dizia ser ( e era ), um esquerdista radical que amava tanto os grandes sucessos como as vaias apaixonadas. Teve logo os dois. Aplausos pelo Hamlet que fez em Londres, dirigido por Olivier, em 1964, e vaias em seguida, por um texto de vanguarda, feito em 65. Tomates voaram ao palco e o acertaram. De verdade!
  Giron descreve maravilhosamente o modo como Peter atuava. Vendo-o logo sentiamos sua fragilidade. Apesar de alto, ele era quase feminino. Noel Coward chamou seu Lawrence da Arabia de Nancy da Arabia. Para fazer o papel, eu desconhecia isso, ele passou meses vivendo com beduinos. 
  Mas tudo mudava quando ele abria a boca e atuava. Era viril, mais que isso, agressivo. Gestos amplos, falas altas, quase a histeria. Giron atenta para os olhos de Peter. Belos. 
  Fiel a sua classe social e sua Irlanda natal, Peter sempre uniu esse seu espirito etereo com a agressividade da anarquia. Foi fiel a si-mesmo. Tinha de ser posto em geladeira. E nunca deixou de provocar.
  Queria ser jornalista quando jovem. Aos 15 anos estava empregado. Mas foi ver Michael Redgrave em Lear e isso mudou sua vida. Quis ser ator! Na escola dramatica conheceu Alan Bates e Albert Finney. A melhor das turmas desde 1925. E os excessos vieram, bebida, mulheres, brigas. 
  Hollywood o queria como um novo Cary Grant. Ele foi ser Peter O`Toole.
  Como disse Giron, sossego post-morten. Peter se cala agora.
  Foi grande em tudo. Nunca no meio, nunca o banal.
  Na mesma revista...
  Quem viu o filme CADA UM FAZ O QUE QUER ( FIVE EASY PIECES ), de Bob Rafelson, sabe o que Belchior sentiu. Como Jack Nicholson, como Larry em O Fio da Navalha, ele se desvencilha das coisas da vida e acha seu mundo.
  Em tempos mais liberais seria tudo bem aceito e nada misterioso. Em 2013 se torna o graaaande misterio!
   Deu?

AO LONGO DO RIOCORRENTE- RICHARD ELLMANN, WILDE-YEATS-JOYCE-FREUD-ELIOT

   Coletânea de ensaios sobre autores do período 1890/1910, o que une os autores estudados, Yeats, Eliot, Joyce, Pound e Freud é seu amor pelo simbolismo, a criação e o uso de símbolos arcaicos, utilizados para dar luz ao "desconforto diante da vida material". Dessa forma, todos eles criaram uma espécie de mitologia particular, ferramentas para dar sentido àquilo que os aturdia.
   Richard Ellmann, americano, biógrafo e excelente crítico, foi professor em Yale e Oxford. É dele a icônica biografia de Oscar Wilde e também as definitivas sobre James Joyce e Yeats. O modo de abordagem de Ellmann propõe uma nova visão, que se ignore os chavões grudados ao autor e que se perceba, sem medo, a verdade óbvia. Verdade que foi esquecida com o tempo. A montanha de estudos banais feitos sobre cada um desses autores perpetuou certos fatos que reduziram sua complexidade. Foi tatuado em Yeats o perfil de autor folclórico, cantor de fadas e de heróis, exotérico espiritualista, nacionalista iralndês. O livro tem três textos sobre o poeta e mostra o quanto esse perfil é redutor ao extremo. William Butler Yeats sentia o desconforto da "vida imperfeita", mas jamais foi um exotérico como o foi Mallarmé. A linguagem de Yeats é sempre centrada na vida material. Ele não cria códigos cifrados, enigmas de sentido obscuro, como faz o francês. Yeats, sempre apaixonado pela vida dos sentidos, tenta encontrar o sagrado na carne, a perfeição na vida. Toda sua produção nada tem de abstrata-pura.
   Muito conhecida é a história do amor de Yeats por Maud Gonne. O amor do poeta pela rebelde iralndesa, o amor do puro espirito pela mulher de ação. Bobagem! Ellmann entrevista Maud Gonne e nota que os dois chegaram a ser amantes. Assim como a vida de Yeats foi repleta de casos sexuais. Fascinado pela vida sensual, Yeats procurava separar as duas vidas possíveis: a da perfeição, que seria possível apenas na arte e na alma, e a vida bela porém imperfeita da carne. A luta entre essas duas forças se trava em toda sua obra. Uma luta sem vencedor ou vencido.
   Ellmann escreve o mais belo capítulo do livro ao visitar a casa de Georgie, a esposa de Yeats. Já octogenária, os dois remexem nos arquivos, brincam com objetos, recordam. Muito mais jovem que Yeats ( ele se casou apenas aos 52 anos e manteve casos até o fim ), Georgie era o oposto do poeta. Ela se mostra uma mulher firme, decidida, teimosa. E uma inteligente leitora do marido. Segundo Yeats, ela lhe deu paz, conforto, e opiniões brilhantes sobre poesia, ocultismo e filosofia. O que se depreende da vida do poeta é sua sorte. Yeats viveu uma vida rica. Plena, maravilhosa.
   O livro vai nesse objetivo. Todos os analisados ( com exceção de Freud ), foram amigos. Ou no mínimo se encontraram por algumas vezes e se influenciaram. Oscar Wilde começa o primeiro capítulo. Sua influência por toda a inteligência do final do século XIX é gigantesca. Dele deriva Yeats ( que se apaixonou pela casa de Wilde quando o visitou ainda muito jovem ), de Yeats vem Pound e de Pound Joyce. Pound foi secretário de Yeats e amigo de Joyce. Joyce foi fã de Yeats e depois o negou. E Eliot foi discípulo e crítico de todos eles. Foi um momento muito interessante. Ellmann demonstra a conciência que todos tinham do período. 1900 foi um marco. O velho é jogado fora de forma deliberada. Eles escrevem que o cinetificismo do século XIX não mais lhes serve. Que o positivismo, o realismo, são passado-morto. Tudo agora é novo. Freud se encaixa nesse contexto, Seus textos são parte desse simbolismo, tentativa de demonstrar a falencia da razão pura. Embate entre carne e alma, limite e desejo, imperfeição e perfeição, belo e feio, Apolo e Dionísio.

PARA MEU AMIGO FABIO PAGOTTO- HARVEY E COLIN DAVIS

   Meu amigo Fabio Pagotto escreve no Facebook um texto lindo sobre o filme HARVEY. E para minha surpresa, uma galera enorme responde ao seu texto, entoando homenagens a esse soberbo e sublime filme de Henry Koster. Do que trata? James Stewart faz um frequentador de botecos. Sempre sorridente e otimista, ele tem a companhia de um coelho gigante, Harvey. Claro que o filme jamais mostra o coelho, o cinema em 1950 ainda tentava ser adulto. A familia, repressora, acaba por internar Stewart. É quando acontece a sua maravilhosa fala ( o roteiro, genial, é de Mary Chase ). Fabio transcreveu a fala inteira. Harvey é um pookah, espirito mítico da Irlanda que acompanha os bêbados e os ingênuos. Nessa fala o personagem de Stewart fala do coelho, da alegria da vida, dos amigos que ele e Harvey sempre encontravam. Impossível não se emocionar.
   HARVEY é um cult, foi o filme favorito de James Stewart ( um cara que fez mais de 20 graaaaandes filmes ), e percebo que manteve todo o poder de emocionar. Isso após 63 anos!!!
   Falando em Grande Arte, Colin Davis morreu. Se depender da Folha, isso é menos importante que a inauguração de uma loja. O Estadão deu meia página bem cheia. Falou quem ele era e o que fez. Davis foi parte da última grande geração de maestros. A geração de Abbado, Masur e Maazel. Últimos nomes de uma turma que estudou com os maestros ícones, aqueles que regeram no tempo de Strauss, Ravel e Mahler. Colin Davis teve a honra de redescobrir Berlioz e deixar obras primas em Mozart. Sua geração foi a primeira a saber usar os estúdios de gravação. Davis deixa mais de 300 albuns. Sabemos que o sublime se foi. 
   A vulgaridade manda no mundo como nunca antes. Blá!
   

UMA ESTRELA CHAMADA HENRY- RODDY DOYLE

   Um casal, Melody e Henry têm um filho na Irlanda do começo do século XX. Melody aos 20 anos já parece velha. Miséria, filhos mortos, doenças, ignorãncia. Henry, o pai, é leão de chácara de um bordel. Ocasionalmente ele mata alguém. A arma que ele usa é sua perna mecânica. O Henry filho vai crescer em meio a guerra contra a Inglaterra. Essa é a trama geral deste livro, o mais ambicioso de Doyle, mas não o melhor. Paddy Clarke Ha Ha Ha é bem melhor.
   Mesmo assim este livro, apesa de seus erros, é obviamente obra de um grande escritor. O modo como ele descreve os ambientes tem a marca de bela observação, de humor hiper negro, de argúcia. Por outro lado não convence o modo como os persoangens pensam. Em meio a tanta sujeira e miséria eles pensam às vezes "bem" demais. Pode ser preconceito meu, de repente estou subestimando aquele povo, mas Henry raciocina demais para quem cresceu em tais condições.
   Muita gente se pergunta o porque de a literatura conseguir ser tão forte. Mesmo quando artes como a pintura ou o cinema se mostram em baixa, a literatura continua produzindo bons escritores e bons livros. Me parece que a explicação é a de que o homem tem uma necessidade vital de contar sua experiência, de criar personagens, de narrar. É ao lado da música a mais básica das artes. Mas ao mesmo tempo me incomoda essa falta de sutileza de Doyle, o modo como ele carrega na dor, as descrições de violência, de sujeira, de fedor. Pra que? Pra que repetir mil vezes a desgraça que já conheci, já entendi como foi, já me foi oferecida. Cansa a quantidade de camisas sujas, de mangas imundas e de narizes escorrendo. Isso não é um excesso de sensibilidade minha, é um excesso de bater na mesma tecla dele.
   Entre 1850 e 1900 a Irlanda perdeu um terço de sua população. Desse um terço, metade imigrou para a América, metade morreu de fome. Os irlandeses, vivendo num país sem solo e sem clima ameno, morriam tentando comer casca de árvore e capim. Os ingleses, patrões orgulhosos, estavam ocupados com a India para perder tempo com os "ignorantes e sujos" irlandeses. Este livro revisita esse universo. Mais um a fazer isso. São livros, filmes, músicas, poemas...creio que é chegada a hora não de esquecer, jamais, mas de diminuir a exploração dessa dor. Há o risco de se transformar a luta pela independência numa mera aventura ousada de um bando de "irlandeses doidos".
   Irlandeses não são doidos, não são sujos, não são geniais. São tão somente um povo que nada tinha de seu, que foi subjugado, pisoteado e tentou reagir como podia. Se pareceu doido, era de ira; se pareceu sujo era de fome e se pareceu genial, era uma forma de tentar sublimar a dor de nada ter. Existiram milhares de Henrys e eu acho, em que pese Doyle ser um belo escritor, repito; que eles mereciam um livro melhor.

A ROSA SECRETA de WILLIAM BUTLER YEATS ou MINHA DECISÃO DE ESTUDAR INGLÊS

No Brasil não há um só livro de Yeats em catálogo. O que levará incautos a pensar que Yeats é menos importante que Pound ou Eliot. Não. Yeats está para a poesia em inglês assim como Pessoa para a em português, ele é popular e erudito, central. Mas então porque em Portugal tudo de Yeats está em catálogo e nada nas terras tupis? Porque tive de comprar todos os livros em edições portuguesas, preço em euros, e não em edições brasileiras, com boas traduções daqui? Why?
Não sei. A última edição de Yeats é uma coletânea de 1991 !!! Em Portugal em 2010 tudo dele foi lançado. Penso que os portugas talvez compreendam melhor a poesia de Yeats. Coisa de quem vive nos cantos da Europa. Portugal, assim como a Irlanda, tem aquela sensação de viver entre pedras, ao vento, numa terra que ninguém desejou, em meio ao nada e nas bordas do vazio. E não à toa um dos contos deste livro chama-se "ONDE NADA EXISTE DEUS EXISTE".
Sim. É um livro de contos. Yeats recolheu vários contos folclóricos irlandeses e os publicou em 1900. Contos que falam de heróis e de magia. Recolher essa tradição, dar-lhe nova vida, foi a forma do poeta lutar contra a opressão inglesa e contra o racionalismo estéril do seu tempo. Na nota introdutória fala Yeats da maldição que foi para ele ter lido racionalistas ingleses na adolescencia e em como toda a sua vida foi uma longa estrada de retorno à religião.
Estrada de Yeats que é a minha estrada. Sou um homem profundamente religioso, mas não sou um homem de dogmas ou de igrejas. Nomear Deus, dar-lhe voz é para mim negá-lo.
Não consigo entender como alguém pode viver vendo na vida apenas células e luta evolutiva. A verdade não é apenas isso. A verdade é também isso. Mas é muito mais. Mas se voce quiser ser apenas um monte de sangue e ossos, é seu direito. Eu não sou. E entenda, dizendo isso não digo que Deus exista ou não, digo tão somente que a ideia de Deus existe em minha vida diária. Penso em anjos e em deuses: isso me basta. Não me importa se eles são "reais". São tão "reais" quanto são o amor ou o ódio. Os sinto. Me são dados. Vivem em mim.
Quero também dizer que meu ateísmo deve muito a negação de meu pai. Eu sempre precisei ser o oposto de tudo o que ele foi. Se ele era português eu odiaria Portugal e se ele acreditava em Deus ( apesar de odiar padres ) eu não iria crer. Desde de sua morte estou me sentindo livre para experimentar quem sou. Mais que isso: PERDI A VERGONHA DE SER FILHO DE MEU PAI. Me assumo como "purtuguesinho", filho de camponeses, católico, desconfiado e macho. Pedra e secura.
Quero também falar que desisto de estudar francês. Que ficar quatro anos falando de Baudelaire e de Rimbaud não dá!!! Estou cheio dessa coisa tão USP de acreditar que tudo é Merleau-Ponty, Levi-Strauss e Saussure. Em literatura só se fala de Valery, Flaubert e Mallarmée. Caraca!!!!! E Blake? Wordsworth? Se ignora Whitman, se ignora Keats, se ignora Shelley, se ignora Stevens. Chega de francês!!!!!! Eu adoro Yeats, Eliot, Henry James e Joyce. Apesar de Proust e de Stendhal, é da cadência de Shakespeare que sou par. Adeus França, é a língua de Sterne e de Wilde que abraçarei.
O livro de Yeats, creia-me, me fez ver tudo isso. E é para isso que existe a voz poética ( mesmo em prosa ).

WILLIAM BUTLER YEATS ( EM TEMPOS DE LAMA E DE GOTAS DE CHUVA )

...e nada vem como despreparo e tudo é um anúncio que é urdido ao mesmo tempo do que se foi antes. Ouço a voz de William Butler Yeats e vejo a pedra de sua tumba ao lado de sua esposa tardia. Cruz de São Patricio e entardecer celta e pedras sobre um verde que nunca se abala. Quando voce for velha eu já terei sido pó e minha passagem estará perdida? Nesta tela sem verde e sem frio e sem vela eu vejo a pedra onde se escreve o nome, William Butler Yeats. E sua voz lê, agora e ontem, Velejando a Bizâncio. Eu velejo. Para sempre.
Máscaras e Budas e Islã e ruínas de Portugal. O Japão é outra vez testado ( quantas mais? ) e outra vez se absorve em si para renascer em círculo infindo. Cantos de aborígenes, passos de hindus, o que me leva são os ilhados em terra e livres, sempre, em si. William Butler Yeats é meu xamã e surge, infalivelmente nas encruzilhadas de minha velejada. Quando a água escorre e a lama traz a promessa de um Adão. Renascer.
A vida é reta, eu desconheço seu circulo, mas isso não impede que eu lute por me encircular. Seios são redondos. Nada reto nos pode seduzir com suavidade. Serei mais virtuoso? Careço de coragem, de doçura, de gentileza. Mas sou fiel, sou devoto do amor e sei o justo preço do humor. E a compaixão é o emblema que trago em meu escudo. Compaixão ao que sofre e se vai.
Um animal morto sou eu que me morro ( é isso que os janistas crêem, pasmem, eu sempre senti-me assim ), um cão abandonado sou eu que me abandono-me. Quando o tigre sumir sou eu que me sumirei. E cada árvore morta eu morto estou mais um pouco. ( E cada nascimento eu nasço outra vez ). William Butler Yeats anuncia-me, anunciou-me, guarda-me, cantará.
Aborigenes pensam que o mundo foi criado em cantos. Que para uma pedra ou um pássaro existir ele precisa ser cantado. Assim, eles andam pelo deserto sem se perder, pois eles ouvem e sabem a canção de cada rastro, de cada monte, de cada réptil. E cada um deles é responsável pelo seu canto, canto que dá vida e mantém a vida de cada coisa e bicho. E eu te digo: O que esta atual civilização criou que se compare a riquesa dessa crença? Pois no ser que canta uma pedra e que se faz responsável por essa pedra e assim responsável por todos aqueles que cantam essa mesma pedra, eu digo, esse aborigene prescende de policia, de psiquiatra, de juiz e de bordel. Ele existe com seu meio e não apesar de seu meio.
William Butler Yeats foi o primeiro a me iniciar. E eu só com ele percebi que o que parece ser normalmente não é e o que nada anuncia pode ser tudo o que voce pergunta. Nuvens alardeiam seu relâmpago, mas existem algumas que apenas chovem. Nossa civilização é a do relâmpago. Eu amo a Irlanda, o Japão e Portugal. E mesmo os lusitanos vivem numa ilha. Três países sempre próximos do fim, de imigrantes e de fome e de sonho. Contidos, voltados para dentro do âmago, pedregosos e de solo ruim, calados no matraqueio do mundo. Ilhados como beduinos e como ciganos estão.
Na manhã em que me desviei do caminho à escola e penetrei na trilha de meus cantos secretos, onde lama e ratos viviam com meus livros de páginas amareladas, nas noites em que iluminava o nada com uma vela e me cegava com versos, nas tardes de música e de amor dado para ninguém e por isso para tudo, eu digo, quando meus pés conheceram as pegadas que me eram dadas, eu desentendi a reta e me afastei da roda. E então toda a mente podia ser uma formiga andando a minha frente. Pensei-me louco, criado em iluminismo pensei-me mal. William Butler Yeats de sua ilha fez-me ver inteiro. Por mais ruins e banais que minhas imagens sejam, eu trilho a trilha dele e deles todos antes. Questão de grau, de talento, mas a ilha é aquela também.
O mundo gira, o eixo fica. As ilhas permanecem.