Mostrando postagens com marcador giambattista vico. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador giambattista vico. Mostrar todas as postagens

MOZART, SERENATAS K 239, 388, 525. ( PENSANDO SOBRE VICO E MOZART ).

Serenatas eram aquilo que parecem ser, pequenas peças musicais para uso noturno. O objetivo era o amor. Esquecemos que música tinha e tem uma função e que no tempo de Mozart era a de elevar ou entreter. ( Não pense que me contradigo. Mesmo a música absoluta e livre de Beethoven tem uma função: expressar. A palavra função não rebaixa a música. ) . É música bela que almeja a beleza. Mozart aqui não tenta o absoluto como em seus concertos para piano. E não quebra o limite como nas óperas. Ele faz, de modo sublime, o que dele se espera. Penso que o faz com alegria. Quando falamos de Mozart nunca devemos esquecer que ele amava o amor. E não era o amor que almeja a nobreza hetérea como se dá em Chopin ou Liszt. É o amor totalmente erótico, sexual, picante. Por isso que acho Mozart o mais honesto dos gênios. Ele não pinta de dourado o que é vermelho sangue. Enquanto toca seu teclado ele olha um seio e imagina um traseiro ( tinha tara por traseiros ). Mozart cria por dom. -------------- Aplicar Vico à Mozart é muito interessante. Mozart cria sua obra. Mas saberá tudo sobre ela? Conseguirá recriar tudo que fez? -------------- Para quem não leu, Vico diz que só podemos saber a verdade sobre aquilo que fazemos. Nós fazemos a matemática, as leis, a engenharia, então podemos saber tudo sobre um cálculo, o direito ou uma ponte. Mas não sabemos tudo sobre nosso corpo ou nosso planeta pois não os criamos ou construimos, estamos neles. -------------- Então pergunto: Mozart criou o concerto 20 para piano. Ele sabia tudo sobre ele? Ou um gênio se surpreende com sua própria obra? Penso que sim, ele se surpreende. Se um gênio tivesse o segredo de sua obra em mãos, ele criaria vários Dom Giovanni e vários concertos todo dia. Bastaria querer. O gênio não o faz porque sua obra nasceu em sua mente e sua mente não é criação sua. E quando falo mente eu falo o fundo de sua alma. ------------- Paganini poderia e criou na verdade, várias obras como quis. Ele tinha domínio sobre aquilo que criava. Isso porque sua obra não o surpreendia. Ela era um molde, uma receita, algo que ele inventou e fez, e assim poderia reproduzir quando quisesse. Paganini dominava sua música. Mozart era por ela dominado. Paganini fazia algo que podemos aprender a fazer. Algo que se constroi. Mozart fazia algo que só ele mesmo poderia fazer. Não havia uma fórmula ou uma invenção racional. Ele fazia o que fazia sem saber como ou quando fazer. Sua mente, indomável e inapreensível fazia livremente. ------------ Essa a diferença entre o artesão e o artista. -------------- Vico estava certo. Nunca produziremos outro Mozart. Mas toda forma musical tem seus Paganinis. Domine a técnica e saia produzindo solos. Mas dominar a técnica não te fará compor Dom Giovanni. Pois podemos aprender a solar, é uma invenção humana, mas não podemos aprender a criar, pois a criatividade é componente daquilo que chamamos de alma e isso não foi por nós inventado.

O QUE NÓS SABEMOS É AQUILO QUE NÓS INVENTAMOS

O que nós sabemos é aquilo que inventamos. Essa a afirmação de Vico contra Descartes. Em pleno século XVIII, aquele em que a razão prometia tudo saber ou poder saber, o italiano Giambatista Vico dizia que não, Descartes errara. Penso Logo Existo é uma tolice porque nos será sempre impossível entender a nós mesmos. --------------- A base de toda filosofia de Descartes, como é toda filosofia racionalista, se dá no conhecimento da matemática. Os números seriam a prova da possibilidade de se conhecer tudo, para tanto, bastaria se reduzir a realidade à matemática. A estatística, o cálculo, a aplicação da equação certa, tudo seria possível. Vico destroi essa ilusão dizendo que " O homem pode conhecer tudo sobre a matemática porque foi o homem quem criou a matemática, mas isso não significa que tudo o mais seja matemática". -------------- O que podemos realment conhecer a fundo, é aquilo o que inventamos. Saber é criar. Tudo aquilo que não criamos está, e estará sempre, fora de nosso saber. Isso, claro, não impede que devamos tentar saber, que não iremos saber muito mais, porém, o domínio total de um tema só será possível sobre aquilo que nós mesmos inventamos. ------------- Assim, podemos saber tudo sobre o direito, pois fomos nós quem criamos leis, mas jamais saberemos tudo sobre nossa mente, pois ela não foi criada ou feita por nós. Ao estudar a mente partimos daquilo que já existe independente de nós mesmos, e pior, estamos usando a ela mesma para tentar entender ela mesma. Não sabemos porque ela existe, como ela foi criada e para que ela serve. Tudo que fazemos é tentar abstrair para "imaginar" como seria a observar "de fora". Muito poderá ser aprendido, mas saber tudo jamais. -------------- Poderemos, e de fato muitos sabem tudo sobre um carro. Sobre suas peças. Sobre o aço. Sobre o plástico. Pois é tudo criação nossa. Mas não saberemos como fabricar ferro, petróleo, ou vencer o desgaste das peças. Pois são coisas que não criamos. Inventamos o plástico e o aço, o carro e a gasolina, mas não o ferro e o petróleo. ------------- Por isso a medicina remedia mas não cura. A doença é invencível porque não criamos nosso próprio corpo. Jamais saberemos tudo sobre o corpo humano porque nascemos nele, somos condenados a viver nele, e claro, não o inventamos. Mas há fetiches modernos que se aplicados a Vico caem por terra. ------------- Não temos como vencer o clima. Ele é incriado por nós. Não temos como saber se estamos secando ou inundando, se caminhamos para uma era do gelo ou do fogo, se ao fazermos isto provocamos de fato aquilo. Usamos estatísticas e estatísticas servem para apenas isso, matemática. Sabemos tudo sobre estatísticas, nós a criamos, mas nada sobre o clima, ele nos escapa. Hoje é 24 de outubro e chove e faz frio. Uma estatística previu isso uma semana atrás. Jamais poderá saber porque. Mas faz de conta que sabe. E muito mais importante, jamais poderemos mudar o clima. Porque não o inventamos. ---------------- Bill Gates em julho, no auge de sua megalomania, disse que iria criar um escudo para controlar o clima da Terra. Preciso comentar o quanto isso é ridículo? Quem controlaria Bill Gates? E quem controlaria a ação do clima sobre o mecanismo que controlaria o clima? Eis uma ideia tão imbecil quanto a invenção de uma máquina do tempo. Gente como Bill Gates prova a validade de Vico. Gates sabe tudo sobre aquilo que ele inventou. Porém, sobre todo o resto é uma besta. Mas seu ego faz com que ele pense saber bem mais. Pobre tolo. ------------ Para Vico não há como provar que Deus exista porque não criamos Deus, assim como não há como criar vida, pois não a inventamos. ------------ Fazemos pão e sabemos tudo sobre a panificação, mas somos incapazes de entender o que seja uma semente de trigo. Podemos hoje, em 2021, modificar uma semente, mas não a criamos de algo que não seja ela mesma. O pão será sempre de trigo. O trigo da semente. E a semente de outra semente. A verdade da semente nos escapará sempre. Faremos cálculos infinitos e não iremos criar uma semente de trigo de um grão de sal ou de uma folha de feijão. Tudo o que poderemos fazer é melhorar a semente. ------------- Penso que Vico criou então uma verdade que Wittgeinstein levaria ao extremo: não conseguimos falar sobre aquilo que não foi criado por nossa língua. Falamos tudo sobre O Direito ou sobre Uma Ponte, mas não conseguimos expressar tudo sobre a DOR ou sobre o AMOR. Nesta crise atual, desconfie sempre de quem diz saber tudo sobre algo. Quem fala coisas como ESTA VACINA CURA, ou ISTO ESTÁ TOTALMENTE CERTO tenta apenas convencer a si mesmo de um fato que lhe escapa. Em crises o honesto diz que está tentando, está querendo acertar. O perverso fala com falsas certezas. O homem bom fala com bom senso. Vico está sempre certo.

NARRATIVAS

   Observe um casal fazendo sexo. Tire do ato TODA conotação "criada" pelo homem. ( Vamos chamar esse "criado" de tudo aquilo que não vemos nesse ato, ou tudo aquilo que não é explícito nos gestos ). Então, desse ato sexual, vamos abstrair tudo o que lemos, cremos, imaginamos, pensamos. Veremos apenas dois corpos, suando, gemendo, beijando, se esfregando. O ato estará totalmente isento de interioridade.
  Falo isso ao ler texto de Frye. O que diz que todas as narrativas escritas pela ficção estão em seu nascimento já narradas na Bíblia. Os contos bíblicos são a matriz de toda narrativa imaginada. Mas vamos adiante...
  Nossa mente criativa seria então um depósito ou um contêiner de contos, de lendas, de verdades ou não ( aqui não falo de religião, falo de invenção ). Desse modo, tudo o que pensamos e fazemos vem dentro desse "embrulho" imaginativo. Volto ao ato sexual.
  Se voce é ateu, nesse ato, mesmo voce tão materialista, estará pensando esse ato "fantasiosamente". Poderá estar pensando no amor, num filme visto, numa performance pornô, na liberdade do sexo, numa narrativa boêmia...ou até em dois animais transando. Mas o ato mecânico, o aqui e agora do sexo, isso dificilmente lhe será suportável, querido ou dado.
  Vivemos dentro de uma grande narrativa que nos guia e nos envolve. Tudo o que vivemos, pensamos, sentimos tem uma linha narrativa que foi narrada anteriormente.
  Saio de Frye e recuo até Vico e digo que a vida é apenas essa narrativa já narrada em outras vidas. Ao mesmo tempo essa narração é tão tênue, tão limitada que Vico diz que haveria outra verdade que nos é negada ou inalcançável. Uma vida fora e além da narrativa. Livre.
  Toda a arte moderna lutou para escapar. Mas sempre acabou sendo a velha luta do bem e do mal, do amor e da dor, da solidão perante o cosmos, da culpa, da traição e da vingança. Bíblica. E os maiores, Joyce, Faulkner, Mann, Kafka, Dostoievski, Nabokov, Proust, James, são os que melhor usaram essas narrativas em profundidade.
  Penso que ter a consciência dessa narrativa é uma forma de ser livre.

PLATO E VICO

Uns dias depois do livro de Frenkel, releio um pouco de Vico e já nem sei se Frenkel não estaria errado. Ele é completa e assumidamente platônico. Para ele a Matemática existe independente do homem. Um mundo ideal, perfeito, um continente que cabe ao homem descobrir e procurar traduzir. Mas Vico me recorda que não é nisso que acredito.
Vico conta que o homem pode conhecer completamente apenas aquilo que ele produz. Um homem saberá tudo sobre um trem, mas não sobre o que seja a energia que move o Cosmos. Saberá tudo sobre um coração mecânico, mas não poderá jamais criar um coração de carne a partir do nada. Do que não fizemos saberemos apenas uma ínfima parte, e a cada parte compreendida, milhões de novas duvidas virão. Isso é Vico, dizendo que o homem poderá compreender todo o mecanismo da historia, da sociologia, mas nunca tudo sobre a física ou a biologia, pois se nós construímos a historia e a sociedade, não fomos nós os criadores da vida ou da mecânica do universo.
Creio nisso. E para mim a matemática é uma criação humana, abstrata, e suas leis existem dentro do mundo do homem, em sua razão, e morrerão se um dia o homem sumir.
Como sempre disse, o Um existe apenas como invenção racional, e o Zero é uma soberba convenção humana. Fora de nosso cérebro inexiste o Um e o Zero.
Vico sabia disso.

CIÊNCIA NOVA- GIAMBATTISTA VICO

   Vico não foi famoso em seu tempo ( 1660-1744 ), mas sua influência acabou por se fazer sentir em Colingwood e Croce, ou seja, até o século XX. Marx gostava dele, assim como Herder, Nietzsche e Heidegger. Qual a marca que esse filósofo italiano deixou?
    Acima de tudo ele era anti-cartesiano. Vico logo percebeu que o modo matemático de Descartes não podia explicar a vida. Isso porque à razão explica apenas aquilo que por ela é feita ou criada. Eis uma grande proposição de Vico: O homem conhece aquilo que constrói. Aquilo que faz. Só podemos entender completamente as coisas que criamos ou que podemos fabricar. A matemática é a criação mais humana por direito e fato. Ela inexiste em animais ou no universo. Ela existe apenas no mundo do homem. Criada, desenvolvida e mantida pelo homem. Se amanhã todos os humanos deixarem de existir a matemática cessará de existir. Portanto, ela é completamente transparente ao homem. Por outro lado, a vida não pode ser completamente conhecida pelo homem. Pois ele não a criou, e não consegue fabricá-la. O mesmo se dá com o pensamento, com a natureza, com o cosmos. Como compreender profundamente algo que não fizemos e que não conseguimos reproduzir?
    Para Vico a grande ciência humana é a História. E história compreende também o estudo da línguagem dos homens, a arte e a religião. O homem construiu a história do homem no mundo e ela pode ser compreendida e totalmente desvendada. É uma obra nossa, de total responsabilidade humana. Vico a estuda então e desenvolve a teoria dos três estágios de uma civilização: a mágica, a heróica e a humana. Na época da magia tudo é obra de deuses e do sobrenatural, na época heróica tudo gira ao redor de heróis e de seres especiais e afinal na era humana se institui o governo dos homens, que pode ser republicano ou monarquista. Espertamente Vico chega a esse ponto pelo estudo das palavras. Ele pega uma palavra latina e pesquisa sua origem. Percebe então, por exemplo, que divino vem de divinare e que divinare era adivinhar, portanto divinizar é adivinhar, ser adivinho. É um belo jogo de palavras, mas nem sempre garantidamente correto. Pois Vico esquece que mesmo o antigo grego ou o antigo latim sofriam influências de outra línguas mais antigas e que uma palavra que pareça ser origem de algo pode ter vindo de uma cultura onde aquele vocábulo possuia outra raiz. De qualquer modo o que hoje nos impressiona é a habilidade e a inteligência da mente de Vico em busca da história.
   É irrefutável o fato de que o conhecimento só pode ser completo quando dominamos o fazer. E que a História é uma ciência 100% humana, ao contrário da biologia ou da química, que estudam coisas que existem independentes da vontade e do saber humano. Têm portanto limites ao nosso conhecimento.
   Ciência Nova foi lançado em 1725 e preparou o século XVIII para a explosão de história que nele haveria. O final desse século assistiria a insurgência do homem e de sua história. Vico, filósofo que hoje é muito reconhecido, sabia.