Mostrando postagens com marcador edmund de waal. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador edmund de waal. Mostrar todas as postagens

O CAMINHO DA PORCELANA - EDMUND DE WAAL.

   Muito distante da leveza de A Lebre com Olhos de Âmbar, este livro do artista plástico, ceramista holandês, de Waal, tem momentos entediantes e outros de beleza clara. Talvez o problema seja o tema. Se em seu livro anterior o assunto era, para mim, fascinante, colecionismo-história-tradições, aqui o tema acaba por não me tocar. Não conheço nada dos meandros da porcelana e o que descubro aqui, apesar de muito interessante, não me apaixona.
 O livro começa com a invenção da porcelana, na China. Em 2012 de Waal vai para lá, ao local onde a porcelana era fabricada. Os números impressionam! O imperador mandava fazer 30 mil xícaras de uma só vez. Ou 200 mil pratos. A porcelana precisa de um tipo de argila especial e de um forno absurdamente quente ( 1400 graus ). Como resultado, temos a porcelana, uma espécie de milagre. Muito leve, muito branca, muito fina e resistente. Deixa passar a luz, é quase como vidro e emite um som ao ser tocada. Não é cerâmica! É porcelana.
 Depois vem a Alemanha, Dresden. Lá, em 1730, o príncipe Augusto gasta fortunas com a porcelana chinesa. Ao mesmo tempo há a alquimia. Alquimia é fazer de uma coisa uma outra coisa. E a porcelana faz do barro uma outra coisa. É uma das melhores partes do livro. Entramos em laboratórios de alquimia, acompanhamos um amigo de Leibniz que descobre afinal um caminho. E então entra a lenda: um jovem descobre a pedra filosofal!!! É caçado por Augusto e vira um tipo de "químico-prisioneiro". Trancafiado, deve descobrir a fórmula do ouro. E, sem querer, descobre a secreta fórmula da porcelana. Tudo isso em mais de 20 anos de pesquisas e prisões. Então Dresden cria a porcelana de Meissen, a segunda do mundo. E domina a Europa.
 Vamos à Inglaterra. E aqui acontece a outra boa história. Um químico de 18 anos vai trabalhar em Plymouth, e lá começa a pesquisar a porcelana nas horas vagas. Com a ajuda de um outro amigo, que fornece o capital, chegam à descoberta! Aqui a grande diferença inglesa: a porcelana é descoberta não por ordem real ou por magos alquímicos. É descoberta pelo indivíduo e pelo dinheiro.
 Talvez o mais surpreendente no livro seja seu final. De Waal chega a Dachau, campo nazista onde havia uma fábrica de porcelana nazista. Himmler presenteava gente importante com porcelana. Sempre branca. Pura. Brilhante. Limpa. Perfeita.
 Apesar dessas histórias maravilhosas, o livro nunca parece engrenar. Percebo que ele dá uma sensação de recomeço sem fim. Gira em círculo, como um torno.

EDMUND DE WAAL, JUDEUS, CHARLATANS E RICHARDSON...

   Nem tudo está perdido! Alvíssaras! Edmund de Waal, o mais chique dos escritores vivos, lança livro novo! Sai pela Intrínseca PORCELANA. Edição bonita, vou comprar, vou ler e vou comentar.
  Lindas essas famílias judias tradicionais passeando pelas ruas. Elas me lembram a firmeza de fé e de caráter que foi o comum um dia. Depois fomos obrigados a ser "criativos", "livres", "originais".
  Em Wembley, na final da Cup, tocam Charlatans no intervalo.
  Sai em banca de jornal Pamela, de Samuel Richardson, um clássico famoso por ser chato. De 1740, ele inaugura, segundo meu professor favorito, o romance no ocidente. São 500 páginas sobre a tentativa de sedução de uma governanta por um sir. O romance é para mulheres. Todo romance foi para mulheres. Eram elas que tinham tempo para ler. As ricas.
  Mulheres da elite são todas parecidas. Os cabeleireiros e as maquiagens fazem com que todas tenham a mesma cara. Um rosto escovado, claro, fino, com o cabelinho flutuando ao redor. Num café, ruim e caro, uma delas diz: "Só loser olha para trás. O que passou tem de ser eliminado. Eu só olho pra frente."
  Mas não se assanhe. Mulheres da Vila Madalena são mais iguais ainda.
  Sebald tem livro editado agora. Ele diz que, ao contrário da Inglaterra e da França, onde todos os costumes e toda história foi mantida, a Alemanha é um país sem passado. O nazismo fez com que a velha Alemanha, o país de antes de 1936, desaparecesse.
  Não se editam mais livros de poesia. Mal sinal.

A LEBRE COM OLHOS DE ÂMBAR- EDMUND DE WAAL, UM BEST-SELLER PARA HOJE.

   Conhecido como grande ceramista, o inglês De Waal, após pesquisas, viagens, dores e relembranças, escreve um livro, este. Nele ele fala dos netsuquês de sua familia. Primeiro: o que é um netsuquê? São minúsculas estátuas de madeira ou marfim, ricas de detalhes, feitas no antigo Japão. São feitas para o toque, para se levar nas mãos, no bolso, em cinto. A familia de De Waal tem mais de 200 netsuquês. Segunda questão: que familia?
 Começa o livro. A familia de Edmund é a familia Ephrussi, judeus de Odessa que se tornaram milionários no século XIX no comércio de grãos. Charles, tataravô de Edmund é o primeiro herói do livro. Vive em Paris e tem um palácio que existe ainda hoje. Hoje transformado em escritórios, lógico. Charles financia a arte de Renoir, de Degas e de Pissarro, torna-se personagem de Proust e coleciona com avidez. O luxo em que Charles vive nos é irrecuperável. O livro de De Waal tem muito de proustiano. Charles compra pinturas da renascença, prata e cristal, tapetes, os móveis mais raros e vive em seu palácio de ouro e de mármore, coberto por vidro, cercado de festas e lacaios. Charles vive para o belo.
 A França é tomada pela moda do japonismo. Tudo o que é japonês é chic. Charles compra os netsuquês e um armário de laca para os exibir. Os bonecos de marfim são felizes naquela casa. Apesar do anti-semitismo francês.
 Na segunda parte do livro estamos na Viena de 1900. Para lá vão os netsuquês. Dados como presente de casamento para a bisavó de Edmund. Viena de Karl Krauss, de Schiele e de Klimt, mundo de café e chocolate, de soldados bem vestidos, de rituais, de um rei que jamais poderia morrer. Nessa Viena, mais que o luxo, há a sensação de que a vida é boa, de que tudo pode ser feito, desde que feito com classe. Os netsuquês ficam no quarto da senhora. E lá, em meio a todo aquele ouro e seda, eles se tornam brinquedos. O império austro-húngaro tem muito de terra da carochinha, e as crianças da familia ( familia agora de banqueiros ) brincam com os bonecos: tigres, ratos, samurais, lebres.
 O nazismo surge lentamente e a familia passa pelo inferno em vida. Desapropriação, violência física, roubos, humilhação. Todos se desperçam. EUA, Inglaterra, México. A fortuna se esvai. Os palácios viram escritórios de nazistas. Edmund lê cartas, vê fotos, viaja até os lugares onde tudo ocorreu. Os netsuquês são escondidos pela empregada da familia, um a um, e vão para Londres, onde se tornam posse do avô de Edmund, Iggie.
 Edmund nasce nos anos 60 e estuda cerãmica. Vai ao Japão fazer estágios e lá convive com seu avô, Iggie. Conhece os netsuquês.
 O livro fala então do Japão pós-segunda guerra, da reconstrução, do milagre. E de Iggie, casado com um japonês, vivendo em Tokyo, apaixonado pelo país, e com seus netsuquês em lugar de honra.
 ......
 Li artigo sobre este livro no Estadão. Fenômeno na Inglaterra, trata-se de um livro cada vez mais raro: best-seller que tem qualidade, que é relevante. No artigo se diz que há influência de Proust e de Sebald. Resolvo ler.
 Nada há aqui da melancolia de Proust ( melancolia luminosa de Proust ), ou da profundidade filosófica de Sebald. Mas é sim, um belo livro. Que se lê com prazer, com curiosidade e com sofreguidão. De Waal não teme mostrar a decadência da civilização pós-Hitler, de exibir tudo aquilo que perdemos. E o que perdemos?
 Acima de tudo perdemos nossos objetos. Todas as coisas que nos cercavam eram parte de nós e com elas dialogávamos. Objetos que eram vivos, pois em nosso esbanjamento de tempo e de vida, lhes doávamos essa sobra, essa história, esse afeto. Um mundo em que tudo ao redor tinha a certeza da permanência, daquilo que lá está para nos acompanhar, para ser nosso. Os netsuquês são personagens centrais, estão vivos, são a familia em sí-mesma.
 Há tempo hoje para se vivificar as coisas? Olhe ao seu redor e tente encontar algo que lhe seja único. Um pedaço de coisa que possua história, narrativa, que conte algo, que respire. O livro possue essa conciência da perda, da luta contra a perda, da recusa a se deixar morrer. Luta judaica, sem dúvida, mas é a luta de todos aqueles que amam a cultura, a história, o pensamento, as "coisas".
 Leiam. Leiam. Leiam. Leiam.