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ERA UMA VEZ NO OESTE- SERGIO LEONE, PODERIA SER O MELHOR FILME DA HISTÓRIA?

Nos fartos comentários deste dvd, feitos entre outros por John Carpenter e John Milius, é dito que esta "ópera" de Leone é o primeiro filme pós-moderno. Pois, pela primeira vez, um filme é feito tendo por base não a vida ( ou a literatura ) mas sim, o próprio cinema. Entenda, não se fala de refilmagem, que isso sempre houve, mas de um tipo de filme que nega a vida; tudo o que ele mostra não é a tal vida, mas sim o cinema. Desse modo, Leone jamais tenta criar situações reais, mas sim situações de cinema; o céu que vemos não é "o céu", é céu de filme. Ele não procura nos convencer de que aquilo é a vida, todo o tempo ele fala: é um filme! Portanto, Sérgio faz o primeiro filme de Lynch, de Almodovar, de Tarantino e de tantos outros.
E tinha de ser em forma de western, pois nenhum gênero é tão cinema quanto o faroeste. Não existia teatro western, literatura western, pintura de faroeste, óperas de cowboys. É o cinema que cria esse tipo de arte, de espetáculo. Quem ama o western ama o cinema, quem o ignora, tem amor por outra coisa ( filmes que são livros ou filmes que são teatro ). E Leone amou o cinema com uma paixão sublime. Este filme o atesta.
Foi um grande fiasco em 1968. No fantástico ano de 68, ano de 2001, de If, de Amor em Fuga, de The Wild Bunch, de Kes e de Partner. Os americanos odiaram sua lentidão e seu tamanho. Uma crítica o chamou de "O cacto e o Tédio". Mas, um cinema na França ( e é Alex Cox nos extras quem diz isso, chamando os franceses de "nação de cinéfilos" ), o exibiu durante quatro anos!!!! Logo ele se tornou cult, e hoje há quem o considere um dos maiores filmes já feitos.
É Carpenter quem chama a atenção para seu modo "japonês" de usar o tempo. Como nos grandes filmes do Japão, o tempo aqui não passa, ele escorre. Todas as cenas são longas, são exauridas, observadas ao máximo, distendidas. Voce termina sentindo outro tipo de tempo fílmico, silencioso, quase zen.
O filme começa. O início é puro "Bastardos Inglórios", só que bem melhorado. É o mesmo tipo de som, a mesma amplidão, o mesmo suspense. A primeira coisa que impressiona é o tamanho das imagens. Ver esse filme em tela grande deve ter sido um inenarrável prazer. Se um dia voce tiver a chance, corra para vê-lo. Tonino Delli Colli, dos filmes de Pasolini, fez a fotografia. Não consigo lembrar de algum filme com melhor visual. Closes imensos ( penso nos olhos azuis de Fonda em tela imensa, nas rugas de Robards ) e cenas vastas, horizontes sem fim, desertos vermelhos e amarelos, poeira voando. O filme é tão belo visualmente que chega a dar vertigem. E a cenografia, com seus barracões de teto aberto, seus objetos cuidadosamente dispostos, lembra o melhor de Visconti e de Ophuls.
E começa o filme.... Os primeiros trinta minutos são dos melhores momentos que já ví em cinema. Três pistoleiros esperam um trem. Silêncio quebrado por ruídos. Os atores são atores de John Ford, a situação é típica de clássicos do western, mas o modo de filmar é outro. São trinta minutos para se ver trinta vezes. E com eles, aprender tudo sobre cinema. Pois neles há humor, ironia, suspense, violencia, arte e até mímica de cinema mudo. Não conto o final dessa primeira cena. Veja-a.
A primeira aparição de Henry Fonda também é histórica. E entenda, Fonda era o mais nobre dos atores americanos. A imagem da integridade, do americano como ele gostaria de ser ou de ter sido. Pois aqui ele é um cruel assassino, e seus olhos azuis funcionam como texto sobre a violência. Outra surpresa, o filme dura quase três horas, e tem apenas quinze páginas de diálogos. É quase imagem e música. Mas suas poucas falas são todas marcantes. O roteiro é de Dario Argento e de Bernardo Bertolucci.
Ennio Morricone fez a trilha. Muita gente considera-a a melhor trilha da história do cinema. São quatro temas musicais. Acho que o próprio Ennio fez trilhas melhores, mas há uma grandiosidade aqui, um operismo tão irônico, e ao mesmo tempo nobre, que sim, é tocada a raia da genialidade. Mas considero a trilha de THE GOOD THE BAD AND THE UGLY melhor.
Claudia Cardinale faz o papel central. Falar de sua beleza é chover no molhado, mas há uma cena.....Claudia desce do trem e entra na estação, a câmera se ergue e pela primeira vez vemos a cidade em construção. Entra a música de Ennio. É uma cena tão perfeita, tão bela, de tanta riquesa estética, que imediatamente pensamos: Eis o maior filme da história do cinema! Eis a mais bela das cenas! Quando em seguida Claudia anda de carruagem e percebemos que estamos em Utah, no Monument Valley de John Ford...bem, não existe chance de ficar com os olhos secos. É uma homenagem a Ford tão bonita, tão sincera, tão reverente e respeitosa, que como amantes de Ford, nos sentimos homenageados também. É como se Sergio falasse : "Voces Fordmaníacos estão certos! Ele foi um gigante! Vejam suas pegadas aqui!"
Mas há mais. Jason Robards faz um bandido. Robards foi rei do teatro sério dos EUA. E fez bela carreira em cinema ( ganhou dois Oscars nos anos 70 ). Foi alcoólatra e casado com Lauren Bacall ( ex-senhora Bogart ). Sinta a responsabilidade do homem: foi ele quem tomou o lugar de Bogey! Bem....Robards tem também sua cena perfeita. É ao final, com Claudia, quando com olhos chorosos, ele diz à ela que uma mulher bela tem a obrigação de dar essa alegria aos homens. Para voces meninos, Jason Robards é o velho que está morrendo em Magnólia ( e cinéfilo como sei que PT Anderson é, sei que ele deve amar este filme e esta atuação ).
Charles Bronson faz o "Harmonica". É o único "quase herói". Movido por vingança. Esse papel poderia ter sido de Clint Eastwood, ou de James Coburn. Mas Bronson não faz feio. É sujo e bruto como exige o papel. Acabamos gostando dele. Mas eu adoraria ver Clint ou Coburn duelar com Fonda!!!!
Não nego que o filme às vezes cansa. E sentimos vontade de correr o dvd. Mas ao mesmo tempo, desde seu primeiro momento, sentimos estar vivendo um momento especial. Quando ele termina, melancólicamente, estamos gratos pelo talento de Sergio Leone. È preciso ser longo, é necessária sua lentidão. Seu tempo "oriental" é o segredo de sua riquesa.
E só no fim seu tema se desvenda. É sobre o final do herói. O fim dos últimos individualistas. Vemos o que se torna a América: uma miscelânea de trabalhadores indios, brancos, chineses e negros. Massa de gente anônima. Os "mavericks", os últimos puro-sangue, os cavalos selvagens se vão. O tempo do homem auto-suficiente, do ser que se define pelo que pode ser e pode fazer termina. Sendo parte da cidade ou se isolando no mato, o homem que surge é parte de um todo.
Sua mensagem torna-se ode de profunda melancolia. O herói que é herói por ter nascido assim, e não por seguir um papel, ou o bandido que é mal por ser o mal, eles deixam de existir. Tudo se torna algo que remete a algo que remete a algo. Como é este filme, que remete a tantos outros faroestes. Mas que é de infinita beleza, autêntica nobreza e exuberante amplidão.
ERA UMA VEZ NO OESTE não é o melhor ou maior filme já feito.
Mas se alguém pensar isso, quem vai poder negar?
Com este filme, Leone diz aos americanos: - "Valorizem seus westerns! Eles possuem uma grandesa infinita!" Desde então, gerações e gerações de movie stars tentam fazer "o seu western". De Ed Harris a Russel Crowe, de Christian Bale a Tommy Lee Jones, de Kevin Kline a Richard Gere. Mas não é mais tempo de seres perdidos e solitários, de estradas que vão do vazio ao nada. Sergio Leone conseguiu o que queria. Deu ao faroesta status de arte nobre.
PS: Quem for assisti-lo. Atenção aos closes nos rostos. Voce nunca mais verá rostos assim. Eles são continentes. Leone amava seus atores. Coisa de italianos......