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HESSE E OS AUTORES QUE SAÍRAM DE MODA

Hermann Hesse é hoje um dos autores mais fora de moda que existem. Acabo de ler O LIVRO DAS FÁBULAS e recordo o porque de seu exílio de nossas livrarias ( e seu encalhe em sebos ). Hesse é um idealista alemão sério, e por isso tem uma religiosidade rigorosa. Ao contrário da new age, a religião de Hesse exige sacrifício e não garante um lucro. Tudo que ele escreveu tem duas presenças: a Divina e a Diabólica. O Deus de Hesse é o mesmo do Velho Testamento. É um Deus indecifrável. O Satã de Hesse nada tem do "rebelde sexy" que os góticos adolescentes gostam de fingir seguir. É um demo sofredor. O mundo de Hesse cobra um preço e ele é alto. Cada pensamento repercute na vida real e cada ato tem um peso incalculável. Não é o mundo sem consequência de 2022. -------------- Falo de Hesse porque a apenas 30 anos ele era um autor que muitos adolescentes liam. Era o famoso autor de banca de jornal. Muitos outros estavam em evidência ( alguns continuam nas bancas ), mas perderam seu apelo "jovem". Cito alguns: Jack Kerouac virou autor de cinquentão saudoso dos anos 80. Seu apelo se foi porque ele não é sexy. Em 1980 ele prometia a estrada e a vida sem rumo. Hoje isso nada significa. A estrada foi mapeada e tem GPS, e não ter rumo é uma condição banal neste século. Bukowski é um grande desconhecido entre gente com 25 anos. Sua raiva e sua vida se tornaram cliché. O tipo de personagem que ele é lembra algo que os jovens odeiam muito: o tiozão sujo. Apenas mais um bêbado das ruas do centro da cidade. Nelson Rodrigues já foi rei. Hoje se descobriu a verdade sobre ele: escreve mal. No politicamente correto, apenas o estilo perfeito de um escritor sincero e pouco reprimido pode o salvar. Nelson nada tem que o absolva. ---------------------- Claro que aqui não estou falando de autores fora de moda e que em 1980 já não tinham quase nenhum apelo. Cervantes ou Goethe por exemplo são muito falados, mas quem os lê de fato? Quem os lia em 1980? Cervantes tem o problema da linguagem rebuscada e Goethe é uma espécie de personalidade imensa que desde os anos de 1940 parece ser de outro planeta. Falo de gente como Jack London, Kazantzakis, Maugham, Gide, Camus. Gente que era muito lida, muito querida entre os jovens, muito seguida em termos de ideal. Porém....algo me ocorre agora. Faço uma pergunta: Qual o autor com mais de 100 anos de sucesso que é lido em 2022? Estive em livrarias recentemente e tudo que vi são autores vivos, contemporâneos. Ninguem mais lê gente morta? ----------------- Sinto que a mudança ainda se opera e ela começou por volta de 2010. A cultura, a cultura do ocidente está sendo cancelada. O sonho do jovem ultra moderninho se realiza: não ser mais necessário ler aquele monte de autores chatos. Gente que vivia entre cavalos e espadas em mundo sem LGBTSXYZ e I Pods. Lembro de uma entrevista de emprego que fiz em 2007. Um menino disse que amava ler, lia de tudo, "menos gente que já morreu". Penso que esse menino manda hoje.

AS DUAS MORTES DE CERTOS AUTORES

Muito mais chata que a notícia da morte de um autor é quando voce percebe que existem autores que morrem duas vezes. Talvez o maior exemplo mundial seja Bernard Shaw. Voce pode não saber, mas até os anos 60 Shaw era considerado o segundo maior autor teatral da história. Apenas Shakespeare era mais encenado que ele. Ganhou o Nobel, viveu quase 100 anos e morreu como um tipo de centro luminoso das letra inglesas. Mas, desde sua morte, nos anos de 1950, sua obre entrou em ostracismo. Não é nem o caso de se dizer que nosso tempo está errado. Na verdade Shaw era novidadeiro. Suas peças, muitas, defendem a liberação feminina, direitos trabalhistas, fim ao sistema de classes, liberdade sexual. Quando esses temas passaram a ser tratados de modo muito mais explícito e feroz por gente como Albee e Osborne, Shaw se tornou passado. André Gide é um caso diferente. Ele foi até os anos de 1960 o gigante das letras francesas. Vivo até seus 90 anos, lúcido, homossexual, foi amigo de Wilde, escreveu relatos honestos sobre o mundo gay, sobre a igreja, sobre a crise da moralidade. Mas, atacado pelos escritores políticos de então, Gide foi chamado de individualista, desinteressado por política, anódino. Seu estilo, refinado, não o ajudou. Ao contrário de Shaw, eu aposto que se ainda houver leitura séria nos anos de 2030 ele pode voltar. Herman Hesse é outro autor que um dia, principalmente nos anos hippies, foi chamado de gênio. Hoje voce só o encontra em sebos. Seus livros sumiram. Nas letras alemãs de 1940-1950, a grande discussão era descobrir quem era maior: Hesse ou Mann. Hoje parece uma heresia essa comparação. Robert Musil tomou o posto de Hesse. Lawrence Durrel é um inglês que morreu nos anos de 1980 e que hoje está criando mofo nos sebos. Ele era muito levado a sério. Livros sobre sexo e demonismo, mas que hoje parecem soft. Passado o escândalo, restou um autor competente, mas que não consegue público agora. Posso falar de muitos outros. Gente de fama intelectual imensa. Tipo Gabriela Mistral, John Galsworthy ou Pearl Buck. Todos com Nobeis. Milan Kundera já foi mega considerado e é claro que após morrer, Sam Shepard caminha ao esquecimento. Esses casos não são como Graham Greene ou Evelyn Waugh. Greene e Waugh tiveram sucesso demais, acima de suas espectativas durante um certo tempo. Mas jamais foram o centro da coisa, como foram Shaw, Hesse e Gide. Se hoje Greene e Waugh não vendem mais como venderam durante três décadas, isso é apenas uma normalização. Sobreviverão ao lado de Nabokov e Bellow como ícones do século XX. Mas a queda moral de Shaw, a maior queda de meu tempo, é incomparável.

ELEGIAS DE FRIEDRICH HOLDERLIN, ALEMANHA, FRANÇA E INGLATERRA

   È perigoso ler Holderlin. Ele nos carrega de volta pra Terra. Suavemente. Seus versos fazem esse trabalho por prazer. A Terra surge em sua obra como a Deusa que sempre tem sido e que insistimos em negar. Holderlin refaz o laço de vida. Ele via. Para nosso mundo, ele via demais pois via além.
   Holderlin, Hegel e Schelling foram amigos de escola. Adultos foram os teóricos do romantismo. Cada um a seu modo. Holderlin seguiu ao campo e lá encontrou seus deuses. Ele não usava deuses, ele não acreditava em deuses, ele não se inspirava nesses deuses. Ele os via. Holderlin via a Grécia clássica na Alemanha. Stuttgart era Atenas. O Olimpo fora banido da Grécia, por ingratidão, e agora Zeus era alemão.
   Essa a maldição do poeta. Os nazistas usaram Holderlin para dar aval a Alemanha Império do Mundo. Crianças decoravam trechos de seus poemas nas escolas. Ele era citado por Goebbels. Trechos, porque se o divulgassem por inteiro veriam que seu germanismo era bárbaro, individualista e libertário. Nietzsche que era fã de Holderlin sofreu o mesmo destino. Mal lido e mal usado pelos nazis.
   O panteísmo de Nietzsche é influência de Holderlin. Os deuse vivem na vida. A vida é Zeus, é Afrodite e é Atena. E o sol, o vinho e a mata é vida.
   Triste coincidência! Como Holderlin, Nietzsche também terminou sua vida louco. Não há como saber que tipo de doideira tinha Holderlin. Talvez hoje ele não fosse considerado um louco. Ou sim. Essa loucura foi outra maldição de Holderlin. Após sua morte sua obra passou a ser evitada. Era como se a super racional Europa de 1860 não pudesse suportar a lembrança de Holderlin. Assim como essa mesma Europa pensa nos deuses como apenas estátuas quebradas, ou personagens de HQ. Holderlin, e Nietzsche viam algo mais, recordavam e sentiam. Eles estão ao redor.
   No começo do século XX reabilitaram Holderlin e hoje ele é o segundo grande nome da poesia em alemão. No país que tem Schiller, Heine e Rilke, Holderlin só perde para Goethe. Se Goethe incomoda a Alemanha por lembrar aquilo que poderia ter sido e nunca foi, Holderlin incomoda por sua alegria petulante e sua confiança desafiadora.
   Sua voz á alta e seu tom é sempre o do caminhante. Ele não prega, ele nunca nos convida a ir junto, ele vai só. Com os deuses e com sua alma.
    Pessoas mal informadas tendem a pensar que a França é romântica e que a Alemanha seja a terra da razão. Pois bem! Tudo na França é razão, começando por sua gramática. A França é marcada por Descartes, pelo jansenismo e logo pelo positivismo. Pensadores franceses pensam em termos de ação, de compromisso politico. Não a Alemanha. Com Lutero a nação se volta para um tipo de religião particular: todos podem falar com Deus e cada casa é uma igreja. Assim como Holderlin fala com Apolo ou com Dionisio, Mann irá atrás da beleza platônica, Hesse atrás de Buda e Freud procurará os fantasmas que vivem invisíveis na mente. Seja expressionismo ou romantismo, a arte alemã está sempre procurando o oculto, o segredo, aquilo que ninguém quer ver. Bruxas, vampiros, deuses ou medos, alemães não se contentam com o comum ou o óbvio. Em oposição aos franceses, que só querem perceber o que pode ser medido, ou dos ingleses, que só dão valor ao util, os alemães cultuam símbolos, traços secretos de passados ainda vivos. Anjos de Rilke ou demônios nazistas, tudo é bruma.
   Esse o universo de Holderlin.

A FILOSOFIA PERENE- ALDOUS HUXLEY

Um desses ateus militantes ( ateu militante é uma vergonha para um ex-ateu verdadeiro. A beleza do ateísmo está na indiferença individualista às coisas da religião. Militar dentro do tema é fazer parte dele, falar sobre aquilo que não se quer fazer parte ), mas como ia dizendo, esse ateu superstar diz que o que motiva todo religioso é o medo de morrer. Aí está o que acabei de falar. O cara se mete a falar sobre aquilo que não sabe e solta um chute no vazio. O auge de meu medo de morrer foi entre meus 15/20 anos. E foi ao mesmo tempo minha época mais descrente. Eu sentia pavor de morrer e odiava toda forma de religião. Via em todas uma forma de consolo para fracos. E só. Para mim, islamismo, gnosticismo ou hinduísmo eram iguais. Assim como eu não conseguia perceber que igreja e religião são tão diferentes como são rimas e poesia. A igreja se move na matéria, no comunitário e no comum, a religião é inefável, individual e original.
Ando tentando terminar A FILOSOFIA PERENE, de Aldous Huxley. É dificil. Há uma profusão de informação, de nomes, de citações. Huxley passeia pelos sufis, pelos católicos do inicio da idade média, pelos profetas menos conhecidos. E de começo ele já fala o que intuitivamente eu sempre soube: Nada é mais anti-religioso que a igreja. Qualquer igreja. Porque a verdadeira experiência religiosa é individual, não pode obedecer a ritual ou a leis exteriores a própria experiência. Mais que isso, para se viver essa experiência é preciso ter sentido de forma profunda a inadequação, o não-conformismo e a ânsia pelo "algo a mais". Huxley fala então do Eu, e isso encontra mais uma de minhas certezas, a de que toda infelicidade nasce da hiper-valorização do eu. O objetivo final de toda vida religiosa é a destruição do eu. Pois detrás dessa cortina enganosa vive aquilo que nos é mais precioso, verdadeiro e forte, o não-eu, o sem-nome, o inenarrável. A vida que é eterna por não ser eu.
Como dizer então que a motivação da religião é o medo da morte se seu objetivo e seu único pensamento é exatamente a morte do eu? Enquanto materialistas se distraem com bebidas, sexo e ciência, enquanto se envaidecem com sua razão, suas respostas óbvias e sua "coragem", o verdadeiro religioso se obriga a encarar o vazio, o nada, a destruição do ego. Onde o conto da carochinha?
Por favor, não pensem que sou um religioso. Se fosse não estaria aqui exibindo minha tese. Há vaidade no que falo e isso coloca por terra minha espiritualidade. Adoro dinheiro, sexo e gosto de beber. Mas ao menos tenho a humildade de admitir que pouco sei sobre a experiência de São João da Cruz ou de Rumi.
Hippies adoravam Aldous Huxley. Assim como amavam Hesse. Os dois, quando mal entendidos, pareciam dar um aval para um tipo de espiritualidade fácil. Uma espiritualidade "numa boa", individualista sem solidão e criativa sem riscos. Dava pra ler Sidarta e cair no mundo do sexo e drogas como se o barato fosse parte de uma auto descoberta. Para alguns poucos foi. Mas isso descambou num tipo de nova igreja. A igreja da religião util.
Hesse se perdeu mais que Huxley e o inglês escrevia melhor. Na visão de Hesse sempre há o âmago do romantismo alemão. Em Huxley o gosto de século XX é mais forte.
Por um breve milionésimo de segundo eu um dia pude quase ver. Senti o não-eu e pude me livrar de todo peso. Êxtase ou transcendência, palavra não há pra falar daquilo que não foi criado por palavras e por discursos. Não há como esperar uma mensagem ou um sermão tirados dessa visão. É a intimidade solitária de cada um perante o todo do universo.
Nesse centro do ser tudo é silêncio.

HISTÓRIAS MEDIEVAIS- HERMANN HESSE

Na década de 1920, Hesse traduziu e comentou uma série de contos medievais de Cesarius Von Heilsterbach, escritos originalmente por volta de 1240. Leio esses contos e me assombro com aquilo que um dia fomos. ( Fomos? )
Todos são contos de feroz moralidade. Não há neles a menor dúvida: o pecado existe e quem peca sofrerá no inferno para sempre. Essa verdade é verdade completamente aceita ( como hoje nos é aceita a evolução do macaco ou o big bang ), nada é questionado. Essa certeza leva então o homem medieval a se preocupar acima de tudo com sua alma, com o possível castigo, com suas culpas e sua vida no além. Tudo é pesado em face do que será, da eternidade. Todo ato, toda obra, toda ação é PARA SEMPRE. Não existe o esquecimento.
Um marxista moderno dirá simploriamente que isso se ajusta ao jogo de poder da classe dominante. Mas o que esse inteligentinho não dirá é que essa classe dominante também sofre essa culpa e esse medo. Montanhas de nobres arrependidos se enfiam em mosteiros, partem para a mendicancia, vão lutar nas cruzadas. O cerne da questão é bem mais complexo.
Um inteligentinho do tipo "numa boa", dirá que tudo era questão de liberdade sexual, que a igreja reprimia a sexualidade, e que essa repressão se tornava culpa. Esquece o inteligentinho que hoje, na era do sexo numa boa, continuamos criando culpas, medos, dores e doenças. E então?
Hesse foi um escritor do tipo mais perigoso que existe ( e que mais falta nos faz hoje ), o escritor que prova de tudo, que procura o que é oculto, o verdadeiro peregrino. Ele sabe que não se explica a idade medieval, o que se faz é se penetrar nela e perceber não seus porques mas seus comos. Como é essa culpa, como é esse pecado, como é essa visão de vida.
A época medieval durou mil anos. Nossa época tem pouco mais de duzentos ( começamos em 1789 ). Não estaria em toda mente européia, reprimida e latente, toda essa imensa história de trevas e de vida? E quanto mais voce, ó doce menino inteligentinho, reprime essa memória, não estaria mais a mercê dela? Pois o que voce vê no cinema, seja Batman, Harry Potter ou Von Trier, não são imagens e mitos medievais pobremente e envergonhadamente reelaborados?
Desconfio muito de todo mocinho anti-medieval. É como alguém de sapatos novos que nega seus pés sujos. E desconfio mais ainda do puro ser racional. Esse tem o fanatismo de monge travestido em objetividade vã. É preciso ser um homem completo, sem amputações. É preciso ter antiguidade, era medieval, renascença e modernidade vivas em si. Negar uma delas é fanatismo, cegueira, e pior, é se fazer refém dela.
Hesse andou por todas essas vias. Se encontrou no hinduismo, no budismo... provou sua vida, abriu suas ideias, tentou ser si-mesmo. Este pequeno livro é parte de seu caminho.