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............. a seguinte história - CEES NOOTEBOOM

Um engenhoso livro de pouco mais de 100 páginas. Um ex professor ( meu Deus, às vezes me sinto cansado desses livros que têm sempre um professor, um escritor ou um psicólogo, livros feitos para a turminha ), como dizia, um ex professor acorda em Lisboa e ele não sabe como apareceu lá se antes estava na Holanda. Então ele também não entende se ele é ele mesmo e notamos que o livro é um tipo de homenagem torta à Fernando Pessoa e a Portugal. ------------------ Ele recorda, ele surge lá e cá e embarca em um navio com umas poucas pessoas. Para onde vai o navio? Quem são esses companheiros de viagem? Não é fácil encontrar este livro e se voce vai o ler não leia daqui para frente. --------------- Ele morreu e Portugal, fim da Europa, é o além. No barco vão os mortos, que contam como morreram. Mortos, eles permanecem aqueles que estavam a morrer e então chegam ao Brasil, ao Pará, inferno? Fim do Mundo. Nesse momento o livro se revela e faz todo sentido, engenhoso, o narrador morreu e é outro pois é morto. Metafísico Nooteboom sempre é. Eis a vida pós morte, memória do pré além, além que é umidade e calor sem fim. Metamorfose física. Cinzas. E fim.------------- Mais não conto.

KONSTANTINOS KAVÁFIS, POEMAS

Me desculpe José Paulo Paes, mas ao contrário do que voce diz, não há dois poetas mais diferentes que o grego e Pessoa. Voce, Paes, diz que ambos se parecem por serem os dois homossexuais, virem de países marítimos e usarem línguas pouco conhecidas, o grego e o português. Mas e daí? Leia o que escreveram e veja a diferença crucial: Kaváfis é sensual, saudável, hedonista, feliz. Tendo vivido na virada do século XIX para o XX, o grego publicou quase nada e morreu desconhecido ( sim, como Pessoa, quantos mais não o foram ), mas sem ressentimentos, Kaváfis celebra os encontros em camas de hoteis, a alegria dos membros bonitos, a juventude do desejo sem limites, a liberação do amor. Não há medo aqui. Não há tristeza. Vive nele a coragem. ----------- E por outro lado, ele celebra o passado grego, os herois, pouco se importando com o hoje e o agora. O que lhe seduz é o para sempre. Nascido na Alexandria sensual e sem vergonha, aquela descrita por Lawrence Durrell, Kávafis é delicioso e prazeroso. Mediterrâneo. Azeite e vinho no pão do sol.

LORCA WHITMAN FERNANDO PESSOA

Em 1988 eu li meu primeiro livro de poesia. Até então eu evitava a poesia por não saber como a ler. Voce não lê poemas como quem lê romances, e também não são letras de música que voce sai cantando por aí. Demorou pra que eu entendesse que poesia se lê lendo. Lendo e entrando dentro da coisa, mesmo que as palavras, de começo, não façam muito sentido. Isso porque cada grande poeta cria sua língua e escreve hieróglifos que deverão ser desvendados por cada um. Não é preciso entender poesia, é necessário pegar o fio da meada e caminhar dentro do labirinto. Lorca foi meu primeiro poeta e depois, logo em seguida vieram Whitman e Pessoa. Até hoje não sei se realmente gostei de Lorca ou se me obriguei a inclui-lo na minha vida. Na época ele me pareceu tudo que um poeta deveria ser, e em minha fase espanhola, eu estava in love por uma menina de lá, Lorca era trilha perfeita para o que eu sentia. Mas confesso, ele jamais me comoveu. Leio hoje mais uma vez, e que coisa!, Lorca nada me fala. Já Fernando Pessoa é uma personalidade interessante e sua poesia é tão interessante como ele. Mesmo em seus momentos ruins, são muitos, ele é um espírito sedutor. Reler Pessoa pode não ser sempre inspirador, mas nunca eu o sinto distante. Lorca me cheira hoje a espanholismos de ocasião. Por fim Whitman. Dos três foi sempre ele aquele que mais me impressionou e sendo o pai dos dois, continua a ser e será o mais terra, o mais vital dentre eles. O velho Walt sempre convence, sempre instiga, sempre é real. Lorca, adiós. ( É interessante observar como Lorca é cada vez menos lido. Há autores que se vão e retornam, outros surgem do passado de susrpresa. Penso que Lorca não voltará ).

O CORVO- POE E PESSOA....E AS LOJAS GEEK.

   Num quarto no inverno, postado à janela, um homem lamenta a morte da mulher que ele ama. Então ele ouve um ruído e pensa ser um espectro. É um corvo que invade o quarto e se posta sobre um busto de mármore. Esse pássaro, que o faz rir, repete NUNCA MAIS...a repetição desse bordão, antes uma piada, começa a soar como maldição.
 Leio O CORVO na tradução de Fernando Pessoa. O amaldiçoado POE traduzido pelo melancólico português. As imagens são lindas, sombras e vento, a expectativa do sublime. POE entendeu o sublime como poucos, a beleza encontrada, entre medo e dor, onde ela nunca seria antes esperada.
 Os melhores adolescentes de 2016 cultuam este poema, mesmo que não saibam de sua existência. Entre mangás habitados por monstros, filmes de Tim Burton e de HQs, jogos tenebrosos e rituais de bruxaria, eles cultuam a sombra, aquilo que saiu do sol, o esquecido.
 E há uma sinceridade amarga nisso; mesmo que seja produto, vendável em lojas GEEK.
 Tivesse eu 16 anos seria um deles. Aliás, aos 16 eu era um deles.

WILLIAM WORDSWORTH- O PRELÚDIO. UM DOS ARQUITETOS DO EU.

   Pai de Walt Whitman. Como Whitman, que veio 40 anos mais tarde, Wordsworth namora seu ego. 
   Ego, essa invenção moderna que fica cada vez mais obsoleta. Primeiro Montaigne. Então Rousseau. E Wordsworth. Depois desses três egocêntricos, todo escritor passou a colocar seu imenso eu entre o livro e o leitor. Montaigne desnuda sua cabeça e seu cotidiano. Rousseau exibe seu coração. E Wordsworth ignora tudo a não ser si-mesmo. Por mais que ele fale daquilo que vê, o que importa é o que ele sente ao ver o que percebe. Jamais sai de dentro de sua alma. O mundo se torna espelho.
  Whitman leu Wordsworth, mas Walt era americano. ( Assim como Pessoa, herdeiro dos dois, era Luso e Atlântico ). Sendo americano, Whitman amplifica tudo. Whitman é maior ( não melhor ). O americano canta um continente, uma democracia, uma estrada sem fim. E tudo é ele. 
  Wordsworth nasceu no norte da Inglaterra, quase Escócia, na região dos lagos. Como Whitman, ele canta a estrada, a mata, a liberdade de ser solitário, as pessoas simples, os bichos, o mundo sem o homem, e o homem no mundo. Ele anda, caminha, vai à vida que é um caminho sinuoso. Mas a estrada de Wordsworth é curta. Ele anda pelos lagos, pelos bosques, pela natureza, mas é um caminho que leva de volta, que anda em círculos. Um jardim. Whitman quer ver toda a América. O inglês quer rever seu bosque. Whitman fala ao futuro. Wordsworth fala ao passado. Ele adora a infância. O pequeno e o discreto. Whitman é um pavão. Wordsworth é uma perdiz.
   Lançou o romantismo na Inglaterra. Por volta de 1800. Viveria oitenta anos, mas sua obra foi toda feita na juventude. ( Ao menos a que mais importa ). Quando velho ele se tornou um conservador. O que lhe valeu a raiva de Keats. Este livro, em tradução portuguesa recente, é sua última obra relevante, já escrita aos 40 anos. Ele aqui relembra sua infância, adolescência e juventude. A mata, a escola e Cambridge. A hiper-sensibilidade à natureza, aos cheiros, aos sons, às pessoas. Ele é sempre feliz, alegre, confiante. E solitário. Wordsworth namora sua alma. Ele cresce quando só, ama estar só, consegue ter amigos, mas se recolhe para ser si-mesmo. Aí sua profunda revolução. O homem fora sociedade por 5000 anos. Agora, em 1800, ele era UM. Se antes o maior dos castigos era o ostracismo, agora a solidão é um prêmio. Ser só é um privilégio.
  A escrita flutua, voa, alucina. O poema é longo ( 200 páginas ), dá voltas, anda em círculos. E faz sonhar. A gente anda, passeia, caminha com ele pelo tempo e pelo lugar. É delicia inesquecível. Inefável.
  Um gigante que escreve sobre o particular. Que vê o mínimo. Eterno.

O BRINCALHÃO FERNANDO PESSOA

   Fernando Pessoa gostava de Sherlock Holmes. E até escreveu um conto, incompleto, ao estilo Conan Doyle. Alestair Crowley era um "mago". Raul Seixas e Mr.Coelho eram fãs dele. Pessoa o conheceu via carta. Crowley vivia fugindo dos credores Europa afora. Se convidou para ir à Portugal. E o poeta se viu na obrigação de o receber. Crowley deu um calote nos hotéis e restaurantes portugueses. E inventou sua morte. Forma de parar de ser perseguido. Fernando Pessoa adorou a ideia. Bolou a morte e passou a escrever aos jornais testemunhando a morte de Crowley. Usando nomes falsos, claro.
   Uma vez dois poetas marcaram encontro com Pessoa. Ele foi. Como Caieiro. Os dois poetas mais jovens se ofenderam. E foram embora. Não souberam brincar.
   Fernando amava Ofélia. E escrevia toneladas de cartas pra ela.
   Ele trabalhava apenas duas horas. Por semana! Escolheu ser pobre para ter tempo livre.
   Ao visitar os sobrinhos ele se jogava no chão e passava toda a tarde a brincar com eles. As crianças amavam Fernando Pessoa.
   Combina tudo isso com a imagem que temos dele?
   Quando o poeta morreu foi escrita sua biografia. E o autor, fã do Freud de 1930, forçou sua transformação num tipo de Baudelaire lusitano. O poeta bêbado flanando pela Lisboa misteriosa. Esse bio nada entendeu. Cometeu um crime. Jogou complexos de Édipo, homossexualidade reprimida, instintos destrutivos, num homem que não conheceu e não procurou conhecer. Leu os poemas como se fossem verdade. Como se a arte fosse um diário, um testemunho de vida. Na verdade esse senhor, representante da reprimida e séria geração mais jovem, transformou Pessoa naquilo que ele mesmo era: uma besta.
   Fernando Pessoa feliz. Mentiroso sempre. Brincalhão. Passando trotes nos amigos. Fugindo de contatos intimos para ser livre e poder escrever. Sonhando com livros imensos, em edição de luxo. Adiando a publicação de sua obra por ver nela algo sempre em construção. Fernando Pessoa que antecipou o perfil fake do face. Que iria aprontar muito na internet. Ator e autor de si mesmo.
   Certas aulas são para sempre.