Mostrando postagens com marcador duende. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador duende. Mostrar todas as postagens

O MAIOR DISCO GRAVADO EM TODOS OS TEMPOS: AGHARTA, MILES DAVIS, O MAIS PERIGOSO DOS SONS

lar Era 1975 e Miles estava no Japão. Em Osaka, ele resolveu gravar dois shows. Um de tarde e outro à noite, no mesmo dia. O disco da tarde seria este, Agharta, e o da noite seria Pangea, o seu disco seguinte. Voce acha muito? Pois saiba que Miles estava com problemas de coração, dores horíveis nas pernas e ombros, viciado em morfina, cocaína e ansiolíticos. A dor era tanta que ele se ajoelhava para poder apertar os pedais do trompete. E mesmo assim...Agharta é, para mim, o mais poderoso disco já gravado. -------------- Lançado em 1976, album duplo, uma faixa por lado, ele foi massacrado pela crítica. Dizem hoje que Agharta é, ao lado do Metal Machine Music de Lou Reed, o disco mais divisor de águas, mais anti-fãs habituais, um dia lançados. Odiaram Agharta. Odiaram muito. Chamaram de "insuportável", "Monótono", "apenas um som sem inspiração que se estica por hora e meia". Disseram não ter melodia, nem harmonia, falaram que Miles não compusera nada, não criara nada, o disco era um desperdício de vinil. A resposta de Miles foi exemplar: "Eu faço o que eu quero." ---------------- Após este disco Miles Davis ficou 6 anos sumido. Voltou em 1981, mais POP, mais comportado, quase yuppie. Ao mesmo tempo começou a ressurreição de Agharta. Toda uma geração de punks, funks, avant garders elogiavam o esquecido disco de Davis. Os Beastie Boys sempre o citavam. David Byrne. Prince. Beck. E eu então o escuto num sábado. Ouço domingo. Ouço segunda. Ouço terça, ouço hoje. Ele é inesgotável. O melhor disco que ouvi na vida. -------------- Ele começa e eu me sacudo todo. Não posso parar. Transe. Hipnose. É funk. É jazz. É noise. É absurdo. E é simples. Miles disse que é o disco que ele ia gravar com Hendrix. Mas ele morreu. Então ele chama dois guitarristas: Peter Cosey e Reggie Lucas. Baixo, Michael Henderson. Batera, Al Foster. Percussão, Mtume. Sax é Sonny Fortune. Dizem que a plateia japonesa adorou. Aplaudiram por 15 minutos. Em 1975 só eles gostaram. Porque viram a coisa nascer na hora. ------- A bateria funkeia e o baixo vai junto. E o resto segue atrás. É um disco afro, a batida manda. É diabólico. O transe está presente por todo tempo. E Miles usa um equipamento eletrônico que produz ruídos, que distorce o trompete, que assombra e tempera tudo com cores de pesadelo. Dá medo. E é sexy. O duende desceu naquele palco e graças aos deuses isso foi gravado. O duende tomou Miles e Miles conduziu os músicos. Falam que ele os regia com os olhos. Cada olhar era uma nova mudança. Tocava de costas para a platéia. Sem agradecer aplausos, sem apresentar os músicos, sem estar ali. A guitarra de Cosey, um negro misterioso que sumiu na história, solando todo o tempo, vudu na tarde do Japão. O sax de Fortune, Coltrane solto, os timbres metálicos do synth sem teclas, botões que produzem fantasmas, o trompete que é angústia, morte, dor, sangue e orgulho. E eu? ------------- Eu ouço e no meio do disco me sinto na beira do abismo. Algo de Miles e de seu duende me é ofertado. Sinto que basta um passo para eu entrar no transe. O disco é como uma noite na selva sem possibilidade de manhã. ------------ O maior disco porque ele é Stravinski e é Duke Ellingoton. É Sly Stone e é Psicodélico. É Can e é Velvet. É negro ao máximo. É 1975 e é algo que não nasceu. Um aborto. Após este disco não haveria como Miles continuar. Morte ou mudança. Ele morreu 6 anos e depois mudou. De novo. Sim, um gênio. ----------------- Eu quero o escutar de novo. O carnaval de eletricidade dionisíaca. O duende me chamando outra vez. Ao mesmo tempo tenho medo. Pois há um perigo nele, a despersonalização de Dionísio. O disco é uma droga, um alucinógeno. E é pra dançar, porque toda arte quer ser música e toda música quer ser corpo. Eis o fato: ESTE DISCO É CORPO. CARNE E SANGUE. Não o ouça com a razão. Não o sinta no coração. Ele é carne sexual, carne que se come, canibal e assassino. Por isso seu perigo. Por isso sua enganosa monotonia. Pois ele é INSTINTO. E instinto É. Ele É. A hora e meia não é tempo é lugar. O disco não anda e não passa, ele permanece. É um momento imortal e imorrível. E eu posso o escutar eternamente. E falar dele pra sempre.

SOBRE O DUENDE EM MÚSICA

Feche o quarto e deixe tudo absolutamente escuro. Ligue a música em máximo volume, e de pé, no centro do espaço, ouça-a sem dançar. Fique parado e se voce sentir que vai começar a executar passos de dança, não os execute e não imite nenhum performer que voce viu um dia no palco. Fique quieto, solto, calmo, ouvindo o som.
Quando os americanos começaram a ouvir som de preto ( blues e rocknroll ) lá por 1955, a sociedade entrou em parafuso porque ? Não foi devido ao fato deles falarem errado, não foi pela pelvis de Elvis ( também foi ), ou puramente pelo racismo ( também foi ). O que havia por detrás de tudo isso era o medo, um inconsciente medo. Do que ? Do duende, é claro.
Toda a nossa civilização nos oferece sempre um único modelo de pensamento. O politico/militar, o politico/religioso ou o politico/técnico. Cada sociedade tem o seu. E para se interromper a força destruidora da anarquia, o duende primitivo dessa massa de ex- bárbaros tem de ser asfixiado. Enquadrado. Ele se esconde em nosso inconsciente mais profundo e lá fica, tentando voltar a tona. Drogas, sexo e música, como fazê-lo respirar ?
John Lee Hooker cantando Big Legs Tight.
É macumba. Duende é macumba. Foi isso que apavorou o branco da América de 55. A cerimônia de invocação de Dionisius, a macumba baby. O preto véio.
No centro do quarto eu começo a tremer interiormente. Meu corpo ainda não se move. Mas o grito e a possessão já se fizeram. Balanço e não caio, entro em doideira sexualizada. Não danço, movo meu corpo que é levado por alguma coisa descontrolada dentro de mim. Viagem sem droga. Me jogo ao fogo. Giro, e vou......
Quando a música termina estou esgotado. E solto, livre, inteiro. Isso é o duende.
Brancos também fazem essa macumba. Mas lhes é mais distante, mais dificil de atingir. São séculos demais de romanismos e ciência. Os negros estão mais próximos disso. Para eles o xamanismo foi de seus bisavôs.

Exile on Main Street é todo feito como incessante busca do duende. Foi o escutando, no escuro, que travei meu primeiro contato com ele. E hoje, anos sem experimentar sua presença, sinto-o sem querer ao ouvir John Lee Hooker.
Cuidado com Hooker ! Muito cuidado ! Um duende como Howlin Wolff, Robert Johnson, Miles Davis ou Thelonious Monk. Macumbeiro. Preto vèio com voodoo.
Encontre seu duende. Pela poesia, pela música, pela religião. Iggy achou o seu. Jagger trouxe-o a tona na branquérrima Londres de 63. Hoje ele tem sido vulgarizado em pílulas e performances que são ataques de nervos, jamais manifestações de Dionisio ( a diferença entre um cara tendo um ataque convulsivo no palco e um autêntico duende é o sexo. O duende é sempre sexualizado, bissexual, provocante e sedutor, satanicamente feliz ).
Tente trazer o seu a tona. Sem medo. O universo agradece.