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1977-1969-2014-SEMPRE...

   Não lembro da loja. Sei que foi em Pinheiros. Na Teodoro Sampaio. Em 1977 ela era uma rua mais decente, ainda tinha algumas lojas bem legais e não existiam camelôs. A esquina com a Pedroso de Morais era bonita, tinha a doceira Docinho. Todas as travessas eram silenciosas, residenciais, ainda não havia comércio na Mourato e na Lacerda. Só a Fradique tinha movimento. Fazia sol, era fim de verão. Saímos do bar do meu pai e compramos dois discos. Abbey Road foi escolhido por ter Come Together. E Let It Bleed por causa da crítica que Ezequiel Neves havia escrito. Voltamos para o bar e ficamos esperando a carona de nosso pai. No escritório que ele tinha a gente rabiscou na porta a data e o nome dos dois discos. Essa porta, com os anos, acabou cheia de escritos. Esse foi o primeiro. 
  Na sala, ao sol, só na manhã do dia seguinte, a gente os escutou no 3 em 1 da Sharp. 
  Lembro que achei o lado 1 dos Beatles muito bom e o lado 2 decepcionante. Com o tempo adorei. O disco dos Stones achei esquisito. Não gostei muito. Meu irmão, que coisa, gostou dele de primeira. Numa manhã, inesquecível, em que ouvi Let It Bleed de meu quarto, enquanto Edú o escutava na sala a todo volume, descobri que aquele era o disco. 
  Existem discos que me são tão vitais quanto meus pulmões. Siren do Roxy Music, Led Zeppelin - Houses of The Holy, o Transformer, Pin Ups de Bowie.  Nenhum mudou minha vida como Let It Bleed mudou. Durante o resto de 77, e agora lembro que errei a data, ele nao foi comprado no fim do verão, mas sim em agosto, eu o escutei sozinho em casa, toda tarde, em frenética excitação. Estudava datilografia às 4 horas e sempre descia a rua até a escola cantando Let It Bleed. 1977 definiu a eternidade da minha mente, foi o alicerce, foi o acordar da infância, foi ver o mundo. O disco da capa do bolo e da roda foi sua trilha.
  Hoje, 28 de novembro de 2014, ele completa exatos 45 anos de vida. Em agosto foram 37 anos comigo. O mesmo vinyl errado ( o selo do lado A está colado no lado B ). Sulcos que me trouxeram blues, sexo, euforia, beleza, raiva. A guitarra de Keith nunca soou tão cortante, o timbre suave e ao mesmo tempo forte, cheia de silêncios, de respiros. A bateria nunca foi tão jazzy, Charlie em plena forma. E Mick, ainda longe da mania dos falsetes, cantando como Mick, um preto. É meu disco favorito? Não sei. É aquele que mais me traz lembranças fortes. 
  Em dezembro desse mesmo ano fomos à praia. No Caravan vermelho de meu pai fomos cantando, eu e meu brother. Ele cantava Country Honky e eu Let It Bleed. A Serra passava voando pela janela, o fim da tarde parecia uma festa e a praia teria gosto de vida. 
  Como voce pode notar, Let It Bleed é mais que um disco. Não há como falar dele apenas como música. Ele, como um terreno fértil onde coisas crescem e respiram pelos anos passados, solo úmido, solo rico, brota e traz frutos e sementes que se espalham dentro e fora de mim. 
  Se a música é a lingua do cosmos, este disco alicerça uma mansão estelar.

A VIDA SEXUAL DO SELVAGEM- JULIO BARROSO

   Era 1991 e meu amigo de baladas, Percy, aquele que delirava no Satã e fazia amizades eternamente futeis com todos os trapos chiques do mundo, bem, Percy me deu este livro da editora Siciliano ( existe ainda? ). Isso foi em 1991 e em 91 eu estava já bem caseiro, posando de lord dono de terras. Imaginação é uma das realidades possíveis baby.
  Então volto agora mais um pouco, 1984. 
  Esse foi, talvez quem sabe, o ano mais admirável de minha life. Por uma montanha de motivos que talvez eu esteja com preguiça de detalhar. But...nesse ano eu me apaixonei quatro vezes, e só isso faz de qualquer ano uma coisa admirável. Mas houve mais. Descobri escritores, músicos, pintores, uma constelação. E nunca estive tão sedento de inspiração quanto então. Era uma ração de piração inspirada. Tudo de novo que rolava era meu. Eu flutuava de juventude doida. Ousava. 
  Pois foi nesse ano que Julio Barroso morreu. E nas explosões de epifanias que eu vivia, sua morte foi uma construção vulcânica. Julio caiu da janela de seu apto no Jardim América. Pó ? Vai saber...Li isso num jornal de um cara na sala de aula da Fiam. Fazia frio e era junho. Mas, o fato é, quem era Julio?
  Agora é 1981 e é sábado. Saiba que 1981 é o tempo de Gilliard e de Gretchen. E também da genial alegria de Jorge Ben, Cor do Som e do Pepeu. O Brasil, começando a se soltar, vivia o fim do sonho hippie peace and love. Viria em seguida o chic and sex. Mas... Na TV Bandeirantes Nelson Motta apresentava um programa jovem chamado Mocidade Independente. Gravado em sua boate na Faria Lima, nesse programa teve Bowie com Ashes to Ashes. Teve Arrigo Barnabé. Teve Kid Creole and The Cocoanuts. Teve Gabeira. E teve o Júlio. Com as Absurdettes, ele aparecia num cenário neon onde pintava seu rosto magro com baton. Era esquisito pacas, porque a cara dele era de raiva e o gesto de extrema suavidade. O som ao fundo era um tipo de trip dark. Me deu ansiedade. Gelada.
  Na hora não notei, mas eu já conhecia Julio. Desde um ano antes, quando ele esteve na geração de redatores finais da agonizante Revista POP. Na Abril, ela era A revista. Julio escrevia sobre reggae, funk, soul, new wave e novidades africanas em geral. Julio era desbundado. Alucinado. Exagerado. Como eram os ótimos críticos musicais da época. Como eram Zeca, Okky, Ana, Zé Emilio, Valdir. Nomes que a gente lembra até hoje. 
  Dou um salto para agora, novembro de 2014. Aqui está o livro de Julio. Livro que não via desde muito tempo. Estava no fundo de um baú. Protegido. E meio esquecido. Vou desfolhar com voces. Let`s go...
  O livro é em P/B e tem desenhos, meio africanos, um tipo de graffitti, em todas as páginas. O formato é big, retangular. Amigos de Julio escrevem textos sobre ele. O que mais falam é de sua energia, alegria e do monte de ideias que brotavam de sua cabeça. Julio era carioca, e morara em NY, no Caribe e rodara Europa. Fotos que mostram o luxo irrecuperável de 1980. Tem algumas, de Vania Toledo, com Julio, May East, Gigante, Alice, andando em alguma rua madruguenta dos Jardins, que são o fino do extra-cool. Saudades de Teddy Paez....
  Textos escritos por Julio. Me surpreendo. Eu escrevo como Julio. O cara me influenciou pra caramba! Julio-Zeca-Francis, tento, sei que longe deles, tento...Os textos de Julio falam de novidades de então. Música africana, reggae, soul de vanguarda, new wave, jazz experimental, novas bandas made in Brazil. Tem alguns poemas de Julio, letras de músicas, ideias. Ele queria montar um escritório que vendesse ideias. Para quem não as tivesse. Ele adoraria viver a época da intenet. Hoje teria 60 anos.
  Em 1980 Julio formou a Gang 90. Na boate do Nelson Motta, na Faria Lima. Entre aquele monte de peles de tigre fake que lá havia. Julio era DJ lá.
  Aliás o livro tem uma foto do convite da Noite Brasileira de Julio em NY. Em 1979 ele foi DJ por lá. No convite tem Cassiano, Lady Zu, Gerson Combo, coisa fina, todos lá.
  Voltando. A Gang se apresentou num festival de MPB da Globo. E foi vaiada. Isso em 80. Em 83 eles fariam parte da trilha sonora de uma novela da mesma Globo e estourariam. Em 84 Julio partiria. O disco da Gang, o único, que eu comprei na época e ainda tenho, é uma mistura de tudo aquilo que ele ouvia. De Blondie a tribal africano. Reggae a pré-rap. É bom mas tem um grande problema: tem a sonoridade dos discos de MPB da época. A bateria fraca, a guitarra suavizada e todo o foque em cima da voz e dos teclados. Parece fake. Fraco fake. Soft demais...but i like it ! 
  Temos daquela geração os piores. Lulu, Herbert, Roger, Lobão....os melhores se calaram ou se perderam: Ritchie, Marina....Cazuza, Cássia, Renato....e Julio. Nada foi mais trágico que o destino dessa geração. Os medíocres restaram.
  Julio, assim como meu amigo Percy, sempre vai me recordar os Jardins. É o som de um mundo que não mais existe. Então ainda era cheio de silêncio, de escuridão, de sombras e de deslumbramento chique. Percy vive em Curitiba agora, e lá é DJ. Julio foi pra onde vão os poetas eternamente jovens. E eu tou aqui. Apertando teclas e tentando manter vivo o sonho e a luz...
  Postarei alguns clips do sons que Julio amava. Enjoy it. 
  A lição de Julio e de sua geração foi e é: Seja curioso, furioso, chique, sempre!
  
  

AQUELA PRIMAVERA FOI MUITO QUENTE!!!!

   Foi um setembro muito quente. Meu cabelo suava e meu sovaco tava sempre pingando. Em 1980 os desodorantes daqui eram ruins. Tanto quanto os telefones. Mas tinha umas coisas boas. Ir aquele fim de tarde de sábado ao Shopping comprar dois discos foi muito legal. Um deles foi EMOTIONAL RESCUE, o outro não consigo lembrar.
  Eu tava apaixonado naquele tempo. Muito in love. Talvez o outro disco tenha sido brasileiro. Foi na Hi Fi, uma loja moderninha, cheia de cabines pra ouvir os discos antes de comprar. Fui com meu bro`.
  A capa do LP era bem doida com umas fotos esquisitas dos caras. Ouvimos naquela noite. Na época eu achei um disco ok. Me diverti muito com ele nesses anos todos. Disco de verão, quente, juvenil, alegre pra caramba. Ouvindo hoje, dia de sol, eu com trinta e quatro anos a mais ( Impossível !!!! ), como foi ?
  Dance é bacana. Lembro de Zeca Jagger falando da cuica que rola no som. Tenho esse recorte. Ele chama a banda de Os Jaggers. Summer Romance é deliciosa. Fala disso mesmo, amor de verão. Pra quem não sabe, aquele seria o melhor verão da história. Tangas, top less, otimismo a toda, muita cor. Summer tem um Charlie Watts dos diabos. O som dos pratos é dantesco. E o timbre das guitarras é sorridente. Pra cima. UP! Send It To Me é o melhor reggae dos caras. E tem um micro solo do cacete de tão simples.
  Let Me Go é uma das dez melhores canções dos Stones de 1978 pra cá. A batida é foda. O riff é foda. E percebo que Bill Wyman nunca tocou tão bem. O disco é dele. repare, as linhas de baixo de todas as faixas são ótimas. Sacolejam. Floreiam. Indian Girl é um quase country com um piano lindo e uns metais de mariachi bons demais. Quando voce se apaixonar escute-a.
  Where The Boys Go é uma alegria. O som corre e Mick pergunta onde os caras vão sábado de noite. Eu ia atrás da meninas. Eles também. O coro feminino é de matar. Uma faixa very very sexy. Pulo a faixa seguinte. Zeca dizia que ela era ruim. Me too. Mas então que tudo cesse: Eis Emotional Rescue. Baixa um Marvin Gaye em Mick. O baixo é delirantemente criativo. E esse eco nos pratos bota o universo pra dançar. Duca duca duca!!! O sax de Bobby Keys é astronômico! E.....She`s So Cold !!!!! Riffs malandros de uma guitarra contida. Elegancia baby, em grau máximo. Tam tam, e vem o solo. Tam tam, são os pratos. Wow!!!!
  Enfim All About You que é Keith desabafando sobre Anita. Tipo de som "mesas de bar com cadeiras em cima e velho varrendo o chão"....O piano é lindo...
  Estava neste sábado conversando com meu friend Fernando Tucori e dizia que uma banda tem, com sorte, cinco anos de criação. As melhores conseguem esticar esses cinco em mais uns dez de repetição, de auto-plágio. Os Jaggers fizeram este LP aos 17 anos de estrada. Os 5 grandes anos haviam sido sete ( de 65 à 72 ), e agora eles rodavam na memória desse topo. Mas aqui há criação, há novidade, hà tentativa.
  Descaralhante? Não. Mas, uma alegria duradoura, sim!

O PIOR DOS ANOS 70 É O MELHOR DO SÉCULO XXI ?

   Fico babando ovo dos anos 70 ( que foi a última década origonal, como atesta o livro recém lançado do Forastieri ), mas me esqueço que havia algo de enervante na época: a intolerância. Talvez as coisas tenham sido tão fascinantes exatamente por causa desse mal. Cada grupo ia ao limite em sua linguagem, sem desvios de caminho ( as exceções voce conhece ). Mas caramba, como isso me irritava!
   Se voce gostava de Led Zeppelin era inadmissível que voce ouvisse Elton John ou Rod Stewart, e pior ainda, já que voce gostava do Led voce TINHA de gostar de Foghat ou dos Allman Brothers. Brancos não ouviam música de negro e negro não podia tocar música de branco. Um saco!
   Quando um artista quebrava essa lei era uma "decepção", o cara era crucifixado. Saía das fileiras sagradas e puras do rock e passava a fazer companhia às prostitutas do pop. Era assim com David Bowie. Os roqueiros ( ô raça! ), jamais o perdoaram por Young Americans em 1975.  Os Stones se enrolaram de vez em 1973 com a baladona Angie e Rod, bem, Rod dançou feio desde 1974 com suas canções à Elton John. A coisa era tão idiota que quando Jeff Beck gravou Stevie Wonder em 1973 perdeu todo seu público. Virou um tipo de guitarrista pária, um vendido ao soul.
   Eu odiava tudo isso. Meus amigos não me entendiam. Como voce, Paulo, um cara que ama o Led, Jimi, Clapton, pode ouvir Bee Gees!!!! Como voce pode não gostar de Yes???? Eles são muito melhores que esses medíocres do Roxy Music!!!!
   O Punk radicalizou mais ainda. Para eles TUDO gravado por alguém com mais de 23 anos não tinha valor. Talvez apenas com as exceções de Iggy Pop e de Lou Reed. Talvez... Jogaram no lixo os discos de Neil Young, MC5 e Van Morrison, e depois passaram os anos 80 comprando todos de novo. 
  A década de 80 recuperou os velhos charmosos e os anos 90 os hippies raivosos. Os anos 80, com Prince, Red Hot e Beastie Boys aboliu a barrreira da cor da pele, e os anos 90 desfez o preconceito contra os cafonas dos anos 70. Kiss, Thin Lizzy e Black Sabbath começaram a ser levados a sério. Daí pra frente só faltava reabilitarem a disco music. 
  Eis onde quero chegar. Sempre odiei Balck Sabbath e agora, em 2014, ouço sua discografia com prazer. Sabbath Bloody Sabbath é genial e Sabotage é uma obra-prima. Os riffs são muito bons e o baterista toca com ritmo e vontade. Legal ! Mas....porque essa mudança? Penso que é porque apesar de achar que não, eu também era preconceituoso. Eu me pautava pela crítica ( Zeca Neves, Ana Maria Bahiana, Big Boy, Nelson Motta ) e eles NÃO gostavam do Sabbath. Como detestavam também Genesis, Rush e ELP. Em 1977, sendo eclético me fiz preconceituoso contra o não-sofisticado, o não eclético. Pode?
  Recentemente vi na TV a entrega do rock`nroll hall of fame ao Rush. Quem entregou foi Dave Grohl. Ele pulava excitado por poder homenagear seus heróis. Sim, heróis. E vi que os canadenses são encantadoramente humildes. E very funny. O Foo Fighters tocou com eles nessa noite e todo o preconceito de 1977 caiu por terra. 
  Ainda não gosto do Rush. É chato. Mas fico lembrando de Johnny Rotten, que vomitava contra os WHO, ouvindo hoje os FACES. É justo. É certo.
  Posso enfim ouvir Alice Cooper como ele merece: com amor.

ROCK IN RIO

   Michael Jackson, Madonna e Prince colocaram o POP numa nova época e com isso transformaram o velho rock em coisa para sempre PROUSTIANA. O rock deixou de ser a ponta da lança e virou madeleine que sempre remete a alguma sensação do passado. Porque mesmo os meus alunos de 12 anos, quando gostam de rock, ficam naquela coisa de "detestar os anos 2013 e amar o que deveria ter sido SEATTLE-BEATLES-WOODSTOCK-VELVET UNDERGROUND. A coisa congelou e é irrelevante. O futuro passa longe do rock. Virou jazz, virou blues. Pode ser até sincero, emocionante, mas é SEMPRE coisa derrotada, passada, mofada e levemente preconceituosa.
   Não há diferença entre um show de Elton Juhn e algum cantor de piano com 20 anos. Só as rugas e a quantidade de boas canções. Todas as cantoras fofas de violão e de cabelinho são idênticas a Joni Mitchell ou a Rickie Lee Jones. A única diferença é que Joni era melhor. Se em 1980 ser velho era copiar alguma coisa com mais de dois anos, hoje ser "jovem" é se parecer com algo que tem mais de 30 anos. Esquisito pacas! O rock é a trilha sonora daqueles que não aceitam a passagem do tempo.
   É claro que alguns shows são bacaninhas! Mas chamar um show de rock de "divertido, bacana ou super-interessante" revela sua falência. Rock tinha de ser revoltante, surpreendente e visceral. Ou não era rock, era pop. Por isso que os caras se detonavam. A exigência dionisíaca era imensa.
   Nunca esqueci de uma matéria de Ezequiel Neves escrita em 1981. Ele tinha ido a Londres e comentava os shows que vira por lá. Falava dos "novos" Duran Duran, Classix Nouveaux, Visage e Ultravox. Reclamava que eram shows ensaiados demais, sem suor, limpos, shows sem erros, sem riscos. Dizia que eles copiavam Bowie só na superficie. Pois bem. Hoje, em 2013 posso dizer, eles eram o futuro.
   Nerds não namoram. E nunca parecem ser sexys. O rock é hoje música do cara que tira 10 em física. Como pedir para essa música voltar a ser sexy, solta, doida e livre? A galera rebelde está ligada em esporte e não mais em som. O cara que foge de casa, que namora todas, que se mete em encrencas, esse dá uma importãncia enorme a esporte, e quando escuta música é algo para o acompanhar no skate, no surf, na moto ou na briga. Nunca será rock. Nos anos 80 além de MJ, Madonna e Prince surgiu um novo fenômeno jovem, o esporte como moda. Basquete, surf, skate, bike, snow, esses passaram a ditar visual e comportamento. O rock os seguiu. E ficou mofado. Porque nunca os alcançou. Música de esporte passou a ser o RAP. Ou eletro. E só.
   A ligação do rock com o corpo se foi nesse momento. A coisa libertária e cheia de gozo que havia em Jagger, Iggy Pop, Jim Morrison e mais uma multidão, foi perdida. O rock passou a ser a música de Morrissey, do cara que no máximo se masturba no quarto. E esse cara é sempre um fraco. O nerd viu nele sua salvação. O rebelde riu e puxou o carro. O tempo anda. Morrissey se lamenta e sonha com Oscar Wilde.
   Diante de Jay Z, Justin ou Beyoncé, o rock "rock", o rock que sonha em ser Beatles, Led Zeppelin ou Bowie, sabe que seu tempo passou. Ele fica parecendo pequeno, nada potente, fútil. Porque no mundo que agora, sem o disco e o CD, é feito de show e de imagem digital, competir com esses shows tipo LAS VEGAS-DISNEY-CABARET é impossível. Três caras com guitarra, baixo e bateria nada podem contra trinta dançarinos e um bom cantor.
   Porque esses caras têm talento. E cantam pacas! E o principal: Eles têm sangue nos olhos. Vieram do gueto. Trabalharam duro. E seguem a tradição pop de Marvin Gaye e de Diana Ross. A essas vozes uniram o puteiro de Madonna. Eis a modernidade. Que pode ser muito bonita. Mas nada tem a ver com rock.
   Pois voce acha que o BOB DYLAN nascido em 1990 tá cantando o que? Ele canta a saudade da route 66, ele canta a solidão de seu quarto de teen, ele canta a redoma de seu amor triste. Mas sabe, se for sincero, que nasceu tarde demais. Se Dylan foi um futuro, esse cara é agora um passado que virou madeleine.
  

QUANDO UMA OBRA DE ARTE MARCA SUA VIDA VOCE LEMBRA COM DETALHES DA PRMEIRA VEZ... A PRIMEIRA VEZ COM VIVA!

   Quando uma obra de arte marca sua vida, ela não se fixa em sua vida apenas por ser única. É o momento em que voce a encontra, assim como ocorre com o amor, que dá à obra sua "aura" semi-religiosa. Falo semi-religiosa porque mesmo um ateu militante ( ateu militante, contradição em termos ), tem uma experiência religiosa ao topar com a obra que definirá sua vida. É um momento em que não só ela, como o lugar e o dia em que foi avistada, dão ao apreciador um sentido de permanência, de motivação e de verdade. Como se naquele lugar e naquele momento a vida estivesse a descoberto, exposta em toda sua magnífica luz.
 Desse modo, tão importante quanto ter visto "OITO E MEIO" por exemplo, é a sala onde o assisti. A manhã de domingo, o tipo de luz que vinha pela janela, o pijama que eu usava. Se voce quiser saber o quanto aquela obra foi importante para voce faça a medição de quantas coisas voce recorda do dia em que a conheceu. Na primeira vez em que escutei LET IT BLEED eu estava com calor, sem camisa. Era hora do almoço, eu ia matar aula e meu irmão o escutou comigo.
 Do disco VIVA! do Roxy Music, tudo está vivo na minha lembrança. Tão vivo que até o cheiro da capa recém aberta me volta ao nariz quando rememoro esse momento. Era 1977, era abril, fazia sol e calor. Portanto daqui pra frente meu texto se tornará impressionista e se voce achar que o que aqui escrevo só interessa a mim mesmo.... bem, nosso mundo será brevemente um mundo ONDE TODOS SERÃO escritores e raros saberão ser leitores. Ele já é mundo em que bandas são mais numerosas que discos.
 Como todo quarto dos anos 70, o meu tinha cada centímetro das paredes coberto por uma foto recortada de alguma revista. Mulheres de bikinis, um cachorro salsicha, barcos, Cauli e Bocão pegando ondas, Zico, ilhas e bandas de rock: Led Zeppelin, Bad Company, Queen, Rolling Stones, Rod Stewart, Who, Zappa e uma do Ted Nugent. Naquela tarde de sol eu arranquei foto por foto  e comecei a pintar as paredes. Melancolia, eu cantarolava Chance Meeting, canção que havia recèm conhecido em VIVA! Não sabia que para o resto de minha vida aquela seria a música da minha melancolia.
 A primeira audição.
 Eram três da tarde e a casa estava vazia, toda pra mim. Uma lata de Lanjal misturada com água. Um vinyl bonito, o selo com o colorido VIVA! escrito com brilhantes e a capa de papelão: uma morena bonita cantando com Mr. Ferry.
 A multidão grita e faz coro, entra o som. Rico, cheio, oriental: OUT OF THE BLUE, com óboe, sinuosidades sexy, e a voz. Bryan cantava mais forte na época, cantava alto, viril, e tinha forte acento de ironia. A música evolui, a bateria de Paul Thompson comanda, um solo de Phil Manzanera e o encerramento extasiante. O povo delira e entra PYJAMARAMA. A new-wave nasce aqui. Ferry era então o rei de Londres. Pop classudo, belo sax de Andy MacKay. Eu estou estranhamente hipnotizado, aquilo era diferente, não parecia rock, era outra coisa. THE BOGUS MAN me aterroriza. Bateria marcial, baixo swingado e milhões de efeitos elétricos. A voz de Ferry é maldita e noturna, o synth de Eddie Jobson flutua, me enamoro do timbre da música, começo a entender sem saber das teorias de Eno: timbre é tudo.
 CHANCE MEETING em versão pop. Vozes da platéia ao fundo. Triste como uma despedida. E vem a alegria de BOTH ENDS BURNING. Muito melhor que a versão de estúdio, muito louca, solta, febril, emocional. Os vocais das Sirens são errados, desafinados, maravilhosos. Viro o vinyl. A platéia grita em coro: ROXYROXYROXY, costume mantido até hoje. IF THERE IS SOMETHING. Seria para sempre. São 3 movimentos, quase uma sinfonia glitter. Quanta beleza cabe numa faixa de vinyl negro que brilha como petróleo? IN EVERY DREAM HOME A HEARTACHE. Maldição, soturna, dark, vampirismo. Voodoo. DO THE STRAND. Final à la Roxy: festa. Caleidoscópica festa. Vai de tango a rumba, de rock a soul e valsa com fandango.
  Mas antes:
  Sentado num tronco de árvore que caíra a tempos em meu campo. Umidade, era a primeira tarde fria do ano. No JT vinha a crítica do lançamento do novo disco do ROXY: VIVA! Escrito pelo insuperável Ezequiel Neves. Ele botava o disco nas alturas. Chamava ENO de maluquete e dava a Ferry a alcunha de Frank Sinister. Eu já havia comprado outro disco do ROXY, Siren. Gostara, mas não muito. Na tarde seguinte, ainda muito cinza, iria comprar o tal de VIVA! O sol viria forte no dia em que o escutei... 
  É 2012.

EZEQUIEL NEVES FEZ MEU PARTO

Era a revista POP e eu tinha 13 anos. Matérias sobre camping, Zappa, Bad Company e Lou Reed. Fotos de uma garota de 12 anos que vivia de girassol e mel. Surf e jeeps. E Ezequiel assinando como Zeca Jagger. Ler Zeca aos 13 foi nascer outra vez. Ele não escrevia sobre bons discos ou caras importantes do rock. Ele escrevia rocknrollmente sobre rocknroll, ele era um fã que jamais temia ser parcial.
Comecei a ler Zeca no Jornal da Tarde também. E lá ele era ainda mais rock. Para ele um disco legal era "descaralhante" e um disco ruim era assexuado. Zeca NUNCA suportou música brochada, vozes angelicais, músicas de gente boazinha. Pop era rock e rock era satânico. Sempre.
Foi ele que me falou de Iggy e de Roxy pela primeira vez. E foi ele quem me fez entender o porque de Genesis e Yes serem tão chatos. O segredo era sempre o mesmo: tesão. E tome Jagger e suas altezas satânicas!!!!! Jagger e Miles Davis, esse era o mundo de Zeca.
Nos anos 80 o pop começou a ficar muito fake, anti-descaralhante, posudo. Zeca foi produzir o Barão e se apaixonou por Cazuza. Lógico: Cazuza era o descaralhismo vivo. E aí perdí Zeca, perdí o rastro rocknroll da vida. Deixei estar em vez de deixar sangrar.
Morre Ezequiel hoje. Veja só, no mesmo dia que Cazuza... e este mundo frouxo fica um pouco mais frouxo. Um cara como Zeca não tem lugar em mundo de Big Brother e Caras. Seu caminho era outro, caminho de Big Road e Taras.
Divirta-se Zeca !!!!! Eu tô perdido sem pai nem mãe. A gente logo se vê por aí !!!!!

chet baker, aldous huxley e jornalismo cultural

Aproveito esses dias de folga e chuva para reorganizar minha coleção de recortes antigos de jornal. Sim, sou desses idiotas que recortam jornal. No meu caso recortava. Não há o que recortar hoje.
Viajando pelos recortes, alguns do JORNAL DA TARDE, outros do ESTADÃO, muitos da FOLHA; leio críticas de cinema da década de 70 ( TAXI DRIVER, ANNIE HALL, APOCALYPSE NOW, CASANOVA, DERSU UZALA ). Um tipo de crítica diferente. Não se falava em bilheteria. Se via muito o viés politico e social do cinema. Se cobrava muito do diretor.
Viajo aos guias de salas e me surpreendo. Muitas salas na avenida Santo Amaro, nas ruas de Santana, nas ruas de Pinheiros e até a avenida Francisco Morato tinha sua sala. Existiam dois cinemas para se ver cinema no carro ( auto-cine ) e salas imensas na São João, na Ipiranga, na Domingos de Morais.
Críticas de discos de meu critico favorito, Ezequiel Neves. Ele nunca era imparcial. Quando gostava de um grupo, tudo era "descaralhante". Quando era ruim, ele xingava e acabava com a raça da banda. Foi ele quem me instruiu sobre Roxy, Lou, Talking Heads, Blondie e Miles Davis.
Uma série do JT com a história do jazz. Isso mesmo, eles publicaram em várias edições toda a história do jazz. Foi lá que aprendi o que sei. Depois veio a história da ópera e da música sinfônica.
Os dez filmes favoritos de Inácio Araújo : Rio Bravo do Hawks é o primeiro. Depois vem A Palavra do Dreyer, Viagem à Tokyo de Ozu, Dr.Mabuse de Lang, O Beijo Amargo de Aldrich, Alphaville de Godard, A Marca da Maldade do Welles, Vertigo de Hitchcock, Pickpocket do Bresson e Tabu do Murnau. Os dez do Ruy Castro : Cantando na Chuva, Kane, Casablanca, A Montanha dos sete Abutres, A Malvada, Dr.Fantástico, Laura, Vertigo, Luzes da Cidade e O Homem que Matou o Facínora.
Os dez discos do Alvaro Pereira Jr. London Calling do Clash é o primeiro. E daí vem Mission of Burma, Sex Pistols, Velvet Underground, Joy Division, o Satanic dos Stones, Ramones, Beatles Revolver, Pretenders e Stooges. Os dez do Zeca Camargo : Prince Parade é o primeiro. E vem U2, Talking Heads, Velvet Underground, Sex Pistols, Malcolm McLaren, New Order, Jesus and Mary Chain, Bowie Low, e De La Soul. São listas de 1999.
Matéria de Antonio Callado sobre Aldous Huxley no Brasil. Fico sabendo que foi o avô de Huxley quem inventou a palavra Agnóstico. Que Huxley veio ao Brasil em 1960. Que encontrou Claudio Villas-Boas no Xingu ( não avisaram Claudio quem ele era. Mas Claudio assim que o viu disse : - Voce não é Aldous Huxley ? Adoro Contraponto ! ). Huxley era um sábio. O último talvez. Sabia muito sobre muitas coisas. Dizia que nós atingimos o nirvana se na hora da morte a aceitarmos com alegria. Tomava LSD, que era legal, para encontrar Deus. Tomou dois na hora de morrer. Ele pensava que o mundo se tornava o inferno descrito nos textos indús. Onde o desejo cresce sem cessar e jamais poderá ser satisfeito. Contraponto foi moda nos anos 30. Huxley se apaixonou pelas borboletas do Xingu. Huxley foi um intelectual que dizia : Não ouço ou leio algo por ser relevante. Leio e escuto só o que me dá prazer. E, por felicidade, Beethoven e Shakespeare me dão muito prazer.
Viajando pelos recortes encontro pilhas de textos sobre Yeats. A Folha em 1988 publicou cinco páginas sobre meu ídolo maior. Textos de Haroldo de Campos, Paulo Vizioli, João Moura Jr. Sua vida : ministro do estado livre da Irlanda, poeta, místico espiritualista, dandy simbolista, apaixonado por Maud Gonne, recusado e apaixonado pela filha de Maud Gonne. Autor de teatro. Estudante de pintura. Um homem que viveu a luta entre " seu eu e seu anti-eu. O ser e sua máscara."
Textos escritos nos dias das mortes de Laurence Olivier, John Gielgud, John Huston, Miles Davis, Peter Sellers, Rex Harrison ( escrito por Paulo Francis ), Audrey Hepburn, David Niven, Bob Fosse, Chet Baker.
André Forastieri escrevendo sobre o Led Zeppelin em 1989. Dizendo que a década de 90 será do Led ( acertou. Foi a década de Pearl Jam, shows em estádios, baterias pesadas, cabelos longos, Red Hot, Stone Roses lançando um segundo disco muito Led, Foo Fighters, Soudgarden, Stone Temple Pilots ). Uma frase genial de André : " Nos anos 80 o Led foi odiado porque a década de 80 foi a década de mentirinha. A década das falsas aparências, do cinzento. O Led é preto no branco, é rude, é verdadeiro. A década de 80 é Smiths, grupo frouxo para uma geração frouxa."
E mais André, em texto estupendo, longo ( página inteira com letra miúda ) sobre DIAMOND DOGS do Bowie. Descrição de faixa por faixa, de músico por músico, dos shows, da capa, de tudo. Informação completa. E ele faz justiça : é o melhor de David.
Páginas sobre Chagall, sobre Doisneau, sobre Matisse.
Entregas do Oscar. A de 78, a de 83. Tantas mais... páginas longas, pouca foto, muito texto. James Stewart, Olivier, Kurosawa, Fellini, Cary Grant, até John Wayne e Fred Astaire, vivos. A graça de ver o Oscar era ver esses caras vivos. Quem quer ver Tom e Julia na platéia ?
A derrota do Brasil na Espanha em 82. Eu guardei. A Manchete do título da Itália : Bravi Ragazzi ! e antes, no dia da derrota, a foto linda do menino chorando.
Miles Davis tocando aqui. Dizzy, Grapelli, Ella, Brubeck, e Sinatra no Maracanã. O primeiro show dos Stones : 10 páginas na Folha. Paul in Rio, um caderno inteiro.
Luis Antonio Giron analisando toda a obra do Roxy Music. Maravilhosamente bem informado. E Alex Antunes falando de Ferry.
Paulo Francis escrevendo sobre teatro inglês, sobre a Broadway, sobre politica. Eu recortei e guardei.

Mas não adianta eu ficar aqui, descrevendo meus recortes. Como voces vão poder lê-los ?
Termino com uma pequena jóia. Um texto da Folha, de 88, escrito no dia da morte de Chet Baker. Matinas Suzuki escreveu. Um estilo que desapareceu de nossos jornais. Perto disto, o que se escreve hoje é texto de telegrama. Reproduzo apenas alguns trechos :
" Me custa muito conviver com a idéia de que estás morto. Havia sinais no ar, mas eu me recusava a aceitá-los....Não sei bem porque, mas na volta de Roma comprei, na estação de trem, o jornal La Republica. É morto il jazzista Chet Baker. E foi como se o trem saísse dos trilhos e penetrasse no transparente mar verde que via por minha janela esquerda....Na verdade havia perdido minha razão pela viagem. Porque uma das coisas que me moviam a suportar a rotina de malas, trens e hotéis, era o fato de poder passar horas, dias, perseguindo lojas de discos de todo o mundo, nas quais ia direto a seção jazz e a letra b.... lá voce estaria cantando só para mim. E isso era tudo...... e ao fim de tudo, só consigo pensar em voce cantando alone together. Voce morreu numa sexta 13. Espero que alguém cuide de mim."
Pioraram as pautas, os jornalistas, o espaço encurtou, o que aconteceu ? Não importa o que houve. O que desejo é que alguém cuide de nós.