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O COMBOIO DO MEDO ( SORCERER ), FILME DE WILLIAM FRIEDKIN

Primeiro fato: o cinema de Friedkin é desprovido de humor. É um cinema crispado. Segundo fato: O SALÁRIO DO MEDO, filme frances de Henri Georges Clouzot era tão amado, tão idolatrado, com merecimento, que refilmar tal filme era uma temeridade. Os críticos olhavam o novo filme com olhar desconfiado. Terceiro fato: Nunca um filme foi lançado em momento tão errado. Sorcerer estreou uma semana após STAR WARS. Com custos altíssimos ele fracassou. Prejuízo que destruiu a carreira de Friedkin. ---------------------- Era 1977 e na turma dos novos grandes talentos, Friedkin era mais quente que Coppolla, Scorsese ou Bogdanovich. OPERAÇÃO FRANÇA ganhara todos os Oscars antes do CHEFÃO de Francis Ford Coppolla e fora Friedkin quem abrira as portas de Hollywood. Depois mais um big sucesso: O EXORCISTA. E então quatro anos para fazer este fracasso. A crítica na época odiou o filme, chamando-o de confuso, frio, raso. Hoje ele tem status de obra prima. ------------ Nos extras vejo dois comentários brilhantes: 1- A quantidade imensa de grandes filmes dos anos de 1970 que foram fracassos então, e que vistos hoje são tidos como geniais. 2- Aquela semana de julho de 1977 mudou o cinema para sempre. Se SORCERER houvesse sido um sucesso, Hollywood continuaria apostando tudo em filmes adultos, mas STAR WARS venceu e mudou o cinema. Pelos próximos 40 anos, tudo seria feito para agradar o público de Star Wars. -------------- Como é o filme? Ele é muito diferente do filme de Clouzot. Felizmente. SALÁRIO DO MEDO, feito em 1954, é um dos 10 maiores filmes de aventura e suspense já feitos. É irretocável. O filme de Friedkin usa o livro e não o filme como guia. No filme francês já começamos na vila miserável onde ocorrerá a aventura. Neste filme, vemos tudo que levou os quatro protagonistas aquela situação. Críticos reclamaram em 1977 que o filme tem poucos diálogos. Esse é um dos seus méritos, é um filme duro, sem sentimentos exagerados. Há uma cena, polícia contra terroristas em Israel, que usa câmera tremida, cortes velozes, foco aberto...parece o estilo moderninho de 2023. Feito em 1977. Impressiona muito. -------------------------------- Friedkin se exibe à vontade. Sabe tudo de cinema. Quando o filme muda para a América do Sul a miséria se torna opressiva. Dizem ser nessa hora que o público odiou o filme. Well....filmes dos anos 70 hoje parecem tão bons porque os filmes de hoje são muito ruins. Tudo aqui é exemplo disso. O que em 1977 parecia superficial ou gratuito, hoje parece maestria e talento puro. Os persoangens sofrem muito, voce sente o calor tropical vendo as imagens, se sente preso ao lugar com os atores, e então começa a ação. ------------------ Se voce já viu o filme antigo francês a surpresa não será tanta. É onde os dois mais se parecem. Mas caramba! Que cenas soberbas essas!!!! A travessia da ponte!!!! A explosão da árvore!!!!! É incrível!!!!! E o final, horrivelmente pessimista. ------------- O elenco é brilhante, com destaque para Roy Scheider, vindo direto de TUBARÃO. Ele compõe um derrotado ao estilo Humphrey Bogart em Sierra Madre. Sem o imitar, faz uma versão anos 70 do "perdido no fim do mundo". É um desempenho a não esquecer. -------------------- Friedkin tinha este como seu maior filme e seu fracasso desandou sua vida. Não só ele, mas o cinema nunca mais foi o mesmo após julho de 1977. Han Solo venceu.

O SALÁRIO DO MEDO - HENRI GEORGES CLOUZOT

Clouzot deixou um filme inacabado chamado O Inferno. Era uma produção com Romy Schneider e falava sobre o ciume. Revi O SALÁRIO DO MEDO e não seria mal se seu título fosse O Inferno Tropical. Clouzot era o cineasta do mal, daquela maldade que destroi lentamente, que derrete e corrompe, que faz suar. Porém, grande cineasta que é, Clouzot nos dá ao mesmo tempo beleza estética, ação e grande tensão. Ele era chamado de o Hitchcock francês. Nada a ver. Hitch, gênio sempre, era frio, gelado, e sempre bem humorado. Mesmo Psycho pode provocar risos. Clouzot não. Ele é francês demais. Seus filmes são falados. Apesar de visualmente impressionantes, seus diálogos são afiados. Quatro homens europeus vieram para a América do Sul. Guiana? Venezuela? Não sabemos. O calor é opressivo. Sentimos a temperatura das cenas. Planície vazia, poeira, bichos famintos, bebida barata, cobiça, suor, muito suor, vazio absoluto. Esses europeus não têm como voltar a seu lugar. O filme nos lembra da miséria europeia do pós guerra. Os que partiram, muitos, e se deram mal. Há uma refinaria americana. Única falha do filme: à moda da época, o americano é unidimensional. Caricato em uma obra que tem personagens ricos. Fogo no poço de óleo. Alguém deve transportar nitroglicerina. Trabalho arriscado. Velhos caminhões, eles partem. Sonham com a volta pra casa. Volta pra casa? Inferno? Sim, o filme é uma tese niilista. Dostoievski era moda na França de 1952. Poucos filmes exibem o mundo do russo de forma tão cinematográfica. Yves Montand é o único que chega ao destino. Mas, de certo modo, é o maior perdedor. Ele volta como um trapo. E terá a cena do fim. Charles Vanel é um velho covarde. Medo e frases chorosas. Ele sente o absurdo da estrada. Peter Van Eyck é o alemão que foi vítima do nazismo. E Folco Lulli um italiano tuberculoso. São todos derrotados. Cenas que se gravam na alma: o sopro que apaga o fósforo e revela a explosão. O petroleo que afoga Vanel. A ponte que se despedaça. A cena final que não irei contar. Os caminhões, tipos de animais velhos, surrados, nas últimas forças. O filme é forte. Sabe o que é um filme forte? É aquele cujas cenas chegam como porradas e ficam em voce como cicatrizes. Filmes experiências. Há algo de Bogart em Montand. Há algo de SIERRA MADRE aqui. A fome. O fim do mundo. O calor. Eis um dos maiores filmes da história.

GABIN E GASSMAN

Às vezes sinto pena de cinéfilos novatos. Porque eles serão dirigidos aos filmes errados. Quando ele quiser conhecer o cinema italiano lhe irão indicar Rosselini e Bertolucci, e no francês lhe falarão de Renoir e Godard. Pobre jovem cinéfilo...CRIME EM PARIS é um filme de 1947 que acabo de ver. É de Henri Georges Clouzot, e ele é talvez, o melhor diretor da França, o que não é pouco. O ciúme é o tema. O crime. A sordidez. Um marido que planeja matar sua esposa. Mas tudo acontece errado. Tem Louis Jouvet. Que ator! Vi um noir de Henri Decoin também. Com Jean Gabin, o grande mito do cinema de lá. Gabin é velho, é gordo, é lento no andar e no falar...mas ele é eficiente! Ninguém dá dinheiro como Gabin. Ninguém fuma como Gabin. Não há homem mais ALFA que Gabin. Jean Gabin é a imagem de um homem que foi extinto por volta de 1960. Eficiente. ANTRO DO VÍCIO É UM é um filme exemplar. Adulto. Há até uma cena em clube de maconha. Gabin não perde nunca a calma. Já Vittorio Gassman é o italiano no que tem de mais charmoso. E Dino Risi sabia o dirigir. O TRAPACEIRO. Grande filme. Ele é um ator que vira ladrão. Uma festa. Se Gabin é contenção, Gassman é expansão. Queremos ser amigos de Vittorio! . Veja!

BILLY WILDER/ GAINSBOURG/ FORD/ OSHIMA/ SIRK/ HELEN MIRREN

CUPIDO NÃO TEM BANDEIRA de Billy Wilder com James Cagney
De todos os clássicos diretores de Hollywood ( Ford, Hawks, Wyler, Stevens, MacCarey ) ninguém tem tantos filmes decepcionantes como Billy. Sim, ele é um cara genial, quando acerta, mas seus filmes fracos são mais irritantes que os filmes menos bons da turma citada acima. Este fala de executivo da Coca-Cola que trabalha em Berlin nos dias da construção do muro. É uma comédia boba. As piadas vêm e erram o alvo. O resultado é histérico. Nota 3.
A ÁRVORE de Julie Bertuccelli com Charlotte Gainsbourg
Fujam! Na Austrália morre um jovem pai em ataque cardíaco junto a árvore. Essa enorme e belíssima árvore é o centro e interesse único do filme. Pena que nada de interessante ocorra depois dessa tragédia. Quem quiser que encontre um sentido nesta coisa chata e lenta, se encontrar, esse sentido será acidental, o filme é tão cheio de "arte" que tudo pode ter um significado. Inclusive o significado da picaretagem. Nota 1 ( um ponto pela bela árvore ).
DONOVAN'S REEF de John Ford com John Wayne e Lee Marvin
A vida de um dono de boteco em ilha do Taiti. Acontece a visita de uma herdeira e mais nada. Ford, após cinquenta anos filmando. mostra sinais de cansaço. O filme é flácido, solto demais. Uma bela paisagem, atores gostáveis, mas nada mais que isso. Nota 3.
O MERCADOR DE ALMAS de Martin Ritt com Paul Newman, Joanne Woodward, Orson Welles, Anthony Franciosa
Belo exemplo de cinema adulto dos anos 50. Newman faz seu tipo mais habitual: o cara malandro, egoísta e carismático. Esse cara penetra em família do sul e acaba por se tornar herdeiro do "dono" de toda a cidade: Welles. Filhos que odeiam o pai, sensualidade reprimida, poder do dinheiro, homossexualismo, há de tudo um pouco. É uma diversão completa, um prato rico e gorduroso. Joanne está muito bem como uma solteirona. Nota 8.
O TÚMULO DO SOL de Nagisa Oshima
Em Osaka, anos 60, gente das ruas vende sangue para comer. Mais prostituição, drogas e Oshima, um diretor sempre violento. O filme é representante da Nouvelle Vague japonesa. Cores berrantes, câmera nervosa e cortes abruptos, incisivos. Oshima seria o centro desse movimento. O filme, um dos primeiros dele, é irregular, mas supreende sua modernidade. Nota 5.
TUDO QUE O CÉU PERMITE de Douglas Sirk com Jane Wyman e Rock Hudson
Muito melhor do que eu esperava. Sirk, dinamarquês rei do melodrama em Hollywood, faz aqui um dilacerante retrato da classe média da época ( terá mudado tanto assim desde 1955 ? ). Jane Wyman é uma viúva com dois filhos, cheia de amigos porém solitária. Ela se envolve com seu jardineiro, um jovem livre, que tenta seguir a filosofia de Thoreau. Ninguém aceita isso e os filhos ( quase adultos ) impedem o casamento. Só, ( e é chocante se observar como na época ver tv era considerado ato de perdedores, de gente sem vida social ), ela vê que caiu numa armadilha, os dois filhos seguem sua vida e ela fica à parte de tudo. Todo esse drama é conduzido de uma forma tão leve, fina, vibrante que é impossível resistir. Voce embarca na novelona. Fassbinder o refilmou na Alemanha e Almodovar sempre o cita ( além de Todd Haynes ). Rock Hudson era um canastrão, mas ninguém sabe ser mais tão galã. Nota 8.
MANON de Henri-Georges Clouzot com Cecile Aubry e Serge Reggianni
Clouzot é um dos maiores diretores que a França já teve. Fez pelo menos quatro obras-primas, mas este não é uma delas. Conta a história de mocinha muito "livre" que trai seu amor com vários homens de poder. O namorado sempre descobre, e sempre a perdoa. O final, hiper-romantico, é em deserto. O filme se vê com interesse, mas está muito abaixo do melhor Clouzot. Nota 5.
A RAINHA de Stephen Frears com Helen Mirren e Michael Sheen
Pra que ver este filme? Qual o interesse em se rever os dias da morte e do enterro de Lady Di? Tudo visto pelo ponto de vista de Tony Blair e da Rainha...pra que? Bem...o filme é estupendo, uma aula de direção e de interpretação. Stephen Frears, diretor da geração de Ridley Scott, mas que ao contrário de Scott, optou sempre pelo risco ( é dele a obra-prima Ligações Perigosas e ainda Minha Adorável Lavanderia, Alta Fidelidade, e mais uma infinidade de pequenos filmes instigantes ), dirige com uma eficiência que beira o milagre. Penetramos na mente de Elizabeth, conseguimos sentir o absurdo daquilo tudo, e melhor, não sabemos o que pensar. Ficamos desorientados. Mas há Mirren. Talvez seja este o desempenho feminino da década. Em personagem dificílimo, contido, frio, distante ( e tão cotidiano ) Helen cria uma alma, não imita. A rainha que ela nos mostra vai lentamente tomando consciência de sua derrota, do fim de uma ilusão. ( " Eu me recolho e nada declaro, sou sincera, enquanto isso essas pessoas que jamais a conheceram estão morrendo de dor, e eu é que sou a doida" ). Pois o filme é sobre isso: os súditos passam a querer lágrimas, frases pomposas, a exibição pornográfica de luto. Quando Di morre e a rainha se esconde, pois essa é a tradição, luto não é show, sentimentos devem ser contidos e discretos; o povo passa a odiá-la. O filme tem duas cenas de antologia: a hora em que ela lê as mensagens nas flores colocadas nos portões do palácio ( todas ofensivas a ela ) e a maravilhosa cena com o cervo, quando ela percebe a beleza que mora nele e o risco de ser caçado. Esse animal, que será morto lentamente e decapitado ( decapitação é o fim de todo rei deposto ) representa a bela elegância de uma época que morrera muito tempo antes, época que Elizabeth só então percebe ter chegado ao fim. De certa forma, Blair a salva dessa decapitação e ele acaba tomando seu partido. O filme então, feito pelo esquerdista Frears, tem a sabedoria de reconhecer que perante os novos tempos de midia e falta de respeito, ( são magnificas as cenas de telejornais da época, que mostram Lady Di tão falsa em sua "dor" e o povo deseperado com sua morte; e ainda vemos no enterro o absurdo de Elton John, Tom Cruise e Spielberg serem mais "gostados" que a familia de Di e de Charles ) a rainha ainda representa algo de decente, correto e de verdadeiramente real. O filme torna-se então imenso. Que admirável surpresa! Nota 9.
TERRA BRUTA de John Ford com James Stewart e Richard Widmark
Ford chamava este seu filme de "bela porcaria". Longe disso. Apesar de ele quase não ter história ( fala algo sobre brancos resgatados de Comanches ), o filme tem um ar de improviso, de alegre camaradagem, que acaba por encantar. Há quem o chame de obra-prima. Não é. Mas ele sem dúvida é invulgar. Nota 6.

FREUD/ COCO CHANEL/ O CORVO/ SHANGHAI MARLENE

O CORVO de Henri-Georges Clouzot
Cartas são enviadas anonimamente e deixam pessoas muuuuito nervosas. Mestre Henri toca em ferida de franceses de 1944 : a delação. O filme, labirintico, envolvente, nervoso e maravilhosamente belo, é obra de diretor inesquecível. Clouzot domina toda a técnica mas vai além, tem muito o que falar. Não é seu melhor filme ( O SALARIO DO MEDO é imbatível ) mas fornece pistas do quanto ele é grande. Nota 8.
A ÚLTIMA MISSÃO de Hal Ashby com Jack Nicholson, Otis Young e Randy Quaid
No livro de Peter Biskind se fala muito deste filme. Exemplo do moderno filme americano da época : sem herói, sem grandes cenas, sem enfeites. Jack tem talvez seu melhor desempenho e a história fala de dois marinheiros que devem levar marujo, preso por ter roubado, de base naval até policia. Acabam desviando do caminho e se encantando pelo prisioneiro, um ingênuo caipirão. O filme tem a virtude de ser honesto, crú. Ashby foi mais um talento destruído pelo pó. Nota 7.
A GAIOLA DAS LOUCAS de Edouard Molinaro com Ugo Tognazzi e Michel Serrault
Perdeu a graça. Baseado numa peça de imenso sucesso de Jean Poiret, fala de casal gay que irá receber a visita da ultra-conservadora família da noiva do filho de um deles ( o filho foi concebido em noite de fraqueza ). Assisti este sucesso ( filmes europeus faziam sucesso popular nos anos 70/80 ) no cine Cal-Center. Achei hilário na época. Era um tempo em que assistir alguém desmunhecar era engraçado. Não sei se somos mais tristes ou menos ingênuos, mas esse tipo de humor não provoca nada hoje. Tognazzi está muito bem, Serrault nem tanto. A refilmagem de Nichols com Robin Willians não é melhor. Este vale como lembrança do luxo dos anos 70. Caraca ! Como as pessoas se vestiam com cuidado !!!! Nota 4.
O EXPRESSO DE SHANGHAI de Josef Von Sternberg com Marlene Dietrich e Anna May Wong
Cada close em Marlene é sonho de beleza ( e como ela está canastrona ! ). Sternberg era apaixonado por ela e fez sequencia de filmes só para a homenagear. Este é o mais famoso, mas não o melhor. O estilo das imagens ainda impressiona : barroquismo puro. Sternberg enche a tela de gente andando, de carroças, cavalos, carros, malas, véus e móveis. As estações de trem e o próprio veículo são completamente falsos, mas são ao mesmo tempo aquilo que sonhamos como certo. É o mundo como ele deveria ser, não como é. Cada escada e cada roupa é obra de mil detalhes. Sternberg era louco. O filme é velho como diamante. E ainda brilha. Nota 7.
COCO ANTES DE CHANEL de Anne Fontaine com Audrey Tautou
Lixo. Lindos cenários que nada significam em historinha boba sobre a vida de Chanel em seus começos. Chega a ser desagradável de tão vazio. Nota 1.
HOMEM DE FERRO II de Jon Favreau com Robert Downey e Mickey Rourke
Um filme tipo Amaury Junior. Voce olha um bando de celebridades se divertir ( eles riem, se exibem, brincam, são sexy ) enquanto voce baba fingindo se divertir também. Não dá pra dizer que o cinema está em crise de talento. Terminou. O que era lixo é hoje top, o que foi top é feito com vergonha e sensação de fracasso. A inteligência artística morreu, viva a esperteza bancária.
FREUD de John Huston com Montgomery Clift e Susannah York
Em seu livro Huston diz ter péssimas lembranças deste filme. Atores com estrelismo e sets tensos. Mas valeu a pena : o olhar de Clift é poder transcendente. Ele é Freud sem imitar Freud. Ele cria seu Freud, ou seja, interpreta. Penso que se refizessem este filme fariam de Freud um tipo de cheirador doidão. Aqui ele é um neurótico muito curioso, que enfrenta a descrença de seu meio. As cenas de sonho são inesquecíveis e todo o filme, fotografado em p/b por Douglas Slocombe, tem a irrealidade de fotos perdidas. Assisti pela primeira vez em 1978 na Globo. Foi paulada tão forte que não pude dormir. Revisto algumas vezes desde então ele mantém seu poder. É filme sério, sisudo até. Como Freud o foi. Huston dirige de seu modo rápido e sem frescura, funciona. Aqueles cenários de ruas enevoadas e os hospitais com seus loucos perdidos nos hipnotizam. Freud se perde dentro de si-mesmo e volta à tona com a chave do inconsciente. Se a sua descoberta é válida ou não, não importa. Ele mudou nosso modo de ver a vida. O filme é digno disso. Nota DEZ.

CRAZY HEARTS/ VIRTUDE SELVAGEM/ HUSTON/ MASTROIANNI

PERGUNTE AO PÓ de Robert Towne com Colin Farrel, Salma Hayeck e Donald Sutherland
Muito fã de Fante sentiu vendo este filme o que senti vendo Alice de Tim Burton e o Sherlock. Espero que agora compreendam minha aversão. Se é pra ser tão infiel a obra original, porque não criar uma ficção completamente nova ? Muito simples : é mais fácil usar a griffe já estabelecida. Burton fazendo Alice causa um hype que não causaria Burton criando uma nova história. Towne, que foi grande roteirista ( Chinatown ) dirige sem qualquer tesão. O filme é banal. Mas ainda poderia se salvar se o ator fosse menos ruim. Bandini clama por um Montgomery Clift, um frágil/agressivo. O que temos é Farrel. Repare que ele interpreta como cartoon. Parece que sua fonte são as "ricas" expressões faciais do Spirit ou de Clark Kent. Existe algum filme com Hayek que valha a pena ? Acho que só os de Robert Rodriguez. Nota Zero.
CRIME EM PARIS de Henri Georges Clouzot com Bernard Blier e Suzy Delair
Que maravilha!!!! Totalmente restaurado, a fotografia em p/b cintila. É, óbvio, sobre um assassinato. Sabemos quem é o culpado, mas a polícia irá descobrir ? O policial é atuação soberba ! Aliás todo o elenco brilha. E é de surpreender o liberalismo do cinema frances da época. O policial tem filho negro adotado, há uma paixão lésbica e os tiras são todos sádicos. Isso num filme de 1947 !!!! Os críticos da nouvelle-vague odiavam Clouzot. Truffaut dizia ser ele o símbolo do cinema velho. Depois, quando passou a dirigir, François se arrependeu dessa opinião. Clouzot sabia tudo. Seus filmes, espécies de Hitchcocks mais falados, são sensacionais. O Salário do Medo é uma obra-prima e este não fica tão longe. Sujo, cheio de sombras, atemporal. Nota 8.
O MÉDICO E O CHARLATÃO de Mario Monicelli com Vittorio de Sica e Marcello Mastroianni
Jovem médico chega a aldeia do sul da Itália, lugar com 50 anos de atraso. Lá, ele sofre apuros para convencer o povo a largar o charlatão-curandeiro que os atende. Comédia de Monicelli. Alguém sabia fazer melhor ? Mastroianni faz o típico papel do começo de sua carreira : o bonitão tolo. Não fosse Fellini, que lhe deu outra estrada em Dolce Vita, ele seria desperdiçado para sempre nesse tipo de papel. Vittorio rouba o filme, o charlatão é criação de gênio, mentiroso, charmoso, frio, inteligente. "- Trouxeram sua fé ? Trouxeram sua crença ? Trouxeram seu amor à Deus ? Trouxeram 20 mil liras ? " O filme se passa na típica aldeia pobre dos filmes italianos da época, é um paraíso de gente cômica e mulheres bonitas. Um prazer. Nota 7.
CRAZY HEART de Scott Cooper com Jeff Bridges, Maggie Gyllenhall, Robert Duvall e Colin Farrel
O filme é apenas Bridges. Não é sua melhor atuação ( o Vendedor de Ilusões é seu grande papel ) mas lhe deu o oscar. Demorou. O filme não é nada parecido com o de Mickey Rourke, quem disse isso não viu este filme. As músicas são boas ( T Bone Burnette ) mas podiam não ter essa maldita mixagem anos 80, a bateria soando muito alta e tudo parecendo limpo e sem erro. Quanto ao filme, que fiz força para gostar, é uma banal história sobre alcoolismo e estrada. Com paisagens de western ele consegue ser chato. Fico pensando em como filmes como este e Up in the Air ou Guerra ao Terror conseguem tanto destaque. Não são ruins, são comuns. Nunca foi tão fácil conseguir chamar a atenção com tão poucas idéias. Desse jeito, Clint e Resnais vão filmar pra sempre.... Nota 3.
O SENHOR DA GUERRA de Franklyn Schaffner com Charlton Heston e Richard Boone
Muito reprisado na velha Record dos anos 80. A história, cheia de pseudo-exotismo, fala de nobre que toma posse de castelo miserável na Normandia em 1100. É sempre bom ver a idade média retratada sem muita produção, mas o filme se leva a sério demais. O texto, raso, tenta ser Shakespeare. Não dá ! Heston e Schaffner melhorariam muito dois anos depois com o excelente Planeta dos Macacos. Este é nota 4.
VIRTUDE SELVAGEM de Clarence Brown com Gregory Peck, Jane Wyman e Claude Jarman
Technicolor....eu cheguei a ver o technicolor no cinema. Minha mãe me levou para ver Cantando na Chuva ( uma reprise em 1975 ) e pirei com aqueles azuis e verdes. Mas um dia se criou outro sistema de cor, o Eastmancolor da Kodak, ( nos anos 60 ), sistema muito mais barato e o Technicolor deixou de ser utilizado. A diferença é que o Technicolor é muito mais brilhante, artificial, operístico. As cores gritam e ainda me lembro do assombro que era ver cores mais coloridas e vibrantes que as da vida "real". Estranho...com o technicolor a sensação era a mesma de se ter miopia e colocar óculos : voce olhava a tela e via a vida focada e colorida pela primeira vez. O eastman é como é, as cores da rua, mas o technicolor eram as cores do sonho...
Dito isto, este é um clássico do cinema technicolor. Foto de Charles Rosher premiada. É um filme museu. O mundo que ele exibe está completamente extinto. Acompanhamos a saga de um menino nas matas da Florida. O filme exibe sua transformação em adulto, seu rito de passagem. O filme é piegas, o menino ama tanto o pai que chega a dar enjôo, o bosque é belo ao excesso...e com tudo isso, o filme é maravilhoso. Se voce ainda tiver salvação, não for cínico terminal, irá penetrar naquele cotidiano de caça ao urso, refeições fartas, enchentes, colheitas e socos. Irá perceber que neste filme existe alguma coisa que perdemos, coisa que só se perde uma vez : inocência. Passe por cima do excesso de " hey pa " do garoto e mergulhe sem medo na emoção simplória deste filme sobre natureza, e principalmente, sobre a dor de se largar a infancia. O final, quando o menino "perdoa" os pais é perfeito. Ele é obrigado a ser homem, finge aceitar isso, mas na última tomada vemos que ele sonha com a infãncia, será sempre só.
O pai, aliás, repete isso várias vezes : crescer é ser só.
O filme tem ainda uma das mais belas cenas de infãncia do cinema : o garoto correndo pela floresta com bando de gamos. A simplicidade extrema falando tanto...
Foi imenso sucesso de público e crítica, premiado, e tem Peck, muito jovem, ensaiando seu mítico Attichus Finch, papel que lhe daria a eternidade no futuro.
Bem, é um filme piegas, simples e povão; mas macacos me mordam, como consegue ser tão bom ? Nota DEZ.
OS VIVOS E OS MORTOS de John Huston com Anjelica Huston e Donal MacCann
Em 1987, sabendo que ia morrer ( quem não vai ? ) Huston, usando máscara de oxigênio e em cadeira de rodas, dirigiu esta adaptação de um conto de James Joyce ( The Dead, talvez o melhor conto que já lí ). Fala de uma reunião de Natal em Dublin. Músicas, comidas, bebidas, danças e festa. E também inseguranças, dúvidas, ódios, dores e um segredo revelado. É só isso. A maestria de Joyce foi a de fazer com que uma sala e meia dúzia de pessoas comuns consigam nos fazer ver a transcendencia da vida. Huston quase chega lá. Seria impossível chegar.
Que belo caminho !!! Do Falcão Maltês até aqui.... O filme, que é só conversa e dois cenários, prende a atenção dos que conseguem ainda escutar palavras. Os atores estão ótimos e as cenas finais explodem em poesia triste. Huston se despede da vida falando de um amor que sobrevive a morte. De um falecido que continua a modificar a vida. Que belo Adeus......nota Dez.

rápidinho-, comentários e notas

.QUEIME DEPOIS DE LER dos Coen. Em ano muito ruim, se destaca fácil. nota 8.
VICKY CRISTINA BARCELONA de Woody Allen. Um tipo de Eric Rhomer pop. Woody acerta na leveza, Scarlet naufraga, Bardem brinca e Penelope estraçalha. nota 8.
AGENTE 86 de alguém que não importa. Uma lástima. nota zero.
THE READER de Daldry. Com Winslet. Kate está caricatural. Sua alemã parece uma alemã feita por uma inglesa. O filme aborrece e agita sempre um cartaz onde se lê : arte! - pois não o é. Trata-se de presunção do pior tipo. Risquem o nome de Daldry do meu caderno. nota 1.
CLUBE DOS PILANTRAS de John Landis com Belushi. Nunca foi dos meus favoritos. Penso que John Belushi nunca fez um filme a altura de seu potencial. nota 3.
YOUNG MAN WITH A HORN de Michael Curtiz com Kirk Douglas, Doris Day e Lauren Bacall. Filme sobre jazz. É baseado na vida de Bix Beiderbecke. Kirk se esforça, mas voce percebe que o diretor não entende de jazz. E nem se interessa. nota 2.
O MAIOR AMANTE DO MUNDO de Gene Wilder. Um tímido americano caipira se torna o novo Valentino. Gene dirige sem inspiração. Parece Mel Brooks de segunda mão. 3.
O IRMÃO MAIS ESPERTO DE SHERLOCK HOLMES de Gene Wilder. nota zero.
EXPRESSO DE CHICAGO de Arthur Hiller com Gene Wilder, Jill Clayburgh e Richard Pryor. Funciona. Muito agradável, é o que chamo de pop honesto. Assume o que pretende e o atinge. nota 6.
CENAS EM UM SHOPPING de Paul Mazursky com Woody Allen e Bette Midler. Um casal discute a relação num shopping. Só isso. O filme é um tipo de análise pop para trintões. Mazursky surgiu em 1970 como enorme promessa. Ficou pelo caminho. Nota 3.
OURO É O QUE OURO VALE de Walter Graham com James Coburn. Faroeste de humor. Mas o pastelão passa do ponto. fuja!!!!!! zero.
SARGENTO YORK de Howard Hawks com Gary Cooper.
York fez enorme sucesso na época da segunda guerra e deu a Cooper seu oscar. Conta a saga de um caipira que se torna herói. Sem querer e sem ter noção do que faz. Ele é um tipo de Garrincha da guerra. Todos que me acompanham sabem do meu amor pelo cinema falsamente simples de Hawks. Quem já tentou fazer qualquer tipo de arte sabe que o mais dificil é transformar o grande trabalho em prazer. Parecer fácil o que é dificil. Hawks sempre consegue isso. Relaxar e deixar rolar. Mas York não me agrada. Há algo de muito carola, de muito falso aqui. Provavelmente Hawks se sentiu pressionado pelo clima de guerra e fez um filme travado. Um anti-Hawks. Gary Cooper está muito bem. nota 3.
A CONDESSA DESCALÇA de Joseph l. Mankiewicz com Bogart e Ava Gardner. Bem... Mankiewicz é o maravilhoso diretor de clássicos como A Malvada e O Fantasma Apaixonado. É considerado um mestre do diálogo, da interpretação. Mas este muito pretensioso filme erra em sua análise do que seria Hollywood. Conta a história de uma espanhola que via publicidade se torna grande estrela. Mas ela é ninfomaníaca e se casa com principe italiano impotente. Bogey está sobrando neste filme. Ava está bonita. Mas o filme não evolui. 3.
A IDADE DA REFLEXÃO de Michael Powell com James Mason e Helen Mirren. Escrevi um comentário mais longo sobre este delicioso filme abaixo. Procure. Se voce achou que o pintor feito por Bardem no filme de Woody é muito chavão, veja James Mason neste filme. Aqui vemos aquilo que um pintor realmente é. Helen resplandece. Sua sensualidade é uma aula para JessicasBiels e NataliesPotmans. Ela é de carne e osso. E brilha como o sol deste filme feliz. Mais uma dentre a dúzia de obras-primas de Powell. Nota DEZ.
O FIO DA NAVALHA de Edmund Goulding com Tyrone Power, Gene Tierney e vasto etc. O livro de Someset Maugham é uma deliciosa novela pop que fala da falta de sentido da vida. O personagem, Larry, volta da guerra traumatizado e roda o mundo atrás do nirvana. Lí o livro já 3 vezes e se trata de um best-seller com suprema habilidade e vasta ambição. O filme pega tudo isso e transforma numa pecinha escolar sobre ciúmes e dor de cabeça. Chato e ofensivo. Um detalhe: Power interpretou dois de meus mais amados personagens : larry aqui e o narrador de O sol também se Levanta. O fato de ele afundar os dois filmes diz muito sobre o que Hollywood é. nota 1.
A FACA NA ÁGUA de Roman Polanski. Trata-se do primeiro longa de Polanski, feito ainda na Polonia num maravilhoso preto e branco. 3 personagens e aquele clima claustrofóbico do qual ele é mestre. ( aliás, Roman já nasce mestre aqui. o filme tem a segurança de um veterano ). Casal dá carona a jovem e o leva para velejar. Nasce o suspense. Todas as enquadrações de cameras são belíssimas, os atores estão muito bem orientados, e a história nunca se trona monótona e nos hipnotiza. Um filme muito barato, muito simples, muito original e totalmente acessível de um diretor que nos daria a obra-prima Chinatown. nota 8.
QUEM MATOU LEDA? de Claude Chabrol com Bernadette Lafont e Jean Paul Belmondo. Crítica escrita abaixo. Leia que vale a pena. O filme é direto, vibrante, profundo e inesquecível. Fotografia de Decae genial e um Belmondo divetidissimo. nota 8.
AS DIABÓLICAS de Clouzot com Simone Signoret. Foi refilmado com Sharon Stone e Isabelle Adjani. Um desastre essa refilmagem. Este é asfixiante, paranóico, muito habilidoso e um prazer absoluto. nota 7.

quando o cinema frances é bom, ele é ótimo!

Dois filmes, dois momentos, dois mestres.
Primeiro: Henri Georges-Clouzot. Diretor massacrado pelos críticos da nouvelle-vague. Hoje é considerado um mestre. Tem uma obra-prima : O Salário do Medo. Uma aventura digna do melhor cinema americano. Mas hoje eu falo de outro filme : AS DIABÓLICAS. Magistral diversão. Porque ?
Uma escola. Um casal. O marido tem por amante uma professora. A esposa tem um caso com a mesma professora. As duas se voltam contra o marido. E mais não posso contar.
O clima é opressivo. E depois se torna de um suspense hitchcockiano. Voce se pergunta em estado de hipnose : e agora ? o que vai acontecer ? Um final chocante. Fantástico.
Segundo : Claude Chabrol. Um diretor da nouvelle-vague. Ainda na ativa. São 50 anos de uma carreira exemplar. 50 anos !!!!!! Imagine Aronofsky ou Daldry filmando em 2049 !!!!!!! ( começaram por volta de 1999... cinquenta anos mais : 2049 ! Tempo pacas ! ).
QUEM MATOU LEDA ? É o nome do filme. Fotografia em cores de Henri Decae. É um dos filmes mais bonitos que já ví.
Na Provence. Um castelo restaurado. Um pai que trai a mãe com a vizinha. Na cara de todos. O filho é um voyeur. A filha uma sonsa que namora um aproveitador hedonista. Leda será morta. Leda é a vizinha.
Momentos de genialidade : Jean-Paul Belmondo. Quem tem mais de 40 anos sabe : Belmondo foi tão famoso quanto Tom Cruise. Mas era muito muito muito simpático. Jovial, sorridente, e fez filmes melhores que Cruise. Sim- a Europa tinha super-stars !
Belmondo entra ( ele é o aproveitador ) em cena : pede comida à mãe. Invade o quarto da filha. Come como um porco. Rí. Vive.
Veja a cena em que ele dirige um Jaguar por Aix. Ele fala com os transeuntes. Acena para as moças bonitas. Canta. Corre. Tudo em um minuto. Câmera na mão. Figurantes que encaram a lente. Então o clima muda : O pai e a amante passeiam pelo campo. Um clip brega e meloso.
Belmondo bebe num café. Com seu amigo desempregado. Uma fanfarra desfila pela rua. Genial : Belmondo improvisa : corre atrás da fanfarra e arrasta seu amigo. A cãmera continua a filmar e esse acidente é usado por Chabrol. Não é editado. Eu vibro : eis a transcendencia do tempo no cinema !!!!!
Bernadette Lafond é a empregada. Pura sensualidade. Pura canastrice adorável . É um símbolo. A eterna musa.
Como nunca irei parar de repetir : os franceses de 1960 têm uma elegancia não- formal despojada que o mundo jamais tornou a igualar. Veja os sapatos de Belmondo. O paletó cinza com blusa preta. O corte de cabelo. Estamos a séculos da bermuda com havaianas, da cueca com jeans caindo, do mulambeiro como ícone ( ou pior : o pimp de Miami ).
O filme é policial. O filme não tem um tiro. É suspense. Mas não dá nervoso. Dá prazer.
Viva Chabrol. Num movimento que tinha Goddard e Truffaut, quem durou foi Chabrol. E Resnais.
Leda é puro luxo, calma e prazer. Aprecie.