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MOLLOY - SAMUEL BECKETT

Na minha longa lista de leituras, nada foi mais difícil de ler que Faulkner. Não seus livros mais comuns, e ótimos, como Santuário, mas sim suas obras mais duras. Ele muda de ponto de vista sem nenhum aviso. Uma hora quem conta a hsitória é um velho e de repente, sem aviso, é um adulto deficiente com a mente de uma criança. Faulkner é desorientador. Joyce é também muito duro. Claro que a partir de Ulysses, livro que li e achei difícil mas jamais incompreensível. É até engraçado e Joyce é sempre um irlandês no pub falando bobagens. Finnegans é ilegível. Uma tentativa, mal sucedida, de se falar o que não se pode falar. Samuel Beckett foi secretário e amigo de Joyce e ganhou o Nobel de 1969. Poucos prêmios foram tão justos. Dele eu já lera a peça Godot e um romance, Malone Morre. Beckett completa o trio dos autores muito complicados. ( Proust e James não são nada complicados, são apenas chatos para quem não se concentra naquilo que lê. Eu os adoro ). ------------------- Molloy é narrado, sem parágrafos, em estilo vômito, por um velho muito velho. Ele tem vários problemas físicos, uma perna não funciona, não escuta direito, não sabe onde está, enxerga mal. Mesmo assim sai a rua para encontrar sua mãe. E se perde. É preso, é adotado por uma mulher, foge de cães, vaga à esmo. E fala. Fala. Fala conosco. Consigo, com ninguém. Ele é sujo, bobo, confuso, infantil, desinteressante. ---------------- Já se disse que Beckett escreve sobre aquilo que a literatura evita. Desse modo, Molloy seria uma personagem-sobra, ele é tudo aquilo que os outros deixam de lado. Sua ação é a ação que escritores ignoram. Também já se falou que Molloy é a humanidade perdida na história e a mãe seria Godot. Eu prefiro uma terceira abordagem: Molloy é um livro e todo livro é fala. Beckett brinca com a fala, tenta ir até onde ela pode ir, e depois além. Beckett não está interessado em filosofia ou em criar personagens, ele quer experimentar a língua, fazer jogos, misturar frases, dialogar. Beckett sabia que nada havia mais para narrar, então ele não narra, ele escreve. Não importa a ação, não importa Molloy, o que interessa é a página escrita. O que Beckett propôe é: Será possível escrever e descrever pensamentos reais? Será possível criar vida em frases escritas? Ele sabe que não, mas nos dá sua tentativa. --------------------- Na verdade é mais uma brincadeira de irlandês na mesa do pub.

O DIÁRIO DE H.L. MENCKEN. EDITADO POR CHARLES A. FECHER

   Para quem não sabe, Mencken foi na América dos anos 20 aquilo que todo jornalista gostaria de ser, o guia cultural de uma nação poderosa em seu apogeu. Paulo Francis gostava de se imaginar Mencken, principalmente na fase final de sua vida. Falando, com humor e malicia, sobre politica, história e artes em geral, Mencken foi o mais amado e odiado americano de seu tempo. A partir dos anos 30, quando a recessão toma o planeta, Mencken perde parte de seu imenso público. Em tempos de dureza seus ataques começaram a parecer excessivos. Ele odiava Roosevelt. Chamava o presidente de mentiroso, e dizia que Roosevelt inaugurava o começo do fim da América. Mencken não queria que os EUA ajudassem a Europa, que jamais se metessem em guerra nenhuma.
   Algumas de suas previsões foram certeiras. Outras não. Ele subestima Faulkner. Ignora Heminguay. Para ele Faulkner é apenas um sulista mal educado e muito bêbado. Fitzgerald é visto como um chato. Um escritor muito bom, mas que desperdiçava seu talento com uma esposa louca, e com bebida em excesso. E quando bêbado Fitzgerald ficava chato, muito chato. Mencken tinha intimidade com Sinclair Lewis, o autor de Babbit, o primeiro americano a ganhar o Nobel. Mencken o aconselhou a não aceitar o prêmio. Lewis aceitou. Dreiser também foi íntimo de Mencken, assim como Willa Cather e uma multidão de escritores hoje esquecidos.
   Mencken frequentava as mais poderosas familias do país. Os juízes do Supremo, ministros, candidatos a presidente. Amigo dos grandes editores, ao contrário do que se diz normalmente, nas brigas entre editor e autor, Mencken ficava sempre ao lado da editora. Ele dizia que os escritores eram mal agradecidos e traidores. Vale lembrar que o próprio Mencken era um autor. Lançou vários livros, 3 dos quais de muito sucesso.
   Um de seus acertos, e que até hoje acho válido, é quando ele aconselha aos editores de jornal como enfrentar a queda das vendas face a emergência do rádio e do cinema. Ele diz que o jornal jamais poderá ser tão imediato, simples e fácil como o rádio. A solução seria elitizar os jornais. Dar me jornal aquilo que o rádio não pode dar, profundidade. Em 2013, face a internet, o jornal continua errando. Está condenado a correr sempre atrás. A cortejar o jeca.
   Vale dizer que o diário começa nos 50 anos de idade de Mencken. Viúvo, ele sente essa necessidade de ter um diário a partir de seu luto. Hipocondríaco, seus melhores amigos eram os grandes cirurgiões de seu tempo. Quanto mais velho mais ele se queixa de dores. São longas páginas sobre doenças e amigos que se vão.
   De qualquer modo é grande prazer poder se sentir íntimo do dia a dia de tal figura. Jantares, viagens e conferências. Ódios e afetos. Nada de sexo ( ele é a imagem da elegância discreta ). Mencken não  gostava do cinema, pouco se importava com o teatro e música quase nada. Seu mundo era o da escrita, das conversas, dos contatos.
   Faz falta alguém como ele escrevendo sobre o agora.

SEI SHONAGON, DOWNTOWN ABBEY E LLOSA

   Interessante entrevista com Mario Vargas Llosa. Ele tem uma definição do que seja essa moda de séries de tv que é perfeita: São boa diversão. Descansam. Mas nunca são arte. 
   Eu concordo. Tem gente que trata Downtown Abbey, que gosto, como arte. Por favor! Só se voce desconhece arte! É diversão pop. Apenas isso. De bom gosto e nada ofensiva a pessoas "esclarecidas". Nada mais que isso. 
   Llosa destaca Faulkner como o último grande autor moderno. Bem...Faulkner foi um gênio. E sua escrita ainda é a coisa mais complexa dos últimos 70 anos. Ele antecipou o mundo cheio de ruidos e de informação em que vivemos agora. A multiplicidade de pontos de vista e a ausência de uma verdade. Para Llosa só Faulkner pode ser comparado a Tolstoi e Cervantes nos últimos 70 anos. Maybe...
   João Pereira Coutinho cita Evelyn Waugh. É um texto chato sobre crueldade, hipocrisia etc. O que me importa é que ele coloca Waugh lá em cima. Ora, que bom! Será que algum mocinho ao ler isso vai fazer o que eu fazia quando tinha 15 anos? Vai a enciclopédia saber quem foi Evelyn Waugh? Ou será que a preguiça e a falta de interesse venceram?
   Recebo a nova Filosofia, revista mensal da editora Araguaia. Walter Benjamin. O modo de pensar do chinês clássico. O carnaval e Dionisos. Well...Benjamin é o mais atual de seus contemporâneos. Porque? Ele era o mais aberto. Não se dogmatizou. Se abriu para a religião, a ciência, a comunicação, as artes. Chineses pensam em termos de mudança. Pouco usam o verbo "ser". Usam "estar". Desse modo voce nunca é alguma coisa. Voce e o mundo estão em um momento que será sempre uma transformação. 
   Querer conhecer um modo de pensar é começar a estudar a lingua em que esse pensamento de expressa. O fato da gramática italiana ser pautada pela musicalidade dos sons, o fato do francês desejar a absoluta clareza dizem muito sobre o que eles são e de onde vieram.
   Romero Freitas diz que o cinema é uma linguagem e que portanto ele não é palavra, música ou pintura. Ele diz por movimento. Lemos o movimento sem perceber. Se conseguimos narrar verbalmente e explicar racionalmente um filme isso significará que ele é falho. O cinema não pode ser explicado. Ele existe. Romero cita como exemplo dois momentos: o olhar de Monika para a câmera em Monika e o Desejo de Bergman; e  todo o Joana D'Arc de Dreyer. O olhar de Monika diz o que? Ele diz, mas o que é dito? Impossível dizer. Impossível descrever. Nós vemos e sabemos o que ele diz. Mas não podemos dizer. Não podemos porque não é literatura. Não é filosofia. É puro cinema. 
   Flavio Paranhos diz em outro artigo, sobre justiça, que O Sol é Para Todos o comove ao ponto de chorar. É o único filme que lhe causa choro. Somos dois. Atticus Finch é o maior nobre do cinema.
   Saiu e já comprei: O Livro de Cabeceira de Sei Shonagon. Escrito no ano 500 de nossa era, é o mais atual dos livros. Uma concubina observa a vida e a descreve num diário. Tudo o que ela escreve parece que foi escrito hoje. Sei Shonagon escreveu um tipo de blog afetivo 1500 anos atrás. Seu livro é um convite para  revalorizar a vida.
   Editora 34, custa 80 paus. Vale mais.