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A CIÊNCIA E A ARTE

   A coisa de cinco meses atrás li um livro sobre a história da física e da matemática teórica. Esse ramo da ciência, talvez o mais nobre, não pretende construir coisas práticas. Ele não se ocupa da resolução ou da melhoria de um obstáculo da vida diária. Na verdade esse ramo se ocupa exclusivamente do mundo da própria ciência. Ela se lança a resolução de teoremas e de proposições que estão inseridas dentro da teoria da ciência. É o mundo da abstração pura. Claro que muita coisa desse campo acaba, após algum tempo, se revelando útil para o mundo da tecnologia, mas nunca é esse o objetivo. A meta é expandir o universo abstrato.
  Para um apaixonado pela criatividade, ler um pouco sobre esse mundo, que muitos pensam ser frio, é motivo de surpresa e de fascínio. Douglas Adams era um apaixonado por esse universo. Fácil entender porque. Há aqui inspiração. Uma energia nervosa que excita. 
  Não sou do ramo, e apesar de ter me divertido, confesso que entendi apenas 40% da coisa. Biologia acho chato, quimica um porre, mas Física e Matemática são fascinantes! Principalmente os ramos mais abstratos e teóricos. É como visitar um mundo literário insuspeito. Ou, o que deve ser na verdade, é como adentrar a realidade em todo seu universo de enigmas. Fatos como a teoria do improvável, os paralelos entre realidades múltiplas ou a distropia do conhecimento são como drogas alucinógenas. Sua mente se expande em contato com mundos de pura abstração de de absoluta lógica. Por mais delirante que pareçam certas equações, todas têm o rigor da lógica e da razão. Não há espaço para o """deve ser porque eu creio que é"", não existe opinião sensível, tudo é baseado em dados e teoremas. E num maravilhoso faro intuitivo. Pois tudo se inicia com esse sentido da intuição e segue dentro dos conceitos de possibilidade e acerto. Mesmo que esse acerto leve a descoberta do impossível dentro do fato. Dos desacertos, dos mundos dentro de mundos, do cosmos impossível e da partícula infinita.
  As biografias desses gênios são admiráveis. Homens e mulheres que viveram em mundo restrito. E que ao mesmo tempo era infinito. Abnegados, colaborativos, concorrentes, vaidosos, ciumentos. Não é um mundo muito diferente do mundo da literatura. Talvez um pouco mais amigável. E, sinto dizer, bem mais interessante. 
  A ciência tomou o trono da arte. Antes, até mais ou menos 1910, o artista era o legislador do mundo. Ele antecipava o que viria a ser, ditava tendências e tinha a palavra definitiva sobre tudo e todos. Hoje ele ;e irrelevante. Pior, costuma ser um canalha. Vem na rabeira da vida e posa como dono de um dom especial. Se era natural ver Goethe ou Beethoven como sumidades sobre a vida e sobre a história, hoje um grande artista é apenas um grande artista. ( E se assim o for já é excelente! ). Artistas que em 2014 têm a humildade de admitir sua vacuidade são admiráveis. 
  A ciência nos guia hoje. Para o bem e para o mal. Ela cria a história. Cria a filosofia e modifica nossa criatividade. As mentes mais fascinantes se dirigem para ela. Se em 1800 as melhores mentes escreviam poesia, em 1850 eram filósofos e em 1650 eram pintores e arquitetos, as grandes cabeças de agora não estão cursando filosofia ou letras ou sociologia ou psicologia. Muito menos direito ou geografia. Elas estudam física, matemática pura, robótica, cibernética, estudam a célula, o cérebro, a geologia, a química orgânica. 
  É isso o que fala Frank Kermode. Ciumenta, a crítica literária luta por transformar letras, poesia em ciência. E fracassa. Destrói a poesia da arte e nunca consegue o tal almejado respeito dos cientistas ( como se eles não respeitassem a poesia!!!! ). Uma burrice que demonstra um profundo golpe de falta de auto-estima. Gente que pouco ama a arte e acha que ela só pode ser digna se for matemática. 
  O que existe é a inteligência, a criatividade, o dom abstrato. Seja em arte seja em teoremas, tudo é genial quando é original. 
  O resto é medo, vaidade, inveja e pobreza.

O GUIA DO MOCHILEIRO DAS GALÁXIAS ( PRIMEIRA PARTE DE UMA TRILOGIA DE CINCO )- DOUGLAS ADAMS

   Pronto, viciei. Quero ler todo o resto. 
  Existem dois tipos de escritor. O estilista. O autor que escreve muito bem e cujo interesse está na forma, no modo como escrever. A escrita é a mensagem. Proust, Henry James e Flaubert são bons exemplos. E existe o imaginativo. O autor escreve para exercitar sua imensa criatividade. Ele tem ideias. O conteúdo sobrepõe a forma. Cito Italo Calvino, Evelyn Waugh e Wells como exemplos desse estilo. ( Claro que há quem brilhe nos dois estilo. Raros gênios como Borges, Sterne, Cervantes. Autores que escrevem bem e ao mesmo tempo têm enormes ideias ). 
  Em termos de criatividade, Douglas Adams foi um gênio. A forma é simples, ele escreve no bom estilo direto de Conan Doyle ou de Stevenson. Porém, o que o diferencia é a habilidade em criar uma lógica dentro do absurdo. Desse modo ler este livro causa o mesmo efeito de se ler algo sobre física quântica, ou seja, o absurdo levado ao matemático. O grande charme do livro não é seu humor, apesar de eu rir muito com ele, o charme é a criatividade. E é claro, nós amamos a mente criativa. Ela deixa nosso fardo mais leve.
  Veja a criação maravilhosa de um personagem como Marvin, o robot que sofre de depressão. Ou o modo como o planeta acaba, toda a cena num pub, onde por uma fração de segundo o barman, obtuso, percebe o que vai acontecer. Esse o charme maravilhoso de Adams, o humor brota no absurdo, mas jamais faz com que ele deixe de seguir uma lógica. A escrita deste excêntrico britânico é quase matemática. 
  Douglas Adams foi um esquisito. Viveu como vagabundo, foi hippie, foi operário e trabalhou na BBC. Este livro surge no fim dos anos 70 como série de rádio e vira febre no começo dos anos 80. Cada época tem a febre que merece. No tempo dos punks, pós-punks e new romantics este era o Harry Potter de então. Uma saga da desilusão. Morto aos 49 anos, no começo deste século, Douglas Adams honra a tradição de gente como Kevin Ayers, Wells, Waugh, o Monty Python e Noel Coward. O excêntrico. O humor do absoluto sem-razão. O nonsense. Fazer rir sem objetivo algum. O trocadilho. A mudança de rumo insuspeita. O prazer. 
  Li todo o livro em uma tarde. Ler é o maior dos meus prazeres ( talvez ), e ler alguma coisa tão surpreendente é um êxtase! 
  Como eu adoraria escrever assim!!!!!