Mostrando postagens com marcador homem. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador homem. Mostrar todas as postagens

UMA AULA SOBRE FREUD QUE HABILITA FREUD PARA MIM ( SE É QUE FREUD FOI ASSIM ).

   Vamos direto ao ponto: Nossos instintos estão relegados à simples função vegetativa. Nossos olhos piscam, nosso estômago digere, nosso coração dispara ao sentir medo. E então, falemos do medo. O medo é instintivo a qualquer animal. E quando se sente medo ou se foge ou se ataca. Mas não o homem. Nosso medo precisa ter um porque, precisa ser entendido, combatido e refletido. Então não será mais um instinto, será uma série de narrativas, uma história. O homem é então o único animal que transformou o instinto em palavras. Não se sente medo, se sente medo "de algo", "de um certo modo" e "porque tal coisa representa tal perigo". Conheço bem o medo, não o escolhi à toa. Quando vivenciei o medo sem porque, puro instinto solto, só voltei a sossegar ao saber o porque e o como desse medo "irracional".
  O homem não nega o instinto. Ele simplesmente o perdeu. Na verdade amamos o instinto, idealizamos a vida instintiva, usamos a palavra a toda hora, mas eles foram educados, racionalizados, contidos, e quando as palavras, a razão toma o instinto, ele morre.
  Um aluno pergunta se a linguagem não seria "instintiva". Não, pois instinto não se aprende, e o bebê aprende a falar. ( Instinto é aquilo que não se aprende, que não varia em tempo e lugar, que é comum a todos os homens em qualquer tempo, e que se faz sempre do mesmo modo, sem evolução ou variação. Por exemplo, todo leão caça do mesmo modo, todo lobo vive na mesma ordem social, todo elefante cria os filhos do mesmo modo, todo gato mia nas mesmas situações, não importa se em 500ac ou 2017, todos fazem tudo sempre do mesmo modo ).
  Outro aluno pergunta se os bichos seriam felizes. A resposta é que se ser feliz é viver de acordo com seu sistema vegetativo, sim, animais são plenamente adaptados e felizes, DESDE QUE não tenham contato com humanos, pois nós reprimimos seus instintos.
  Ver um gato dormir, um sabiá comer, um tigre caçar, é ver um ser plenamente livre, em uso completo de tudo aquilo que ele é. Um homem jamais terá essa chance, pois ele dorme pensando, come sonhando com outros planos ou desejos e não caça, e se o fizesse teria montes de vontades e medos misturados ao ato. Nunca somos plenos, pelo simples fato de que pensamos.
  Mas esse fato é inescapável, portanto, podemos viver razoavelmente bem apenas pelo uso das palavras. Se somos "amaldiçoados" pelo conhecimento, é esse conhecimento nossa maior arma. O que nos tirou do Eden é ao mesmo tempo nossa salvação.
  Mas há um fato que se sobressai cada vez mais: nossos instintos, tão fracos, precisam cada vez mais de motivação-pulsão. Comer precisa de variedade, temperos, novidades; o sexo precisa de aditivos, rotatividade, brinquedos, clima; e o próprio instinto de viver e de sobreviver passa a necessitar de motivações, metas e respostas. O sexo instintivo não requer troca de parceiro, ou climas ou imagens; idem para a fome ou a vontade de viver. O instinto requer satisfação simples, e se possível sem variação. Um leão será feliz com a mesma carne por toda a vida e um boi cruzará com qualquer vaca. Mas o homem, com seu instinto fraco-domesticado-mudo ( instinto não fala ), precisa de pimenta e de erotismo.
  As palavras nos levaram ao paradoxo do suicídio, à anorexia, ao tédio e a depressão. O paradoxo de querer morrer, de recusar comida, de sentir vazio perante o universo e a não sentir desejo cercado por coisas que se desejou.
  A linguagem fez de nós ETs em nosso mundo e estrangeiros em nosso corpo. A minhoca em seu jardim está em casa. Completamente em casa. Já nós, quando dizemos "casa", criamos um conceito de "casa", e perdemos essa "casa" para sempre.
  Nosso mundo é feito de palavras. E por isso voce está aqui e nunca ali.

SE EU TIVESSE DE NASCER DE NOVO, IA QUERER SER JOHN HUSTON.

   Durante dezoito anos de sua vida John Huston morou na Irlanda. E descreve em um dos capítulos de seu livro a sensação de acordar de manhã e ver pela janela éguas e potros passeando pela relva verde. A "casa" de Huston era um castelo com dezoito empregados. Os convidados, e sempre havia vários, geralmente escritores, se trocavam para jantar. Caçadas à raposa eram organizadas. Festas em pubs. O filme de Clint Eastwood ( tenho certeza que ele também iria querer ser John Huston ), Coração de Caçador, mostra esse castelo. Mas não pense que eu queria ser Huston por causa desse castelo ou de seu amor a Irlanda. Eu queria ser esse cara por causa da vida que ele teve, John Huston viveu. Viveu a vida como ela pode ser vivida. A desafiou todo o tempo.
  Ao contrário dos livros de Bergman, Scorsese, Hitch ou Woody Allen, livros que passam 90% do tempo falando sobre cinema ( o de Bergman 80%, 20% ele fala sobre depressão ), Huston fala 30% sobre cinema, nos outros 70% ele fala sobre caçadas, cavalos, apostas, jogo, viagens, boxe e amigos. Não há fofocas, não existem lamúrias, nada de pose de "artista". Huston se casou cinco vezes, segundo ele, com cinco mulheres completamente diferentes: uma atriz linda, uma lady, uma garotinha, uma intelectual e uma jararaca. Alguns filhos, mas é bacana notar, ele mal fala sobre elas. Mulheres estiveram sempre por perto, mas não eram centrais. Huston faz parte de uma geração em que ser homem significava viver livremente, e não obter o máximo de mulheres. Jogo, humor e arriscar-se eram importantes.
  Huston jogava todo o tempo. Seja caçando raposas ou leões, seja lutando boxe. Ao ver uma luta na tv, apostava com os amigos. Mas principalmente, cada filme era uma aposta. Já se falou muito que Huston filmava para poder viajar. Mais que isso, ele filmava só o que representava riscos. Elencos problemáticos ou roteiros dificeis, locações perigosas, fracassos irrecuperáveis. A partir de 1951, até 1985, todos os seus filmes foram apostas pesadas. Alguns perderam, alguns ganharam, todos foram excitantes.
   Huston mal fala dos filmes que gosta. E até os 28 anos não teve uma profissão definida. Lutava boxe profissionalmente. Ia ao México ver touradas. Caçava e se casava. Fato do livro: ele nunca tenta ser simpático. Não se faz de sensível ou de herói.
   Quer ser pintor, acaba sendo escritor e depois passa a dirigir filmes. A impressão que dá é que ele só levou o cinema a sério por oito anos. Depois outras coisas se tornaram centrais: viver e viajar. Cada filme era uma viagem, Japão, África, Paris, Itália, Irlanda. O filme de Clint refaz as filmagens na África de "The African Queen". É a melhor parte do livro. Uma África que não mais existe ( o livro é sobre um mundo recente que já se foi para sempre ). Rios fora do mapa, canibais, manadas de elefantes, zonas incomunicáveis, perigo constante. Um quase inferno/ um quase paraíso.
   Ele fala sobre seus amigos Heminguay, Truman Capote, Steinbeck, Ben Hecht, sobre seu pai Walter Huston, sobre nobres irlandeses ( falidos ), sobre Errol Flynn, Humphrey Bogart, Mitchum, Peck... Mas o centro é sobre aqueles amigos que ninguém conhece, caçadores de raposas, médicos, donos de bares, secretárias, guias africanos, instrutores de equitação. John Huston é o típico "artista americano", ele foge da intelectualidade. Como Heminguay, Faulkner ou Whitman, a vida lhe é importante, andar, conhecer, fazer. Ser um homem, jamais um pensador abstrato.
   Seria maravilhoso ler este livro aos 15 anos. Seria um guia, tipo "Como Ser Adulto e Homem". Eu o li, emprestado por um amigo, aos 24. O devolvi e passei 20 anos procurando-o em sebos. Sempre que entrava num, ia logo às biografias atrás dele. Acabei encontrando-o dois anos atrás, no sebo em que menos esperava o achar. Li-o então, e voltei a ele agora. Não conheço melhor livro para te fazer erguer a espinha e ajeitar os ombros. 
   Sem dúvida ele poderia ter se dedicado mais. Feito as coisas com mais cuidado. Mas aí ele não seria John Huston. Seria um diretor dos anos 1970/2010, da geração cinéfila. Desses que só conhecem a vida através dos filmes que viram e dos livros ( sobre cinema), que leram. Huston lia Joyce e Cervantes, fazia um filme por ano, e mesmo assim encontrava tempo para jogar com a vida. Um touro.
   O livro se chama: "Um Livro Aberto" e é da LPM. Mais que bom, vital. Um antídoto contra os bundões, fala ainda da sua participação na segunda-guerra, da sua visão da América MacCarthista, e de um monte de apuros passados em florestas, desertos, sets de filmagem e ruas de madrugada. 
   Quando Huston tinha 12 anos o médico disse que ele tinha um problema no coração e lhe receitou cama e dieta. Ele se submeteu por dois anos. Mas começou a pular a janela do quarto de casa e ir nadar de madrugada escondido, no frio. Isso salvou sua vida e lhe deu caráter. Pelo resto da vida ele fez isso, apostou contra os prognósticos. E venceu.
   Esse é o homem. 

FORA DO AR

Fora do ar a quatro dias. Às vezes fico assim, sem me reconhecer. Ou me sabendo de verdade.
Quando fico nesse estado de foradoarzice sinto tanta vitalidade dentro do meu peito que chego a sentir que a vida é apaixonante. Mas não o apaixonante que a gente fala da boca pra fora. Não. É saber que a vida é leve, que o deixa ir, deixa sangrar mais que vale.
E minha mente se solta e se vai sem saber nada. E meu corpo vai atrás.
Coisas rolam. Coisas vêm. Doce 1983, doce 1992, doce 1998, doce 78. Ver o rio e afundar a cara naquela lama toda. Frases pra voce ( só pra voce baby )
O mundo se divide em quem gosta de cães e quem daria a vida por um deles.
Quem ouve rocknroll e quem se explode ao escutar uma guitarra "mal" tocada.
Tem aqueles que desejam uma mulher bonita, e tem quem possa matar ou se matar por uma bonita mulher em uma noite bonita. O desejo é uma faca guardada, enferrujada.
Alguns são brancos, outros pretos e outros muito escuros.
Tem quem se divirta com alegres diversões. Para outros tudo é diversão, mesmo o abismo.
Certos seres vivem com espelho e outros seguem o ruído. Quebrar o espelho com um grito, isso fazem outros.
Beleza é a razão. Mas há quem ame o feio sujo. Desde que seja um feio elegante e um sujo único.
Há quem perceba a ridicula futilidade da arte. Há quem veja a inutilidade de tudo.
Enquanto todos correm, um anda beeeem devagar
E quando todos seguem os horários de dietas industriais, outros comem quando sentem fome.
Bem.....
Duvide de tudo e diga sempre foda-se.
Jay Leno disse que o triste é que aprendemos a fazer aviões e foguetes
Mas não sabemos fazer um Keith Richards.
No fim de tudo, o mundo se divide em quem detesta Keith
E em quem o adora. ( E são esses os da coluna dois ).
Foda-se o que vou dizer ( estou muito fora do ar ):
Quando nasci eu escutava Ruby Tuesday e quando senti pela primeira vez o ódio pela ordem e pelo progresso, eu cantava Lets spend the night together. E ao descobrir o desejo que arranca a pele e expões a carne eu cantava Satisfaction e caía. Porra, KR estava comigo sempre ( quando a coisa valia a pena ): Na merda em que estive no colegial, um cabeludo em antro de fashions, eu cantava Citadel, e quando afinal achei minha "Anita" ( e botei um A na minha garganta ) era Happy na cabeça. Foda-se, estive no auge com tudo isso, essa básica música de preto que é sempre blues ( blues rock, blues soul, blues country, blues pop e até blues disco ). Eu estive em estradas e camas com You Gotta Move.
Então a coisa é que não é questão de gostar ou desgostar de KR. O fato é que o cara é uma tatto em minha vida, tá sempre lá. E se hoje eu começo a envelhecer, é ainda e agora mais ainda, que KR me mostra como envelhecer sendo o mesmo de sempre.
Porque ele nunca muda. E o negócio que nos maravilha é esse: o velho Keith nunca muda, é o mesmo de 64, de 73 ou de 2000. Fincou o pé na borda e disse: Foda-se, daqui não saio e não mudo.
Tem só mais uma coisa: KR tem consciência clara de tudo. Ele disse:
Enquanto os caras têm de obedecer um chefe, cumprir um horário, jogar fora tudo o que queriam, fingir ser banal; eu fico aqui, lembrando a eles que todos são um pouco Keith, alguns mais, outros menos; mas lembrando que todos nós devemos algo a esse cara. O seu KR está lá...e creia, quanto mais livre voce for, mais perto da tona ele estará.
Portanto eu tou beeem fora do ar. E torça para que eu fique por lá.
PS: Isso foi escrito pra voce.

MAPAS E LENDAS ( AINDA DÁ? )

Precisamos de espaço. Existem certas coisas que somos obrigados a engolir, e essas coisas deixam de ser comentadas, se transformam numa espécie de assunto esgotado ou caem ao limbo do esquecimento. Mas o fato é esse: um homem sem espaço é um vegetal. Se voce não tiver para onde expandir seu olhar, se voce não tiver onde fugir para escutar o silencio, se voce não puder andar e sentir a liberdade de não estar dentro mas sim fora de algum lugar, voce seca, morre, vegeta.
É triste admitir isso, mas é uma tristeza necessária: gente sem espaço é como frango de granja, vida movida a luz artificial e drogas para crescer ( produzir ). Penso em crianças nascendo e crescendo em apartamentos fechados, brincando em playgrounds cercados, indo a escolas SEM janelas e gastando a semana em sites e jogos. Essa criança vai crescer? A mente dela irá se expandir? Qual o tamanho de seus sonhos? O quanto de criatividade, de originalidade ela vai desenvolver?
Falo disso porque entrei num site onde os mapas de SP de hoje são comparados aos mapas de SP de 1958. É péssimo olhar para o mapa, e se voce tiver depressão evite. O rio Pinheiros com suas margens limpas, um monte de espaço, de terrenos abertos e sem muros, trilhas cortando os quarteirões.
Mas pra mim foi cruel. Cruel porque sempre pensei que as lembranças que tenho do meu bairro pudessem ser fantasia. Mas não, está lá na tela: riachos onde pesquei, lagos onde aprendi a nadar, matas onde eu acampava; tudo dentro de SP ( Morumbi em 1969/1971 ). Vejo que não é fantasia, defronte a casa de minha tia não havia nada, um descampado todo LIVRE para meu sonho. E é somente com esse espaço livre que se pode começar a ser feliz. Porque é preciso sentir o vento na cara, ver a chuva vindo de longe, ter onde olhar o sol nascendo, escutar passos distantes, vozes longinguas, poder correr, se perder completamente, ter onde deitar no chão e adormecer. Sem esse espaço, sem esse ir-se de si-mesmo, voce perde o dom de "viajar", de expandir-se, de ser um bicho. Vegeta. Franguinho de granja.
Choveu hoje no deserto da Arábia. Algum otimista estúpido vai continuar dizendo que tudo está nos conformes. Uma área do tamanho da França ficou alagada no deserto da Austrália..... Posso falar o que penso ( e talvez voce odeie ler isso, então pare agora ), fizemos tudo errado. Nós estamos aqui com uma única missão: cuidar deste jardim. Nossa única tarefa IMPRESCINDÍVEL e que daria toda a nobreza necessária a nossa existência: cuidar do mundo, equilibrar, preservar, ajudar a natureza. Nossa inteligência, nossas mãos, nosso olhar se justificariam assim. É o único trabalho sério e é um trabalho que apenas nós poderíamos ter feito.
Mas não. O rio Pinheiros é um testemunho. E o espaço para todos os jardins foi trocado por garagens para 3 carros e portões com câmeras. Que pena....

ZORBA,O GREGO-NIKOS KAZANTZAKIS, NADA COMO O SOL

Foi um tempo de deserto, o tempo em que li Zorba pela primeira vez. O sol me fazia suar muito e eu conhecia Zorba do jeito certo, debaixo do sol. Era um tempo em que minha caixa de proteção havia se quebrado e medo + dúvida me seguiam sem trégua. Mas eu conheci esse grego antigo como a vida e passei a sentir a existência como alguma dádiva. Nunca mais fui o mesmo.
Um intelectual inglês viaja à Grécia. Lá ele irá administrar uma mina que herdou. No barco que cruza o mar ele conhece Alexis Zorba, um grego sem cultura. Um grego que lutou em guerras, que matou, que chorou, um homem que viveu. Zorba é o homem antes da cultura, antes da separação ( traumática ) entre homem e natureza. Zorba não questiona o que a vida é ou pode ser, Zorba aceita e deseja.
Os dois se tornam amigos e o velho grego lhe ensina a comer, beber, brigar e principalmente a amar. A vida se dá para o "empurrador de canetas". Ele passa a entender que o vinho é um milagre, que a morte é para ser odiada, que toda mulher deve ser amada.
Zorba diz que tudo o que não pode ser dito deve ser dançado. Ele dançou a dor quando seu filho morreu. Ele dança a alegria de ser seu amigo. Zorba está além e antes da palavra.
A mina se torna um fiasco maravilhoso e os dois se separam. O inglês nunca se tornará Zorba, ele surgiu tarde demais em sua vida. O grego o convidará para ver "uma pedra", mas o empurrador de canetas ( hoje seria um apertador de botões ) não vai. Na versão de cinema tudo termina com a maravilhosa dança de Anthony Quinn, ator que se tornaria desde então Zorba para sempre.
Mas quando li o livro pensei todo o tempo em meu avô como Zorba. Um homem de pedras e de sol na cara, em lombo de burrico, com vinho e azeitonas. Sólido como o para sempre.
Releio Zorba a cada sete, oito anos. Esqueço às vezes o quanto ele me fez bem. Mais que isso, deu valor a minha hombridade, salvou-me de uma aridez snob. Fertilizou minha cabeça dura.
Porque ele me fez amar a mulher que tem sabor, que goza em despudor, que ri alto e chora berrando. Me fez saber o que o sol é: o rei dentre os reis e mágico incenso da mente. Me fez aceitar minha cara mediterrânea, meu peito cabeludo, meus dentes afiados e minhas mãos que são patas. Deu sabor de sol à minha vida.
Dei a mão ao velho Zorba e não mais a larguei.
Kazantzakis, solitário caçador de sentido, angustiado indagador, criou/encontrou Zorba e deu a si-mesmo e ao mundo um Homem.
Meu melhor é Zorba. O resto nada vale.

PARA SOLITÁRIOS E SONHADORES DESMAIADOS

O que mais me espanta nos caras de 11/16 anos de minha escola é seu pavor pelo vazio. Para eles o nada é impossível. Não conhecem o silêncio, estão sempre ouvindo algum som ou alguma conversa. Acordam e compulsivamente se conectam à sua rede. Rede aliás é lugar de peixe preso ou de dormir à sombra... nome que revela muito : ser capturado e adormecer.
Essa galerinha sabe tanto e nada absorve porque abominam a concentração. É impossível para eles fazer coisa nenhuma, parar e pensar, alimentar uma ilusão. Se mexem sem parar. Falam, ligam o celular, aumentam o volume, beijam e beijam e ficam, se conectam, e fazem tudo para não ficar um só minuto solitários. São estações de um gigantesco circuito.
Faço parte disso.
Leio muito menos do que lia. Me concentro mal. Escrevo pior e ouço música enquanto faço coisas. Chego em casa e ligo a tv, o computador, o rádio. Janto de frente para a tela. Menos tempo com meus cães. E usufruo menos de meus filmes. Pego de meu mar de vazio em rede de aço. Mais um.
Mas eu conheci o outro lado. Eu ficava no sitio do meu pai e dava pra crer, firmemente, estar na Rússia em 1880. Eu li Poe a luz de lampião e ficava um mês sem tv, telefone ou música. Era sol e bichos, água e livros, conversas no escuro e chuva com lama. O mundo podia explodir, meus contatos podiam morrer, eu não saberia. Era um tipo de lua de mel comigo mesmo. Dormir ouvindo meu pensamento.
Mesmo em casa não havia esse apelo magnético pela rede. Tardes inteiras sem nada pra fazer, tardes em que o tempo parava, longas e sem sol, em que eu me deitava no chão e ficava olhando o teto da sala. Tardes flanando pelas ruas que eu amo tanto, escutando a água correndo pela sarjeta, o vento nas folhas, vozes de crianças jogando taco, cães que latem. Tardes de sentar na calçada e ficar olhando as pessoas que passam e o sol se deitar. Um absoluto vazio na mente, um nada fazer e nada pensar. A felicidade.
A tv era lenta. Sem controle remoto eu me desligava quando vinham os comerciais. Ela ficava ligada e eu ficava distante. O ato de colocar um vinil para tocar convidava a ouvi-lo inteiro, dava preguiça de pular faixas e colocar outro disco. Tudo tinha de ser feito inteiro. Não existima botões para pular tudo. Voce não podia editar o tempo. Então, relaxava e pensava...
Agora eu chego a assistir quatro canais ao mesmo tempo e a escutar cinco cds em meia hora. Leio três livros ao mesmo tempo ( quando ruins ). E sinto ao final que não assisti coisa nenhuma, não escutei nenhuma música e não li algo que me lembre. Travo contato com um milhão de coisas e nada me penetra. Estou na rede.
Meu sonho é desligar tudo e voltar a pensar. Mas é sonho de fumante e de alcoólatra : adiado. A sedução do vicio é grande, mesmo sabendo que meu tempo é acelerado e gasto no desejo de se ter mais tempo. Tudo que é moderno nos promete mais rapidez para termos mais tempo para ser gasto em mais rapidez. O canal é mudado com um clic do sofá. Mais eficiência. De que vale se a tarde passa voando e dela nada recordo ?
Amontoados em rede, os peixes se debatem e não podem ir para lugar algum. Todos estão juntos nessa, ninguém está só. A vastidão do mar ficou pra trás. Nosso destino é a lata.

TRABALHO É COISA SÉRIA...OCTAVIO PAZ

" A medida que a esfera do trabalho se alarga, a do riso diminui.
Tornar-se homem é aprender a trabalhar, a se mostrar sério.
Mas se o trabalho humaniza a natureza, desumaniza o homem. "

Octavio Paz escreveu isso. Lí um livro sobre a India desse autor mexicano ( Nobel de 1995 ). Li outro sobre os nativos americanos. E tentei ler sua poesia, que é muuuuuito modernista.
Esta frase que cito foi tirada de uma palestra...
O que posso dizer ? Posso falar de um certo mal estar que às vezes me dá. Com alunos de onze anos. Seres que não conheço mais. Seres que um dia fui, mas que agora não. Vejo-os rindo, gritando, pulando, brigando. Fazendo tudo aquilo que faz de uma pessoa saúde pura. Correm e falam tudo o que pensam. E eu, preparando-os para o trabalho, preparando-os para a cela do futuro, tenho de esquecer tudo o que fui um dia. Tenho de sufocar esse diabinho em mim e fazê-los parar de correr e ficar quietos, parar de pular e pensar no porque do pulo, interromper os gritos e deixar que sufoquem em mutismo, calar as conversas e concentrá-los em equações. Tenho de fazê-los trocar o riso constante pela seriedade. Sou o adulto que cessa risos.
O mundo é só trabalho. E somos tão bem treinados a crer nisso que um dia me peguei dizendo : O sentido da vida é o trabalho.... Mon Dieu !!!!! A que ponto posso chegar quando o assunto de conversação morre !
O sentido da vida, com certeza, não é o trabalho. Mas o trabalho cresceu, cresce e estamos condicionados nesta granja em que vivemos, a pensar o trabalho como única opção nobre de vida. Você não se define como peão, doutor ou professor. O que te define é sua vida fora do trabalho. Se é que ela ainda existe.
Num limpo e organizado escritório não se rí. Numa loja se compete. Numa fábrica há barulho. Numa mina existe medo. Rir no trabalho. Unir riso à labuta. Um sapateiro ri, um barbeiro ri, um padeiro ri, um médico pode tentar ser bem-humorado. Mas quem ri com seu computador oito horas por dia ? Quem ri extraindo dentes ? Dá pra rir no banco, na concessionária Mercedez, no tribunal ? O trabalho nunca foi tão sério. Basta atentar : profissões menos modernas riem mais. Pedreiros brincam.
Então ser homem é ser sério. Teu pai ficou orgulhoso de sua primeira foto séria. A foto que você tirou para a carteira de trabalho. Você finalmente era adulto-sério. Compenetrado em negócios importantes. Compenetrado em ser sério numa vida muito séria. Dentes travados.
Mas o homem rí. O que nos define é o brinquedo, o riso, a ironia, a piada, a surpresa. Somos o único bicho que sabe rir do destino. O único que quebra a linha natural pela comédia do improviso. A arte nasceu da alegria, do riso, da atitude de que nada é sério neste mundo adulto. Todo artista é vagabundo. Ele pode trabalhar num banco todo o dia toda a vida. Mas ele sabe, um banco não é vivo.
Frase final : o trabalho humaniza a natureza. Rio canalizado, campo cultivado, montanha cortada. O trabalho ordena a natureza, torna tudo rosto de homem. Fazemos a natureza mais séria. Um rio margeado por estrada e concreto é sério. Um rio com lodo, barro e marrecos é riso.
O trabalho desumaniza o homem. Preciso comentar ? O homem precisa conversar, rir, almoçar em paz, ir ao banheiro, flertar, bocejar, espirrar, suar à vontade, chorar quando triste. O trabalho proibe tudo isso. Trabalhar é ser eficiente, competente, ansioso, mal-humorado, sério, confiante e confiável. Nada humano. O homem é indisciplinado, criativo, falante, adora brincar, inseguro e mentiroso.
Como crianças de onze anos.

quando voce cresce

Quando voce cresce as mulheres não te assustam mais. Aquela raiva impotente que voce sentia sempre, e exibia em forma de petulância inutil desaparecem. Voce não grita como gritava e passa a procurar a qualidade e não a quantidade.
Novidades só irão lhe seduzir se forem absolutamente originais e não a repetição do velho travestido em maneirismos cheios de botox. Voce quer o que vale a pena, o que é bonito, bom, durável.
Quando voce cresce aprende a escutar e a olhar. O brilho fácil perde seu encanto e o ruído se mostra aquilo que sempre foi: nada.
Nessa hora o rock se torna outra coisa. Deixa de ser uma ansiedade surda e se torna um prazer sensorial. Voce descobre o que realmente importa.
Se voce conseguir largar parte da adolescencia, é nessa hora que voce percebe que a música é muito mais que o pop dos moderninhos ou a saudade do punk dos 70.
A música é um universo e o rock/soul/eletro, o pop enfim, é apenas um planeta desse universo. Um maravilhoso planetinha, feito de ruído, ritmo e nervosismo, mas apenas um ponto em meio ao infinito.
Voce descobre a canção. A canção americana criada no começo do século vinte. A música que é simplesmente música. Que é bonita, bem feita, adulta. Que seduz, jamais estupra; que chama e nunca berra; que pensa mas não se exibe.
Se apaixonará pela extrema elegancia de Cole Porter com suas rimas inesperadas, seus paraísos de navios, champagnes, caviar e praias vazias. Um mundo se tuxedos, sedas, ressacas e amores perdidos. E voce sentirá prazer por envelhecer, gosto por saber viver e admiração pela inteligencia com brilho, com finesse, pelo chic.
Descobrirá que Gershwin era um gênio da melodia, que quando ele canta o amor voce ama aquilo que ele canta. Vai perceber que a música não foi criada para gritar ou pular. Música é acasalamento-sedução.
Voce vai se apaixonar pela voz de Fred Astaire, com seu fraseado perfeito, uma voz que faz de qualquer cantor um plebeu. Uma voz que te leva para o mundo da pura fantasia.Vai vibrar com as vozes de Nat King Cole, Joe Willians, Mel Tormé, Bing, Dean, Ella, Billie, Sarah, Johnny...
E então, e só então, voce terá o privilégio de compreender aquilo que Frank diz, aquilo que Frank viveu, aquilo que O HOMEM sentiu. E vai notar que todos ( Elvis, Paul, Dylan, Lou, Bowie ) eram meninos e que Frank é UM HOMEM.
Bem vindo.

homens

Os amigos do meu pai se reuniam na sala. Bebiam whisky, enchiam o ambiente de fumaça e jogavam cartas. Falavam alto, se xingavam, riam e se espalhavam pelo lugar. Tinham orgulho dos pelos no peito, das mãos calejadas, dos pés grandes, dos bigodes. Concertavam motores de carro, bombas de água, encanamentos, bikes e barcos. Pescavam, atiravam, sabiam brigar e fingiam não temer a morte. Beijavam de uma forma ríspida, dura e abraçavam desajeitadamente. Os que amavam poesia, temperavam isso com uma agrssividade feroz, e um modo casmurro de viver. Adoravam filmes policiais, westerns e filmes de guerra. Jogaram criancices no lixo, mas eram eternos moleques.
Minha mãe ( todas as mães ) fez com que ele crescesse. Se suavizou, se acomodou, se tornou mais caseiro, pacífico, macio. Ao final, ela sentia saudades do antigo jogador-fumante-mãos sujas de graxa.
Hoje aprendemos a fazer souflé, cheirar vinhos, depilar as pernas, fazer a sobrancelha, eliminar rugas, apreciar ballet, modelar o peito, falar suave, beijar macio. Tudo o que fazemos é para atrair e agradar uma mulher. E , loucamente, nos feminilizamos para as atrair. Porque?