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PAULO FRANCIS SABIA

Nelson Mota dizia que Paulo Francis foi morto pela Petrobrás. Um dia Francis publicou o óbvio, que na estatal só tinha ladrão. FHC, o príncipe, abriu um processo contra Francis. Em tempos pré internet, Paulo Francis ficou apavorado. Ele ia perder a causa e passar fome. Diz Nelson que isso destruiu sua vida e apressou a falência de seu coração. Foi um final de vida triste para o cara que mais fez minha cabeça. ------------- É bom momento para recordar aquilo que Francis falava do Partido Democrata americano sob Bill Clinton. Francis dizia que os anos Clinton destruíram definitivamente a América. Que a agenda do partido passara a ser sexo, drogas e lavagem de dinheiro, e que para isso, qualquer outro interesse era negligenciado. Para Francis, a América se tornara um "puteiro", e esse processo era fatal. ------------------ Infelizmente não saberemos jamais o que ele falaria sobre Obama, o presidente que tinha como mérito ter nascido negro e conseguir pegar moscas no ar. Provável que Francis sofreria processos por racismo. A cor de pele de Obama o blindava contra qualquer ataque. Se Clinton abriu o puteiro, Obama inaugurou a festança da mídia, uma relação de mútua adulação pornográfica e que me causava repulsa. Um "eu te elogio e voce me defende" imoral. Óbvio que Francis não gostaria muito de Trump, o chamaria de Jeca, mas penso que ele amaria a nostalgia da América dos tempos de Reagan. Se a Petrobrás não o tivesse matado, Joe Biden o faria. ------------- Faz falta demais gente como ele e como Millor. Era maravilhoso ler um jornal e na última página poder ver alguém contradizendo tudo aquilo que o mesmo veículo tentava nos vender. Francis era nosso Chesterton sem o catolicismo. Sua Roma era a cultura inglesa dos anos 40. Ex comunista, ele sabia das mentiras e das armadilhas tolas desse modo de pensar. Era chamado de reacionário, e mesmo assim era respeitado porque aquele era um tempo em que gente como ele estava tão longe do poder, era tão distante do dinheiro, que podia ser levada na brincadeira. Hoje Nelson o evitaria. ------------------ Minha úncia discórdia com Francis era Wagner. Ele amava o alemão e eu não o suporto. Dizia Paulo que jazz ele só conseguia ouvir bêbado e MPB era música de gente feia. Quando fumava maconha, sim ele fumava, ele ouvia Wagner e viajava. Eu preferiria Liszt para isso. ------------- Gore Vidal tinha alguns pontos em comum com Francis. Mas Vidal era ainda mais radical. Para ele a América começara a afundar com Roosevelt. O assistencialismo do New Deal traíra o país. Waaalllll......no momento em que Karnal e zeros como ele são os pretensos guias de uma geração, lamento muito que a escola de Francis e Vidal não tenha se renovado. Ou....

PALIMPSESTO, A BIO DE GORE VIDAL. COM ELENCO QUE VAI DE KENNEDY À GRETA GARBO, DE TENNESSEE WILLIANS À....JÂNIO QUADROS!

Tenho uma amiga americana. Ela é da velha tradição pentecostal. Ao contrário dos protestantes europeus, os americanos levam a religião muito a sério. O país foi fundado como refúgio religioso. Os puritanos ingleses, perseguidos, foram à América em busca da liberdade. Daí o mito da Terra dos Homens Livres. Uma bíblia sobre a mesa, eles liam, oravam e amavam essa terra sagrada. Gore Vidal é ateu. Mas entende esse caldo religioso ao falar dos Kennedy. Joe, o pai de John, era católico e irlandês. Um chefão mafioso, fez uma fortuna com contrabando, bebida, prostituição e cinema. Comia todas as atrizes dos anos 10 e 20. Seu filho John, culto, foi estudar na Inglaterra, tinha uma ambição sem fim. Seu sonho era vencer a Rússia e ser o presidente do Império Americano. Gore Vidal era amigo de John e de Jackie, a moça de sangue azul que casou com John e foi chifrada ostensivamente todos os dias. John queria a guerra. Kruschev não. Mas desde a segunda-guerra, quem manda nos EUA é o exército. O país vive por suas guerras. A Rússia, fraca, pobre, foi demonizada. Eles morriam de medo dos EUA, mas na América o povo era educado a crer que a Rússia ansiava pela guerra. Kennedy, antes de ser morto pela máfia da Flórida, ele havia quebrado todos os pactos de seu pai, mudara leis. Abria o caminho para o Vietnã. O orçamento militar triplicou em seu governo. E nunca mais pararia de crescer. Quem falasse em educação ou previdência era chamado de comunista. Vidal estudava a Suécia, o bem estar social, o fato de escolas e saúde serem grátis por lá. Mas, a propaganda americana desqualificava a Suécia: eles eram adeptos do amor livre, eram ateus, faziam suicídio, eram infelizes. Eram comunistas.
Gore Vidal estava lá. De sua biografia, nada é mais interessante que o mundo politico. Mundo que caiu cada vez mais até o absoluto vazio de hoje. Bobby Kennedy é pintado como uma besta completa. E Nixon como aquilo que podemos chamar de gênio do mal. Paranóico. Há Rockefeller, Lyndon Johnson, Reagan, os Clinton ( terrivelmente perseguidos e solitários ), seu primo Al Gore, Eisenhower, Roosevelt, o senador McCarthy, Goldwater. E em meio a todos eles, Jânio Quadros! Sim, Kennedy fica fulo com Jânio. Reclama que não há país onde eles tenha intervido menos que o Brasil e agora um idiota joga a presidência no lixo e deixa o caminho aberto para os militares brasileiros, um bando de covardes pidões. Pois é...
A familia Vidal foi centro da vida politica. O avô foi senador liberal, o pai também. O pai, que Gore adora, foi também um pioneiro da aviação. Fundou a TWA. A mãe, Nina, é odiada por Gore Vidal. Invejosa, fofoqueira, dada a se sentir uma mártir. E pelas fotos que vejo no livro, uma das mais belas mulheres do mundo.
O jovem Gore lê muito. E se apaixona pela única vez na vida por um colega. O amor é realizado, mas esse jovem será morto aos 20 anos em Iwo Jima. Durante toda a escrita desta bio, em 1995, aos 70 anos, Gore Vidal recorda seu amor perdido. Ele serve como fio condutor da história. E sabiamente Gore faz de sua bio um retrato de quem ele conheceu e não dele mesmo. Desmistifica certas pessoas ( Churchill era um bêbado burro, qualquer um em seu lugar venceria a guerra com a ajuda americana e uma Alemanha falindo dia a dia ), mas também, sempre com uma escrita aguda e bem humorada, eleva quem merece essa elevação.
Descreve o mundo europeu pós-guerra, sexo barato e farto, felicidade nas ruas, mesmo com a fome de italianos, a construção de um novo mundo que logo seria abortado na guerra fria. Gore lança o primeiro livro gay da América, A Cidade e o Pilar, vira roteirista de cinema, autor de teatro, escreve na TV ao vivo dos anos 50 e volta ao romance em 1962, quando passa a morar em Roma. Roma em 62: alegria, vida livre, gente passeando, beleza. Roma em 1993: crime, sujeira, medo. Muda-se para um casarão à beira de um penhasco, de frente ao Mediterrâneo. Gore Vidal se torna uma figura popular. Um tipo de comentador sobre tudo o que vale ser comentado. Adoro seu texto e amo suas opiniões sobre literatura.
Vidal conviveu muito com Tennessee Willians, Paul Bowles, Anais Nin, Saul Bellow, Christopher Isherwood, Leonard Bernstein, Jerome Robbins, Rudolf Nureyev...Gore fala que o romance, após o cinema e a TV deixou de ser diversão. Passou a ser uma chatice a ser estudado por professores sem imaginação e por estudantes sem paciência. Ele exibe no livro a lista de best-sellers do NY Times de 1964. Em primeiro lugar está Gore Vidal. Depois vem John Le Carré, Ian Fleming, Louis Aunchincloss e Leon Uris. Uma das últimas vezes em que os mais vendidos eram romances para adultos. Em que um romance adulto conseguia vender 3 milhões de exemplares. Daí para a frente, só sexo, exoterismo, biografias, e auto-ajuda. E contos de fadas travestidos de romance adulto. Gore também tem críticas duras à escrita de Heminguay ( seco e sem imaginação ), um autor que deu milhares de frutos ruins. Com Heminguay todo homem metido a macho e que saiba escrever quatro frases duras acha que pode ser um escritor. O romance americano se torna um tipo de confessionário, uma prosa sem aprofundamento, sem invenção, apenas um longo descrever da vida ''como ela é""", o que significa a morte do romance como arte. Até os 20 anos era isso que o jovem Gore queria, mas aconselhado a ler Henry James ele muda. James, e mais Edith Wharton, Stendhal, George Meredith, Anthony Trollope, passam a ser seus modelos. Uma escrita elegante, ferina, dúbia, cheia de cor. Proust também é muito citado.
Gore Vidal diz que o mundo sempre teve, e continua tendo, seus donos. As pessoas verdadeiramente ricas, cultas, e também duras, frias, impessoais. E o tal jet set, os ricos que se exibem, que vomitam poder para as massas, mas que na verdade nada mandam, nada sabem e nada importam. O que ocorre é que esse alto mundo está se misturando com o jet set. O alto mundo tem se empobrecido e o jet set se assanhado. Isso faz com que se antes o poder fosse sujo e delicado, hoje ele seja sujo e grosseiro. A aristocracia morre quando ninguém mais quer servir a aristocracia. Quando todos se acham protagonistas. Esse é o caminho aberto para o vale tudo e a falta de direção. Gore não defende a aristocracia, quem a defende sou eu. Ele apenas descreve um mundo em sua decadência. Kennedy foi o primeiro Jet Setter a se imaginar um aristocrata. Um aristocrata filho de um mafioso. Bela aristocracia!
Poderia falar de tanta mais coisa! As filmagens de Ben-Hur, roteiro de Gore, em que ele e o produtor conseguiram fazer com que Charlton Heston não percebesse que a história era um romance gay entre Ben e Messala. Uma história divertidíssima! Há ainda a firmação de que no cinema dos anos 20 e 30 todos os atores eram gays e todas as atrizes lésbicas. O que chamamos de GLAMOUR é uma atitude gay. Gore foi amigo de Greta Garbo já no exílio da diva, uma presença de carisma absurdo e completamente ""sapata""". Como eram Marlene, Kate Hepburn e Bette. E também Cary, Gary e Powell. Um mundo gay. Que influenciou os heteros de ontem e de sempre. Uma ironia.
Ler este belo livro é como ter uma alegre aula de cultura. Alta cultura e cultura pop. De politica e de história. Uma beleza.
Ler Gore Vidal é como ler o melhor de Paulo Francis. Que bom.

GORE VIDAL

   Então Jack Kerouac chupou Gore Vidal... Estou lendo a bio de Vidal. Uma delicia, só que escrita naquele estilo Gore Vidal, claro. Um tipo de anti-Henry James. Ele diz gostar de James, mas escreve seco. Direto e rápido. Quanta fofoca!!!! E que belo tempo para se viver! 
   Foi ele quem me ensinou, via Paulo Francis, a ver a América. Gore Vidal nasceu numa das familias mais importantes dos EUA. Seu avô foi senador. Cego, ele era um defensor dos índios. Foi difamado pela indústria do petróleo, que ambicionava as terras dos peles vermelhas. Isso em 1909. O pai de Gore foi atleta. Mal casado, sua esposa era uma megera. Vidal foi filho único e nunca teve nenhum problema em assumir sua sexualidade. Para ele sexo é esporte, sem envolvimento. Um caçador. 
   Gore Vidal fala da queda sem fim do país. O mal começou com Teddy Roosevelt e a guerra contra a Espanha. Roosevelt, em 1900, se joga na missão de ""salvar"" o Panamá. Ignora a constituição, que pregava a neutralidade americana, o não envolvimento em assuntos estrangeiros, e nessa guerra desigual leva de brinde Filipinas, Porto Rico e Cuba. Teddy abre a comporta para a ditadura de generais e milicos dentro dos EUA. Desde então, e cada vez mais, a vida americana se baseia na guerra. Seu avô, junto com o presidente Woodrow Wilson tentou resgatar a neutralidade americana e não envolver o país na primeira guerra mundial. Mas não houve como. Desde então não existe guerra sem a presença americana. 
   O melhor do livro está na politica. Gore Vidal foi senador, amigo dos Kennedy e quase foi indicado para concorrer a presidência ( os EUA teriam um presidente gay e escritor. E tão tarado quanto Kennedy, que comia uma mulher diferente por dia. Toda a vida! ).  Se voce acha nossos escândalos indigestos....a politica feita na Casa Branca dá de lavada. Comprar senadores é coisa tradicional. Faz parte da democracia. E tem mais. Gore foi grande amigo da princesa Margareth, da Inglaterra. E ele fala o que todos nós suspeitamos, pouca gente nu mundo é tão idiota quanto a familia real inglesa. Burros, estúpidos, sem vida própria. Ocos como bonecos de pau. Moles e sem vontades. A pior familia real da Europa, não cai graças a Shakespeare. Gore tem bela teoria. Os ingleses, educados com doses cavalares do bardo, realmente acreditam no heroísmo dos reis e principes ingleses. Um rei é para eles algo tão mágico quanto....Shakespeare! A familia real da Holanda, da Dinamarca, da Espanha é muito mais nobre, pura e ativa que a inglesa. Mas será a inglesa a sobreviver sobre todas as outras. 
   Vidal fala bastante de escritores,claro. Foi amigo íntimo de Anais Nin. Que era uma chata e sem talento. Tennessee Willians, que era um caipira, mas, claro, talentoso. Paul Bowles, o melhor de todos. Conheceu também Faulkner, Cocteau, Saul Bellow, Mailer, Roth, o detestável Evelyn Waugh, Forster, Ginsberg, Kerouac, e os músicos Leonard Bernstein, Copland, além de bailarinos, bailarinas, atores.....Truman Capote, o grande mentiroso, está sempre por perto. Aliás há uma foto linda de Gore com Tennessee, Marlon Brando e Truman numa festa. 1948... segundo Gore foi o auge do país. Esbanjando dinheiro, viajando a Europa, morar em Roma custava o preço de um hamburger duplo. Foi o tempo em que a Broadway brilhava com peças de Tennessee e de Arthur Miller, O`Neil, os musicais adultos de Bernstein, de Copland, de Rodgers. O ballet moderno de Martha Graham. De Loring. O cinema ficava mais politico, na Europa, no Japão. Tempo de otimismo, muito otimismo. E de uma absurda fartura.
   Vidal viaja pela Europa em 48/50. Muitos amores. Glamour. E passa a morar na Itália boa parte da vida. Sempre com Tennessee ao lado. Com quem ele nunca teve nada. 
   É um belo livro. De uma das mentes mais privilegiadas de seu tempo. Um observador imparcial, esperto, malicioso, chique, e bastante sincero. 
   Vale muito ler. Sua cultura agradecerá.

GORE VIDAL, O ÚLTIMO ARISTOCRATA

   Gore Vidal foi o último americano aristocrata. Ele tinha uma nostalgia crítica daquilo que a América um dia fora e daquilo que poderia  ter sido. A América que ele amava não era aquela dos cowboys e nem a dos soldados heróis da segunda guerra. Era o país idealizado pelos fundadores. Ao ler Gore Vidal, indicado por Paulo Francis, em 1988, toda a minha ideia sobre o que fosse a História mudou.
   Imagine. Um grupo de intelectuais é incumbido de pensar e idealizar um país recém fundado. Isso é a América em seu apogeu. Franklyn, Jefferson, Paine...todos iluministas bem formados, todos liberais modernos, recebem a missão de fazer um país. Pela primeira vez, e pela única até hoje, uma nação nasce por ato de inteligência e não pelo acaso da história. Os EUA surgem como proposta, como ato humano, como obra da mente. Contrário da Europa, feita ao acaso de escombros do imperio dos romanos, os EUA são construídos pela vontade. Planejados. A terra da liberdade e dos ideais. Mas Gore Vidal logo nos alerta. Essa nação é traída. Ela desvia sua direção e se faz nação do militarismo. Primeiro sinal: a guerra contra a Espanha em fins do século XIX. O país tinha entre seus compromissos o não envolvimento em questões internacionais. Mas os militares se fazem poderosos. Nasce o país que conhecemos, uma ideia iluminista maculada pela realidade.
   Vidal escrevia bem. Tinha um estilo leve, direto, e desfiava uma corrente de informações enciclopédicas. Sua familia era daquelas que podemos chamar de aristocracia americana. Os filhos de Harvard, da politica liberal tradicional, da região de Boston e Philadelphia. Exemplo de elegãncia, tinha um caso de amor com a Itália. Para Gore, a terra de Dante era a única nação onde um homem com educação e senso de beleza poderia viver. Era apaixonado pela luz romana, pelos mármores envelhecidos, pela comida e o vinho. Gore Vidal era resenha constante nos jornais dos anos 80/90. Me mostrou que era possível cultivar a mente e ser feliz. Não foi pouca coisa. Eu pensava que todo intelectual era como Sartre. Um tipo de ratinho feio. Vidal era solar.
   Claro que ele tinha defeitos. O pior era a vaidade. Se ele era chamado de "Montaigne americano" ( e ele adorava esse rótulo ), devemos lembrar que Montaigne era genuinamente modesto. Um Montaigne vaidoso nega o próprio Montaigne.
   Seus livros históricos são excelentes. JULIANO deve ser lido por todos. E ele ainda frequentava Hollywood ( num tempo em que intelectuais sérios ainda acreditavam em cinema ). Assim como Aldous Huxley e Faulkner, ele se arriscou em alguns roteiros, o mais famoso sendo Ben Hur. Foi Vidal quem ressaltou a pulsão gay do herói. É hilária a história de como ele conseguiu enganar Charlton Heston, que não percebeu as pistas sobre a homossexualidade do filme.
   Gore Vidal morre, e preciso dizer, mais uma vez, que em mundo de Miami onipresente, Vidal estava sem lugar. Mais que um autor, um questionador. Um chato charmoso. Um belo de um escritor.

CHÁ NAS MONTANHAS- PAUL BOWLES

Na introdução deste livro, Gore Vidal, que sabe tudo, tece elogios a Bowles. E diz que "os americanos, tanto leitores como críticos, tendem a só dar valor aos escritores que escrevem apenas sobre a América. Autores que vivem e pensam apenas o sonho ou o pesadelo americano". Desse modo, os melhores escritores dos Estados Unidos: Henry James, Edith Wharton e Vladimir Nabokov são sub-valorizados. Henry James por ter vivido sempre na Europa, Wharton por só se interessar pela alta-classe de New York e Nabokov por ser um emigrado russo. Para Gore Vidal, Bowles sofre dessa maldição, pois é um americano que vive e escreve sobre o Marrocos e o México. Waaaallll....
Penso que Henry James é com certeza o maior e melhor escritor que a América gerou. Mas não acho que ele é sub-valorizado. Basta ver a constante reedição de sua obra e a quantidade de filmes baseados em suas histórias. Edith Wharton é sua maior seguidora e não está esquecida. Quanto ao gênio Nabokov, ele só não tem maior reconhecimento pop pelo fato de vivermos em tempos moralistas e também por sua escrita ser muuuuuito refinada. Voltando a Paul Bowles....
Nos anos 80 era coisa de bom gosto fashion-chic ler Bowles. ( Como era ler Gore Vidal ). Paul Bowles tinha uma coisa de maldito, de inconformado e de decadente que muito atraía a geração Chet Baker- Basquiat. Mas isso passou. Os anos 90 enterraram os 80 e o que era chic em 1985 se tornou brega em 1995. Bertolucci ainda teve tempo de fazer um filme sobre Paul Bowles: O CÉU QUE NOS PROTEGE. Ninguém melhor que Malkovich para ser Bowles. O filme é lindo, aterrorizante e desagradável. Assim como a escrita de Bowles: simples, banal e estranhamente assustadora.
Há algo de latente em todos estes contos: a loucura. A gente lê esperando por muita violência, pela explosão de sangue, por decepações. O sexo também paira em cada linha. Sexo sempre não natural. Os contos se passam sempre no deserto, seja México seja Marrocos. E todos exibem americanos perdidos em meio a cultura incompreensível. Tudo pode acontecer nesses lugares, a lógica é abolida. E quase nada acaba por acontecer. Mas acontece... O tempo escorre e os personagens vagam aturdidos.
Não é agradável ler Paul Bowles. Há uma foto dele na contracapa. Rosto de gente ruim. Morreu nos anos 90, vida longa. Tudo o que ele fez ficou em segredo para ele mesmo. Correu mundo, casou com Jane, a genial Jane Bowles ( Debra Winger no filme, brilhante ) e escreveu muito. Mas Gore Vidal diz que o que Bowles queria ser era músico.... aquele tipo de músico erudito dos anos 30 na América, do tipo que botava uma turbina de avião no palco para "tocar" com a orquestra. Ou que escrevia concertos para serrote e piano ou furadeira e cello. Acabou na África, escritor. Bem... seus contos não deixam de ser uma furadeira em papel.

gore vidal, um ensaísta

DE FATO E FICÇÃO de Vidal. Foi lido na década de noventa. O emprestei para alguém que jamais o devolveu. Agora releio esse delicioso livro.
Gore Vidal tem um modo malicioso de escrever, sem papas na língua, sem nove horas. Ele vai direto ao ponto e mesmo assim jamais parece reles ou estúpido. Ele é suave e gentil e ao mesmo tempo duro e incisivo.
Ensaios sobre escrita, cinema e politica : tudo aquilo que ele entende. Entende por ter sido roteirista, politico e um belo autor de prosa e de dramas teatrais.
Scott Fitzgerald é para ele um chorão. Um autor que tem apenas dois ou tres bons contos e apenas um belo livro : Gatsby ( que mesmo assim sofre de absoluta falta de humor ). Gore ve em Scott o mesmo que em Heminguay : autores que devem sua fama ao que foram e não ao que escreveram. Ele alerta que com o avanço do pensamento científico, só o que é de verdade e não inventado importa, e portanto, a vida que um escritor viveu é mais importante que sua obra. Ou seja, nesse mundo pseudo-científico-útil, Heminguay/ Jack London e Steinbeck são mais relevantes que Proust/ Flaubert, Joyce, o que se trata de um absurdo.
Fitzgerald foi roteirista em Hollywood, onde ao contrário do que diz a lenda, ganhava muito bem e nada produzia. ( Huxley, Faulkner, Greene e Dos Passos também foram. )
Depois Gore escreve sobre Edmund Wilson, o melhor ensaísta que a América já produziu. Um grande bebedor de gim ( e Gore alerta sobre o fato de que toda essa geração foi chegada a litros e tonéis de álcool ruim ), e um homem que provou um erro de Freud : Wilson criava muita ficção e crítica e tinha uma imensa vida sexual ativa. Edmund Wilson trouxe às letras americanas os nomes de Verlaine, Yeats, Proust, Flaubert. Viveu até os 75 e era um ferrenho esquerdista ( num tempo em que ser de esquerda exigia coragem, hoje exige cara de pau ).
No terceiro capítulo, Vidal fala sobre Christopher Isherwood. Um ingles que viveu na Berlim pré-nazismo, tipo 1930/35. Um grande estilista que em seus contos descrevia de forma bela e contundente a vida boêmia desse momento único na história. Hordas de americanos e ingleses bem de vida iam à Berlim, onde conseguir um amante homossexual proletário era muito fácil. Nunca existiu um lugar com tal concentração de Homos/ Bis e travestís.
Isherwood foi amigo de Huxley e também escreveu para cinema ( inclusive Hitchcock ). Vidal aproveita para discorrer sobre a perseguição nem tão sutil que autores gays sofriam/sofrem.
O capítulo sobre cinema. Traz uma questão que todos nós nos esquecemos de fazer : afinal, o que faz um diretor ?
Estamos tão condicionados ( desde a Nouvelle Vague- pois foram Godard e Truffaut quando jornalistas que criaram essa crendice ) a ver o diretor como deus que não mais pensamos naquilo que ele realmente faz. Vidal, que esteve lá, conta que o poder do diretor acabou no cinema mudo, época em que imagem era tudo. Quando o cinema começa a falar, Hollywood chama a peso de ouro os melhores escritores e o roteiro passa a ser coração e alma de um filme. Gore Vidal cita Kurosawa, único grande cineasta que teve a humildade de confessar : " um grande roteiro dirigido por um cineasta ruim ainda pode se tornar um bom filme. Mas um roteiro ruim dirigido pelo melhor dos diretores ainda será um filme ruim ".
Diretores/ roteiristas ( Huston e Wilder ) podem ser considerados donos de um projeto, mas devemos sempre entender que um direor pega o projeto já desenvolvido. Atores escolhidos, fotografia, data de estréia, quem fará a montagem.
O livro ainda discorre lembranças sobre Tennessee Willians, outro grande chorão.
Depois temos Louis Aunchincloss ( autror que deveria ser melhor lido ) e um belo capítulo que anuncia o fim da leitura. No futuro todos lerão só o que é útil/ comprovadamente saudável e que garante ser vida real- ou seja- biografias exemplares.
Há um texto sobre Mishima e que me fez recordar como o mundo enlouqueceu por volta de 1970. Mishima, o mais famoso escritor japonês ( não o melhor ) se suicidou praticando seppuku após discursar na tv contra a presença americana na vida do Japão. Um general, por pedido expresso do autor, decepou sua cabeça e a exibiu no alto da torre da tv de Tokyo.
Mishima era um raDICAL de direita que cultuava o corpo. Para ele, a beleza da alma estava na beleza do corpo. Segundo Vidal, ele se mata aos 45 por não querer viver a queda desse corpo pela idade. ( Gore é informado o bastante para nos alertar que no ocidente o suicidio é ato de desespero, no Japão é uma escolha livre. Ato de afirmação. )
Daí temos uma critica àquela turma tão em moda nos 60. Autores franceses que iriam destruir o romance e criar o romance do futuro : romances sem tempo, sem personagens e sem enredo. Deram com os burros na água.
Depois um perfil de Teddy Roosevelt, o presidente dandy que meteu os americanos em guerras vergonhosas e da qual o país paga o pato até hoje.
E vem um maravilhoso texto que fala do ódio que as mulheres devotam aos homens. Ódio que nasce da escravidão milenar pela qual elas passaram. Vidal previu em 61, que a liberação feminina faria com que a vingança viesse : chifres aos milhões, desprezo pelos apaixonados, sexo por sexo, descartabilidade masculina e mulheres de 60 com garotos de 18.
Afinal, durante cinco milenios elas foram a serpente, a bruxa, a danação, a fonte da doença e um animal procriador. No final do livro, um dado :
Talvez, Darwinisticamente, estejamos nos preparando para o fim da vida. Estamos deixando de nos procriar, nos tornando mais homos e menos interessados, estamos nos enclausurando na virtualidade da droga e do sonho ( e hoje no mundo virtual em sí ). Tudo isso parece um fim de ciclo, fim de vida, inicio da despedida. É como se não mais valesse a pena crer na vida.


criação- um livro de gore vidal

Fazia muito tempo que não me apaixonava tanto por um livro. CRIAÇÃO foi lançado por Vidal em 1982 e logo se tornou um sucesso. Do que trata ?
Em 500 ac. um senhor de 75 anos conta sua vida. Ele é persa e tem um belo desprezo pelos gregos. Através de sua história ficamos sabendo o porque de a civilização grega ter causado muito mal para nosso mundo, como erros cometidos por Xerxes e más escolhas de Dario mudaram o futuro da humanidade para sempre.
Num texto simples e cheio de humor pessimista, Vidal faz deliciosas fofocas. Ele desbanca Sócrates e Anaxágoras, eleva Pitágoras e nos dá um retrato colorido do que seria o mundo persa. Mundo que os gregos difamaram sempre.
Na segunda parte nosso herói serve Dario na India e temos todas as religiões pré-budistas muito bem explicadas. Gurus e charlatões são exibidos com todo seu ridiculo e com toda sua eterna atualidade.
Depois a China é explorada e acontece o retorno ao mundo do ocidente. Nosso herói volta transformado, sem poder mais encarar o tempo, a religião, a história do mesmo modo.
Todos os mitos fundadores são avaliados, todos os " e se... " da história são cogitados e no final percebemos algo de muito perturbador :
Se a vida tem por única função a obtenção da sabedoria... e se a sabedoria só pode ser obtida pelo afastamento daquilo que é futil, vazio, temporal... se a vida só pode ser verdadeiramente usufruida em quietude, solidão e calma... neste mundo de ruido, comunicação desenfreada e invasão de intimidade... em que absorvemos toneladas de conhecimento inutil e estamos sempre presos ao tic tac do momento... onde a sabedoria ?
Creio firmemente ( e foi a única coisa que aprendi em 35 anos de leituras ) que a maneira de transcender o tempo e a sina da existencia é obter contato com aquilo que nos convida a transcender o mundo real.
Quando olho uma tela de Chagall, quando ouço Satie ou leio um verso de Eliot estou indo além do lugar/ tempo/ espaço que ocupo. Estou entrando na esfera daquele iogue que meditou em 500 ac., do poeta que pensou sobre o espirito em 1770 ou do músico que ainda virá.
Pois se o tempo, ao contrário do que os gregos nos legaram, não é uma linha reta, mas sim um circulo perfeito, onde o começo mora no fim e todo final antecipa o começo, é através da obra de arte perfeita, do testemunho dos homens que enxergaram além das aparencias, que podemos nos aperfeiçoar, crescer, inspirar e vencer o tempo e a morte.
No tempo de hoje, que nos dá o acesso a toda essa riqueza, é obrigatório a qualquer homem comprometido com a vida e o viver, usufruir, mergulhar, compreender esses tesouros do tempo eternamente presente.
Sons, cores e palavras daqueles que guiam a eterna e imutável alma humana pela dor e pela loucura de se viver.

Inácio Araújo, Michael Chabon e Gore Vidal

A Folha publicou uma matéria sobre Michael Chabon. Parece que finalmente começam a levá-lo a sério por aqui. Ele escreveu Garotos Incríveis- que se tornou um dos meus filmes favoritos. O livro é tão bom quanto o perfeito filme de Curtis Hanson ( onde Michael Douglas dá um show ). Sua escrita é absolutamente viciante, deliciosa, pop, cheia de habilidade. Voce deve e precisa ler. Legal é que ele adora O Grande Lebowski !!!!!!! Pois Lebowski é o tipo de história que poderia ter sido escrita por ele mesmo.
Michael Chabon tem um gosto parecido com o meu. Muito parecido.
Assim como Inácio Araújo. Que diz sentir profundo tédio com Wong Kar Wai. Ora, isso é lógico. Um homem que ama os filmes de Hawks, Clint e Ford não pode ser enganado pelo doce perfume enjoativo de Kar Wai.
Me perguntam se ando lendo ou se apenas vejo filmes. Weeellllll.... descobri e me viciei em Sherlock Holmes. Um prazer. Finalmente entendo o porque de Georges Simenon ter sido tão famoso ( voce o conhece, não ? Bem, seu pai o leu. Autor belga, morreu nos anos 90. Livros de crime e mistério. Muito clima. Muito existencialismo pop. Ópio em forma de texto. ) Leio também Gore Vidal. O livro se chama Criação. 800 páginas hilárias e cheias de estilo superior. Ele situa o texto em 500 antes de Cristo. Grécia/india/China e Persia. O momento em que o mundo que conhecemos nasceu. Porém Vidal tira uma de tudo. Desmistifica a democracia, a filosofia, os deuses.
Gore Vidal é aquilo que um dia foi conhecido por aristocrata americano. Americanos bem-nascidos, bem-educados, finos e snobs. De família de senadores do século 19, ele prórpio tentou ser presidente nos anos 60/70. Vidal é anti-democrático ( como era Paulo Francis ) pois ele via no voto a porta de entrada da plebe decadente ao palco do mundo. A democracia tende a nivelar tudo por baixo ( cada vez mais baixo ). Para Vidal, a América foi grande enquanto foi governada por uma aristocracia bem formada e bem pensante ( Jefferson e etc. ) e teve em Kennedy seu último representante. Ele escreve como um nobre. Como alguém que está acima da vulgaridade. Mas escreve com verve, e portanto é delicioso.
Neste cada vez mais jeca e bárbaro mundo, ler Vidal, Chabon, Evelyn Waugh, Graham Greene é obrigatório.