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O OLHO - VLADIMIR NABOKOV

Se voce já leu Nabokov sabe: nenhum livro dele se parece um com o outro. Nabokov dá a impressão de se colocar um problema, quase matemático, e então resolver esse desafio escrevendo um livro. Mestre da escrita, ele explorou campos literários como poucos antes dele e como nenhum após. Escrito em 1930, novela curta, O Olho é mais um exercício, desta vez de humor. ---------------- O personagem principal, jovem russo vivendo em Berlin, se envolve com mulher casada e é humilhado pelo marido. Tenta se matar ( ou morre ? ) e então, ao crer ser um morto, passa a viver como Um Olho, um observador da vida e de si mesmo. Parece simples? Não é. Esta pequena obra prima vai te confundir. Não espere grandes aventuras, é uma vida pequena dentro de uma casa de emigrados russos. O personagem se vê, se confunde, se perde e se acha. E o leitor vai junto, SEM PERCEBER. ------------------ Eu, como qualquer pessoa alfabetizada, invejo Nabokov porque diante dele eu vejo um desses homens que dominam 100% sua arte. Nós amamos quem se esforça e consegue vencer, mas NÃO AMAMOS quem parece chegar aos 100% quando quer. Ele nos diminui. Então o que sinto por Nabokov é admiração, assim como admiro Henry James ou Proust, eles são os maiores. Tão grandes que sempre nos sentimos distantes deles, são inumanos. Amor eu sinto por Yeats, Heminguay, Wodehouse, autores que podem ser geniais ( Yeats ), grandes ( Heminguay ) ou deliciosos ( Wodehouse ) mas nunca inumanos. Eles falham. E lutam para escrever bem. Estão ao nosso lado, ombro a ombro. Nabokov e os outros são aristocratas da escrita. Outro mundo, outro sangue e outra visão. ----------------- Por fim, repito: Que belo livro!

THOMAS BERNHARD

Amigos, o fato de um leitor veterano como eu ainda ter escritores tão bons para ler, escritores ainda jamais lidos por mim, é maravilhoso! Vejam este caso: hoje comecei a ler Thomas Bernhard, e não consigo parar de o ler. ---------------- Bernhard era austríaco, e assim como o alemão Sebald, morreu inesperadamente e cedo demais, em 1989. Multi premiado, foi um anarquista. Ele criticava impiedosamente o estado, a Austria e a própria vida. E quando eu falo "criticava" não pense que são frases intelectuais bonitas e lógicas, não. Mas também não pense que são palavrões ou ofensas adolescentes, não. Bernhard fala o que se DEVE falar e assim preciso agora falar de seu estilo, que é aquilo que mais me impressionou. ------------------ Ele não usa parágrafo. A página é escrita inteira, sem uma pausa. Aí voce pensa: Pronto! É mais um chato como Henry James ( eu amo James ), ou um modernista como Proust ( eu amo Proust ). Pois eu te respondo: não é. Bernhard não usa a página sem pausa como "estilo", ele simplesmente escreve como pensa e ele pensa depressa, corrido. ------------- O texto é simples e é claro. ---------------- E ele repete frases inteiras e pasmem! É hilariante! Um autor considerado "terrível", " pessimista", é profundamente engraçado. É o riso de quem se dá mal, de quem está mal, de quem se ferra o tempo todo. Raramente eu dou risos lendo, mas me peguei rindo muito com ele. E, como o riso é a coisa que mais seduz uma pessoa, Bernhard ganhou um fã. ---------------- Ele não se parece com nada que li antes. É, como Sebald, um vento de esperança e uma luz de inspiração na literatura dos últimos 50 anos. Não, não vou dizer o que estou lendo, quando acabar escrevo outro post. Thomas Bernhard....vou ler tudo dele.

O TEMPO DEVE PARAR - ALDOUS HUXLEY, UMA OBRA PRIMA

Escrito durante a Segunda Guerra, este talvez seja o romance de Huxley que mais me agradou. Contraponto é uma obra prima, mas este também é. O tema lembra muito Henry James, mas sem o estilo de James, é um texto 100% Huxley. ---------------- Por que lembra James? Por falar sobre a sutileza. Huxley demonstra como atos que parecem insignificantes podem destruir vidas. Tema que é o de todas as obras do grande Henry James. ---------------- Sebastian, o personagem central, é um jovem de 17 anos muito belo, inteligente e rico. Aparentando ter 13 anos, ele sofre de uma imensa timidez. Escreve poesia e é oprimido pelo pai, um tirânico socialista que trabalha pela revolução. Sovina ao extremo, o pai o educa sem luxos. Mas esse não é o tema do livro, felizmente. ------------------- Esse pai tem um irmão que foi socialista, mas que hoje é um cínico hedonista. Óbvia que ele o odeia. Esse tio leva Sebastian para conhecer Firenze e lá se hospedam na mansão suntuosa de uma avó cega e muito esnobe. Nessa mansão ele se envolve com uma mulher, Lady Thwale, um personagem que mostra o quanto uma mulher bonita pode ser fria e manipuladora. Ela vai para a cama com Sebastian por esporte, por diversão, ele, felizmente, não se apaixona. ----------------- O tio hedonista vem a morrer e Sebastian se perde em mentiras ( não contarei o porque, mas é uma mentira tola provocada por timidez ). Essa mentira fará com que pessoas morram, uma criança seja injustiçada e um amigo vá para a prisão. Sebastian, covarde, medroso, passivo, terá de enfrentar sua consciência. ------------- Belo enredo não? Mas a magnífica qualidade do livro não está em seu enredo, embora eu sinta pena por Huxley não ter escrito mais livros sobra a dolescência, pois seu retrato de Sebastian é perfeito. -------------- Os temas são aqueles típicos de Huxley, mas aqui dados sem forçar a coerência, sem estragar o fluxo do romance. O que faz desta obra uma força arrasador são os diálogos, primeiro entre Sebastian e seu tio e depois entre Sebastian e Bruno. O tio duvida de tudo, não crê em nada e possui um genuíno amor por arte, literatura, comida e bebida. Ele ensina a Sebastian o caminho do auto amor, do ego como força central, da criação de beleza. Quando ele morre sentimos pena pelo livro, não aceitamos o fim de uma persoangem tão interessante no meio do romance. Mas Huxley tem coragem e descreve então a vida pós morte do tio. ---------------- Sim, ele está morto mas continua no texto. Na vida pós morte, sua alma, sem ego, sem entender nada do que acontece, penetra em universo de cores, sensações, não-linguagem ( Huxley sabe que o mundo não racional é um mundo sem palavras e sem pensamentos verbais ). Porém, ele é tomado pela memória e Huxley nos mostra que há uma sedução quase irresistível pela rememoração. O tio mergulha na vida como lembrança, na sedução das comidas que ele comeu, amores que ele viveu, a arte que ele amou. O azul, sedutor e vazio é sua outra opção, mas ele opta pela memória. ------------------- Huxley não diz, mas ao escolher a memória ele escolhe a vida física e provavelmente irá reencarnar. O azul vazio era a opção pelo fim do ego, pelo esquecimento e assim pela vida no paraíso. Uma escolha, sempre uma escolha. ---------------------- Huxley leu O LIVRO TIBETANO DOS MORTOS. -------------- É muito interessante ver como Huxley descreve uma sessão espírita convocada pela avó cega e milionária. O tio, convocado pela médium contratada pela avó, não compreende nada do que o tio diz e assim traduz tudo em frases banais, estou bem, estou aqui, sim eu sei. --------------------------- Na segunda parte do livro, Sebastian conhece Bruno, um amigo de seu tio. Pobre, esse católico, a princípio odiado pelo ateu Sebastian, irá mudar totalmente sua vida. A base do pensamento de Bruno é de que toda arte, toda política, toda religião e toda ciência são simples modos de se exaltar o ego. Agindo ou construindo uma obra, nós nos enamoramos cada vez mais de nosso ego e assim edificamos nossa profunda tristeza. Quanto mais ego mais dor, mais medo de perder coisas e de perder a razão e a vida, mais infelicidade. Bruno ensina que na raiz de tudo isso há o tempo. Viver na política por exemplo, é viver sempre no futuro, um futuro que jamais chegará mas que será sempre prometido ( Huxley fala da tolice comunista, mas não só ela ), viver no mundo da tecnologia é também viver no futuro, afirmar todo o tempo que a ciência caminha para o bem e JAMAIS A QUESTIONAR. Viver na arte é viver no passado, no estudo e no amor ao que foi feito e no desejo de não ser esquecido. Todas essas manifestações matam a única coisa que importa, O PRESENTE. ------------------- A felicidade é a abolição do tempo, o fim do futuro e do passado. Animais, felizes por viveram no presente eterno, conseguem isso por existirem em acordo com seu organismo. Eles comem ou caçam porque assim o corpo pedem. Copulam para procriar. Morrem como devem morrer. Já o homem luta contra seu corpo todo o tempo e mesmo quando pensa estar sendo livre ele na verdade está sendo subjugado pelo seu ego. ( Jogos sexuais, boa comida, apreciar a arte libertátia, tudo é anti natural, tudo é jogo tolo do ego em guerra feroz contra o corpo e aferrado ao tempo ). ----------------- Há uma página muito antecipadora de Huxley que fala claramente do 2023: Nada mais absurdo que uma pessoa velha apegada à sua juventude. Lutando para parecer eternamente ter 35 anos, ela nada evoluiu. Presa ao tempo passado e sempre com medo do futuro, escondida de si mesma em cremes, cirurgias e poses, ela não existe no presente e nega qualquer chance ao seu corpo. ----------------------- Uma pessoa escondida por detrás de piercings, tatuagens, botox, perucas, cílios, simplesmente não existe. Ela é um boneco do ego. Uma infelicidade que alimenta seus sintomas sem cessar. ------------------- Ao final, Sebastian se torna poeta. O livro, sublime, deve ser lido por todos que percebem a doença, profunda e feroz de nossa época.

DOSTOIEVSKI - NOITES BRANCAS

O filme de Visconti é lindo e não há como ler esta novela sem lembrar do rosto de Mastroianni. Nunca houve no cinema alguém que interpretasse um homem frágil de modo mais perfeito. Marcello conseguia ser vulnerável sem deixar de ser bonito, e sua triateza nunca era repgunante. Ele não apelava às lágrimas, era melancólico sem ser, nunca, fake. ----------------- Então leio Dostoievski, autor que amei aos 15 anos mas que desde os 30 eu não engulo. E logo lembro o porque.... Se Tolstoi é a voz do idealismo russo e Gogol da alma original do país, Dostoievski é o escritor que nos lembra da tristeza russa. E isso me dá desejos de matar o autor de Noites Brancas. Dostoievski dá sempre a impressão de estar escrevendo e chorando ao mesmo tempo. Tudo nele é fragilidade, dor, lágrima, falta de vontade, derrota. Eu sei que ele foi um gênio etc etc etc. Mas eu realmente o acho um mal. ----------------------- O que me dá pena, porque sempre leio Dostoievski querendo muito o amar. Foi um bom homem e no mundo de 2023 ele tem sido desvalorizado, isso porque ele acreditava em Deus. O mundo atual valoriza muito mais um autor russo semi esquecido que os mitos Tolstoi e Dostoievski. O mundo atual não suporta personalidades muito grandes, e mesmo que eu não suporte ler Dostoievski, é lógico que sinto o quanto ele era grande. ----------------------- Noites Brancas descreve um tímido romântico à perfeição. E é trágico o modo como ele, que é só bondade, se auto ilude. Para meu gosto pessoal, o autor estraga tudo por lamber as feridas do homem tímido. Ele sempre se comporta, Dostoievski, como um enfermeiro. O mundo era para ele um imenso hospital. Estou errado? Provável. Mas seria fácil eu tecer elogios ao humanismo de Dostoievski, sua sensibilidade, seu amor às pessoas. Mas não. O que vejo é um homem que sente pena de seus personagens. E isso me é insuportável. ------------------ Pois eu amo a fria narração de Henry James, a ausência de partido de Proust, a não simpatia de Nabokov. Todo texto de Dostoievski parece pedir por ser amado. Não, não amo não. É isso.

O BEM AMADO - EVELYN WAUGH

Waugh foi um dos grandes escritores ingleses do século XX e até os anos de 1980 era muito famoso. Depois, como aconteceu com 90% dos escritores do mundo, ele sumiu dos cadernos culturais. Waugh era um satirista, na bela tradição britânica de Swift e Sterne. Dele já li tudo e releio este curto volume sobre a California. ---------------- Tendo ido à Hollywood nos anos 40. Waugh trouxe de lá as piores impressões. Ele não suportou tanta infantilidade. Os americanos do oeste lhe pareceram pouco mais que crianças bonitinhas, apenas isso. Tudo o que falavam, pensavam ou queriam era digno de um aluno de 7 anos razoavelmente dotado. Eram acima de tudo ingênuos, crédulos, faceis de manipular. Pois bem. Com esse pensamento, Waugh poderia escrever sobre o cinema de lá, ou a politica, ou um pseudo policial. Mas não. Ele foi no amago do humor muito negro, seu tema são os maquiadores de cadáveres. ---------------- A ação fala de um inglês, jovem, que vive por lá. Poeta, ele ganha a vida como funcionário de um cemitério de bichos. Esse jovem se apaixona por uma genial maquiadora de cadáveres humanos. Forma-se um triãngulo, pois ela é noiva de seu chefe, o gênio do embalsamento. Waugh usa esse ambiente para revelar o grotesco de uma sociedade que ama apenas o que parece bom, oposto radical da velha Europa, cínica, amoral, decadente, maliciosa, adulta, má. Sim, Waugh confessa que é um tipo de novela de Henry James maldosa. Ao final, como em James, a americana sofre por sua imaturidade e seu auto engano, e o inglês se revela um malandro sem sentimento algum. Ele se dá bem, pois explora a tolice dos americanos, e aos californianos resta apenas continuar sua vida "linda" de gurus, novas religiões, cadáveres sorridentes e cachorros humanizados. --------------- Waugh deve ter sido um cara mau, muito mau. Paulo Francis dizia que ele era. Sua obra, que eu amo, o confirma.

TROUBLE IN PARADISE ( LADRÃO DE ALCOVA ), O FILME MAIS ANTIGO DO MUNDO

Existem obras de arte que são atemporais. Por exemplo: Sherlock Holmes. Apesar de seu charme "Inglaterra 1900 ", o tipo de diversão que Conan Doyle nos oferece é atemporal: mistério, suspense, gótico. Henry James é atemporal em sua psicologia do dinheiro e Proust é o mesmo em sua radiografia dos sentimentos. Nosso modo de pensar o poder e a sociedade é o mesmo de James e nossos ciúmes, medos e desejos são os mesmos de Proust. Mas há obras geniais que são testemunhos de seu tempo e são válidos como visita àquilo que fomos e provavelmente jamais voltaremos a ser. O valor, imenso, dessas obras se dá por sua BELEZA, por sua ENGENHOSIDADE. Pelo tamanho do espírito de quem as fez. Nada têm a ver com nosso mundo, mas nos fazem um bem imenso ao nos mostrar que existiram outros modos de ser e de fazer. Nos revigoram. Ativam partes obstruídas de nossa mente. ----------------------- Penso que uma pessoa que viva apenas na sua contemporaniedade é uma pessoa escravizada. E em 2022, um dos tempos mais pobres da história humana, viver com os dois pés e a mente neste momento é viver com apenas 2% daquilo que uma pessoa pode ser. ------------------ Ler John Milton ou Marlowe é ler algo passado, tomar contato com sentimentos e atitudes que nos são estranhas. E por isso são vitais: são descobertas daquilo que mora em nossa sombra mais escura. Ruínas que testemunham aquilo que perdemos. Ecos distantes que existem como forças indomadas porém incomunicáveis. Jamais entenderemos racionalmente o que era aquele mundo, mas podemos tomar contato com as forças que nos construíram. Como disse, há algo de profundamente liberador ao nos relacionarmos com uma arte perdida. No mínimo entendemos que somos mudança sem fim e que o que hoje parece definitivo é apenas uma etapa. Em seu melhor aspecto, crescemos muito, pois tomamos posse de uma herança comum a todos. ------------- O cinema já possui filmes em seu passado com mais de um século de idade. E alguns deles continuam a ser contemporâneos ( e espero que voce tenha entendido que isso não é um mérito em si ). Há filmes dos anos 20 ou 30 que continuam atuais porque falam de sentimentos que permanecem os mesmos. Há filmes que têm uma forma, um estilo de produção que permanece válido. Cortes rápidos, história com conteúdo, atores realistas, modo natural, são características de 2022 e que vários filmes antigos já as tinham. Mas existe gente como Ernst Lubitsch e seu cinema é completamente VELHO. E de todos seus filmes nenhum é mais VELHO que LADRÃO DE ALCOVA. --------------------- Lubitsch foi um homem da cultura vienense, um homem da virada do século XIX para o XX. O que caracteriza essa cultura é sua malícia elegante, o amor ao estilo, o modo de fazer acima do conteúdo, a discrição, a descoberta do sexo como poder, o horror à grosseria. Todos os seus filmes exibem tudo isso em imensas porções, mas só perceberá esse universo aquele que não tiver os dois pés em 2022. Assistir seus filmes é olhar para um mundo perdido em definitivo. ------------- LADRÃO DE ALCOVA conta a história de um casal de ladrões. Ele se faz passar por um nobre francês ( sim, em 1932, ano do filme, ainda havia nobre francês dando sopa por aí ), ela se faz passar por uma americana rica. Mas logo sabemos que os dois mentem. Se conhecem logo no começo do filme e de modo brilhante Lubitsch encena seu encontro: ele a rouba e ela o rouba. Percebem o furto, riem, e se unem. O amor nasce da alegria do trabalho em comum, o modo elegante de roubar é encenado de maneira rápida, alegre, leve. ------------ Juntos eles armam um golpe em cima de uma milionária. Ele se aproxima como um nobre falido, e a milionária o contrata como secretário. Ela é indicada para ser uma governanta. Mas algo dá errado: ele se deixa seduzir por ela. Lubitsch evita sempre o romance meloso, como vienense, e o roteiro é de Billy Wilder, ele crê que o amor é interesse mundano. O dinheiro vence o sentimento. Mas é hora de dizer o porque do filme ser o mais velho.... --------- A sedução. Herbert Marshall faz o ladrão. E não há ator menos contemporâneo que ele. Inglês, ele tinha uma perna mecânica, fora atingido por bomba na guerra de 1914 em que servira. Desse modo, em todos os seus filmes, ele mal se move, sua atuação é sempre da cintura para cima. O olhar é suave como brisa de primavera, a voz veludo fino, as mãos mal se notam, as roupas parecem recém passadas. O modo como ele seduz a milionária é suave, calmo, discreto, profundamente delicado. Voce nunca viu olhar como o dele. E apesar de tanta delicadeza, eles logo vão para a cama, pois Lubitsch sempre sugere sexo, sexo de adultos. Herbert Marshall nunca é violento ou ousado, ele DESEJA mas nunca IMPÕE. É ela quem abre a porta do quarto. ----------------- Ela é Kay Francis uma atriz que tem a presença chique dos anos 30: cabelos curtos, corpo magro e longo, olhar sonhador, voz maliciosa. As roupas são sempre justas e brilhantes e ela seduz a Herbert Marshall pelo que não diz, pelas frases ditas pelo meio, pela porta aberta, pelo olhar que evita mirar. Miriam Hopkins é a cumplice-ladra, uma atriz do estilo apimentada anos 30: na época se dizia LEVADA DA BRECA, uma maluquinha da era do jazz. Ela transpira desejo sexual por Marshall, os olhos brilham e cada roubo é uma penetração. ------------ Pelas palavras que usei voce deve ter percebido que nada neste filme lembra nem remotamente o cinema de hoje. Nada aqui é explícito e o que não se diz é mais importante e veemente que aquilo que é dito. É um cinema de pontinhos ... e nunca de exclamações !!!!!. Os ambientes são propositalmente artificiais, os coadjuvantes são TIPOS adoráveis ( Charlie Ruggles e Edward Everett Horton estão admiráveis como sempre ), a trilha sonora comenta a ação, os cortes são abruptos e dizem aquilo que não foi dito, a ação mantém o ritmo de um relógio, não acelera e não atrasa, os risos jamais são gargalhadas. O filme pede que nos sintamos educados, que relaxemos e gozemos o tempo em que ele transcorre. Imagino o prazer em ver esse filme em 1932, uma peça de arte delicada em um mundo que tentava preservar sua civilidade entre duas guerra hediondas. ----------- A palavra chave aqui é essa; CIVILIDADE. Neste filme tudo é civilidade. É, como toda obra de Lubitsch, uma homenagem à um mundo que morria, uma tentativa vã de o salvar. Wilder fazia o mesmo mas já sabendo que o mundo que ele amava era morto. Lubitsch ainda tinha esperança. CIVILIDADE, não há nada mais fora de moda no cinema contemporâneo. Asssitir este filme é ver fantasmas. É um cinema que nada pede, antes nos convida. Que não exibe, sugere e que não tenta emocionar, seu obejtivo é entreter. Elegante, muito elegante.

UMA CENA PERFEITA ( POSTADA ABAIXO )

Observe essa cena em OS INOCENTES. Voce entenderá o que é cinema, o que ele pode ser. Cada olhar, tanto da governanta como da criança tem uma mansagem, um significado. Nada prevê a aparição do fantasma. Quando ele surge, não há trilha sonora assustadora, não é noite, nem gritos, nada. Apenas uma imagem escura, imóvel, COMO SE ELA FIZESSE PARTE DA NATUREZA. A reação da governanta não é histérica, é espanto-medo real. A criança, maldosa, mostra o inocente narcisismo, o egocentrismo infantil. Cada frame é de beleza sublime, mas a beleza não é um artifício para maquiar o vazio de ideias, a beleza tem uma função: criar o irreal dentro do cotidiano, a aparição. Desde que vi esse filme, aos 18 anos em 1980, sempre imaginei que fantasmas, se existem, surgem assim: como uma sombra imóvel e muda em plena luz do dia. Como uma MANIFESTAÇÃO DA NATUREZA, portanto natural. A cena impressiona porque mostra o fantasma como natureza. Exatamente aquilo que James pensava.

The Innocents (1961) - Woman in the Lake

HENRY JAMES, A OUTRA VOLTA DO PARAFUSO

Esta é a novela mais famosa de Henry James, e não considere esnobismo de minha parte quando digo que é o único livro dele que não adoro. Conto o enredo: Uma jovem moça é contratada para tomar conta de duas crianças. O pai das crianças não quer contato nenhum com elas, não quer receber notícias, não quer ser incomodado. Isso ele diz, de forma sedutora, para a jovem na entrevista de emprego. Ela parte para a mansão e gosta do que vê. O casal de irmãos é encantador, os empregados são simpáticos, tudo acontece muito bem. Mas ela vê fantasmas...------------ Um casal que lá morou antes dela, ele, um grosseiro e arrogante empregado, homem que se tornou amigo demais das crianças e que teve um caso com a antiga governanta. A governanta se deixou perverter...é esse casal que ela vê como fantasmas. Os dois tiveram morte violenta. O filme de Jack Clayton, OS INOCENTES, roteiro de Truman Capote, é talvez a mais perfeita adpatação literária da história. Vale ver. Pega o clima do livro a perfeição. ----------------- Já se disse, na época em que jornais eram uteis, que na verdade os fantasmas são projeções do desejo da nova governanta pelo patrão. Se falou também que o menino, símbolo da maldade, faz com que ela veja os fantasmas e que ele a seduz. Há também um clima de pedofilia, fica quase explícito que o antigo capataz fazia jogos sexuais com os irmãos. Lembro agora que li uma vez que os fantasmas simbolizam a repressão sexual da era vitoriana. Weeelll...acho que essas visões revelam quem as diz e nunca o autor. Henry James não é e nunca foi simbolista. Ele sempre revela e examina tudo, explicita, dá o máximo de informações. Para quem o conhece, é óbvio que os fantasmas são....fantasmas, e que a governanta é uma medium. ------------- Eu não me apaixonei nunca por esta novela, é minha terceira leitura, porque não gosto da narradora. É a governanta quem conta a história, e eu não aprecio sua companhia. Questão pessoal. Entretanto, é, óbvio, um grande livro do maior dos autores. Mas se for seu primeiro Henry James, saiba que ele pode bem mais. Muito mais. ( Se quiser começar vá ao conto OS AMIGOS DOS AMIGOS ).

LADY BARBERINA - HENRY JAMES. O HUMOR.

No meu saudoso curso sobre Henry James, feito em 2015, já sete anos, o professor sempre ressaltava a ironia maravilhosa que há em James. Leio agora, pela terceira vez, esta novela, 110 páginas apenas, do autor anglo-americano, autor que é, para mim, o mais perfeito escritor. ----------- Como em tudo que ele escreveu, o enredo é falsamente simples: um americano, médico muito rico, resolve se casar com uma inglesa aristocrata. Tudo começa no Hyde Park, em um capítulo onde James esbanja seu poder de descrição. Os pais da jovem, óbvio, exigem um dote, o que ofende o milionário americano. Só então ele começa a perceber as imensas diferenças entre América e Inglaterra. Mas ele cede, se casam e vão viver em New York. Ela odeia. Ele não entende porque. Henry James foi um americano que escolheu viver na Inglaterra. Então quando o lemos, sempre tendemos a achar que ele irá tomar partido pelo velho país. Mas não. Por ser um gênio da ironia, se torna impossível saber qual o seu lado. Eu, pessoalmente, sempre penso que ele vê nos EUA uma inocência, uma honestidade, objetividade, que não existe na Inglaterra. E ao perceber isso, eu penso: Porque James se naturalizou inglês? Nunca saberei. ------------- Mas há uma irmã, Lady Agatha, que se apaixona pela América. E conhece um cowboy....e mais não conto. O que digo é o fato de que ao terminar de ler esta novela eu tinha um imenso sorriso nos lábios. Mais uma vez um americano era feito de trouxa pela malícia européia. Pois essa é a visão de James: Perto dos europeus, são todos os americanos um grupo de crentes ingênuos e pouco sutis. Falam demais, falam o que pensam, se deixam dissecar, se revelam. Uma frase de um dos personagens: A América é o paraíso para as mulheres, pois aqui elas podem falar e fazer o que desejam. E mais ainda, casam-se com quem amam. ----------- Nunca se engane, o feminismo é 100% americano. A ideia de democracia também. Como o é o mérito por ter dinheiro. É americano o se dar valor à um homem não pelo seu nome ou sua origem, mas sim por aquilo que ele fez, produziu, acumulou. São ideias hoje universais, mas que em 1880 eram típicas apenas nos USA. -------------- Para quem acha que Henry James fala apenas sobre o choque cultural entre EUA e Inglaterra, o assunto é muito mais vasto e vital. E acima de tudo, há a arte. A arte da escrita. O poder de nos dizer tudo aquilo que uma personagem sente, vê e pensa. O modo como cada personagem se torna real, sólida, verossímel. A profunda e ainda imbatível psicologia de Henry James. Um gênio.

Daisy Miller (1974) Trailer #1 | Movieclips Classic Trailers

DAISY MILLER. QUANDO PETER E CYBILL ERAM FELIZES

Nos extras deste dvd, o diretor, Peter Bogdanovich diz que em 1974, época de lançamento do filme, Cary Grant lhe disse para parar de falar em entrevistas que ele era feliz. Lhe disse Cary que as pessoas odeiam quem é feliz e pior ainda, odeiam a beleza. Peter Bogdanovich havia largado sua esposa para se casar com CybilL Shepherd. Ou seja, era um casal belo, rico e feliz. Que alardeava isso para todos. Cary Grant percebeu que um só erro de Peter e de Cybil iria destruir sua carreira. O erro foi DAISY MILLER. Filme feito por ele para ela. --------------- Na geração que estourou no começo dos anos 70, creia, Peter Bogdanovich era até 1974 o mais bem sucedido. Coppolla havia feito os dois Chefões, mas A Conversação seria um flop nas bilheterias e sua fama de egocêntrico intratável já se firmara. Scorsese só se tornaria importante com Taxi Driver, em 1976. De Palma era marginal, condição que ele manteve por quase toda sua carreira. Friedkin era sucesso imenso, mas já estava perdido em cocaína. Hal Ashby nunca foi um nome grande. Bogdanovich era o único que permanecia invicto: grandes filmes e grandes bilheterias. Além do que, era careta e amado pelos diretores veteranos. Mas veio o divórcio e Cybil. DAISY MILLER foi feito para provar que ela era uma grande atriz. Foi massacrado pelos críticos e passou em branco nos cinemas. Peter começou a afundar. Apesar de ter filmes maravilhosos feitos após Daisy Miller, ele, como aconteceu com Friedkin, nunca mais se tornou um diretor classe A. Inclusive em 1979 e 1980 ele fez duas obras primas perfeitas e divertidas. Mas que nem sequer passaram nos cinemas do Brasil. Quando a indústria marca alguém, essa pessoa fica estigmatizada forever. ------------------------ O livro de Henry James é soberbo. Foi Daisy Miller que me fez apaixonar por James, paixão que se mantém inalterada. O romance fala de uma americana muito rica que passa férias na Europa. Lá, ela irá viver o choque de culturas. Os europeus não aceitam o modo americano de ser, e ela não percebe a malícia da Europa. Daisy é sincera. Ingênua. Livre. Os europeus têm códigos de conduta. São cínicos. Fofocam. Henry James era um americano que viveu quase toda vida em Londres. Esse era seu tema. O conflito entre o modo americano de viver e o velho modo europeu. Nos seus livros ele anuncia a grande mudança psicológica do século XX. O modo americano se faria dominante. Ser "livre e sincero" seria o valor supremo. Pregar o que "fica bem" seria abolido. Claro que James, gênio que era, percebeu que ser livre e sincero seria o novo "ficar bem". Tudo que parece novo e ousado logo se transforma em convenção. E o filme? Como é? ----------------------- Nos extras Bogdanovich diz que se tivesse sido feito após 1985, Daisy Miller teria sido um sucesso. Adaptar Henry James em 1974 era um ato de ousadia. A partir de 1985, adaptar James ( e Austen, Forster, Wilde ) se tornou moda. Não havia público para Daisy Miller em 1974. ------------------- O filme é bom, é bonito, é invulgar. Visto hoje eu não entendo o porque de seu fracasso. Cybli não está nada ruim. Sua Daisy é uma americana adorável. Ela fala sem parar, fala tudo que pensa, age, é impulsiva. O olhar que ela dá em sua última cena, quando olha para trás, é coisa de grande atriz. Peter Bogdanovich teve a inteligência de não tentar abarcar todo o livro. Ele transforma a densidade de James em cinema popular. Na primeira metade ele é quase uma comédia esquisita e depois se torna um drama cruel. O americano que vive a muito tempo na Europa, Barry Brown, perde Daisy Miller porque crê ser ela uma grande mentirosa. Daisy diz sempre a verdade, mas europeus não podem crer que alguém fale tantas verdades. Quando ele a perde percebe que ela dizia a verdade. E vem sua bela frase final: "Talvez eu tenha morado tempo demais na Europa". Esse é Henry James falando. ------------------- Comentando o filme em 2014, Peter Bogdanovich ainda chora ao se recordar da cena final. Eu não chorei. Mas é um fim de pungente tragicidade discreta. Henry James foi o maior escritor a tratar da incomunicabilidade entre seres que ansiam pela comunicação. O filme é digno dele.

WILLIAM JAMES E O PRAGMATISMO

Andei lendo William James, filósofo americano dos anos 1900. Irmão de Henry James, este, talvez, o melhor escritor americano da história. ----------- William é pragmatista, e nós, como somos herdeiros da filosofia mais anti pragmática possível, vassalos da França eternamente no berço, não temos a menor ideia do que seja o pragmatismo. Achamos que seja "utilitarismo", quando na verdade é a busca do real. ------------- Muito mais interessante que ficar expondo o que seja tal filosofia, vou dar exemplos na vida real e virtual de hoje. Os assuntos que vou tocar são espinhentos. E ao mesmo tempo constrangedores de tão óbvios. Não mereceriam uma linha de discussão. Mas em nosso mundo infantil, são considerados temas relevantes. ----------------- Primeiro devo falar do inimigo do pragmatismo, o idealismo. Grosso modo, no idealismo o real é construído de dentro para fora. Voce tem uma visão ou uma ideia e a constroi mentalmente. Depois irá erguer todo um universo de palavras e jogos mentais para o validar. William James diz que nessa filosofia há um imenso esnobismo. É uma filosofia de escolhidos, um tipo de clube exclusivo, garantia de que se voce faz parte, voce é um nobre. É uma filosofia de mãos limpas. Evita tudo que seja contraditório e sujo. Se voce edifica uma teoria, ela se torna verdade. O MUNDO REAL DEVE ENTÃO A PROVAR. E ESSA PROVA SE FAZ ADAPTANDO O MUNDO À TEORIA. ----------------- Idealistas, voce já percebeu, vêm em tudo um universo paralelo, como um tipo de fantasmas. Por detrás de cada ato ou objeto, vive uma sombra, uma ideia. Nada que acontece ou existe é uma coisa em si mesma. Tudo é o que não parece ser. Esse modo de ver o mundo garante ao idealista a sobrevivência de suas teorias mais delirantes. Pois se voce NÃO PERCEBE A VERDADE DE SUA TEORIA, É PORQUE VOCE NÃO POSSUI A SABEDORIA DE PERCEBER O QUE ESTÁ ESCONDIDO. ----------------- Garantia de eterno estado de paranoia, todo idealista vive vendo segundas e terceiras intenções em tudo, e cria as mais absurdas imagens para justificar suas fantasias mentais. ----------------- William James destroi isso dizendo que A VERDADE FUNCIONA, A MENTIRA NÃO. E então, claro, ele discute o que seja funcionar. Para isso ele usa alguns exercícios, e eu exibirei dois. --------------- Primeiro ( para grande irritação dos idealistas ), o ser humano tem tendência a querer que tudo fique como está sempre. Ele aceita o novo desde que esse novo não modifique o funcionamento geral. Dou uma prova disso no mundo cotidiano de 2022. : Novidade: Casamento gay. Registrado e assumido. Tendência conservadora: É uma dupla gay, mas que se casa, forma família e se adapta ao bem estar geral. São dois homens ou duas mulheres, mas que se obrigam a fazer o papel tradicional: pai-mãe-filhos-lar. ------------- Qual a prova de VERDADE desse fato? A família é VERDADEIRA E REAL. Ela vence o teste. Continua existindo. Observe que não há aqui um jogo de palavras, uma construção de imagens ocultas, nada disso. É apenas uma constatação dentro do TEMPO E DO ESPAÇO. -------------- Segundo exemplo é a funcionalidade. A família funciona? Sim. O que nos leva a esse sim? Dois fatos: ela dura e ela não entra em choque com o mundo como ele é. Quando casais gays ou amigos vivem dentro de uma "chamada nova família", são eles que se adaptam à familia tradicional e não ela que muda. Portanto são duas verdades: a família, coisa real e verdadeira; e o mundo homossexual ?, ele é tão real e verdadeiro quanto a família? Atenção agora: ELE PODE ENTRAR DENTRO DA FAMÍLIA,NA REALIDADE PORTANTO, SEM COLOCAR A PRÓPRIA REALIDADE EM RISCO. Vai durar. E não vai destruir a verdade. É portanto, real. --------------- Um transexual dá mais um exemplo disso. O mundo ideal teima em dizer que um homem que virou mulher é uma mulher. Uma óbvia e infantil construção mental de uma filosofia que precisa crer que basta PENSAR E ARGUMENTAR PARA QUE ALGO SEJA REAL. Para um pragmatista, um trans será sempre um homem-que-virou-mulher e que hoje é nem homem e nem mulher, mas sim um homem-que-virou-mulher. Isso porque, por mais que ele negue, ele tem uma memória e uma experiência de vida que uma mulher não tem. O simples fato de ele precisar ser operado ou enfrentar a imagem corporal já lhe dá uma história, concreta e real, que nenhuma mulher teve ou terá. Sim, ele pode gritar ter uma ALMA de mulher. Mas constate, é o argumento do idealismo mais uma vez. Por detrás das aparências há sempre algo que apenas pessoas superiores como eles podem ver. Trans existirão para sempre, é provável, mas para se tornarem uma verdade e uma realidade, deveriam parar de querer ser uma ideia ou um desejo, e se tornarem uma coisa que funciona, ou seja, um homem-que-se-tornou-mulher. ------------------- No Brasil, como em toda América Latina, o pragmatismo é visto como algo pobre demais, chão demais. Aqui a ideia do querer é poder se afirma como um tipo de lei. Não se constata se uma coisa funciona e dura e o fato dela não funcionar pode ser visto até como uma vantagem. Não funciona porque o mundo está errado, pois a ideia é perfeita. Cole essa frase na sua memória. Não funciona porque o mundo está errado, a ideia é perfeita. Essa frase explica 500 anos de erros no continente. --------------- O mundo não é perfeito, ele é real e verdadeiro. As ideias podem ter uma aparente perfeição, mas elas não são reais e nem verdadeiras. ---------------------- Hora de falar da verdade? Falemos de Deus. Ele existe? É uma Verdade? ---------------- Um idealista construirá toda uma obra de citações, imagens, intuições, provas físicas, tentando assim dizer ser Ele real ou não. Como William James procede? Deus faz parte da civilização desde sempre e sua presença garante seu funcionamento. Ele dura. Permanece. Volta. Não desaparece dentro da vida das coisas. Pragmaticamente Ele é real e é uma verdade. Existe desde sempre e faz diferença no âmago do tempo e do espaço. Teste final: Deus funciona? Sim, funciona. Tanto funciona que é Ele sempre o inimigo daqueles que desejam destruir o mundo como ele é. Idealistas revolucionários sabem que com DEUS não há como partir do ponto Zero. Para se refundar o mundo e se zerar a história, Deus deve ser abolido. Burramente os idealistas dão assim, de barato, aos pragmatistas, o maior argumento sobre a funcionalidade real de Deus, é Ele quem garante este mundo, o mundo real, não o das ideias delirantes. ------------------ A próxima vez que voce ver na rua um idealista, hoje eles costumam ser faceis de ser identificados, têm rosto de maluco e falam slogans sem nenhuma conexão com a realidade, saiba que esse idealista bronco não irá jamais mudar a realidade ou colocar em risco a verdade. A não ser que ele crie um modo de entrar no mundo da realidade, aceitando o real, sem modificar a verdade ( modificar a verdade, eis uma ideia absurda do idealismo ), esse idealista bronco será sempre aquilo que ele é agora: uma ideia sem função e uma vida sem verdade nenhuma. -------------------- Um PS aqui. William James faz parte também do mundo da psicologia. Sua ideia, nova em 1900, era: O cérebro humano é físico e é nele que se encontra a raiz de toda doença nervosa. Dentro dele ( eis sua influência sobre Jung ), há uma parte só do ser, ou seja, incomunicável, e outra que é comum à todos ( o inconsciente coletivo ). Em nossos pensamentos somos sempre sós. Não há solidão maior que aquela do pensamento. O que pensamos é incompartilhável. Tratar um doente é tratar um sintoma e o objetivo do médico é se ater ao que funciona- o que é real. James chega perto da moderna psiquiatria e dá uma banana aos teóricos da palavra, autores que tentam adaptar o cérebro humano às suas teorias. Na psicologia inglesa e americana sua influência será grande, na alemã e francesa, nula. ---------------------- Países que amam revoluções utópicas jamais entenderão o pragmatismo.

O BOM SOLDADO - FORD MADOX FORD

Heminguay foi amigo de Ford Madox Ford. Quer dizer, mais ou menos amigo. Heminguay amava este livro, O Bom Soldado, título dado na França, contra a vontade do autor inglês. Ford queria que seu livro se chamasse A MAIS TRISTE HISTÓRIA. Quem compra o livro hoje pode pensar que ele fala da primeira guerra mundial, afinal foi lançado em 1915. Mas não. O que ele narra é a melancólica vida de um corno. ---------------- Ford começou sua carreira escrevendo dois livros a dois, ao lado de Joseph Conrad, autor que, como Heminguay, ele achava ser o melhor. De Conrad ele pegou a mais preciosa das características, o poder da ironia. Em O BOM SOLDADO nós acompanhamos o desnudar de uma mentira. O narrador, rico americano que vive na Europa, já sabe a verdade, e ele recorda seus enganos. A esposa tendo um caso com um amigo, as mentiras que pareciam reais, o fim suicida dela, a morte do amante, seu destino lamentável. Outro autor que Ford amava era o dúbio Henry James, e de James ele tem o objetivo de fazer do leitor uma parte ativa do romance. Somos obrigados a indagar: esse narrador, ele é confiável? Ele realmente não sabia ou fingia não saber? ------------- Mas nada disso importaria não fosse o estilo de Ford. Nada linear, o tempo avança e recua, cenas são recontadas, palavras repetidas em outro contexto, a vida se apresenta como é, eterna busca de ordem e sentido em meio ao Kaos. ------------ Soldado? Sim, o amante, inglês nobre, longa linhagem, frio e inescrutável, é um soldado. Que ama verdadeiramente a esposa do narrador. E sofre por ela. Ou não? Um belo livro pouco conhecido no Brasil mas que é central nos países de língua inglesa.

AS ASAS DA POMBA - HENRY JAMES

Um dos últimos livros de James, Wings of Dove fala de interesse financeiro. Na Londres de 1900, Kate Croy ama Denshem, um jornalista pobre. Milly é uma americana jovem muito rica, com doença fatal. Kate e Denshem pensam em se aproveitar dela. Ao mesmo tempo, temos a tia rica de Kate e um lord inglês por quem Kate deveria se interessar. Well....disse em outro post que existem dois tipos de autores: aqueles que imaginam enredos engenhosos e aqueles que transformam enredos banais em obra de arte. Os enredos de um gênio como Henry James nunca são banais, mas é no estilo de escrita que o foco deve ser dirigido. Asas da Pomba é um de seus livros mais dificeis e mais problemáticos. James tenta, e não consegue, ele falha aqui, mas que bela falha; dissecar todos os motivos, medos, exitações, desejos, que levam uma pessoa a fazer aquilo que ela faz. Para tanto, cada ato e cada linha de diálogo tem tudo que a rodeia esposto. Nunca jamais o cenário, mas as pequenas e breves intuições, as sutis elocubrações, os objetivos quase imperceptíveis para a própria pessoa que os sofre. Nada é jamais simples em James. O cenário não importa, ele é a alma dos personagens, a ação demora capítulos para ocorrer, mas, mesmo assim, nós o seguimos. Isso porque sua escrita é uma das mais musicais da literatura. Volteios, arpejos, acordes e timbres; em James a escrita canta e harmoniza. Voce se perde às vezes em tantos pensamentos, mas se deixa levar pela hipnoze da melodia, e assim, prossegue. Orquestral, o autor rege cinco pontos de vista. Em cada parte do livro, 600 páginas imensas, é uma alma que toma a palavra, que sola. Kate nos faz adentrar sua mente, depois é Milly, Denshem, a Tia, Susie...todos têm seu instrumento, todos podem solar. Disse a um amigo, a frase não é minha, que toda arte almeja ser música. Henry James prova essa tese.

OS INOCENTES, FILME DE JACK CLAYTON COM ROTEIRO DE TRUMAN CAPOTE BASEADO EM HENRY JAMES

Lembro ainda, vagamente, de uma crítica lida a mais de 40 anos. Na época a crítica de um filme, mesmo um que fosse passar na TV, era longa, erudita, densa. O autor, não lembro quem, citava Freud, Jung, Joyce, um monte de gente. Dava 3 significados diferentes ao filme. Pena não ter guardado esse texto... Para ele, Os Inocentes era o único filme de fantasmas feito por gente que acreditava em fantasmas. Revejo-o ontem de noite. O final ainda me arrepia. ---------------- Uma governanta vai ao campo, à uma casa imensa, tomar conta de duas crianças. Ela vê fantasmas. Tenta curar as crianças de sua possessão. Fim. O roteiro de Capote aumenta a dose de sexo do texto de Henry James. A novela apenas sugere sexualidade reprimida, o filme explicita o sexo latente em cada cena. O menino, tomado por um espírito?, seduz a governanta, e ela se deixa arrebatar. É uma criança má, ruim, e não sabemos se ela é assim por caráter ou por assombramento. A governanta aposta na segunda opção. Veja o filme para ver o que acontece. ----------------- Jack Clayton foi produtor de filmes de John Huston e depois passou a dirigir. Acertou todas até o meio dos anos 60. Então começou a errar e o péssimo Gatsby, aquele com Redford e Mia Farrow, destruiu sua carreira. Os Inocentes é um de seus grandes acertos. Para muitos é uma obra prima. -------------- O Sexto Sentido copiou não só o clima como uma cena deste filme. Aqui se cria o modo de se mostar uma aparição do modo mais "realista" possível. O fantasma não aparece para atacar ou assustar, ele simplesmente está lá. Uma sombra em meio a outras sombras, um ser no meio de outros seres. Estará a governanta louca? Creio que não. Os fantasmas realmente existem aqui. Eles são o que são: duas almas do mal. Na crítica antiga que citei, o autor fala que tudo foi uma fantasia da governanta, histeria freudiana de sexualidade reprimida. Bem...pode até ser, mas isso trai Henry James. James acreditava em aparições. Seu tempo, a virada do século XIX-XX, era hiper interessada no tema. O que mais me salta à mente no filme é a tese magistral do conto Os Mortos de James Joyce, o modo como os mortos influenciam e guiam a vida dos vivos. Seja em lembrança, seja em presença inefável. Voce escolhe sua fé. ----------------------- O final do filme, dos melhores finais da história, é um tapa. Eu adoraria ver a cara de surpresa do público nos cinemas em 1962. O The End aparece e todos com aquela cara de "Hein?" Acaba assim? Como? -------- Assista!

ESPAÇO DENTRO DE CASA

Henry James escreveu no começo do século XX suas lembranças da Itália. Um dos fatos mais interessantes é quando ele discorre sobre o espaço interno nas antigas casas de lá. James, escrevendo bem como sempre, descreve a alegria e a beleza de se andar dentro de casa. Ele não nega a beleza superlativa da paisagem campestre da Toscana ou da Emília, mas nada supera a emoção espiritual de se andar por uma longa galeria ou poder tomar posse de uma sala imensa. Não há em todo o mundo nada que se compare remotamente à imensidão das janelas e sacadas da Itália em seu explendor. Cômodos repletos de armários do tamanho de uma sala. Afrescos, tapetes, estátuas, vitrais, tudo criando a emoção de uma renovada descoberta. Estar sentado num sofá e observar a luz do outono cair sobre uma mesa, distante, no portal de outra sala. O eco dos seus próprios passos. O cheiro de objetos escondidos. A cada passo uma nova luz. Henry James percebe, claro, a decadência estética da nova Itália. O mal gosto das roupas, as novas casas minúsculas, o campo sem flores. Ele imagina o quanto as pessoas de 1700, 1750, ficariam espantadas com a feiúrua da Roma de 1905. Mas, ao mesmo tempo, ele não deixa de se encantar com a fartura das cores italianas, as sombras do fim de tarde... Para voce que me lê, é claro que não tenho como falar da emoção de andar na minha casa. Ela é pequena. Mas peço para que voce relembre...como era andar pela sua casa quando voce tinha 4, 5 anos de idade. A sensação de todo dia estar a explorar um lugar que era sempre o mesmo e sempre outro. A luz na sala que mudava da manhã para a tarde, de abril para outubro. O canto escuro debaixo da escada, o interior do guarda roupa, o quintal com insetos desconhecidos. O espaço dentro de casa é o nascedouro do mundo dentro de voce mesmo. Admirar o tamanho de uma sala é dar à sua alma o espaço que ela precisa. Ecos de quem se explora, sombras de quem se procura conhecer.

ESTE LADO DO PARAÍSO - F. SCOTT FITZGERALD

   Scott teve um azar terrível. Seu primeiro livro, este, lançado em 1920, quando ele tinha apenas 23 anos, foi um sucesso. Criou enorme expectativa sobre o que viria a seguir. Ele foi chamado de coisas como " Símbolo de sua Geração" e de " Futuro autor do Grande Livro Americano". Símbolo ele foi. Hoje a tal "era do jazz" é o tempo de Scott. O Grande Livro Americano dizem que até hoje ninguém o escreveu.
   Caramba, já fazem cem anos! O tempo é realmente ilusório. Quando comecei a ler romances, em 1977,  cem anos atrás era o tempo de Rimbaud e de Dostoievski. 1977- 1877. Agora, cem anos atrás é Fitzgerald, Joyce e Proust...
  Amory Blaine é o centro deste livro. Acompanhamos sua vida dos 8 aos 24 anos de idade. Nasce rico, apegado à mãe, bonita e  chique, e distante do pai,  pai frio e sem graça. Menino hiper vaidoso, ( o livro ia se chamar A Vida de um Egotista. Max Perkins, seu editor, preferiu Este Lado do Paraíso ), Amory cresce exibicionista, egocêntrico, protegido, mimado, esnobe, chique, farrista, inconsequente. Vai estudar em Princeton. Joga futebol. É bonito e alto. Atrai as meninas. Deveria ser feliz. Todo o romance é ao estilo Henry James. Harold Bloom dizia que Scott era Henry James simplificado, ( Heminguay seria Mark Twain renovado e Faulkner um Melville em novo estilo ), e desse modo, Scott descreve procurando sempre um detalhe que nos surpreenda. Sua prosa é rica, farta, filigranada, e como autor novato, ele às vezes se perde, parece ser tomado por vaidade e exibicionismo, exagera, mas sempre o lemos com gosto e me peguei admirando muito este livro.
  Amory deveria ser feliz, mas não é. Ele quer ser especial. Ele quer fazer algo. Mas na verdade não sabe o que. Amory tem talento, mas não tem vontade. Ele não tem força. Desse modo o vemos desfilar pelas páginas sem se envolver muito com nada. Ele parece se apaixonar por algumas meninas, quatro, mas vemos que ele se esquece delas logo ( menos uma, Rosalind, a única que feriu sua vaidade ). Achamos que ele ama seus amigos, mas se cansa deles rapidamente. A mãe morre e ele pouco reage, e mesmo a pessoa que ele mais respeita, um cardeal católico, quando falece, Amory sente no funeral uma certa liberação. Nada em Amory parece real, tudo é estilo, tudo é pose. Fake.
  Várias vezes Amory fala mal dos poseurs, mas ele é o maior dos poseurs. Ele posa de criança amorosa, depois de estudante inadaptado, então vira o ídolo do esporte, o bêbado boêmio, o bom partido, vira um poeta de futuro, vai para a guerra, se torna um apaixonado desesperado, e termina o livro como um socialista pobre. Mas nada disso parece ser Amory Blaine. Ou melhor, ele é nada disso.
  A juventude da época amou o estilo de vida do romance. Se identificaram.  Viam em Amory o anti século XIX. Se antes tudo era certeza vitoriana, solidez, aqui estava um jovem que era tudo e nada. Sem compromisso, sem certeza alguma, sem rumo nenhum. Viram nele uma existência de festas e loucuras, de amores descompromissados e luxo sem fim. Esse novo homem, vazio, já tinha sido anunciado em autores menos populares,  foi Fitzgerald quem deu popularidade ao tipo e o colocou no meio universitário. O novo jovem não era da boemia, ele era o cara de Princeton. Em 1980 ele ainda era o cara predominante. Seu lema era o famoso "Não sei o que desejo, mas sei aquilo que não quero". Amory Blaine vive esse lema integralmente. Em 1920, isso era muito, muito novo. Tudo que ele quer é esquecer o seu vazio e para isso ele inventa uma personalidade e procura, toda noite, por algum inédito prazer.
  Em 2020 não é mais assim. Um jovem hoje sabe o que deseja. Mesmo que seja um querer imposto à ele, sua mente e seu coração estão comprometidos com algum desejo. "Sei o que desejo e sei o que não quero". Voltemos ao livro...
  Scott Fitzgerald passou os próximos 15 anos vivendo como Amory Blaine. Ele escreveu seu próprio perfil neste livro. Muito autor faz isso. O problema é que ele não foi adiante. Escreveria Gatsby, livro ainda melhor, Suave é a Noite, excelente, mas continuou a viver e a querer ser, para sempre, Amory Blaine. Até nisso Fitzgerald antecipa tudo o que todos fariam nas décadas futuras do século: Scott jamais quis sair da universidade. Adolescência para sempre. Ter um futuro imenso e passado bem curto. Joyce, por exemplo, começa como ele, Retrato do Artista quando Jovem é seu Este Lado do Paraíso. Mas depois ele larga isso e vira adulto. Ulysses é um livro de um homem de 40 anos. E ao fim da vida Joyce escreve como um velho marujo de 90 anos. Até Heminguay encarou a idade e aos trancos e barrancos se tornou um homem de meia idade machão. Fitzgerald não. Apaixonado por aquilo que ele foi aos 20 anos, jamais saiu dessa armadilha. Um lamentável desperdício. Como prova este livro, seu talento era sem limite. Mas sua nostalgia o matou.

A LIÇÃO DO MESTRE - HENRY JAMES. A ESCOLHA IMPOSSÍVEL.

   A Lição do Mestre sai na série exclusiva da Cultura. Uma novela de 100 páginas, em que o mestre James, narra a história de Paul Overt, um jovem escritor recém publicado. Numa festa ele conhece seu ídolo, o veterano escritor St George, além de sua esposa, e uma amiga do casal, a bela e entusiasmada Marian. Paul se apaixona por Marian, mas seguindo conselho de St George, ele se isola por dois anos para escrever seu grande livro...O resto não digo.
   Escrito em 1888, James joga a questão mais relevante na arte da época: É possível viver e ao mesmo tempo fazer arte de verdade? Questão que hoje nos é inimaginável, esse tipo de sacerdócio da arte, foi a filosofia central da vida de Pater e dele atingiu Mallarmé, Proust, Pessoa, Wharton, Pound, Eliot e tantos outros. O grande artista jamais deveria se casar, e caso se casasse, nunca deveria ter filhos. Sua vida era a arte e a arte era uma vida mais real que a vida cotidiana. Henry James esposou essa ideia e nunca se casou. Todos esses artistas, em nosso tempo hiper sexualizado, têm a suspeita de homossexualidade ou de taras variadas, pois nosso mundo não quer aceitar a ideia de uma vida sem sexo nenhum. Esquecemos que um compromisso gay ou uma série de paixões são também uma traição ao sacerdócio da arte.
   Henry James foi o maior escritor da época auge do romance. Tempo em que sem cinema, rádio ou telefone, era o livro a única e grande diversão dentro de casa. ( Havia teatro e ópera fora de casa e jogos precisavam de um grupo de amigos ). Por isso entre 1750-1880 tanto se publicava e tanto se adulava a figura do escritor ( No mundo civilizado, claro ).  Hoje, tempo em que livro é apenas um item entre tantos outros, Henry James ainda impressiona e muito. Ele consegue mostrar o ponto de vista divergente de cada personagem, consegue provar a relatividade da verdade, e faz com que apenas tenhamos uma leve intuição sobre qual o sentido do que acaba de ocorrer. O mundo de James é um universo onde nunca iremos saber tudo o que é falado, por que as coisas são como são e onde entra a vontade de cada um. Eu não conheço nenhum escritor tão complexo e tão delicioso. Complexidade prazerosa, pois ele escreve como um pianista pensativo.
  Eu realmente amo esse mestre.

ETHAN FROME, UM LIVRO CRUEL DE EDITH WHARTON.

   A turma de Heminguay achava Edith Wharton a melhor escritora americana viva. Ela morreu em 1937 e deixou o posto para Dorothy Parker, que nada tem a ver com ela. Este é o segundo romance dela que leio. A Era da Inocência, que virou filme de Scorsese, é leitura prazerosa e profunda. O tema de Wharton é o destino, sempre ele. O modo como somos obrigados a fazer coisas que não queremos. A maneira como temos a vida que nunca desejamos ter.
  Ethan Frome é um dos livros mais amados pelos americanos. Curto, tem o estilo simples e perfeito de Wharton. Ethan vive numa fazenda no norte dos EUA por volta de 1890. Casado com uma mulher doente e apaixonado pela prima da esposa, que também o ama, ele não tem como fugir e viver seu amor. Lemos e sentimos a asfixia da vida de Ethan. E tomamos consciência de que a maioria das pessoas é Ethan Frome. Ele não pode mudar.
  A escrita é uma coisa mágica. Lendo este livro me senti no mundo que ele retrata. Frio, vento, gelo e a escuridão de noites sem fim. Ele tem o ambiente gótico da Nova Inglaterra. E o caráter protestante do povo americano. Eles trabalham. Acreditam na missão.
  Edith Wharton, de origem rica, era amiga de Henry James. Começou imitando o estilo complexo de James, mas logo descobriu sua voz. Ler suas palavras é lembrar tudo aquilo que um bom livro pode ser.