Mostrando postagens com marcador india. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador india. Mostrar todas as postagens

VISLUMBRES DA INDIA- OCTAVIO PAZ

O mexicano Octavio Paz escreveu este pequeno e precioso livro em 1994. No ano seguinte venceria o Nobel, um dos mais justos laureados dos últimos 30 anos. Principalmente poeta, Paz é também um excelente cronista, historiador, narrador e filósofo. Aqui ele conta sua experiência indiana, país onde ele viveu por oito anos, como diplomata.
Começa falando da aparência visual da India. Cores e a arquitetura "musical" do país. E logo ele envereda pelo fato de que a India não existe como nação, não na forma como conhecemos. São centenas de línguas, milhares de divindades e as divisões internas em castas. Paz nos informa do porque das castas e faz com que não as condenemos preconceituosamente. Mérito de grandes mentes, Octavio Paz se aproxima de tudo com curiosidade pura, sem antecipações e sem ares de entendido. A India é uma criação inglesa. Antes da colonização, a ideia de nação não existia no continente. ( De passagem ele nos fala da ideia de América. Os EUA como nação criada pela força e pela ideia de um grupo de homens. Único país criado pela razão e sem passado. Nasce em 4 de julho de 1776. Todas as outras nações são desenvolvimentos da história. E penso no Brasil, nunca fundado e nunca nascido. Um país que nunca enterra passado nenhum, que se fez como continuação da monarquia lusitana, como continuação da Africa negra, um país que jamais rompe com nada, jamais funda coisa alguma. País sem história porque vive numa reta onde o passado não é seu, e onde o futuro é de outro. Sono eterno.)
A melhor parte do livro de Paz se inicia quando ele faz uma comparação da culinária mexicana e da indiana. A cozinha ocidental é um passar de pratos, um trem, uma reta, prato após prato até a sobremesa. A culinária indiana é um círculo: doce e salgado, azedo e refrescante, tudo misturado no mesmo prato. São duas visões de mundo: a ocidental, sempre cristã, que vê o mundo como reta, um começo ( seja Adão e Eva ou o big bang ) um meio ( o agora ) e um fim ( seja o apocalipse, seja o progresso ). Tudo no ocidente é retilineo, um agora que pressupôe ontem e que anuncia amanhã. Na India não havia história. Historiadores e figuras da história, datas de acontecimentos, isso só começa a acontecer a partir da dominação ocidental. Para os indianos, o tempo era uma roda, o amanhã será como ontem que é como hoje. A única forma de sair desse eterno agora é rompendo o circulo dos carmas, se fazendo sábio. Mas Octavio Paz, embora entenda o pessimismo budista ( a forma de pensamento mais racional possível, religião desprovida do milagre e de deuses ), embora estude e admire o hinduismo ( religião onde não existe a culpa e onde o sexo é um dos caminhos para a sabedoria, desde que seja feito sem egocentrismo ), ele não se esquece do islã, religião que foi a primeira a mudar o pensamento indiano, pois no islã o tempo é reto e tem começo e fim, o Deus é único e os infiéis são desprezados.
Paz fala de Ghandi com amor, mas não esquecendo seus erros. E nos conta algumas histórias de Krishna nos revelando a visão completamente desprendida que o hinduismo tem do sexo. O corpo visto como um caminho para o prazer, e o prazer como uma possibilidade de iluminação. Sexo no ocidente sendo posse, e na India, prazer. No Kama-Sutra a mulher se faz ativa e masculina, o homem se torna passivo e feminino, daí advindo a não-violação, a não-disputa, a ausência de violência.
E o livro fala do choque que os indianos tiveram ao conhecer os cristãos, um povo ansioso, preso ao passado e ao futuro, que não cessa de fazer coisas, de falar e falar e crê que o tempo existe e é de ouro. Mas esses ocidentais têm algo que sempre fascinou os indianos: ciência. A ciência não no sentido de produção e não no sentido filosófico, mas a matemática. A catalogação, a contagem, a observação fria, a abstração ( não por acaso foram eles que criaram o conceito do zero ). O hindu, sem perder sua circulariedade, sente-se em casa quando lida com a abstração do número. País enigma: sexo e karma, sujeira e refinamento, violência religiosa e desapego, sorrisos e indiferença a dor alheia ( caridade, um conceito cristão ausente nas ruas da India ).
Ao final do livro, Paz transcreve doze poemas clássicos indianos. Todos são eróticos. O corpo da amada como via de acesso ao prazer puro. E o ato sexual como esvaziamento do ego e crescimento do ser. Pobreza do ocidente: Octavio Paz percebe que uma cultura baseada na reta, no tempo que passa, no lembrar o que se foi e antecipar o que não é, leva necessariamente ao não-presente. O agora deixa de existir e de poder ser usufruido. O sexo se torna então um passado a ser chorado ou um futuro idealizado.
Como circulo de tempo, este texto, simples e belo, rico e sintético, não se esgota. É então dever de qualquer um lê-lo.