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OS ELIXIRES DO DIABO - E.T.A. HOFFMANN

Freud adorava Hoffmann e não é difícil entender o porquê. Tudo em Hoffmann, autor romântico central do começo do século XIX, é divisão. Nada é UNO. Aqui vemos a história de um menino, destinado a ser um monge, que ao beber um líquido se torna um tipo de "protegido" do diabo. Nada de Fausto aqui, o diabo não surge e não propôe nada, ele é pressentido, sussurra conselhos, dá oportunidades, confunde. O monge, Medrado seu nome, primeiro se torna um orador admirado e vaidoso, depois sai ao mundo e em cada parada ele se torna "um outro". Hoffmann cria um ambiente de sonho, as coisas se misturam, as pessoas percebem coisas nele que nem ele mesmo suspeitava. Ele mata sem saber que foi ele quem matou, ele muda sem saber que mudou, ele se cinge em dois sem ter ideia de porque. --------------------- Lemos e nos perdemos com ele. Vamos ao seu lado, sem entender se aquilo tudo é real ou se Medrado delira o que lemos. A confusão é completa.

O CASTELO MAL ASSOMBRADO E OUTROS CONTOS - E.T.A. HOFFMANN. O PONTO MÁXIMO DO ROMANTISMO.

Ao contrário do que muitos pensam, existem pouquíssimos filmes genuinamente românticos. Um dos motivos é que a alma romântica é acima de tudo, solitária, e o cinema é a mais socializante das artes. Milhões de filmes falam de amor, ou são góticos, ou falam de uma vida romântica, mas muito raros são aqueles que são feitos dentro de um espírito romântico. O Atalante é o maior exemplo dentre todos. Michael Powell fez um filme chave chamado OS CONTOS DE HOFFMANN, baseado o roteiro numa ópera de Offenbach que por sua vez se baseia no autor alemão. Vejam o filme se quiserem entrar no clima. Powell consegue parecer romântico. Não só nesse como em The Red Shoes. Der Sandmann é o primeiro conto do livro. Freud tinha fixação por esse conto. O vienense dizia estar no conto a primeira discrição consciente de uma neurose. Hoffmann fora o primeiro homem, antes do próprio Freud, a entender que fantasmas, medos súbitos, loucura, histeria, não eram manifestações de fora, mas sim criações de estados mentais. O horror não era uma ação externa, nem um ato da natureza, era reflexo daquilo que vivia dentro de nossa alma. Sandmann fala de um homem que tem toda sua vida destruída pelo medo do Homem de Areia. Ele crê desde criança nesse homem do mal, e assim faz com que para ele o Sandmann seja real. Hoffmann é grande escritor e nos deixa sem saber se o advogado era de fato o mal ou se o pobre personagem é que o via como tal. Hoffmann além de escritor foi músico e pintor, e foi ele quem chamou a atenção da Europa para a genialidade de Beethoven. Mas seu ídolo era Mozart, e temos dois contos sobre música. Em um deles há a aparição de um fantasma durante uma apresentação do Don Giovanni. No outro é a própria música que surge como algo do além. O último e mais longo conto é o que dá nome ao livro. Engenhoso e sempre irônico, Hoffmann mostra o crime como desencadeador de maldições sem fim. Sua influência sobre Poe é imensa. Mas Hoffmann é bem melhor. Poe parece sempre apressado e às vezes se repete. Hoffmann escreve bem. Otto Maria Carpeaux na sua HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL coloca Hoffmann nas alturas. Para ele foi o alemão quem criou o romantismo em prosa. Deu nascimento a Walter Scott e Gogol. Li-o com grande prazer. Quero mais.

MARCEL CARNÉ/ POWELL/ TRUFFAUT/ MELHORES FILMES DA FRANÇA

   O BOULEVARD DO CRIME de Marcel Carné com Arletty, Jean Louis Barrault, Pierre Brasseur, Maria Casarés
Foi eleito, a coisa de cinco anos, o melhor filme francês de todos os tempos. Será? Esta foi a minha segunda visita a esse épico de 1945. Com mais de 3 horas, trata das paixões, misérias, ilusões de um trio ligado ao teatro. Arletty faz a atriz que todos amam, Barrault é Pierrot, o ator ingênuo que a adora. Brasseur é um ator-astro, cheio de si. Ao redor deles uma multidão de ladrões, nobres, escroques. Tudo lembra Balzac. É uma painel da França do fim do século XIX. Ruas com multidões, lixo e luxo. Tudo no filme é superlativo. A fotografia, o cenário, a música. E todos os atores. As interpretações são ao estilo francês puro, palavrosas e posadas. Hoje lembram cinema moderno, envelheceram tanto que viraram novidade. O roteiro, do poeta Jacques Prévert é brilhante. O filme varia entre poesia, drama pesado e comédia leve. Crime e vingança. É o maior filme da França? Não sei se é, mas o título não fica mal. Para mim existem 3 grandes filmes que merecem o título: este, Orfeu de Jean Cocteau e O Atalante, de Jean Vigo. Com vantagem para a obra-prima de Vigo. Claro que há ainda Clair, Renoir, Clouzot, Godard, Bresson, Melville, Tati, Truffaut...mas estes 3 são gigantes, amplos, completos. Cada um a seu modo, Vigo é intimista e simples, Cocteau é simbólico e hermético e Carné, belo e imenso.  Um filme que todos devem ver. Nota DEZ.
   CAPITÃO PIRATA de Gordon Douglas com Louis Hayward e Patricia Medina.
Aventura padrão de piratas dos anos 50 da Columbia. Pirata inglês se envolve no resgate de seus companheiros capturados por espanhol mal em ilha do Caribe. Nada de especial, produção pobre, mas para quem como eu adora filmes de piratas, não decepciona. Nota 5.
   ALEXANDRE O GRANDE de Robert Rossen com Richard Burton, Fredric March e Claire Bloom.
Há quem diga que Burton deveria ter sido o maior ator de todos os tempos. Mas ele se vendeu à Hollywood e perdeu tempo e vontade em filmes como este. Uma produção grande sobre Alexandre da Macedônia. O filme...bem, como levar a sério Burton de peruca loura? Rossen era um diretor metido a artista, mas este filme afunda em roteiro sem ação e personagens ralos. Só March se salva. Seu Filipe, pai de Alexandre é complexo, sutil e ao mesmo tempo dramático ao extremo. Nota 2.
   O RIO SAGRADO de Jean Renoir com Esmond Knight e Adrienne Corri
Renoir saiu dos EUA e foi a Inglaterra. De lá à India fazer este que é um dos filmes favoritos de Wes Anderson. E é realmente um filme mágico. E, como tudo de Renoir, de uma simplicidade absoluta. Uma familia inglesa vive na India à beira de um grande rio. Vivem de uma fábrica de juta. São cinco meninas e um garoto. Um americano chega e passa a ser cortejado. Uma tragédia ocorre, mas a vida continua. Renoir consegue nos fazer entender um conceito profundo sem falar quase nada. Imagens belas de Claude Renoir, irmão de Jean, e apesar dos atores ruins, o filme se eleva `grandes altitudes. É seu melhor filme. Disso não duvido. Nota DEZ.
   A NOITE AMERICANA de François Truffaut com Jacqueline Bisset, Jean Pierre Leaud, Valentina Cortese e Jean Pierre Aumont
Me apaixonei por cinema em 1978 vendo este filme na Sessão de Gala da Globo. Eu quis ser Truffaut. Durante uns 3 anos ele se tornou meu diretor fetiche. E 3 anos na adolescência são dez como adulto. Então posso dizer que Truffaut atingiu sua meta, mostrar o amor ao cinema de uma forma simples, ingênua  e pura. É claro que fazer um filme não é isto, mas o que Truffaut quis foi mostrar o amor à coisa, nunca um documentário sobre a feitura de um filme. Godard rompeu com François por causa deste filme. O que mostra a cegueira de Jean Luc. O filme é sublime, encantador, o conto de fadas dos que amam cinema. E tem uma das melhores trilhas da vida de Georges Delerue, o que não significa pouco, pois Georges foi sempre magnífico! Nota DEZ.
   OS CONTOS DE HOFFMAN de Michael Powell
Eis...Powell, o irriquieto, o corajoso, faz um dos mais arriscados filmes da história. Filma os contos de E.T.A.Hoffman em sua forma original, ou seja, como ópera, inteiramente cantado. E com cenários que são extremamente artificiais. O resultado é radical, voce adora ou odeia. Eu não me dou bem com ópera, mas adorei o filme. Porque ele é de uma beleza irreal, artificial, embonecada, brega, surpreendente, mágica. Se voce quer saber o que seja o romantismo eis o filme. Ele nos apresenta todo o universo de Hoffman, mas também de Shelley, Hugo, Lamartine...e chega até Poe. Vejo que George Romero é um de seus fãs e isso não me surpreende, este é um filme de horror. A beleza aqui é morta, espectral, como aquela de um cemitério. Se voce gosta desse mundo, veja. Se voce é um prático pés no chão, fuja correndo. Nota.........?

DER SANDMANN-E.T.A.HOFFMANN, O NARIZ-NIKOLAI GÓGOL, O SONHO-IVAN TURGUENIEV

   Desde a infância um homem surge para um rapaz. Aterrorizante na infância, ele tem a certeza de que se trata do famoso Sandmann. Será? Talvez seja alguém pior ainda. Hoffmann desenvolve essa alucinação com febre. Ele, romântico por completo, acredita em alucinações ( porque não? ), a vida é inteira, tudo nela é verdade. Sandmann é real.
  O Nariz é um dos melhores contos da história do mundo. Gógol é tão grande quanto Tolstoi ou Tchekov. Talvez hoje seja menos famoso que os outros dois, mas isso é contingência, seu lugar é para sempre. Triste ter morrido tão cedo, de tuberculose. Seu romance Almas Mortas é surpreendentemente engraçado e muito atual, e este O Nariz é hilário e ao mesmo tempo terrível. Gógol não poupa a Rússia. Seus soldados, burgueses, artistas e nobres são esculhambados. Nesta história um homem perde seu nariz. Tenta o reencontrar. Não estrague o conto tentando ver um sentido nisso. Ele não tem sentido. É delirio de imaginação e um prazer estupendo em poder ler. Cada frase de Gógol é um orgasmo.
  Por fim falo de Turgueniev, de quem li Pais e Filhos, o lindo primeiro romance a tratar em termos modernos do conflito de gerações. Aqui ele fala de um filho mimado que descobre em sonho ser filho bastardo. Essa revelação lhe vem esfarrapada, será fato ou invenção da febre e do sono? Adentramos esse mundo onirico de forma violenta.
  Cabe dizer que nos três contos a linguagem nos joga abruptamente para o centro de um mundo que pode ser feio e grotesco ( em Hoffmann ), exagerado e sem sentido ( em Gógol ) ou violento e sombrio ( em Turgueniev ). Sempre pessimista, principalmente quando nos faz rir e quando nos faz sonhar.
  Fazem parte da coletânea de contos fantásticos selecionados por Italo Calvino, ele mesmo um belo autor fantástico. Comecem por esses três. Vão adorar.

O PEQUENO ZACARIAS CHAMADO CINÁBRIO- E.T.A. HOFFMANN

Poeta, músico, pintor e principalmente contista. Hoffmann, alemão da grande era de Goethe e Beethoven, é o romântico mais lido de seu país. Principalmente seus contos de horror são hoje bastante populares. Ele foi inquieto, melancólico, idealista, proteico. Zacarias, finalmente traduzido, é um longo conto, ou curto romance, sobre fadas, magos e duendes. Mas é acima de tudo sobre a vida real.
Zacarias é pessoazinha disforme, repugnante e mal caráter. Uma fada sente piedade por ele e lhe concede o dom de ser admirado pelo trabalho dos outros. Zacarias, que se torna Cinábrio, continua o mesmo monstrinho de sempre, mas agora, todos vão enxergá-lo como possuidor do talento de quem estiver a seu lado.
O texto, simples e delicioso, com um humor ágil, joga ácido sobre o iluminismo ( para ele, o progresso é coisa imposta ao povo ) a ciência ( sempre cômica em suas deduções "profundas" nas quais fingimos dar importância ) a religião e até ao próprio romantismo. Mas ao contrário de Voltaire, que em seus contos nega qualquer consolo, em Hoffmann habita a esperança. Lendo, com grande prazer, este texto, sentimos que para ver o maravilhoso da vida, basta ter o desejo de perceber. Para Hoffmann ( e essa é a grande diferença entre os idealistas alemães e os cartesianos franceses ) o mundo é sim, mágico. As explicações científicas nada explicam, perdem-se em inúteis experimentos, provam o que é óbvio e fogem do inexplicável. Romântico que é, Hoffmann crê acima de tudo na maravilha humana. Seu modo de pensar seria massacrado no final do século XIX.
Freud tinha imenso apreço por Hoffmann. Seu texto é rico em símbolos de inconsciente. Ou não. Tudo o que voce esperava encontrar em Alice está aqui : maravilhamento. Zacarias daria um filme magnífico. Hoffmann continua vivo, e isso é fantástico.
Porque hoje, em época desiludida, precisamos mais que nunca dos tolos românticos para nos consolar, nos inspirar, fazer com que recordemos do tamanho que já tivemos. Vivemos um dia , faz tempo, em meio a titãs, acreditamos em mistérios; optamos por nos vulgarizar. Descemos.
No enfoque puramente político, eis um conto que expõe a tolice, atual e eterna, do puxa-saquismo, do conluio e da auto-ilusão. Cinábrio fala obviedades, faz banalidades e é tido por genial. Cercado de anônimos que trabalham e criam, é ele quem leva todo o crédito por tudo de bom que acontece.
Cinábrio poderia ser brasileiro e ter por nome Inácio. Hoffmann é de hoje.