Mostrando postagens com marcador eliane brum. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador eliane brum. Mostrar todas as postagens

VELHOS SEREMOS E VELHOS PERMANECEREMOS

   Eliane Brum escreve um lindo texto sobre a morte das pessoas que habitaram nossa vida. Que esse longo envelhecimento, que a ciência agora nos dá, faz com que tenhamos a experiência de vivenciar o desaparecimento do mundo que era nosso. O texto, lindo, vai pelo caminho da morte das pessoas. Ela fala do choque de perder Garcia Marquez e tantos outros. Gente que ela não conhecia, mas que estava lá, vivendo, e que agora se foi. Volto a dizer, o texto é muito emocionante. Mas se esquece de coisas mais importantes. Sim, um mundo sem Kurosawa parece mais vazio. Nunca vi pessoalmente José Wilker, mas era ótimo saber que ele estava aqui. Mas Eliane não fala de coisa pior que a idade traz, a destruição de nosso cotidiano, de nossos hábitos, de nosso caminho.
 
   Meu pai morreu com 82 anos, o que agora não é tanto, mas que foi o bastante para unir o mundo da Segunda Guerra ( meu pai tinha 20 anos em 1946 ), ao mundo de 2008. Onde estava o mundo que meu pai conheceu na juventude? Estava vivo dentro dele, estava presente nos velhos filmes, velhas canções, velhas histórias. Mas estava sepultado em tudo o que ele tocava e presenciava. As ruas, casas, praças, bares, cinemas que ele conhecera se foram. Todos partiram. Ele andava pelo bairro, ia ao centro e nada era o que fora. O mundo que ele construíra estava sepultado. Seus passos apagados pelo tempo. Pior que tudo, os costumes eram outros. Seus filhos agiam de um modo esquisito, as pessoas viviam coisas sem sentido para ele, tudo lhe era não familiar. E essa morte considero muito mais dura que a morte de Lou Reed ou de Peter O`Toole, mortes de ídolos ou de guias. Essa é a morte do habitat.
  Cheguei aos 50 anos, e se viver tanto quanto meu pai, ainda tenho longos 32 anos pela frente. E temo que sejam 32 anos de saudades da vida que tive aos 15 anos e do mundo que se foi em 1980. Claro que adoro certas coisas de 2014. Este blog é prova disso. Quem me dera ter um blog em 1980!!! Adoro poder escutar um disco que foi raro e que agora está disponível na net. O século XXI me deu a alegria de poder enfim ver os filmes de Michael Powell e de Ozu. Me deu melhores remédios e mais distrações. Mas, que estranho, tudo o que ele me deu parece ser consolo, memória, drogas virtuais, escape da vida lá de fora.
   O mundo vai ter de aprender o que fazer comigo. Conosco. O mundo é feito para gente de 15, 30 anos. Mas daqui a pouco a cara do mundo vai ser um cara de 50. De 60. A maioria. E o que vai acontecer? Haverá uma revolução silenciosa, a revolução dos velhos. Eles tomarão o centro. Moda e arte será para quem passou dos 40. ( Se é que já não é ). Teremos então a vigésima versão de Star Wars e os Stones, aos 98 anos, farão sua última tour. ( Observe que na Europa a mudança no futebol foi a troca de uma torcida de 15 anos por uma de 40 ). 
  O mundo será idoso. Movido a Viagra, Anti-depressivos e hidro-ginástica.  Querendo novidades que remetam ao conhecido.
  E como diz Eliane Brum, sentiremos a dor do que se foi. E veremos surpresos que estamos sós. Mas não apenas porque amigos e artistas queridos se foram. Mas principalmente porque nunca mais poderei ver o córrego de minha infância. Porque a praia onde ia não mais existe. E terão derrubado minha antiga casa e não conhecerei mais meu bairro. Porque todas as esquinas se farão enigmas e as ruas me guiarão ao estranho. Porque não consigo mais sentir conexão aos lugares e as coisas sou só. O café terá outro cheiro e o chocolate outro gosto.
  E então, nesse deserto de coisas vivas mas que para esse senhor são mortas, ele irá notar que alguma coisa jamais mudará. E serão essas as coisas que o salvarão da morte-em-vida. 
  O cachorro que ele tem age e se parece com todos os cães que ele sempre conheceu. Nele, como em todo bicho, nada mudou. Ele é anti-histórico. Resiste ao tempo e assim resiste a morte. O Xaxá de 2014 faz tudo como fazia o Billy de 1998. Nada muda. E esse velho se apega a esse ser que lhe é fiel. Fiel ao tempo passado, imutável.
  E outras coisas lhe acompanham, sem mudar. Deus é o Mesmo. Embora a igreja mude e se torne irreconhecível, Deus permanece. E com essa fé vem a capacidade de perceber que uma flor é sempre uma flor e que se o Guarujá se tornou um lixo, o Mar ainda é o mesmo. Ele lhe é fiel. Como fiel é a Serra. E até mesmo a chuva, que quando cai é idêntica a chuva de 1970. 
  Esse velho percebe que as coisas da natureza não mudam. Têm ciclos que se repetem. E é aí que o velho se salva. Na ideia do ciclo. Do círculo. Da verdade. 
  Percebe então que as bobagens feitas pelo homem se vão. E que não voltam. Jamais Pinheiros de 1973 voltará. Mas que as coisas da natureza, as tais coisas de Deus retornam.  São cíclicas e não estão além do tempo porque não o reconhecem. Nesse momento ele entenderá porque Marlon Brando é um imortal. E porque uma obra vale mais que a morte. E então, ainda triste, saudoso, perdido, porém consolado, ele, esse velho que viu tanto morrer, se calará. E irá sorrir.